Há cento e cinquenta anos, quando ainda não havia Maria Filomena Mónica nem Mariano Gago, tinha lugar a inauguração solene do caminho-de-ferro entre Lisboa (Santa Apolónia) e o Carregado, com o cardeal-patriarca de Lisboa a abençoar as carruagens. Havia ecologistas progressistas que queriam conservar o que estava, gente que preferia continuar a andar de burro e muitos que já imaginavam ir desta para melhor. Tal modelo de action man chamava-se, então, Fontes Pereira de Melo e, sobre as novas tecnologias da informação, declarava: Acima do cavalo da diligência está o trâmuei, acima deste a locomotiva, e acima de tudo o progresso! (discurso de 18 de Fevereiro de 1865 na Câmara dos Deputados). O povo continuava a não existir. Só se concretizou quando deixou de ser patego a olhar o balão e tratou de ver passar os mesmos comboios de sempre, com algum atraso. Que venha a reforma dos reformadores! Acordo, ainda virado no corpo e sem poder ir à farmácia comprar um qualquer antí-virus, porque só inventaram até agora anti-bacterianos para o corpo humano e a vacina não parece que seja terapêutica. Clico nos jornais e semanários de sábado. Leio que um ministerial herói anti-corrupção suspende coronéis da GNR e vejo outro ministro que se diz anti-socrático, talvez por nunca ter lido Platão. Reparo que outro antigo ministro, excelente crítico de cinema, num semanário “on line”, se indigna por não termos comemorado em Portugal o centenário de Hannah Arendt e trata de recolher duas ou três frases, obtidas nos “magazins” da estranja, para se assumir como recolhedor de frases da antiga assistente de Arendt que, por acaso, ainda ontem, aqui, proclamava como minha mestra. Nada a criticar. Só que, ao clicar nos comentários reparei no nível de alguma da nossa opinião crítica, dado que alguns dos melhores interactivos agradeciam ao publicista o facto delhes ter dado a conhecer “essa excelente senhora”. Apenas noto que também durante a Guerra, a judia errante, ao fugir da Alemanha estacionou aqui em Lisboa, num percurso até agora desconhecido, talvez porque os publicistas de então ainda estivessem cinquenta anos atrasados. Vale-me que os socráticos do PRACE vão finalmente reformar o Estado à Teixeira Santos. Vão extinguir centenas de organismo, passar para a disponibilidade milhares de funcionários, cortar na dívida da Madeira e mandar o reformador-mor fazer o PRACE na mesma ilha. Que a cirurgia resulte para bem de todos, mas que no bloco operatório não falte a luz ou não haja inflitrações pelo telhado, que isto de operações plásticas, tirando gordura da pança para a meter no bandulho, raspando um osso aqui para pôr uma prótese ali, pode afectar o nervo da própria governação, porque mexe nas consequências sem tratar das causas, nomeadamente quando se inocula um antibacteriano para tratar do vírus, assim eliminando os anticorpos. Só a vacina resulta, se ela já tiver sido inventada. A obesidade do aparelho de Estado só se trata se começarmos pelo cérebro da coisa, chamando, primeiro, o psiquiatra e, depois, o neurologista. Tratar depressões com trepanações é pior do que o recurso à bruxa. Sugiro que Teixeira Santos consulte o senhor Padre Fontes lá das serranias do Barroso. Ele bem lhe pode transmitir o que o arcebispo dessas terras foi um dia dizer ao Concílio de Trento: os senhores cardeais precisam é de uma valentíssima e reverendíssima reforma! Sugiro que chamem o reformador-mor da Madeira para continuar a reformar a república inteira. Já agora, ilustre possuidor da cadeira de Salazar , leia mesmo as páginas de Hannah Arendt sobre o governo dos espertos e o domínio perpétuo do acaso, para concluir que a nossa administração está cada vez mais otomana. Até porque perceber nunca foi compreender e explicar não é o mesmo do que pensar. Ninguém reforma aquilo que não é capaz de pensar e praticar. Por isso é que talvez venha a fazer greve de revolta.