Cá por mim, condenado a heterodoxia por fazer parte daqueles velhos crentes que sempre foram cristãos novos, prefiro continuar por aqui, a passear entre as páginas do tempo, embora não possa deixar de assinalar que anteontem, ao fim da tarde, quando dava uma volta pelos becos do meu bairro, encontrei, por acaso, na Rua do Embaixador, um antigo colega meu do curso do IDN de 1985, o senhor D. Duarte, duque de Bragança e que, de conversa em conversa, fomos à procura de um café, assentando-nos nos Queques de Belém, diante do Museu dos Coches, onde, dele, recebi novas sobre a sua última visita a Bissau e da conversa que aí manteve com Nino Vieira, assim se demonstrando como o descendente de D. Pedro IV e de D. Miguel merece o título, no seu eterno sonho do Portugal universal, capaz de vencer o estreito círculo das pequenas sociedades de corte que o tentam fechar na caricatura do reizinho, pretendente ao trono, ele que é dos mais lúcidos críticos que tenho encontrado face a aristocretinos e fidalgotes. O duque de Bragança tem a grandeza da humildade daquela velha nobreza que não tem os tiques da fidalguia, assumindo o essencial da herança que lhe cabe legar ao futuro, aquilo que em português antigo se chama o afecto e que nos leva à lealdade básica face a princípios e a instituições. Aqui lhe deixo o meu testemunho azul e branco, de realista que bem gostaria de realizar a minha máxima ambição política, a de, um dia, ser procurador do povo numas quaisquer Cortes que voltassem a refazer leis fundamentais que dessem à república dos portugueses o símbolo congregante da coroa aberta do rei medieval e renascentista, do pré-estadualismo Maquiaveliano e do pré-soberanismo bodiniano, a fim de nos libertar deste espartilho leviatânico que, depois de conspurcar os ditos Estados Nacionais, continua a fazer apodrecer a própria Europa política, tentada pelo método bismarckiano, napoleónico ou da casa de Áustria. O imaginário da geração que traduziu em calão o Maio 68 ainda não compreendeu que todas as revoluções são pós-revolucionárias Com efeito, o jogo dos grupos de pressão e dos grupos de interesse, nessa manipulação de uma gerontocracia, entretida com a literatura de justificação do poder que alcançou e com o consequente revisionismo histórico, leva a que os restos de universidade que ainda resistem caiam na esparrela das chouriçadas, alimentadas por elementos colonizadores, vindos da partidocracia, das catacumbas da buracratite ou das empresas onde são empregados, usando a universidade para cartão de visitas. É com a angústia do desencanto que revejo palavras e ideias de uma época em que ainda tinha esperança na instituição fundada há vinte e cinco séculos por Platão. Vejo agora que o desencanto é cada vez mais pressionante. Mesmo as eventuais boas intenções do ministro Gago e dos seus compagnons de route se preparam para manter esta instabilidade estatutária, em que costumamos ser férteis, repetindo o erro jacobino de Veiga Simão, que fez uma reforma Pombalista para a não executar, desculpando-se sempre com a circunstância de a criatura se ter liberto do criador. Agora, todos os universitários, os que esperam o prometido pacote decretino do senhor ministro, que quase nos obriga a louvaminhar os novos amanhãs que cantam, sabem, de experiência sofrida, que esse impulso reformista vai ser sucessivamente barganhado em instabilidades e eventuais vazios de poder, até porque este ministro, muito provavelmente, não será o executor da peça com que doirará as respectivas memórias. O conceito indeterminado da bolonhesa, a criação de fundações, as campanhas eleitorais para as curadorias e as reitorias, a dependência de todos os aparelhos dos critérios mínimos de excelência, etc. , redundarão na inevitável guerra de todos contra todos, onde acabarão por gerar uma luta pela sobrevivência no emprego, com a consequente feudalização de um processo que deveria ter uma ideia de obra, claro cumprimento das regras processuais e manifestações de comunhão entre os membros da instituição. A Universidade que sobreviveu à Ditadura, ao PREC e à pós-revolução corre o risco de não aguentar os muitos aprendizes de feiticeiro que ainda não compreenderam que o feitiço se volta sempre contra o desencadeador da tempestade. Julgo que qualquer revolucionário frustrado não consegue, a partir da respectiva frustração, assumir a necessária reforma de uma entidade que caiu nas teias de grupos de pressão e de grupos de interesse. O imaginário da geração que traduziu em calão o Maio 68 ainda não compreendeu que todas as revoluções são pós-revolucionárias e que quer fazer de anjo acaba por se tornar, muitas vezes, num bestial que, depressa, passa à categoria de demónio. Não é a Gago que me refiro. Mesmo que o remodelassem, isso não impediria que fossem contidas as forças de destruição que as respectivas boas intenções desencadearam e que acabarão por fazer prevalecer os fagmentários interesses das muitas árvores que não têm o sentido da floresta. Não tardará muito que entidades com interesses financeiros acabem por aproveitar esta oportunidade de res nullius, para aqui instalarem a racionalidade importada de um novo ensino superior verdadeiramente privado e lucrativo, a que se acolherão os consumidores defraudados pela falta de qualidade da chouriçada que se avizinha, dado que nem sequer podemos recorrar à ASAE e à DECO, porque os produtores da fraude continuam a abusar da respectiva posição dominante no mercado da publicidade enganosa.