Ora aí está uma excelente notícia, com a OCDE a descobrir aquilo que alguns têm vindo a proclamar: que universidades e politécnicos públicos passem, gradualmente, a ser fundações financiadas pelo Estado, mas geridas como se fossem do sector privado, e que professores e trabalhadores não-docentes das escolas percam o vínculo ao Estado e deixem de ser funcionários públicos. Por mim, julgo já o ter proposto, com as letras todas, numa conferência que proferi no Instituto Francisco Sá Carneiro em 3 de Outubro de 2000, a convite de José Manuel Durão Barroso, onde também denunciava, de forma veemente, a sistémica avalióloga que estava a emergir. Sofri as consequências persecutórias de ter tido razão antes do tempo.
Como liberal que sou, mas defensor da não fragmentação do papel supletivo do aparelho de Estado, quero que esta forma de comunitarização das universidades, à maneira das “corporations” anglo-americanas, nos consiga libertar das teias do salazarento corporativismo e do seu irmão gémeo negocista, com que muitos socialistas e sociais-democratas traduzem as belas ideias de desregulação e de desestadualização, ao reduzirem-nas aos fins do lucro e da subsidiocracia.
Porque a destruição do modelo pombalista, napoleónico e salazarista de universidade deve ser acompanhada pelo lançamento de uma forte política pública de criação de um sistema de creditação, que garanta a efectiva igualdade de oportunidades. Mas esta novidade, que, afinal, é um regresso ao conceito medieval de corporação de mestres e sociedade, além de ser flagrantemente inconstitucional, não tem raízes na nossa tradição de deduções cronológico-analíticas, embora seja a mais conveniente para as manobras de engenharia financeira do nosso combate ao défice orçamental, com o governo a poder lavar as mãos como Pilatos e a cair numa espécie de governação sem governo, típica das pilotagens automáticas que pouco se preocupam com as liberdades nacionais.
Com alguma desta gente educacionóloga e avalióloga, corremos o risco de uma asiatização do nosso sistema de ensino superior e poderemos cair nas garras sorridentes do grande negocismo, como ocorreu com o lançamento das quase defuntas privadas, cuja imagem de marca se perdeu no Tribunal de Monsanto. Mas vale a pena tentarmos. Os tempos que nos devoram exigem que a ideia de universidade passe a rimar com os homens livres.
Por estas e por outras é que ontem me calei em blogue. Há dias em que, de tanto dizermos diante de outros públicos, nada dizemos a esta anónima comunidade blogueira, com quem, quase quotidianamente interagimos, executando este papel de publicistas, onde procuramos não confundir o privado com o publicitado, o ramo da árvore com a floresta, os grupos institucionais de conflitos com a pátria e até as tecnocratices com a ideia de “universitas scientiarum”.
Ontem foi mais um dia de muitos outros onde não descobri o silêncio nem a falta de paraíso, com mais uma prova de doutoramento onde fui um dos arguentes e uma conferência em memória de um dos maiores professores universitários do século XX que, por acaso foi presidente mandador mor da nossa república. Um dos que viveu a angústia do conflito entre a ética da convicção, como deve ser a razão da Universidade, e a ética da responsabilidade, que faz submergir o humanismo no mar maquiavélico da chamada razão de Estado.
E Marcello Caetano, é dele que estamos falando, não conseguiu conciliar o lume da dita racionalidade finalística (a Zweckrationalitat de Weber) com o lume da dita profecia (Padre António Vieira), equivalente à weberiana racionalidade valorativa (Wertrationalitat). Ficou-se pela angústia, pela fidelidade a uma certa ideia eterna de universidade e pelo sonho de um certo patriotismo científico. Faz hoje parte da nossa história dos vencidos e por isso continua eterno.