Jul 31

O vudu dos mortos-vivos e um intervalo de não-bombardeamento em plena guerra

Hoje, trinta e um do mês sete, quando em 1826, D. Isabel Maria jurava a Carta, quando, em 2001, morria Francisco da Costa Gomes, que, aliás, estão um para o outro, em cinzentismo e rolhice. Porque ontem, se tivesse teclado, também teria de assinalar que, em 1930, no dia 30, surgia um decreto do Conselho de Ministros criando a União Nacional, o antipartido que seria o partido único do regime que estava antes deste, tal como em 1931, nessa data de 30, era criada a Polícia Internacional Portuguesa, base da futura PIDE, que era bem mais domesticamente a polícia política da coisa salazarenta, onde ninguém me é capaz de dizer, ao certo, quem era o criador ou quais eram as criaturas, porque todos se foram amalgamando no vudu dos mortos-vivos.

 

Começo assim, naturalmente, porque os bombardeamentos no Médio Oriente terão sido suspensos e não há repórteres de guerra que nos tragam novas do Afeganistão e do Iraque. Só há guerra nos sítios para onde vão a CNN, a BBC e a SKY. E as guerras todas acabam quando Londres e Washington decretam que acabem, ao fazerem uma dessas efectivas cimeiras que tanto dispensam a ibérica presença de Barroso e de Solana como irritam os restos gaullistas ou mitterrandistas de Paris, sem que alguns dos mais atlantistas dos nossos deputados europeus, exprimam, em palavras épicas, a respectiva indignação, dado que se transformaram em meros caçadores de anti-semitas domésticos.

Jul 28

numa espécie de exercício geopolítico dos afectos

Prefiro reflectir sobre o próprio sítio onde estou, numa espécie de exercício geopolítico dos afectos, aqui, à beira da extremidade ocidental do que foi o “mare nostrum” ou mar interior, dito mediterrâneo, onde a curva do mar antigo acaba e começa o mar sem fim, dito atlântico, o tal que apetece sonhar. Aquele que vira as costas à terra de guerra e, de olhos postos no infinito, a caminho do Sul, continua a tentar provar que a terra é circum-navegável, se rodarmos em torno do nosso próprio eixo, para parafrasear Toynbee. Só assim podemos aceder ao tal abraço armilar que é partir para regressar. “Mare nostrum, mare liberum”. Perante a desesperada falta de soluções da racionalidade finalística, importa passear pelo tal lume da profecia, a que Weber chamou racionalidade axiológica. O recurso à violência estadual, mesmo na sua forma de guerra, pela qual os homens continuam a optar é sempre um mau conselho. Não vale a pena optarmos por ainda mais guerra e até sonharmos com esse clímax da violência institucional que é o uso ou a ameaça de uso daquilo a que demos o nome de “absolute weapon”, coisa que acontece quando alguns têm a ilusão da nova forma de solução final. Prefiro continuar a pensar mar, aqui no limite Sudoeste daquilo que foi a “respublica christiana” e a “pax romana”, neste pedaço de terra que teve de ser reconquistado ao Islão, de que fizemos moiras encantadas, tal como em Marrocos ainda se fala nas portuguesas encantadas. Sou da terra de Alcácer-Quibir, fui derrotado por eles, ajudados que foram por huguenotes e protestantes ingleses, quando D. Sebastião tentava criar um triângulo estratégico que passava pelo Rio de Janeiro e de Luanda, para assim recriar um novo “mare nostrum”. E é com a memória do derrotado que não me apetece voltar a ser derrotado. Porque também sei que vencer é ser vencido, como me foi ensinado por Fernando Pessoa. Salazar cai sempre de uma cadeira e pobre do verbo que depende da verba, ou da ideia que precisa de bombas para converter. Voltemos à liberdade livre da imaginação como terceira potência da alma, a tal que nos treina para a transgressão criativa da rebeldia e da insolência do sonho. As crises de anarquia criativa podem corresponder a incubações que precedem a chegada das grandes emergências que juntam convergência e divergência, essas mudanças dramáticas que se traduzem pela bela quebra de fronteiras entre territórios até então hostis. Também no Médio Oriente poderemos sonhar como corpos vivos de povos que regressem, para organizações de complexidade crescente. Basta que regressemos a forma intuitivas de ideação. As tais que ainda não se sistematizaram por uma engenharia piramidal de conceitos, as tais formas de libertação que nos permitem voltar a ter organização, mesmo que seja organização inter-estadual. Estou a ler Koestler e aí reparo que uma organização é uma espécie de árvore, onde a hierarquia é feita de ramos superiores e inferiores, onde os superiores aparecem aos inferiores como um todo, dotado de unidade, mas onde os superiores olham para os inferiores como partes vivas e autónomas desse mesmo todo. Onde cada parte, mesmo a superior, é dotada de complexidades, isto é, marcada pelo princípio da autonomia, onde a variedade gera unidade, não pela unidimensionalização da bomba, mas pela subsidiariedade. Onde o controlo do todo pelas partes é levado a cabo pelo fluxo da rede, da unidade na diversidade. Pela tal coisa a que chamamos democracia. E que pode ser universal. Porque as coisas antigas podem não ser antiquadas. Como num barco ultra-sofisticado pelo choque tecnológico que não abandona o princípio da âncora, que sempre foi esperança.

Jul 28

A esquizofrénica procura do presidente-rei e a (falta de) ética republicana

Soares e Cavaco são o regresso a um mitificado passado, a invocação de dois dos principais situacionismos que marcaram a nossa pós-revolução. A procura da segurança sistémica, ao exigir este conforto pela protecção do presente, recorrendo-se aos pais do modelo político que temos, constitui uma ilusória droga que revela tanto a impotência das presentes gerações como a falta de criatividade dos filhos do soarismo e do cavaquismo, confirmando a estagnação em que o regime se enreda. E tudo poderá explodir se não ganharmos consciência da circunstância de poder chegar, de um momento para o outro, o Marcello Caetano deste regime envelhecido. Aliás, ninguém de bom senso acredita que o actual PSD possa assumir-e como alternativa credível ao presente governo. Da mesma forma, também ninguém vislumbra a hipótese do desencadear de uma crise política que crie um ambiente de pré-golpe de Estado, coisa que é, de facto, tecnicamente impossível. O comando político e social do país já não cabe numa “Chaimite”, dado que atingimos níveis de pluralismo e de sociedade aberta que nos tornam imunes ao golpe, apesar de continuarmos vulneráveis à putrefacção. As próprias análises políticas que acompanham os cenários presidenciáveis, inventariando-se os prós e contras dos perfis intervencionistas dos principais candidatos, reflectem o conformismo comentarista. Com efeito, o intervencionismo do velho macro-economista não surtiria efeito nas presentes circunstâncias, porque o Palácio de Belém não pode transformar-se num super-ministério das finanças. Da mesma maneira, soaria a ridículo que o mesmo local presidencial pudesse volver-se em Palácio das Necessidades, no caso de vencer o antigo caixeiro-viajante da república, até porque já se foi o estrondo que marcou o fim da guerra fria e morreu Álvaro Cunhal. Ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio e um qualquer velho não pode voltar a ser novo, mesmo que recentes químicos nos dêem a ilusão alquímica da descoberta do elixir da vida eterna. Por isso, bem podemos estar a assistir a delírios típicos das noites de Verão, pelo que, depois das reflexões de Agosto, talvez se chegue à “rentrée” de forma mais friorenta. Todos sabem que o necessário “indisciplinador colectivo” capaz de afastar a presente estagnação não virá de dentro para fora. Porque os factores nacionais de poder, que a governação pode gerir e mobilizar hierarquicamente, já não são suficientes para um intervencionismo capaz de debelar a crise que nos ameaça. Já não somos um país independente à maneira salazarista. E a independência que nos resta se resume à sucessiva gestão de dependências a que livremente nos fomos prendendo, tanto a nível da transferência de soberania da integração europeia, como da interdependência da globalização. O sonhado intervencionismo presidencial não passa de uma ilusão. É feito de imagens assentes num passado que já não há, quando outras eram as circunstâncias. Daí que o regresso de personalidades históricas, ligadas ao momento genético do presente regime, apenas conforme a presente esquizofrenia colectiva. E que possa repetir-se a tal estúpida personalização do poder que nos faça depender de uma constipação mal tratada. Tanto são graves soarismos ou cavaquismos sem Soares e sem Cavaco, respectivamente, como Soares ou Cavaco, feito um deles presidente, também sem soaristas ou cavaquistas. O aqui e agora é diferente no “tempo” de interregno em que estamos embrenhados e no “espaço” das presentes circunstâncias geopolíticas que levaram os principais presidenciáveis a ficarem assinaladas como figuras notáveis da história política política portuguesa. Transformar as eleições presidenciais num passeio que a pátria portuguesa provindencia para o Olimpo do agradecimento dos homens comuns, revela uma falha dos nossos constituintes que deveriam ter previsto a hipótese de um colégio presidencial de muitos “honoris causa”. O que evitaria o perigo do estabelecimento de um regime monárquico à maneira vaticana, com o eleito a receber mandato vitalício de presidente-rei. Assim se evitariam os desperdícios de tantas pré-campanhas, campanhas e actos eleitorais, bem como algumas fraudes face ao sentido da proclamada ética republicana.Em tempo de homens ditos realistas, importa ter o realismo de ser idealista Começo por recordar. Que na data de hoje, em 1914, com a declaração de guerra de Viena à Sérvia, se iniciaram oficialmente as hostilidades daquilo que, então, se assumiu como a Grande Guerra, que seria a última, mas que, afinal, não passou da I Guerra Mundial, depois de haver a Segunda. E a maior parte dos problemas que podem provocar as guerras mundiais de hoje ainda são problemas que este primeiro confronto pseudo-gnóstico não resolveu. Comemorava então o seu aniversário, pelas doze primaveras, um tal Karl Raimund Popper, que a si mesmo se veio considerar como o último filósofo das luzes e a quem devemos a explosão solar que, na estrada para Damasco, cegou, de tanto brilho, alguns ex-ilustres marxistas-leninistas-estalinistas lusitanos, os tais que, mantendo ainda hoje a metodologia do georgiano, mas mudando de amanhãs que cantam, ainda por aí cantarolam o popperismo, procurando candidatar-se a supremos inquisidores da palaciana república. Por mim, já conhecia Popper antes de os ditos desembarcarem na biblioteca onde abriram as respectivas páginas pela primeira vez e continuo a não obedecer-lhes, embora tenha obediência. Pedimos desculpa por esta interrupção dos nossos comentários de guerra. Vou ler em arquivo directo a última intervenção de Bush, porque os nossos propagandistas do dito talvez tenham cometido o erro de serem mais bushistas do que o próprio Bush. Queria acrescentar que, apesar de tudo, em matéria de política internacional, ainda sou do partido de Woodrow Wilson que, em tempo de homens lúcidos, tinha a lucidez de ser ingénuo. Até Hannah Arendt, que era judia, militaria aqui. Onde esperamos receber o mais lúcido contributo do próprio Bento XVI. Não tardará muito. Dizem que está a ler o relatório sobre o bombardeamento de alguns conventos no Líbano e a retomar o discurso de João Paulo II sobre o espírito de Assis.

Jul 28

Em tempo de homens ditos realistas, importa ter o realismo de ser idealista

Começo por recordar. Que na data de hoje, em 1914, com a declaração de guerra de Viena à Sérvia, se iniciaram oficialmente as hostilidades daquilo que, então, se assumiu como a Grande Guerra, que seria a última, mas que, afinal, não passou da I Guerra Mundial, depois de haver a Segunda. E a maior parte dos problemas que podem provocar as guerras mundiais de hoje ainda são problemas que este primeiro confronto pseudo-gnóstico não resolveu.

Comemorava então o seu aniversário, pelas doze primaveras, um tal Karl Raimund Popper, que a si mesmo se veio considerar como o último filósofo das luzes e a quem devemos a explosão solar que, na estrada para Damasco, cegou, de tanto brilho, alguns ex-ilustres marxistas-leninistas-estalinistas lusitanos, os tais que, mantendo ainda hoje a metodologia do georgiano, mas mudando de amanhãs que cantam, ainda por aí cantarolam o popperismo, procurando candidatar-se a supremos inquisidores da palaciana república. Por mim, já conhecia Popper antes de os ditos desembarcarem na biblioteca onde abriram as respectivas páginas pela primeira vez e continuo a não obedecer-lhes, embora tenha obediência.

Pedimos desculpa por esta interrupção dos nossos comentários de guerra. Vou ler em arquivo directo a última intervenção de Bush, porque os nossos propagandistas do dito talvez tenham cometido o erro de serem mais bushistas do que o próprio Bush. Queria acrescentar que, apesar de tudo, em matéria de política internacional, ainda sou do partido de Woodrow Wilson que, em tempo de homens lúcidos, tinha a lucidez de ser ingénuo. Até Hannah Arendt, que era judia, militaria aqui. Onde esperamos receber o mais lúcido contributo do próprio Bento XVI. Não tardará muito. Dizem que está a ler o relatório sobre o bombardeamento de alguns conventos no Líbano e a retomar o discurso de João Paulo II sobre o espírito de Assis.

Jul 27

Mare nostrum, mare liberum… viva o princípio da âncora!

A guerra que não é guerra continua a queimar terra e consciências, enquanto passo os olhos pela agenda das efemérides e reparo que neste dia do ano de 1970 morria António de Oliveira Salazar, enquanto em 1953 se firmava o acordo de armistício que punha termo à guerra da Coreia, tal como ontem se assinalou a nacionalização do canal do Suez (1956) e a independência da Libéria (1847). Mas não vou falar de Salazar, nesta semana em que se ficaram a conhecer outros passamentos de alguns dos seus colaboradores, desde o fotógrafo e assassino de serviço, cujo nome não indico, a outros “zombies” que ainda andam por aí. Odeio quem odeia. E respondo ao ódio com o imprevisto da tolerância e o exercício do verbo que não precisa de concessões de verba e de chefia de contínuos. Resistirei sempre ao terrorismo de Estado.

Prefiro reflectir sobre o próprio sítio onde estou, numa espécie de exercício geopolítico dos afectos, aqui, à beira da extremidade ocidental do que foi o “mare nostrum” ou mar interior, dito mediterrâneo, onde a curva do mar antigo acaba e começa o mar sem fim, dito atlântico, o tal que apetece sonhar. Aquele que vira as costas à terra de guerra e, de olhos postos no infinito, a caminho do Sul, continua a tentar provar que a terra é circum-navegável, se rodarmos em torno do nosso próprio eixo, para parafrasear Toynbee. Só assim podemos aceder ao tal abraço armilar que é partir para regressar. “Mare nostrum, mare liberum”.

Perante a desesperada falta de soluções da racionalidade finalística, importa passear pelo tal lume da profecia, a que Weber chamou racionalidade axiológica. O recurso à violência estadual, mesmo na sua forma de guerra, pela qual os homens continuam a optar é sempre um mau conselho. Não vale a pena optarmos por ainda mais guerra e até sonharmos com esse clímax da violência institucional que é o uso ou a ameaça de uso daquilo a que demos o nome de “absolute weapon”, coisa que acontece quando alguns têm a ilusão da nova forma de solução final.

Prefiro continuar a pensar mar, aqui no limite Sudoeste daquilo que foi a “respublica christiana” e a “pax romana”, neste pedaço de terra que teve de ser reconquistado ao Islão, de que fizemos moiras encantadas, tal como em Marrocos ainda se fala nas portuguesas encantadas. Sou da terra de Alcácer Quibir, fui derrotado por eles, ajudados que foram por huguenotes e protestantes ingleses, quando D. Sebastião tentava criar um triângulo estratégico que passava pelo Rio de Janeiro e de Luanda, para assim recriar um novo “mare nostrum”. E é com a memória do derrotado que não me apetece voltar a ser derrotado. Porque também sei que vencer é ser vencido, como me foi ensinado por Fernando Pessoa. Salazar cai sempre de uma cadeira e pobre do verbo que depende da verba, ou da ideia que precisa de bombas para converter.

Voltemos à liberdade livre da imaginação como terceira potência da alma, a tal que nos treina para a transgressão criativa da rebeldia e da insolência do sonho. As crises de anarquia criativa podem corresponder a incubações que precedem a chegada das grandes emergências que juntam convergência e divergência, essas mudanças dramáticas que se traduzem pela bela quebra de fronteiras entre territórios até então hostis. Também no Médio Oriente poderemos sonhar como corpos vivos de povos que regressem, para organizações de complexidade crescente.

Basta que regressemos a forma intuitivas de ideação. As tais que ainda não se sistematizaram por uma engenharia piramidal de conceitos, as tais formas de libertação que nos permitem voltar a ter organização, mesmo que seja organização inter-estadual. Estou a ler Koestler e aí reparo que uma organização é uma espécie de árvore, onde a hierarquia é feita de ramos superiores e inferiores, onde os superiores aparecem aos inferiores como um todo, dotado de unidade, mas onde os superiores olham para os inferiores como partes vivas e autónomas desse mesmo todo. Onde cada parte, mesmo a superior, é dotada de complexidades, isto é, marcada pelo princípio da autonomia, onde a variedade gera unidade, não pela unidimensionalização da bomba, mas pela subsidiariedade. Onde o controlo do todo pelas partes é levado a cabo pelo fluxo da rede, da unidade na diversidade. Pela tal coisa a que chamamos democracia. E que pode ser universal. Porque as coisas antigas podem não ser antiquadas. Como num barco ultra-sofisticado pelo choque tecnológico que não abandona o princípio da âncora, que sempre foi esperança.

Jul 26

As presidenciais contadas às criancinhas

Faço parte daquele grupo de portugueses que, interrompido o “stress” da vida de todos os dias, costuma utilizar os dias, e as noites, de Verão para voltar ao prazer de redescobrir o tempo. Por isso, neste cantinho saloio, a Oeste do Ocidente, entre as brumas atlânticas e o agreste da terra estremenha, costumo peregrinar pela minha pequena biblioteca de reserva e reabrir livros que, outrora, recolhi em alfarrabistas, especialmente aqueles que pesquiso quando me desloco para fora do Bairro Alto e de Portugal.  Com efeito, só em determinados momentos de calma cósmica e de infinito horizonte é que temos tempo para perdermos tempo e ganharmos tempo, viajando pelos meandros de escritos aparentemente inúteis, especialmente daqueles clássicos que alcançaram a eternidade quando decidiram o escrever para si mesmos, na procura do honesto da racionalidade ética, fazendo-nos ainda hoje compreender que estamos intimamente ligados às correntes profundas destes 25 séculos de civilização ocidental.  Dei assim comigo a visitar os ensaios de um tal Michel Eyquem, nascido em 1533, oriundo, pelo lado materno, de uns judeus ibéricos, de nome Lopes, que ficou conhecido pelo nome do senhorio de Montaigne, que o pai, comerciante de vinhos de Bordéus, adquiriu a um qualquer fidalgote falido. Este jurista, bem-educado pelo nosso André de Gouveia e que, de vez em quando, até cita um tal D. Jerónimo Osório, reconhecia-se como pertencendo a uma nova espécie, a dos filósofos que se tornam filósofos por acaso e sem premeditação.  Só que, em férias, decidi seguir o conselho do mesmo homem do Renascimento antimaquivélico, e peguei em vários livros ao mesmo tempo, evitando que qualquer deles me entediasse, para buscar, nesses vários, algo capaz de me ajudar a compreender melhor o aqui e agora, acreditando que só é novo aquilo que só esqueceu. Daí que também fosse debicando Gilberto Freyre e, por causa do hispanismo deste, logo tratei de retomar textos de Ortega y Gasset e páginas íntimas de Fernando Pessoa, todos assumidamente liberais, mas que nunca subiram ao Olimpo dos instalados no poder, porque sempre se aborreceram com a chateza de endireitas e canhotos, de déspotas e “intelectuários”.  Continuando meu despropósito sobre como salvar a esquerda que nos resta, direi que, à excepção das meditações mágicas de Manuel Alegre, a olhar a ilha do Pico, sem mau tempo no canal, as nossas esquerdas dinossáuricas não tardarão a aliar-se àquelas direitas de velas de cera e feijões verdes que agora querem não sei que velha Europa Nova, feita de regressos à soberania, conforme as aprendizagens de Ratzel, que as teorias neomaquiavélicas, disfarçadas com água benta navarrense e “Heritages Foundations”, andam para aí a propalar.  Ambas, como dizia o antigo, mas não antiquado, liberal Ortega y Gasset, continuam a ser uma estupidificação típica dos que sofrem de hemiplegia mental e que nos querem binarizar, de forma maniqueísta, conforme a aprendizagem juvenil dos amanhãs que cunha lizam ou Salazar izam. Porque a direita a que chegámos resulta da esquerda que temos, principalmente quando a direita a quem concedem o direito à palavra é a direita que convém à esquerda, onde os que emergem são sempre os que representam as caricaturas do autoritarismo, do capitalismo de faca na liga, com chapéus de coco e almas de corsário, do anti-ecologismo e do colonialismo mais serôdio. Eu que sou liberal, pouco dado aos neoliberais donos da globalização e das fundações e pós-graduações subsidiadas pelo “National Endowment for Democracy”, prefiro dizer que a esquerda e a direita têm, as duas, as mãos sujas com sangue, incluindo, na coisa diabólica, os 21 milhões de assassinados por Hitler, a quem concedo o epíteto de direita, não obstante ele também se assumir como socialista, ou os 11 milhões da China Nacionalista, apesar desta ser apoiada pelo Komintern. Como sou liberal, de cepa burkiana e hayekiana, com pitadas pessoanas, não posso é negar que foi o direitista e conservadoríssimo Churchill o principal bastião da luta da liberdade contra o totalitarismo, quando os comunistas, incluindo os ex-, apoiavam o pacto germano-soviético, e outros mesmos se esqueciam do massacre de Katyn. E nem posso ocultar que valeu a pena a fundação da NATO, contra a opinião de alguns patriarcas de hoje que, nessa altura, andavam perdidos na ilusão estalinista, só porque não ainda não tinham ido a Paris, onde leram os primeiros relatos de “L’Observateur” sobre o GULAG.  Eu que sou liberal e que, quase por conclusão, por causa da mentalidade suicida de certa esquerda deste “reino cadaveroso”, tenho que ser, excentricamente, de direita, prefiro dizer, como Montaigne, que quem tem a ilusão de nos comandar intelectualmente, entre a Fundação Mário Soares e a Fundação Oriente, com passagem pelas quintarolas de Bernstein Balsemão, pode obrigar muitos à disciplina e à obediência, mas não à estima e ao afecto, que só reconhecemos a quem o merece.  Pode ser que alguns marechais da velha direita prefiram a falsa síntese salazarista-soarista e continuem silenciados sobre este debate entre a esquerda e a direita, só porque pela esquerda e pela direita governamentais foram, e são, teúdos, prebendados, manteúdos e medalhados. Eu que não gosto da “servitude volontaire” dos aduladores de príncipes, nem do falso consenso onde navegam muitos dos nossos “cadáveres adiados que procriam” epitáfios, memórias, discursos que fazem chorar as pedras da calçada e outra literatura de justificação, sempre direi que prefiro os perturbadores do mundo que se angustiam com o futuro e recolhem, à esquerda e à direita, o que, amanhã, perante novas circunstâncias, será das novas esquerdas e das novas direitas.  Como Montaigne, sempre direi que “a confusão das ideias humanas fez que os múltiplos costumes e crenças opostos aos meus, mais me instruíssem e contrariassem”. Percebam, pois, os refundadores da esquerda que o dogmatismo não deixa de o ser só porque se pinta de antidogmático e que a Inquisição não deixa de continuar, mesmo quando passa a juntas Pombalistas de reforma de estudos ou à “formiga branca”, essa forma de policiamento político-cultural, herdeira dos el-rei Junots que nos continuam a invadir.  Percebam que, em liberdade, as esquerdas serão feitas com o que muitas direitas semearam e vice-versa. Não se fiem nesses que, mal chegaram às delícias do poder, logo “puseram na gaveta” as ideologias que os levaram ao tal lugar de distribuição autoritária de valores.  Foi a direita liberal que historicamente eliminou a possibilidade dos genocídios das Vendeias, como foi a esquerda republicana que gerou os mitos racistas do colonialismo. Os campeões do sufrágio universal entre nós não foram os democratistas de Afonso Costa, mas as direitas monárquicas regeneradoras e o sidonismo, tal como o Welfare State foi obra do salazarismo que também institui o sufrágio feminino. Da mesma forma os precursores do ecologismo não foram os verdes comunistas, mas os fundadores do Partido Popular Monárquico.   Quem solidificou a democracia da sociedade civil em Portugal foi a Carta Constitucional de 1826, não foi a Carbonária. Quem aboliu a pena de morte e enraizou as liberdades foi o regime dos descendentes do Senhor D. Pedro IV e não os “racha-sindicalistas”.  Os que, no fim, voltam ao princípio, querendo apagar o que, pelo meio, praticaram, apenas continuarão a semear a incoerência dos que concluem que, na prática, a teoria é outra. “Esse erro de não saber reconhecer em tempo oportuno o enfraquecimento e a profunda alteração que a idade acarreta às nossas faculdades físicas e morais, e talvez mais ao espírito do que ao corpo, deu por terra com a reputação de quase todos os grandes homens deste mundo” (Montaigne dixit).  “O mundo não é senão variedade e dissemelhança”. E “somos todos constituídos de peças e pedaços juntados de maneira casual e diversa, e cada peça funciona independentemente das demais”. Até porque “lamento encontrar em meus compatriotas essa inconsequência que faz com que se deixem tão cegamente influenciar e iludir pela moda do momento, que são capazes de mudar de opinião tantas vezes que ela própria muda…”  “As pessoas dotadas de finura observam melhor e com mais cuidado as coisas, mas comentam o que vêem e, a fim de valorizar a sua interpretação e persuadir, não podem deixar de alterar um pouco a verdade… Gostaria que cada qual escrevesse o que sabe e sem ultrapassar os limites de seus conhecimentos”  Porque nunca um homem se pode banhar duas vezes nas águas do mesmo rio. A não ser os que não sabem reconhecer que “há tantas maneiras de interpretar, que é difícil, qualquer que seja o assunto, um espírito engenhoso não descobrir o que lhe convenha” (Montaigne, sempre). Dinossauros excelentíssimos…  Quando o sistema político lusitano ameaça ficar dependente da restauração de duas democráticas personalizações do poder, onde interessam menos os projectos e mais as memórias e mitos de um passado que já não há, sinto-me confortado por não me assumir como soarista nem como cavaquista e por fazer parte daqueles radicais que não gostam de engolir sapos vivos, detestam meter valores na gaveta e rejeitam as escolhas do mal menor. A democracia pós-revolucionária quando pensa que a regeneração é a procura de um ilusório regresso à falsa pureza primitiva, mesmo que ela se vista de gerontocracia, mais ou menos patriarcal, prefiro a coragem de continuar em minoria e até agradeço a circunstância de assim me poder despedir da direita e da esquerda a que chegámos, se reduzirem a primeira ao cavaquismo e a segunda ao soarismo. Aliás, tenho a certeza que os “eus” de Cavaco e de Soares, postos perante as novas “circunstâncias”, produzirão inevitáveis frustrações e levarão a presente crise decadentista à inevitável degenerescência.  Julgo que uma eleição presidencial não devia transformar-se numa disputa historiográfica, entre quem deve ou não receber um maior agradecimento comunitário pelos serviços prestados à pátria. Porque se um já é “pai da república” e o outro um desses tios mais velhos que pretende suceder ao pai, pode ser que este tenha o bom senso de não querer alinhar neste jogo que, caso não seja uma tragédia, sempre pode transformar-se numa espécie de comédia.  De Soares, não me aflige a idade, aflige-me a tentativa de rejuvenescimento artificial no plano das ideias que o poderão desviar de uma identidade e de uma coerência exemplares. Louvo-lhe a coragem, a ambição e o sentido cívico e, mesmo como adversário, queria continuar a reverenciá-lo, como o fiz, quando participei no megajantar dos respectivos oitenta anos. Mas apetece recordar que, tal como aconteceu a José Luciano de Castro Corte Real, a Sebastião Magalhães Lima, a Bernardino Machado e a António de Oliveira Salazar , pode haver o problema de não repararem como alguns fazem oitenta anos muitas vezes depois dos oitenta anos e de poucos terem a coragem de lhes dizer a verdade da perda do voluntarismo, encantados que todos ficamos com a experiência senatorial e o encantamento intelectual. Não deixemos que as coisas antigas se tornem antiquadas.  Até Cavaco corre o risco de não ter a plenitude do respectivo prazo de validade, não por razões intelectuais ou de sentido cívico, mas antes pela circunstância de ter tido o seu tempo. Ambos tiveram os “mon ami Mitterrand” e o companheirismo dos Kohl, mas este é o tempo dos Bush, dos Putine, dos Blair e de tantos outros de outros sítios que conhecem e meditam nos forçados regressos dos Churchill, nas continuidades dos Adenauer e nas teimosias dos Fraga. Por mim, apenas preferia que o meu tempo desse uma resposta do meu tempo, face às presentes circunstâncias e com outros protagonistas.

Jul 26

De mal com Israel por amor do Líbano e de mal com sírios e iranianos por amor da democracia pluralista e anti-fundamentalista

De boas intenções, continua a estar o inferno das nossas guerras cheio, com destaque para parte significativa dos nossos gongóricos analistas de política internacional, especialistas na ciências dos prognósticos depois do jogo findo. Porque quem ousa mergulhar nas arriscadas ondas da conjuntura, apesar de poder ser arrastado por uma vaga imprevista, raramente tem ciência certa , muito menos daquela que é subsidiada pelo poder absoluto da ordem estabelecida. Só que pode seguir o bom conselho dos velhos, mas não antiquados mestres que, parafraseando o bom Padre António Vieira, sempre misturaram o lume da razão com o lume da profecia, mesmo sem necessidade de bruxarias anti-semitas ou anti-islâmicas. Só poderemos navegar à volta do nosso mundo de forma flexível, se tivermos uma rota de princípios e conseguirmos vislumbrar o sol de frente, decifrando os sinais do tempo. Tanto devemos denunciar o terrorismo dos poderes erráticos como o terrorismo de Estado, nomeadamente a persistente aplicação de técnicas de guerrilha pelos burocratas da razão de Estado, nomeadamente os que continuar a perfilhar a tese segundo a qual os fins justificam os meios, quando são sempre os meios que justificam um certo fim. Até porque o adversário, profundamente conhecedor de tal técnica do realismo, pode entrar nos requintes da dissimulação combatente. Numa guerra não está apenas em causa o choque de forças brutas sobre uma terra de ninguém ou uma terra previamente queimada. Em qualquer teatro de operações, há sempre aldeias, vilas e cidades, bem como populações, gentes, multidões e pessoas. E há também, de um lado e de outro, choques de pensamentos e ideias, num jogo onde normalmente perde o que julga deter o monopólio da inteligência, subestimando o outro, isto é, o que é normalmente o diferente, ou o que está mais longe das nossas concepções do mundo e da vida. Seria interessante que, face à presente crise, os nossos analistas fossem além das glosas e comentários aos vanguardismos da CNN e da Sky-News, tendo a prudência de se munirem com um qualquer intérprete de árabe que lhes desse a perspectiva do que consideram o lado de lá. Assim, até poderiam comunicar-nos como a coisa está a ser transmitida e opinada para as multidões árabes e islâmicas que, do Magrebe à Indonésia, também consomem quotidianamente o drama. Urge ultrapassar a parte que tornaram visível deste “iceberg”, sentindo os outros, os que são diferentes do nosso humanismo laico e do nosso humanismo cristão, procurando outros mundos do nosso próprio mundo. O que não está nas “breaking news” pode também ser notícia. Nesta guerra de informação e contra-informação, em que nos querem fazer a todos contendores, mesmo aqueles meios de comunicação que têm a ilusão de ser isentos acabam por estar dependentes dos armazéns de informação fornecida por suspeitos grossistas dos serviços secretos e das agências oficiosas que a utilizam como arma de guerra. Entre o porta-voz do Hezbollah que faz visitas guiadas aos técnicos da psico que colocam os nossos repórteres de guerra em postos de recolha de imagem previamente articulados pelo processo de controlo da informação, que venha o Diabo e escolha… Daí o logro daquela hiperinformação que nos vai inundando com notícias secundárias ou repetindo pormenorizadas descrições de indícios banais, onde a floresta dos dados, muitas vezes, apenas pretende desviar a atenção relativamente ao essencial das movimentações que vai circulando por trás das cortinas do visível. O nosso palco dos destaques é curto demais, face aos breves minutos de uma parangona, que é incompatível com a reflexão. Por mim, continuo de mal com Israel por amor do Líbano e de mal com sírios e iranianos por amor da democracia pluralista e anti-fundamentalista. Até porque quando um processo destes atinge a turbulência do “out of control”, o crime parece sempre compensar e torna-se bem estreito o espaço dos homens livres e da força da razão. Aliás, o consumidor da informação de guerra tem sede de sangue sensacionalista e gosta de excitar-se em “voyeurismo” com buracões de bombas e filas de refugiados que procuram escapar ao inferno. Porque assim poderemos estar a alimentar aquilo que Hannah Arendt qualificou como a banalidade do mal que sempre foi uma das mais maléficas e massificadas consequências da própria guerra, nesta aldeia pretensamente global da ilusão hiper-informada a que estamos condenados. Todos carregamos dentro de nós um pedaço desse lado pútrido da natureza humana, aquela parcela de lodo onde assentámos os pés, mas donde também podemos olhar as estrelas. E todos persistimos em ver o mundo desse lastro de mal que nunca conseguiremos extirpar e onde até quem quer ser anjo acaba por tonar-se a habitual besta das sonoridades sem sentido. O poder e a consequente guerra que ele gera e que por ele é gerada são constantes em permanente tensão dialéctica com o lado divino desta mistura que nos faz homens. Sempre em equilíbrio instável, entre a procura do paraíso e a matreirice paisana. Há coisas que todos temos medo de dizer, imagens proibidas que nos sobressaltam os sonhos, coisas que nos vão zurzindo a memória e que todos temos receio de verbalizar. Porque, entre as mãos de medo e os filamentos de sonho, apenas sabemos que temos de continuar a viajar por dentro dessa procura, tecendo a esperança. Há sempre restos de um bom tempo por cumprir e, grão a grão, podemos lançá-los numa corrente libertadora, para que naveguemos o mar sem fim que já foi português.

 

Jul 25

Contra a implosão do nosso mar interior e a necessidade de regresso ao olhar antropológico

Perante a crise, confesso que não consigo, nem devo, tomar partido, dado que tanto nutro as naturais simpatias das democracias ocidentais para com as concepções do mundo e da vida que sustentam o Estado de Israel, como sinto admiração por aqueles povos árabes que ousam resistir em defensão da sua pátria e sonham com a ressurreição da respectiva civilização. Não sou de “pogroms” nem de “cruzadas”. E não posso esquecer que o conflito em crescendo acontece nesse berço da nossa cultura, donde nos vieram o Antigo Testamento, os Evangelhos e as próprias navegações dos fenícios, que fizeram Sagres e deram nome a Lisboa. Tudo são pilares daquilo que somos.

 

Porque todos emergimos nesse espaço do velho mar interior que era o centro do mundo, onde Moisés, Cristo e Maomé geraram profundas correntes de uma única civilização com vários rostos que, ao assentar em terra de gregos, romanos e bárbaros até nos levou àquele renascimento medieval dos séculos XII e XIII que produziu o reino de Portugal, a escolástica, as universidades, o comércio, a moeda e a semente da actual Europa das autonomias. Até porque intelectuais como São Tomás de Aquino puderam cristianizar os pensadores da Grécia Antiga porque teóricos judeus e árabes os haviam conservado e regenerado. O Ocidente que somos nunca o seria sem esse cruzamento de rotas e sem que tivéssemos derrubado os muros da vergonha em que assentava o falso choque de civilizações.

 

Da mesma forma, não podemos deixar de sublinhar que o mais recente nacionalismo árabe foi gerado por um cristão sírio, Michel Aflak, o tal que tentou aplicar, a outra gente do mesmo livro, os princípios que mobilizaram os europeus nos séculos XIX e XX. Só expatriando-nos nas nossas próprias origens poderemos aceder ao necessário diálogo de diferentes. Porque todas as civilizações são filosoficamnete idênticas. Heidegger e Toynbee assim nos ensinaram. Logo, só assumiremos a democracia como valor universal quando ela puder ser perspectivada de um lugar islâmico, para que deixe de ser algo de estrangeiro e estranho que a muitos apareça como agente de colonização cultural.

 

Temo que a anunciada intervenção da NATO como força de ocupação do Sul do Líbano, mesmo que tal tenha sido convencionado pelo G8 e receba a benção da ONU, possa levar àquelas bandas do Levante alguma confusão quando repararmos que aí poderão desembarcar as antigas forças colonizadores, desde os otomanos aos britânicos e franceses, dado que os norte-americanos estão preocupados com a ocupação do Iraque e o conflito do Afeganistão. Temo que tal força possa transformar a mão armada da bela Carta do Atlântico numa espécie de ajudante da superpotência que resta.

 

É evidente que, se eu fosse libanês, depois da casa bombardeada e da rua esventrada, preferirira o menos mau ao péssimo e saudaria a imediata chegada desse do mal, o menos que até o diabo escolheria. Mas convém reparar que, muitas vezes, o feitiço se volta contra o feiticeiro, sobretudo quando o desencadeador do processo de turbulência deixa de conseguir segurar todas as pontas da teia e nos estatela a todos no jogo do desespero terrorista. Basta reparar que foram os maus cálculos da CIA na luta contra o sovietismo que geraram os Bin Laden. E que foram os rápidos e impensados acordos de cessar-fogo que provocaram os Hamas e os Hezbollah. Tal como foi a maericanização à força pela via dita do autoritarismo modernizante que gerou, além de Soraya e Farah Diba, o regime dos ayatollah. E em todos os casos, perdem sempre os moderados, defensores da democracia pluralista e do patriotismo universal, bem como, indirectamente, o jogo dos “great powers” que os costumam usar e deitar fora.

 

Julgo que seria bem melhor não termos derrubado os Mossadegh ou diabolizado os baasismos. Os homens do departamento de Estado de Washington e os serviços secretos da superpotência ganhariam em paz se tivesse um adequado olhar antropológico que nos permitisse aceder ao sentido universal do abraço armilar. Confesso que também seria tentado pelos ayatollah se fosse colonizado pelos meus amigos americanos que seguissem os conselhos de um qualquer agente de segunda classe que considerasse como o nosso principal intelectual o Professor Sword e apontasse para a elevação a ministros dos estrangeiros de Vasco Rato ou a ministro da defesa de Luís Delgado. Ou até que sugerisse uma edição em banda desenhada da revista “Atlântico”, saudando a edição do Livro Azul do Pensamento de Paulo Portas. Porque lhes poderiua acontecr o inveitável de uma negociação com o próprio diabo, quando reparasse que já não basta a manipulação informativa com palavras de dois bicos.

Jul 25

Contra a implosão do nosso mar interior e a necessidade de regresso ao olhar antropológico

Perante a crise, confesso que não consigo, nem devo, tomar partido, dado que tanto nutro as naturais simpatias das democracias ocidentais para com as concepções do mundo e da vida que sustentam o Estado de Israel, como sinto admiração por aqueles povos árabes que ousam resistir em defensão da sua pátria e sonham com a ressurreição da respectiva civilização. Não sou de “pogroms” nem de “cruzadas”. E não posso esquecer que o conflito em crescendo acontece nesse berço da nossa cultura, donde nos vieram o Antigo Testamento, os Evangelhos e as próprias navegações dos fenícios, que fizeram Sagres e deram nome a Lisboa. Tudo são pilares daquilo que somos.

Porque todos emergimos nesse espaço do velho mar interior que era o centro do mundo, onde Moisés, Cristo e Maomé geraram profundas correntes de uma única civilização com vários rostos que, ao assentar em terra de gregos, romanos e bárbaros até nos levou àquele renascimento medieval dos séculos XII e XIII que produziu o reino de Portugal, a escolástica, as universidades, o comércio, a moeda e a semente da actual Europa das autonomias. Até porque intelectuais como São Tomás de Aquino puderam cristianizar os pensadores da Grécia Antiga porque teóricos judeus e árabes os haviam conservado e regenerado. O Ocidente que somos nunca o seria sem esse cruzamento de rotas e sem que tivéssemos derrubado os muros da vergonha em que assentava o falso choque de civilizações.

Da mesma forma, não podemos deixar de sublinhar que o mais recente nacionalismo árabe foi gerado por um cristão sírio, Michel Aflak, o tal que tentou aplicar, a outra gente do mesmo livro, os princípios que mobilizaram os europeus nos séculos XIX e XX. Só expatriando-nos nas nossas próprias origens poderemos aceder ao necessário diálogo de diferentes. Porque todas as civilizações são filosoficamnete idênticas. Heidegger e Toynbee assim nos ensinaram. Logo, só assumiremos a democracia como valor universal quando ela puder ser perspectivada de um lugar islâmico, para que deixe de ser algo de estrangeiro e estranho que a muitos apareça como agente de colonização cultural.

Temo que a anunciada intervenção da NATO como força de ocupação do Sul do Líbano, mesmo que tal tenha sido convencionado pelo G8 e receba a benção da ONU, possa levar àquelas bandas do Levante alguma confusão quando repararmos que aí poderão desembarcar as antigas forças colonizadores, desde os otomanos aos britânicos e franceses, dado que os norte-americanos estão preocupados com a ocupação do Iraque e o conflito do Afeganistão. Temo que tal força possa transformar a mão armada da bela Carta do Atlântico numa espécie de ajudante da superpotência que resta.

É evidente que, se eu fosse libanês, depois da casa bombardeada e da rua esventrada, preferirira o menos mau ao péssimo e saudaria a imediata chegada desse do mal, o menos que até o diabo escolheria. Mas convém reparar que, muitas vezes, o feitiço se volta contra o feiticeiro, sobretudo quando o desencadeador do processo de turbulência deixa de conseguir segurar todas as pontas da teia e nos estatela a todos no jogo do desespero terrorista. Basta reparar que foram os maus cálculos da CIA na luta contra o sovietismo que geraram os Bin Laden. E que foram os rápidos e impensados acordos de cessar-fogo que provocaram os Hamas e os Hezbollah. Tal como foi a maericanização à força pela via dita do autoritarismo modernizante que gerou, além de Soraya e Farah Diba, o regime dos ayatollah. E em todos os casos, perdem sempre os moderados, defensores da democracia pluralista e do patriotismo universal, bem como, indirectamente, o jogo dos “great powers” que os costumam usar e deitar fora.

Julgo que seria bem melhor não termos derrubado os Mossadegh ou diabolizado os baasismos. Os homens do departamento de Estado de Washington e os serviços secretos da superpotência ganhariam em paz se tivesse um adequado olhar antropológico que nos permitisse aceder ao sentido universal do abraço armilar. Confesso que também seria tentado pelos ayatollah se fosse colonizado pelos meus amigos americanos que seguissem os conselhos de um qualquer agente de segunda classe que considerasse como o nosso principal intelectual o Professor Sword e apontasse para a elevação a ministros dos estrangeiros de Vasco Rato ou a ministro da defesa de Luís Delgado. Ou até que sugerisse uma edição em banda desenhada da revista “Atlântico”, saudando a edição do Livro Azul do Pensamento de Paulo Portas. Porque lhes poderiua acontecr o inveitável de uma negociação com o próprio diabo, quando reparasse que já não basta a manipulação informativa com palavras de dois bicos.

Jul 24

Contra as guerras santas desta nova guerra dos cem anos

Chegam novas das normais anormalidades de uma geurra que nem sequer é guerra e sobre a qual todos preferimos lavar as mãos como Pilatos, despachando fundos de ajuda humanitárias, barcos para evacuações e muitos repórteres de guerra.

Eis mais uma daquelas situações que não está tipificada num qualquer artigo do direito internacional público positivado pelos vencedores. E que nem sequer mereceu um adequado tratamento conceitual pela dogmática dos profissionais do dito.

E muitos não reparam que a principal função do jurídico é pedir-lhe que dê respostas a zonas de não-direito, daquele “iuristitium”, onde continuam a preponderar as decisões em estado de excepção, dado não haver aquele monopólio legítimo da violência legítima, com que o Estado de Direito tentou adocicar o Leviathan.

Porque as soberanias dos Estados a que chegámos vivem um desafio concorrencial de poderes mais fortes do que os de alguns Estados, onde tem razão quem vence e onde, também muitas vezes, vence quem não tem razão.

E é nesta terra de ninguém que brota a guerra, a qual é mais essencialmente guerra quando não é declarada e assim até escapa às tradicionais formas de controlo da guerra que, a posteriori, temos tentado catalogar.

Resta a total irracionalidade do confronto entre o amigo e o inimigo, especialmente cego quando é alimentado por fundamentalismos, étnicos, ideológicos ou religiosos.

E quando a esse explosivo complexo, juantamos o messiânico e a teocracia, o resultado é este imprevisível do “out of control”.

Por isso é que importa reforçar, com coragem, realismo e adequado subsolo filosófico, a força do pensamento de todos aqueles que sempre lutaram pela paz através do direito, segundo a proposta de Hans Kelsen.

Importa alertar para a impossibilidadede continuarmos a usar os remédios do soberanismo estadualista e do seu filho dilecto, o direito dito internacional e dito público, que só existe quando se integra nas teias da hierarquia das potências e serve de discurso de justificação para os vencedores.

Em nome dos meus irmãos libaneses, defensores do pluralismo democrático anti-fundamentalista que, ainda há pouco tempo, nas ruas do civismo, clamavam contra assassinatos terroristas promovidos por Damasco, defendendo o direito à pátria e à liberdade de expressão de pensamento, protesto contra a circunstância de agora terem sido bombardeados, num processo cego onde continua a pagar o justo pelo pecador.

Só podemos combater o etrrorismo quando apostarmos na criação de alguns segmentos de república universal, com um direito efectivamente universal e uma qualquer parcela de monopólio legítimo da violência legítima que possa cumporir o abraço armilar. Algo que dê força à justiça e ajude os homens de boa vontade. Não vale a pena termos a ilusão do habitual cortejo de neofeudalismos que marca a hierarquia das potências, onde o equilíbrio se não mede pelo fiel da justiça, mas pela espada desembainhada dos que podem aplicar a força em tempo oportuno