Vem na primeira página de um sensacionalista de hoje, com fotografia e tudo: Saramago confessa ligação fascista. Respirei fundo, olhei outra vez, pensando tratar-se de confissão social-fascista e que se iriam revelar os arrependimentos do chefe comunista do Diário de Notícias em pleno PREC, quando saneou jornalistas que se lhe opunham. Passei para o interrior do mesmo jornal.
O título ainda entusiasmava em voyeurismo: Confissão: Prémios Nobel desvendam passado. Saramago e Grass ligados ao fascismo. O subtítulo já perdia gás: os escritores José Saramago e o alemão Günter Grass, ambos prémios Nobel de Literatura, em 1998 e 1999, respectivamente, estiveram ligados aos regimes fascistas dos seus países.
Finalmente, no texto, a montanha paria um rato: Chegou a hora de fazer minha confissão: Eu pertenci à juventude salazarista, que se chamava Mocidade Portuguesa. Pertencíamos todos: alunos da instrução primária, do ensino secundário, do ensino superior, todos sem excepção. Era, por assim dizer, automático.
Por outras palavras, Saramago apenas confessava que tinha andado no equivalente ao ensino secundário nos anos trinta e que, como todos os alunos do ensino oficial, tinha que participar obrigatoriamente nas actividades circum-escolares que eram, então, monopolizadas por uma organização oficial chamada MP.
Saramago, em pretensa ironia, apenas pretendia branquear Grass e dizer-se herói antifascista, porque, no dia em que devia usar a farda, a mesma tinha-se esgotado no depósito distribuidor. Saramago teve ligações ao regime fascista porque andou na escola do tempo do dito cujo, tal como Salazar esteve ligado ao regime maçónico da monarquia liberal e da primeira república porque andou na escola durante os dois e até foi funcionário público e deputado no segundo.
Isto é, Saramago esteve tão ligado ao regime derrubado como vinte e cinco milhões de pessoas que viviam sob a soberania do Estado Novo. Andar no liceu e estar obrigado a frequentar as actividades geridas pela Mocidade Portuguesa nunca foi o mesmo do que ser voluntário das SS, tal como a MP não era as SS e Salazar não era Hitler. Confundir os campos é ser trapalhão. Repetir a propaganda do militante do PCP e alinhar na confusão é alimentar a patranha.
Saramago fez o mesmo do que todos os portugueses que andavam no ensino secundário antes da reforma de Veiga Simão que, antes de ser ministro abrileiro, com o PS, foi ministro da educação do tal regime fascista, quando aboliu a obrigatoriedade da MP.
Eu também fui obrigado a frequentar as actividades da MP. Só que, nessa época, o meu pai teve que comprar a farda do feijão-verde, já não a ofereciam… Dizer que frequentar tais actividades era o mesmo do que alguém inscrever-se no partido único ou participar voluntariamente na Legião Portuguesa é quase dizer que Veiga Simão foi ministro à força, ou que fez um dos discursos do dez de Junho porque foi previamente torturado pela PIDE…
Apenas acrescento que seria interessante listarem os membros dos partidos antifascistas que foram da Legião, da UN e da ANP. Ou então falarem nos graduados voluntários da MP que, depois de Abril, se passaram psicanaliticamente para os novos inquisidores. Ainda iam apanhar ex-presidentes da FRELIMO… basta consultarmos os arquivos disponíveis na Torre do Tombo!