Neste dia dito das bruxas, Sócrates está em Maputo. Descansa no conforto do hotel Polana, antes de ir assinar a venda dos últimos restos do último Império português, aquela parcela de uma carteira de acções que nos faziam proprietários maioritários da barragem de Cahora Bassa, a tal que vendia energia ao apartheid abaixo do preço do custo e que o novo Estado independente nunca quis assumir, porque não valia a pena nacionalizar os prejuízos. Já na cidade da Praia, a angolana Amélia Mingas vai assumir a presidência do Instituto Internacional da Língua Portuguesa. Não consta que tenha actualidade o manual de estratégia do general Kaúlza de Arriaga, com os seus nós górdios, nessas malhas que o império terrestre teceu. A nossa pátria comum continua a ser a língua portuguesa, segundo os manuais de Luís de Camões, Cecília Meireles, Malangantana ou Chico Buarque. Importa convencer o Lula a desaguar no Tejo, sem ser numa jangada de pedra!
Monthly Archives: Outubro 2006
Lula, Vieira e Sócrates, as reeleições esperadas, sem plágio
Mais uma semana que começa, em ritmo de Verão de São Martinho e em plena mudança da hora. Ouço que Lula foi reeleito, conforme tínhamos aqui previsto, deixando o tucano Alckmin a mais de 20 pontos de distância. Reeleitos foram também Luís Filipe Vieira e José Sócrates, estes com mais de 95%, mostrando como os encarnados e os vermelhos estão ao rubro. Lula foi reeleito pela preferência dos pobres, os segundos pelos que podem pagar as quotas dos clubes.
O primeiro usa barbas, fez o discurso de vitória com t-shirt e teve um universo votante de 58 milhões de pessoas. Os segundos, engravatados de vermelho, andaram mais por baixo: o benfiquista pelos sete mil votantes, representantes dos seis milhões de simpatizantes das águias; o covilhanense foi ao partido legitimar-se por 25 mil votos, para governar dez milhões de lusitanos e quase oite séculos e meio de história. Um são as directas em pleno, numa das mais entusiasmantes democracias da história. Os outros, a representação oligárquica. Todos são democráticos.
O referendo na Sérvia e a eleição presidencial na Bulgária não mereceram muitos comentários, preferimos reparar nas manifestações dos bombeiros voluntários de Braga contra a manutenção do comandante e, ao invés, na proclamação dos irmãos de Tondela, contra a não recondução de outro comandante.
Reparo que a questão equatorial-sousatavaresista teve mais um episódio, com as declarações do escritor ao “Correio da Manhã” de hoje onde o mesmo, reproduzindo frases da literatura mundial repetiu, em sua defesa, o que aqui comentei neste blogue. Não o acuso de plágio, apenas brinco, porque concordo com ele. Apenas acrescento que me fui inspirar em Michel Déon, em “Les Ponneys Sauvages”…
Acima do cavalo da diligência está o trâmuei, acima deste a locomotiva, e acima de tudo o progresso!
Há cento e cinquenta anos, quando ainda não havia Maria Filomena Mónica nem Mariano Gago, tinha lugar a inauguração solene do caminho-de-ferro entre Lisboa (Santa Apolónia) e o Carregado, com o cardeal-patriarca de Lisboa a abençoar as carruagens. Havia ecologistas progressistas que queriam conservar o que estava, gente que preferia continuar a andar de burro e muitos que já imaginavam ir desta para melhor. Tal modelo de action man chamava-se, então, Fontes Pereira de Melo e, sobre as novas tecnologias da informação, declarava: Acima do cavalo da diligência está o trâmuei, acima deste a locomotiva, e acima de tudo o progresso! (discurso de 18 de Fevereiro de 1865 na Câmara dos Deputados). O povo continuava a não existir. Só se concretizou quando deixou de ser patego a olhar o balão e tratou de ver passar os mesmos comboios de sempre, com algum atraso. Que venha a reforma dos reformadores! Acordo, ainda virado no corpo e sem poder ir à farmácia comprar um qualquer antí-virus, porque só inventaram até agora anti-bacterianos para o corpo humano e a vacina não parece que seja terapêutica. Clico nos jornais e semanários de sábado. Leio que um ministerial herói anti-corrupção suspende coronéis da GNR e vejo outro ministro que se diz anti-socrático, talvez por nunca ter lido Platão. Reparo que outro antigo ministro, excelente crítico de cinema, num semanário “on line”, se indigna por não termos comemorado em Portugal o centenário de Hannah Arendt e trata de recolher duas ou três frases, obtidas nos “magazins” da estranja, para se assumir como recolhedor de frases da antiga assistente de Arendt que, por acaso, ainda ontem, aqui, proclamava como minha mestra. Nada a criticar. Só que, ao clicar nos comentários reparei no nível de alguma da nossa opinião crítica, dado que alguns dos melhores interactivos agradeciam ao publicista o facto delhes ter dado a conhecer “essa excelente senhora”. Apenas noto que também durante a Guerra, a judia errante, ao fugir da Alemanha estacionou aqui em Lisboa, num percurso até agora desconhecido, talvez porque os publicistas de então ainda estivessem cinquenta anos atrasados. Vale-me que os socráticos do PRACE vão finalmente reformar o Estado à Teixeira Santos. Vão extinguir centenas de organismo, passar para a disponibilidade milhares de funcionários, cortar na dívida da Madeira e mandar o reformador-mor fazer o PRACE na mesma ilha. Que a cirurgia resulte para bem de todos, mas que no bloco operatório não falte a luz ou não haja inflitrações pelo telhado, que isto de operações plásticas, tirando gordura da pança para a meter no bandulho, raspando um osso aqui para pôr uma prótese ali, pode afectar o nervo da própria governação, porque mexe nas consequências sem tratar das causas, nomeadamente quando se inocula um antibacteriano para tratar do vírus, assim eliminando os anticorpos. Só a vacina resulta, se ela já tiver sido inventada. A obesidade do aparelho de Estado só se trata se começarmos pelo cérebro da coisa, chamando, primeiro, o psiquiatra e, depois, o neurologista. Tratar depressões com trepanações é pior do que o recurso à bruxa. Sugiro que Teixeira Santos consulte o senhor Padre Fontes lá das serranias do Barroso. Ele bem lhe pode transmitir o que o arcebispo dessas terras foi um dia dizer ao Concílio de Trento: os senhores cardeais precisam é de uma valentíssima e reverendíssima reforma! Sugiro que chamem o reformador-mor da Madeira para continuar a reformar a república inteira. Já agora, ilustre possuidor da cadeira de Salazar , leia mesmo as páginas de Hannah Arendt sobre o governo dos espertos e o domínio perpétuo do acaso, para concluir que a nossa administração está cada vez mais otomana. Até porque perceber nunca foi compreender e explicar não é o mesmo do que pensar. Ninguém reforma aquilo que não é capaz de pensar e praticar. Por isso é que talvez venha a fazer greve de revolta.
Que venha a reforma dos reformadores!
Acordo, ainda virado no corpo e sem poder ir à farmácia comprar um qualquer antí-virus, porque só inventaram até agora anti-bacterianos para o corpo humano e a vacina não parece que seja terapêutica. Clico nos jornais e semanários de sábado.
Leio que um ministerial herói anti-corrupção suspende coronéis da GNR e vejo outro ministro que se diz anti-socrático, talvez por nunca ter lido Platão.
Reparo que outro antigo ministro, excelente crítico de cinema, num semanário “on line”, se indigna por não termos comemorado em Portugal o centenário de Hannah Arendt e trata de recolher duas ou três frases, obtidas nos “magazins” da estranja, para se assumir como recolhedor de frases da antiga assistente de Arendt que, por acaso, ainda ontem, aqui, proclamava como minha mestra.
Nada a criticar. Só que, ao clicar nos comentários reparei no nível de alguma da nossa opinião crítica, dado que alguns dos melhores interactivos agradeciam ao publicista o facto delhes ter dado a conhecer “essa excelente senhora”. Apenas noto que também durante a Guerra, a judia errante, ao fugir da Alemanha estacionou aqui em Lisboa, num percurso até agora desconhecido, talvez porque os publicistas de então ainda estivessem cinquenta anos atrasados.
Vale-me que os socráticos do PRACE vão finalmente reformar o Estado à Teixeira Santos. Vão extinguir centenas de organismo, passar para a disponibilidade milhares de funcionários, cortar na dívida da Madeira e mandar o reformador-mor fazer o PRACE na mesma ilha. Que a cirurgia resulte para bem de todos, mas que no bloco operatório não falte a luz ou não haja inflitrações pelo telhado, que isto de operações plásticas, tirando gordura da pança para a meter no bandulho, raspando um osso aqui para pôr uma prótese ali, pode afectar o nervo da própria governação, porque mexe nas consequências sem tratar das causas, nomeadamente quando se inocula um antibacteriano para tratar do vírus, assim eliminando os anticorpos. Só a vacina resulta, se ela já tiver sido inventada.
A obesidade do aparelho de Estado só se trata se começarmos pelo cérebro da coisa, chamando, primeiro, o psiquiatra e, depois, o neurologista. Tratar depressões com trepanações é pior do que o recurso à bruxa.
Sugiro que Teixeira Santos consulte o senhor Padre Fontes lá das serranias do Barroso. Ele bem lhe pode transmitir o que o arcebispo dessas terras foi um dia dizer ao Concílio de Trento: os senhores cardeais precisam é de uma valentíssima e reverendíssima reforma!
Sugiro que chamem o reformador-mor da Madeira para continuar a reformar a república inteira. Já agora, ilustre possuidor da cadeira de Salazar, leia mesmo as páginas de Hannah Arendt sobre o governo dos espertos e o domínio perpétuo do acaso, para concluir que a nossa administração está cada vez mais otomana. Até porque perceber nunca foi compreender e explicar não é o mesmo do que pensar. Ninguém reforma aquilo que não é capaz de pensar e praticar. Por isso é que talvez venha a fazer greve de revolta.
Contra as traduções em calão de nacionalismos exógenos…
Quando ficamos retidos entre as quatro paredes, por motivo de doença, e temos tempo para perder o tempo, fechando a televisão e a rádio e não lendo jornais, apenas voltados para os papéis do pensamento, podemos fazer daqueles balanços a que dantes se dava o nome de exame de consciência, porque “je pense, donc je suis”, para logo me interrogar, como o mesmo mestre, “mais qu’est-ce donc que je suis ? Une chose qui pense. Qu’est-ce qu’une chose qui pense ?”. E assim posto em turbilhão, resta saudar novo dia que vem e procurar nascer de novo. Porque ontem, assim aborrecido com as dores do corpo, mas com a alma em asa, não olhei para o discurso de nosso primeiro, nem para as antevisões do Porto-Benfica, optando por continuar a circular pelas chatíssimas operações de revisão do meu próximo livro, onde tenho que martelar num texto com dez anos de gaveta. Porque, onde em 1996 eu vivia a dor da revolta, ainda com esperança nas instituições, reparo que, hoje, me assoberba o desencanto, embora permeçam vivas “as esperanças de Portugal” e o “futuro do mundo”. Porque só é novo aquilo que se esqueceu. Infelizmente, devido à febre, não assisti ao começo do televisivo debate sobre a eleição dos grandes portugueses e não posso dar a minha opinião sobre tão magna discussão, típica dos frequentadores de Portugal como Torre do Tombo ou dos escrevinhadores de certidões de óbito de “uma certa ideia de Portugal”. Porque, quando uma geração tem a mania de esquecer que “todas as nações são mistérios”, resta exilar-me “deste país” para procurar Portugal de forma universal, naquela semente que outros nos deram e que a outros transportámos. É o que tenho sofrido nesse “je pense” sobre o “mouvant”, nesse “eu” de sempre que navega nas presentes “circunstâncias”. Mesmo quando vou às profundas raízes do nosso pensamento político, encontro, como mestres da nossa profunda tradição, um Álvaro Pais ou um Frei João de São Tomás que não eram portugueses, ou um Infante Dom Pedro, que apesar de português, traduzia o que, da civilização que assumia lhe vinha por Frei João Verba. Tal como Velasco Gouveia ou João Pinto Ribeiro reproduziam da neo-escolástica. Isto é, o que de mais autêntico há nos portugueses de radicular procura sempre foi estrangeirado e cosmopolita, num autêntico nacionalismo anti-nacionalista, porque abrasado pela procura do “abraço armilar”. Daí que deteste os pretensos nacionalismos que não passam de “tradução em calão” de nacionalismos exógenos, preferindo o processo de “nacionalização das tendências importadas”. Muito pessoanamente, saliento que a nossa nação só o pode ser quando se assumir como “caminho para a super-nação futura”. Eu próprio, quando penso a política, não passo de mero repetidor do que recupero de Aristóteles e do que me foi reproduzido por Hannah Arendt ou Simone Goyard-Fabre, as minhas mães do pensar complexo, à século XX, chegando sempre à perene conclusão que somos quase sempre uma espécie de avós de nós mesmos, especialmente quando atingimos a originalidade de não querermos a originalidade. É o que me acontece quando, às vezes, tenho a ilusão de fazer uma descoberta neste navegar quotidiano pela teia de Penélope do pensamento político. Porque quando penso que inventei uma ideia nova, logo me alegro quando descubro que a mesma já tinha sido descoberta por tipos como Platão e que, ainda recentemente, foi glosada por um dos meus irmãos desta seita da procura. É então que fico entusiasmado, porque me me sinto acompanhado pelo padrão dos que penso que pensam de forma racional e justa, ousando persistir na mesma procura, para que outros, depois de mim, persistam nesta bela aventura. Nascer de novo, afinal, é conservar uma semente que tem vinte e cinco séculos.
Crise? Qual crise?
Com os intelectuais oficiosos do regime reunidos na Gulbenkian, apadrinhados por Belém, para se concluir o óbvio do não fim da história e da necessidade de bem comum, com a presença de algumas estrelas do turismo político-cultural, já antevemos a entusiástica reportagem conjunta da revista “Caras” e do “JL” sobre a matéria, todos os portugueses se podem ufanar porque a crise dos outros é tão grande quanto a nossa própria crise. Entretanto, a bendita chuva vai ensopando a pátria, principalmente a minha pequena pátria, entre o Sul da Beira Litoral e o Norte da Estremadura, ao mesmo tempo que todos os dias os telejornais nos trazem um a dois minutos de Sócrates, na sua campanha para a reeleição de secretário-geral do PS.
Crise? Qual crise? Governar, afinal, é crise e a democracia sempre foi uma institucionalização de conflitos, essa mistura de convergências com divergências que nos permite sucessivas emergências que, em vez de eliminarem os contrários nos podem trazer a complexidade crescente a que alguns ainda dão o nome de progresso.
Por mim, retido entre lençóis, devido a um estado febril de vírus gripal, entre uns ataques de tosse e algumas dores musculares, vou vendo o mundo entre a Net e as televisões por cabo, sem poder desfolhar os jornais, nomeadamente os que trazem o caso Miguel Sousa Tavares, pouco preocupado com as habituais lutas de invejas que, entre nós, sempre foram mais intensas do que as lutas de classes.
Plágios, por plágios, sempre estou mais preocupado com os universitários que conseguiram escapar à rede de análise dos júris. Apenas me recordo de um projecto de tese de doutoramento de há alguns anos, onde detectei mais de uma centena de páginas de “scanner” de outra tese que, por acaso, tinha na minha biblioteca. O sujeito em causa foi convidado a largar a profissão universitária pública, mas dizem-me que, agora, anda numa privada, acusa-me de ser mau carácter e está prestes a concluir a saga numa universidade espanhola, para depois aqui entrar automaticamente como registado. Espero não ter que o aturar um dia como secretário de Estado das Universidades, dado que o dito cujo é um activista destacado de um dos dois principais partidos portugueses e ainda por cima teve a protecção de uma salazarenta e ministerial figura.
Regresso à soberania, governo dos espertos e lixo processual…
Sim! Acabou a crise, Paços de Ferreira vai candidatar-se a capital europeia do móvel, graças ao recrutamento de um reforço sueco e voltámos à normalidade de chamarmos apenas gatunos aos árbitros de futebol, nestes dias que precedem o confronto entre dragões e águias. Voltámos de tal maneira à normalidade que até vamos referendar o aborto, dito IVG, com o CDS a renascer das cinzas do esquecimento, pedindo apoio à falange clerical e à Ordem dos Médicos. Sim! Acabou a crise e isto ainda é um país de valores absolutos que até aproveita os restos de soberania de que dispõe para proibir dentro das fronteiras o que é permitido em Espanha, ali mesmo em Badajoz, na Clínica dos Arcos.
Torna-se, portanto, imperativo que, para efeitos de defesa da gravidez se fechem as fronteiras: que nenhuma mulher pise o risco da fronteira ou entre num avião sem que antes faça um testezinho de procura do seu estado, através de umas gotinhas de chichi!
Sim! Acabou a crise. Os grandes e médios partidos, isto é, todos os que têm representação parlamentar não cumpriram a lei que editaram há pouco sobre o respectivo financiamento. Para quê? Princeps a legibus solutus, quem manda não está sujeito à lei que ele próprio faz, o Estado são eles e as leis que eles emitem apenas são para os selvagens dos outros, dos pequeninos que ameaçam entrar na concorrência e que é preciso garrotar. A classe partidocrática instalada é um clube fechado, sujeito àquilo que Hannah Arendt qualificava como o governo dos espertos, onde impera o acaso e o arbítrio do aplicador da lei, nestes tempos de elefantíase legiferante e daquilo que o recém empossado presidente do STJ qualifica como lixo processual.
Sim! Acabou a crise, metade dos processos dos nossos tribunais são entupimentos de causas de fotocópia, ao serviço das grandes empresas contra os pequenos devedores, nesta luta dos David, do enquanto o pau vem e vai folgam as costas, contra os Golias, das grandes corporações dos gestores públicos e dos contratos de adesão, onde todos somos iguais, mas há sempre alguns que são mais iguais do que outros.
Sim! Acabou a crise e não tardará que a política entre no nível da futebolítica, com uma opinião pública fragmentada por sectarismos, bairrismos e clubismos, com muitas destas insinuações onde as montanhas sonoras dos picaretas falantes apenas costumam parir uns ratinhos cheios de muitos apitos processuais, para que tudo continue como dantes, mas já sem quartel-general em Abrantes. Por favor, onde fica o exílio! Volta Santana Lopes, estás perdoado! Volta Paulo Portas, as forças armadas estão à espera de reequipamento! Anda cocaína na costa…
Inovar não é reformar…
Apenas disse que tudo não passa de uma espécie de fim do estado de graça, coisa que aconteceu ao actual governo por duas vezes: no dia seguinte à eleição da maioria absoluta e nos momentos que se seguiram ao início da coabitação com o presidente. Com efeito, o actual momento de quebra de promessas, mais um a vez por culpa do governo anterior, apenas revela aquilo que qualquer homem comum sente: os políticos já não respeitam a palavra dada! O que não faria mal se apenas fossem punidos os que prometem não aumentar os impostos e depois os fazem disparar… Infelizmente, porque todos os protagonistas da situação e da oposição já demonstraram que na prática as promessas são para não cumprir, assistimos a uma crescente quebra da confiança pública nas instituições democráticas, dado que começa a fazer-se uma distinção entre a moral privada e familiar e a moral do Estado, dado que nesta última começa a ser regra os fins justificarem os meios, nesse maquiavelismo de segunda categoria, a que muitos chamam “moral de responsabilidade”, quando não passa da tal falsa “razão de Estado”, a que, em português antigo, demos o nome de “arte de furtar”. Ontem, à Eduarda Maio, comentei um pouco estes meandros e acabei por me lembrar, durante o discurso, da clássica frase de Edmund Burke, para quem “inovar não é reformar”. Porque as lideranças governamentais portuguesas apenas encenam inovações, mas sem reformas. Apenas publicam manuais da chamada reforma do Estado, palavras e mais palavras, esquemas e mais esquemas, muitos nomes e pouca parra, não assentes numa cultura reformista e sobretudo nos exemplos morais. Só há reforma quando quem a dinamiza constitui um paradigma que, pelo prestígio e pela autoridade, é seguido por causa daquele imperativo categórico, onde os cumpridores da regra a aplicam porque aquele que a determina constitui um exemplo de conduta, da qual se pode extrair uma máxima universal. Destes politiqueiros que nos enxameiam, apenas aplicaremos o anti-Kant da moral do sapateiro de Braga: tanto não há moralidade, como nem comem todos. E só comeremos todos quando o responsável político der o exemplo de ser o primeiro dos servidores e não o primeiro a servir-se. E hoje qualquer funcionareco sabe que o respectivo subchefe apenas mantém a decadência dos anteriores micro-autoritarismos sub-estatais, com o seu cortejo de subsistema de medo e de clientelismo. Quem tiver dúvidas que vá a uma qualquer universidade pública, para assistir aos últimos capítulos da liquidação do eterno conceito da academia de Platão. A universidade portuguesa que, apesar de tudo, conseguiu resistir ao livro único do pombalismo, à ofensiva do autoritarismo salazarento e aos desvarios do PREC, está agora a ser sujeita aos desmandos de um patrão público que se prepara para tratar da coisa como se esta fosse objecto do capitalismo ou do burocratismo estadualista. E os pretensos tratadores zoológicos nem sequer reparam que a Universidade já existe antes do Mercado e antes do Estado e que não mudou de alma nos próprios países que são o exemplo do melhor capitalismo e do melhor estatismo. Basta dar um salto à república imperial vigente, para compreendermos que o elemento estrutural que deu aos norte-americanos o respectivo “soft power” assenta na circunstância pluralista de aguentarem e fomentarem o conceito de liberdade universitária. Aqui, em vez de homens livres e do respectivo exemplo, apenas temos burocratas e partidocratas que assaltam a hierarquia da falsa autonomia universitária para que a meritocracia não seja possível.
Semana de manipulação da memória
Começo de mais uma semana, em tempo dito de mau tempo, sob o signo da memória, pois daqui a um pedaço estarei a arguir uma dissertação de doutoramento sobre a matéria e, dentro de dias, assistirei a uma operação de revisionismo histórico, onde tentará manipular-se a dita, enquanto o país aguarda ansiosamente o concurso sobre os grandes portugueses, onde um dos candidatos escolhidos é precisamente o grande inquisidor.
Por isso, ao passar os olhos pelos jornais, reparo que um dos nossos partidos legalizados, o PNR, é entendido pelo respectivo líder como uma plataforma, onde se conjugam várias tendências de extrema-direita, desde os salazaristas aos nacional-socialistas ou os fascistas. O equilíbrio, em particular na acção, surge difícil, tendo em conta, por exemplo, o histórico provincianismo de Salazar e o agressivo racismo de Hitler ou o teatralismo de Mussoli ni. Mas o presidente do PNR acha que não.
Vale-me que hoje entrei em experiências de acesso à rede através de uma plataforma sem fios, depois de consultar o mercado e depois de reparar, como potencial consumidor, que um dos quatro grupos da concorrência, depois de prometer uma campanha que duraria até 31-10-2006, decidiu mudá-la na semana passada e não cumprir a promessa escrita anterior, dizendo que até mandou retirar os folhetos que tinha nas lojas. Tentei protestar, não resultou.
Aqui, o capitalismo não tem respeito pela palavra dada, como é timbre da ética protestante que o gerou. Aliás, sempre me podem invocar exemplos de primeiros-ministros que prometeram não aumentar os impostos ou manter as SCUTs. Bem como de ministros da economia ou de secretários de Estado do mesmo ministério que, no dia seguinte a proferirem determinadas afirmações, vêm a público negá-las redondamente.
Mas voltando à memória, apenas direi que quem a procura manipular raramente repara que pode, no dia seguinte, surgir quem desmonte o manipulador, até por razões de legítima defesa da verdade. Basta recordar o tom do relatório de um enviado de John Kennedy ao salazarismo do começo dos anos sessenta, quando o enviado de Washington declarou que Portugal não era governado por um ditador, mas antes por dois fantasmas, o Infante D. Henrique e Vasco da Gama. Isto é, o ditador, fazendo manipulação revisionista da história, tentava que o discurso de justificação do poder parecesse firmado nessas figuras históricas.
Julgo que este modelo salazarento ainda está em vigor em muitos segmentos dos micro-autoritarismos sub-estatais e prevejo que vamos ter uma semana fértil nestas operações de branqueamento. Aqui estarei para as desconstruir. O revisionismo estalinista não tem suficiente lixívia para apagar a verdade, mesmo quando os estalinistas se inscreveram em partidos anti-estalinistas.
Já agora, conto que, numa brincadeira de amigos, fizemos uma simulação de votação dos grandes portugueses. No nosso círculo ganhou o Fernando Pessoa, mas em segundo lugar ficou Salazar, votando neste gente anti-salazarista. Todos chegámos à conclusão que votámos na mesma opção, porque Pessoa é uma espécie de anti-Salazar e Salazar, uma espécie de Anti-Pessoa.
Reflexão sobre o desencanto…
Confesso que, na segunda semana de regresso à rotina deste quintal murado, a que damos o nome de Portugal, me sinto cada vez mais em exílio interno, face a esta repetição de um jogo do mais do mesmo, propício à manutenção da presente ditadura da incompetência e aos noticiários do faz de conta. Ainda ontem os gloriosos intelectuais ocupantes do teatro Rivoli no Porto, depois de não terem sido recebidos pela senhora ministra da cultura, punham a hipótese da luta armada, coisa que, naturalmente, estimula o povo inteiro a votar no concurso dos grandes portugueses, onde até concorre Salazar.
Mesmo quando passamos para a alta política, reparamos que o ministro encarregado de dar injecções de confiança aos operadores económicos diz, um dia, que a crise acabou para, no dia seguinte, proclamar que quem diz isso padece de infantilismo, enquanto os impostos aumentam e as SCUTs passam a pagar portagem, porque todos leram os lábios de Sócrates antes de ter sido eleito salvador da pátria. Vale-nos que o CDS zela pela moralidade lusitana e aí está como última trincheira do direito à vida e adversário dos interesses da Clínica dos Arcos. Não me convence. Continuarei a votar como no último referendo, a favor da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, secundando, neste caso, a proposta do PS.
Apenas confirmo que também as pátrias tendem a perder a energia colectiva, quando se deixam enredar no desleixo e entran naquele vazio de pensamento e de entusiasmo que nos levam à frustração. É o que acontece aqui e agora, nesta brevidade das coisas prometidas, quando quem sou se dispersa e se revolta.
É nestes momentos de cinzento que podemos voltar a ser. Basta repararmos que, por vezes, nos chega a tal escrita automática onde as próprias palavras se não pensam, naquilo a que alguns chamam inspiração, quando, no máximo mais profundo de quem somos, sentimos que somos todos os que antes de nós sentiram esta serena revolta de resistirmos.
Há sempre vozes de um todo que falam dentro de cada um. Essa força que nos excede e nos compele, mas de quem somos parcela, nessa antiquíssima corrente de viver o pensamento, quando, por dentro, cada um não é apenas um eu, mas todos quanto por nós dentro nos fazem ser todos os outros.
Não há desencanto que desfaça a força de um colectivo que resista. Falta apenas a palavra sucinta que nos incite, o verbo de quem somos o princípio, a raiz da força que nos faça levantar.