Há dias em que compreendemos bem existencialmente quanto custa esse espaço de libertação que nos leva a tentar a procura daquela autonomia que nos manda ser um homem livre, quando apetecia ceder à servidão, sem reconhecermos que a culpa da escravatura está na circunstância de não haver a necessária revolta dos escravizados. Há dias que, em nome de tal exigência, importa mais descobrir o silêncio do que confirmarmos a não existência do paraíso. Por isso, vale mais dizermos que hoje, aqui e agora, não diremos a razão funda da nossa revolta. Por isso, não falaremos em sistema político e universidade, para não sermos acusado de insinuações. Mantendo os pés na lama do caminho e continuando a caminhar, preferimos, hoje, olhar as estrelas, porque ainda não apetece olhar o sol de frente. Apenas apetece dizer que não nos importa pagar a factura do exercício da nossa liberdade de expressão de pensamento neste blogue, contra a ignorância, o fanatismo e a intolerância. Tentarei continuar a viver como penso, sem pensar como vou vivendo. Isto é, sem ceder ao antiquado torcer do velho feudalismo, agora pintado de pós-moderno pelo chamado esquema da idade das redes e da troca de favores. Continuo a dizer, como Régio, que não, não vou por ai. O dia está de um belo azul de Outono, as cores são nítidas e não se reduzem ao preto e branco do maniqueísmo, com que se continua a conjugar o poder.
Monthly Archives: Novembro 2006
Na prática, a teoria é outra…
Ao contrário dos ilustres discursadores sobre a reforma universitária que, há tantos anos não dão aulas, hoje, não tenho espaço de tempo para escrever sobre a universidade, porque tenho, daqui a pouco, muitos alunos a quem devo dar aulas, neste sistema de comprimido semestral onde, na práticam, a teoria é outra. E como cada aula é uma coisa que nunca se repete e não a alínea trinta e três do artigo trinta oito do programa trigésimo novo, da ficha e do descritor quadragésimo, que o planeador meteu na tripa do respectivo hemisfério cerebral da zona Sul, peço desculpa por esta interrupção e adeus até ao meu breve regresso ao blogue. Questionem os ministros e ex-ministros, reitores e ex-reitores, do programa da Fátima sobre há quantos anos não vivem a aventura de ter que ensinar caloiros…
Viva Guerra Junqueiro, mais uma vez! Viva a imaginação contra o neocorporativismo!
O ministro científico, e sub-secretário de Estado do ministro do orçamento para as Universidades, distinto físico, tendo ao seu lado um catedrático de inteligência artificial, enfrentava o reitor-primaz, ilustre químico, e o reitor da clássica de Lisboa, ilustre catedrático de psicologia, ramo esse que o ministro, ontem, incluiu nas teológicas e metafísicas humanidades, talvez aflito porque a árvore das nosssas especialidades já vai em 1 600 cursos ditos superiores, naquela fragmentação típica da ciência exacta do laxismo que nos desgoverna. Na plateia, estava toda a oficiosa inteligência nacional, com a maioria dos reitores públicos e privados, à excepção do concordatário, bem como vice-reitores, adjuntos de reitores, presidentes de politécnicos, associativos-mores da estudantada, avaliólogos, ornitólogos e e outras espécies. Poucos eram os ex-ministros e secretários de Estado da democracia, mas, muito aposentadamente, notei dois membros do governo do salazarismo e um ilustre deputado da antiga senhora, entre os manda-chuvas do actual “sistema”. Mais uma vez dei razão a Guerra Junqueiro: isto só poderá dar à luz quando arder. Porque não pode continuar como está uma instituição que perdeu a ideia, que não cumpre as regras do processo nem gera manifestações de comunhão entre os seus membros. Sem ideia de obra ou de empresa, resta o arremedo de retórica, a voz forte da propaganda e o decadentismo do rei ir nu, onde todos ralham e ninguém tem razão. Isto preciso de um baralhar e dar de novo, não pela revolução, mas pela reforma. E, sobretudo, pela reforma cultural das mentalidades, um pouco à maneira do ovo de Colombo. O espírito de Saint-Simon e de Auguste Comte, mesmo com vestimentas e cabelóides da “fashion” pós-moderna dominou ontem um debate de um Portugalório das minúsculas com muita mania das grandezas e alguns mortos-vivos. Discutiram razões finalísticas dos calculismos dos merceeeiros e voluntarismos politiqueiros. Raros repararam na chamada terceira dimensão da alma humana: a imaginação. Com tanto vocabulário dos pró-activos e dos ex-activistas, poucos compreenderam coisas que neste momento estão a ser dinamizadas por novas formas científicas, como a criatividade e outras loisas que os físicos atómicos ainda consideram humanidades ou simples cultura geral. Com esta clique, vamos todos ao fundo da nossa depressão. A universidade, desde que Platão fundou a Academia e desde que, nos finais do século XIII, inventámos a Europa, o comércio, as autonomias das reinos e a primitiva Bolonha, sempre foi uma universitas scientiarum, a universalidade das ciências, especializada na observação daquela dignidade da pessoa humana onde cada homem é sempre um ser que nunca se repete e onde a descoberta sempre passou por problemas que só podem ser superados por novos problema, através da clássica ars inveniendi. Falar de cima para baixo, nessa comteana révolution d’en haut , a que muitos chamam catedratismo, apenas merece a nossa gargalhada.
Um postal metafisicamente equívoco, mas com os pés presos na lama da terra-mãe
Pobre universidade portuguesa, fundada nos finais do século XIII, cativa que começa a estar dos tradutores em calão dos manuais de “hardware”, com que os colaboracionistas dos novos colonizadores nos querem transformar em mero protectorado tecnológico dos novos donos do mundo, desses potentados para os quais saber é poder e não deixam que a pretensa periferia ouse penetrar nas torres cimeiras do “software”. Estou cansado das proclamações ministeriais de desvio de fundos para a uma ciência que se pensa regulamentada pelos painéis planificacionistas, dado que elas podem acelerar a chegada do tempo dos intelectuários, essa mistura da “intelligentzia” com o serventuário, coisas que sempre entraram, chouriçamente, na constituição do clero. Ciência em portugalês começa a ser essa bicha de especialistas no preenchimento das fichas exóticas dos mestres de obra dos construcionismos neopositivistas e toda a sua clique de assessores e gabinetes jurídico-económicos, esses novos nomes de uma burocracia técnica, com que se disfarça o novo manga de alpaca do sargento verbeteiro, onde as andorinhas do subsídio não fazem a priavera, com tanto desperdício em sucata. Por outras palavras, os bem intencionados desta nova era da Idade da Ciência, contra as trevas das Idades da Teologia e da Metafísica, se não leram Saint-Simon, frequentaram cursos de formação acelerada no INA em Excel e Open-Office e proclamam o exacto e verdadeiro científico, sem repararem que caíram nas redes dos pescadores de água turvas, desses que confundem bruxaria com futurologia, por errro na tradução automática do Google. É por isso que não vale a pena desperdiçar pérolas de “sophia” e “phronesis” com a criadagem de certa suinicultura que pensa disfarçar o mal-cheiroso de uma conduta indigna com muita contrafacção de água de colónia, para uso na diplomacia do croquete, como já se vivesse em pleno Petro-Estado, susceptível de enfileirar em meros processos cleptocráticos, mesmo que tudo se recubra com o pó-de-arroz do português suave.
Das loiras dissidências do PC, ao neopidismo pretensamente científico em seu máximo fulgor ficcional
Apesar de tanta chuva, o garbo da família militar vai dando passeios e fazendo viagens pela nossa terra, enquanto a terra for nossa e o povo existir. Até porque se anuncia a aplicação do plano tecnológico de luta contra o défice ao estatuto da carreira docente, coisa considerada heróica, só porque a ministra diz que tem, com ela, o país contra os professores, e o PCP decidiu tirar do palco os deputados Odete Santos, Abílio Fernandes e Luísa Mesquita, com esta a resistir, clamando que nunca foi objecto e que, ao ir para a política, perdeu a carreira académica.
Se ao menos fosse do MES, sempre poderia ter-se inscrito a tempo no PS, fazer a carreirinha e ser agora ministra, com o apoio de todas as bentas associações de pais. Resta-lhe pedir conselho à colega Odete e ver como andam as candidaturas ao teatro de revista.
Cá por mim, prefiro continuar a recolher elementos para o estabelecimento do perfil deste tipo antropológico, oriundo de certas frustrações do pós-Maio 68, onde os vestígios de feminismo exaltado são uma mistura de ortodoxia ideológica e de passagem para o outro lado da barricada, mantendo, contudo, a verbe viperina e a infra-estrutura dogmática.
Ainda há dias me davam conta de mais uma representante dessa espécie de sindroma, a nível docente, onde uma senhora que pretende ser campeã da luta contra o racismo e os reaccionários, trata todos os que a não seguem pela difamação, pela mentira e pelo insulto cobarde, por trás das costas, qualificando-os como fascistas e “boxeurs”, só porque não são tão WASP como ela pensa que é e denunciam o modelo de KuKlux e de terra queimada.
É evidente que, habituado a esta técnica, que até assenta no científico de uma inteligência pidesca, resultante de um longo convívio de prestação de serviços a ministros e serventuários salazarentos, apenas tenho de notar que há sempre um neodogmatismo pretensamente antidogmático, essa mera consequência daquele paralelograma de forças a que se chama politicamente correcto, onde os pretensos carneirinhos das maiorias conjunturais fazem o que já fizeram os inquisidores e os nazis: inventam os seus cristãos novos e os seus judeus, em nome de princípios, mas apenas por aquele oportunismo das corridas carreirísticas, alimentadas a subsídios.
Eu próprio ouvi de um conhecido serventuário salazarento que, depois de Abril, iria minar o terreno da instituição em que acabava de deixar de ser soberano Kim Il Sung, com Pompadours e tudo: “deixei a casa cheia de bichanas que irão, durante muitos anos, morder as canelas daqueles que me desobedeceram”.
Eles e elas ainda andam por aí. Mas não tenho medo. Sei os cursos neomaquiavélicos de propaganda, assassinato de carácter e de boato que tiraram junto das centrais de repressão do Estado de Segurança Nacional e conheço muito dos meandros da “operation chaos” que juntou fascistas e certos esquerdistas pretensamente revolucionários.
Ser azul e branco, por Portugal contra os agentes da Santa Aliança
23.11.06
Ontem, no Chiado, «com gosto» (bom) e «sem complexos», os «valores nacionais em comum» cruzaram-se, com Manuel Alegre a apresentar uma biografia de Dom Duarte, da autoria do meu amigo e companheiro de valores Mendo Castro Henriques. Porque há valores, segundo Alegre, «que não precisam de sondagens para saber se querem continuar a ser portugueses». Porque, segundo Alegre, “são precisos patriotas que saibam renovar e afirmar a os valores permanentes de Portugal». Porque, segundo Dom Duarte, «os valores patrióticos não são um monopólio da Monarquia ou da República, da Esquerda ou da Direita». Porque, segundo Mendo, os portugueses têm que estar «preparados para as surpresas da História». «Os mesmos que nos vendiam o Fim da História impõem-nos agora o Choque de Civilizações».
Não estive na sala, mas estive sempre com a obra e com o gesto. Sempre detestei os jogos de Corte, mesmo quando as três pessoas que citei no parágrafo cimeiro me merecem os máximo de respeito e de solidariedade, em nome do patriotismo científico. Não me apetecia certos encontros com alguns conselheiros e cortesãos que por lá devem ter bailado na postura boba que os caracteriza. E como temi que o desejo de silêncio não conseguisse conter a força da revolta, preferi continuar o que sou: um azul e branco, tão azul e branco que continuaria a desembarcar no Mindelo, contra os agentes da Santa Aliança e os seguidores do partido do Ramalhão. Um grande abraço ao Mendo e ao sentido de saudades de futuro do Senhor Duque de Bragança.
É a hora dos seguidores de Guerra Junqueiro e de Teófilo Braga deixarem de olhar uns para os outros em disputas micropolíticas. O que está no centro das bandeiras é o símbolo da nossa comum religião secular . E um dos avôs do actual duque de Bragança é o tal rei que agonizou na mesma sala Dom Quixote do Palácio de Queluz onde nasceu. Abaixo a guerra civil que nos transformou em peões de Madrid, de Moscovo e de Viena, contra as jogadas de Londres e de Paris. Para que a honra da legitimidade volte a casar-se com a inteligência da liberdade, juntando a nação, da racionalidade valorativa, com o Estado, da racionalidade finalística. Continuo no partido de João da Regras, de Febo Moniz, de João Pinto Ribeiro e do Sinédrio. Contra os ministros do reino, por vontade estranha…
A ditadura da incompetência que nos ameaça…
Hoje há boas notícias: este péssimo regime democrático, apesar de ser o menos péssimo de todos quanto temos experimentado, está em 19º lugar no “ranking” universal da qualidade democrática. Manuel Alegre vai apresentar um livro sobre o senhor duque de Bragança, o Benfica e o Porto ganharam os jogos de ontem e o governo vai apresentar o relatório de avaliação da Associação Europeia para a Garantia de Qualidade no Ensino Superior (ENQA) sobre os nossos avaliadores universitários, onde se comprova o que alguns, poucos, tinham dito sobre a coisa, denunciando a “independência limitada”, a “ineficiência operacional e inconsistência” e a “falta de consequência das avaliações”. Por outras palavras, tudo depende da escolha dos avaliadores e, agora, da escolha dos avaliadores dos avaliadores.
Sobre a matéria, apenas digo que já escrevi todas as frases que tinha de escrever, embora, então, me sentisse quase a clamar no deserto e me tivessem interpretado erradamente, principalmente por alguns que preferiram ir para a barganha do toma lá, dá cá. Eu próprio assisti a como se escolhiam os avaliadores internacionais da minha área: um inglês que um antigo assistente do presidente conhecera nas suas férias de investigação turístico-científica na Albion, o amigo da amiga que foi colega da tia em Bruxelas, ou o antigo “inteligente” já aposentado, de outras partes do mundo, que tratava por tu o tio mandador, para não falar nos três criados de servir fora da área que o mesmo tio colocou para garantir obediência no relatório, ao mesmo tempo que excluía os representativos ou que metia cunha aos activos para indicarem outro sobrinho não indicado espontanemanete pelos pares, nessa engenharia de prestígio fabricado e citações mútuas, com consequentes noemações feudais de júris e colocação de professores, incluindo os jornalistas com eventual interferência na elaboração das memórias do coiso e da coisa, sem falarmos na própria influência no modelo de distribuição de subsídios à pretensa investigação científica, à boa maneira salazarenta.
Mais interessantes são as novas sobre um tubarão-frade com cerca de sete metros e 2,5 toneladas foi rebocado por quatro pescadores de Sesimbra. Ao que consta, o dito não come criancinhas, nem ao pequeno almoço. Também o ex-director-geral do Benfica José Veiga ameaçou hoje «revelar certas e determinadas coisas» relativamente à transferência de João Vieira Pinto caso o Sporting não diga a verdade «quanto aos mais de três milhões que desapareceram», enquanto seis ginásios da zona da Grande Lisboa receberam ontem de manhã ameaças de bomba em poucos minutos.
Julgo que não vale a pena instrumentalizarmos rivalidades clubísticas para questões de polícia. Estão em causa situações bem mais graves porque pode ser que, com tanto ruído, não se aplique o princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado e que continue a pagar o justo pelo pecador. Com esta crise da administração da justiça e da universalidade do imposto, a democracia pode deixar o belo 19º lugar e começar a emergir uma onda de descrença que leve populistas ou autoritaristas a clamarem pela reconstrução do Estado, em nome do securitarismo ou do Estado de Juízes. Basta notarmos a desvergonha do grupo de pressão bancário, que continua a pôr em causa a autoridade do Estado, insinuando deficiências técnicas dos serviços públicos ou o próprio esquema do financiamento partidário.
Reparo até com os elogios sindicais ao director-geral dos impostos a quem pagamos mais do que o vencimento do próprio Presidente da República. Porque quando apenas atendemos a resultados quase estamos a dizer que vale a pena privatizarmos a recolha de impostos, à boa maneira dos publicanos e da pré-estadual venda dos cargos públicos. Qualquer dia, alguns neolibistas, esquecendo o racional-normativo da burocracia weberiana, proporão que o ministério das finanças passe para uma qualquer consultadoria da globalização financeira. E, se continuarmos nessa via, até poremos a concurso público internacional a própria governação, quando esta passar a ser mera pilotagem automática, ao serviço de regras alienígenas, independentes da cidadania.
Assim, não tardará que um qualquer Habsburgo, benzido pelo Vaticano e subsidiado por uma qualquer banca, WASP ou OD, se disponha a pôr-nos na ordem, à maneira de Filipe II. Resta saber se não estamos apenas a reconhecer que ameaçam muitos sinais de começarmos a viver em plena ditadura da incompetência.
Para além da fachada escavacada, há restos de frescos nas velhas paredes
Mantemos a orgulhosa fachada, escavacamos por dentro, vamos destruindo os frescos e sustentamo-los com ferro importado, para glória dos patos bravos que nos vão reconstruindo, enquanto vemos, ouvimos e lemos o sindicato dos principais patrões, os da banca, pressionando publicamente governos e parlamentos. Já os pretensos intelectuais continuam suas disputas escolásticas, à procura da via ideológica justa e quiçá do Texto que nos dê a ilusão de abrir todas as portas dos amanhãs que cantam, desfazendo todas as dúvidas de quem sofre a angústia da procura. Não, não vou comentar a homenagem do samba ao grandioso líder da nossa oposição política, ou os meandros da crise coligativa na autarquia lisbonense. Apenas observo que, entre os velhos e novos clérigos, que venha o Diabo e escolha. Por mim, prefiro os que não alinham na denunciação de ouvida e detestam burocratas broncos e sargentos de caserna, desses que muitos pobres de espírito qualificam como homens de sucesso, só porque conseguiram a adequada colocação num posto de vencimento, obtido através de adequada cunha junto de um qualquer senhor ministro ou comendador e que se sentaram em lugar cimeiro da pirâmide da distribuição do poder, onde um mais um acabam por poder ser menos do que um. Face a esta secular frustração da não organização do trabalho nacional, onde continua a faltar o risco da avaliação do mérito e a incapacidade para se premiar a irreverência, o intelectual português tem caído no vício de uma atitude pretensamente anti-religiosa, mais pelicularmente ateia do que gnóstica, resvalando quase sempre para os abismos de um materialismo, chame-se sensualismo, utilitarismo, positivismo, naturalismo, marxismo ou neolibismo. O que é particularmente notado nos que acedem ao pretenso do pensamento pela leitura de vulgatas ou obras de propaganda. Felizmente que alguns desses novos clérigos, quando passam da “intelligentzia” à militância, podem atingir aquele nível de autenticidade e da ética da convicção que lhes dá um estado de ascese, a qual, mesmo quando a ideologia continua materialista, assume a inevitável beleza do espírito. Porque até em pleno niilismo e relativismo é possível encontrar a tal dúvida criadora que nos faz acalentar a procura.
Nos trinta anos de constituição, “n’ayez pas peur”
Logo à tardinha, encarregaram-me de gastar alguns minutos num discurso sobre os trinta anos de constituição, por ocasião da abertura da exposição organizada pela Assembleia da República, que teve como comissário científico, o Professor Doutor António Reis. Daí percorrer alguns dos meus anteriores escritos para reconhecer que quando uma determinada sociedade se organiza politicamente têm de surgir regras básicas ou estatutos fundamentais, verbalmente formalizados ou não, que regulem o modelo orgânico dessa comunidade política. Isto é, tal como onde está a sociedade está o direito (ubi societas, ibi jus), eis que onde está o político tem de estarum estatuto jurídico do político, tem de existir uma constituição, expressão que, sem esforço, podemos fazer equivaler tanto à politeia de Aristóteles como às antigas leis fundamentais das comunidades políticas pré-modernas. Porque há uma ideia de luta pela Constituição, enquanto luta pela procura de um fundamento para o poder e luta pela fixação de concretos limites para o respectivo exercício, que se perde nas raízes da nossa civilização ocidental e se identifica com a própria liberdade europeia, traduzindo um longo processo deinstitucionalização do poder e de juridificação da política. Por isso, pouco me interessa essa tarefa minúscula e platónica de fabricar Constituições… de que falava Basílio Teles, com a consequente glorificação quase necrológica de constituintes e constitucionalistas, porque é mais importante a criatura do que os eventuais criadores. Porque, nestes trinta anos, a principal homenagem que devemos prestar não é ao texto, mas antes à ideia que o produziu e que comunitariamente o consolidou, neste péssimo regime que, contudo, é o menos péssimo de todos quantos temos experimentado. Interessa, sobretudo, homenagear aquela ideia de Estado de Direito, onde acima da lei está o direito e acima do direito está a justiça. Porque, como recordava Fernando Pessoa, se o Estado está acima do cidadão, o homem está a cima do Estado. Interessa também salientar que, muitas vezes, temos conseguido espremer, uma a uma, as gotas de micro-autoritarismos que ainda nos poluem, esses restos desubsistema de medo que marcam os pós-autoritaritarismos e os pós-totalitarismos, esses atavismos absolutistas que dizem que L’Etat c’est moi e que quod princeps dixit, legis habet vigorem, porqueprinceps a legibus solutus. Infelizmente, mesmo a nível da universidade, continuam muitos segmentos do regime des décrets que, segundo Hannah Arendt, coincide com o governo da burocracia, essa mera administração que aplica decretos, existente nos Estados imperiais, como o czarismo russo e a monarquia austro-húngara, bem como em certos impérios coloniais. Os burocratas destes regimes que administram territórios extensos com populações heterogéneas, pretendem suprimir as autonomias locais e centralizar o poder, mas apenas exercem uma opressão externa, deixando intacta a vida interior de cada um, ao contrário dos totalitarismos contemporâneos. É uma espécie de domínio perpétuo do acaso e de governo dos espertos onde o burocrata tem a ilusão da acção permanente e onde, por trás dos decretos, nem sequer há princípios gerais de direito. Não sei se vou ter tempo para clamar o regresso do patriotismo científico, numa centenária escola universitária pública que já serviu quatro regimes e que certo revisionismo histórico e alguma literatura de justificação confundem com uma escola de certo regime, esquecendo-se dos pais-fundadores da monarquia liberal de da primeira república, do inspirador, Luciano Cordeiro, a um dos primeiros graduados, Álvaro de Castro. Porque, no começo deste novo século da escola, não podem continuar apagadas as profundas memórias que nos ligaram aos próprios factores democráticos da formação do Portugal contemporâneo, para parafrasear Jaime Cortesão. Importa recuperarmos fontes históricas adormecidas pelo autoritarismo salazarista, onde está por inventariar o esforço de subversão criadora de um Sarmento Rodrigues, o ministro que, tardiamente, nos tentou fazer regressar ao conceito do universalismo lusíada que havia sido lançado por Paiva Couceiro e Norton de Matos, especialmente na sua ligação a Gilberto Freyre, ou o simbólico papel que aqui teve o nosso docente Agostinho da Silva. Tal como importa assumirmos certos pecados no afastamento de professores como Vitorino Magalhães Godinho ou, mais recentemente, com a recusa de contratação de Luís de Sá. Comemorarmos os trinta anos de constituição tem de ser assumirmos a bela ideia de luta pela Constituição, com verdade e autenticidade, espremendo gota a gota o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: n’ayez pas peur, na servitude volontaire o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhe dá, um poder que vem da volonté de servir das multidões que ficam fascinadas e seduzidas por um só.
As primárias dos estados gerais da direita, ou a escolha das sete maravilhas de Portugal
Começou ontem, com pompa e circunstância, a primeira fase do concurso das “Sete maravilhas de Portugal”, com o lançamento das primárias que hão-de mobilizar os estados gerais da direita. Quase em concorrência directa, tivemos os primeiros passos da campanha de Aníbal Cavaco Silva e de Pedro Santana Lopes, enquanto Maria José Nogueira Pinto (Avilez) era despedida por um descendente do ex-presidente Carmona na autarquia alfacinha e Pedro Duarte se zangava com Rui Rio, lá para as bandas da Foz do Douro, enquanto, em Navarra, António Ramalho Eanes se assumia brilhantemente como doutor em filosofia e letras, negando pertencer ao Opus Dei, com o CDS a abster-se na socrática lei das finanças locais.
Confesso que, de todos os espectáculos oferecidos nessa quinta-feira gorda, preferi o Pedro e pus o “video” a gravar o Cavaco, porque não gosto de enlatados que, como a pescada, antes de o serem já o eram. Quanto ao Doutor Eanes, também já vi o fim do filme, dado que, no próximo ano, estará nos claustros da universidade concordatária, talvez a disputar o cargo de John Charles Sword, tão atarefado que este anda a preparar as relações de Belém com as correntes profundas neocons e neolibs. Quanto ao resto, senti, ontem, que ardiam as orelhas do fafense, supremo comendador do PSD, talvez a pensar em engrossar as fileiras dos estados gerais de Manuel Monteiro, para que também já se mobilizou Ribeiro e Castro, enquanto Paulo Portas prepara o ensaio de regresso ao palco, agora que Rumsfeld o deixou.
Pedro, que prometeu nunca mais dizer nunca, mostrou estar disponível para receber o apelo dos seus exércitos de apoiantes, quando tiver a sua situação profissional estabilizada e receber os direitos da 50ª edição das suas obras. O crítico de cinema da SIC, Paulo Sacadura, assistiu à cena, mortinho de inveja, e não consta que tivesse convidado Marcelo Rebelo de Sousa para um almoço de paz de Deus. Entretanto, o antiquíssimo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, teve que reler o discurso que fez ao Concílio de Trento, percebendo que ainda não era desta que os seus padres da Serra do Barroso abandonariam a tradicional poligamia da sacristia lusitana, produtora dessa maravilhosa tribo, dita os filhos do senhor prior…