Acordo. Abro as janelas. Deixo entrar o sol desta quase invernia, plena de luz. Passo os olhos pelos jornais da “net”. Recordo a última tarde deste fim do Outono, quando os restos de sol acariciavam a cidade. Esqueço. Porque quando tentamos matar saudades da cidade, nessa procura do tempo perdido, acabamos sempre em cogitadelas sobre a fatalidade da globalização, quando tropeçamos com uma qualquer loja dita dos trezentos, ou com um muçulmano do subcontinente indiano a vender luzinhas de Natal, distribuídas pelos grossistas da Rua do Bemformoso. Vale-nos que noutra esquina dessa peregrinação, logo topamos com Fernando Pessoa a sair da Rua dos Douradores e nos reconciliamos com a pátria.
Leio os jornais da rede que me chegam ao computador. Reparo que as revelações de Carolina continuam a fazer parangonas, reagindo agora contra a quebra do silêncio do principal visado. Noto como o aparelho de Estado, pressionado pelo quarto poder, decidiu atacar a corrupção, analisando a folha de árvore da futebolítica, mas sem querer enfrentar a floresta. Temo que este uso de meios supremos para coisas modestas, ao analisar a parte não nos permita compreender o todo. Os pequenos crimes da corrupção desportiva são bem menos graves do que aqueles que afectam a confiança pública na democracia representativa. O mundo das relações jurídicas não é o mundo das relações sociais. O direito não é a vida. Se os órgãos do Estado decidiram juridificar o mundo desportivo chamando-o para o teatro da lei, dos polícias e dos tribunais cometeram o erro de violar o princípio da subsidiariedade, dado que uma ordem superior nunca deveria interferir na esfera de autonomia de uma ordem inferior. A chamada “verdade desportiva” nunca deveria ser estadualmente defendida, porque, se ao cairmos neste logro quase cometemos no mesmo vício da Inquisição, quando atribuiu ao braço secular a defesa de valores religiosos. Se um Estado laico não deve meter a sua “langa manus” na estrutura de autonomia jurídica de uma ordem religiosa, muito menos deve desperdiçar os bens escassos postos ao serviço da investigação criminal a saber como foram nomeados árbitros ou a demonstrar que a grande penalidade foi mal aplicada.
Menos Estado e melhor Estado implica reconhecermos que o direito estadual não é a única ordem normativa vigente. Importa reforçarmos a ordem normativa da moral, a ordem normativa das religiões e, naturalmente, a ordem normativa das próprias organizações desportivas. Atacar a corrupção desportiva, derperdiçando meios que deveriam ser usados para outros fins, nomeadamente o mundo do financiamento partidário ou da evasão fical é apenas continuarmos a tapar o sol com uma peneira. Os processos de compra de poder no mundo do futebol apenas deveriam interessar ao Estado quando fossem reveladores de interferência desse mundo na ordem superior, mas a metodologia de andar atrás da opinião pública pode revelar-se uma má conselheira. Acordo. Abro as janelas. Deixo entrar o sol desta quase invernia, plena de luz.
Dez
17