Nunca acreditei no modelo, até agora dominante, dos que querem conservar o que está, até porque nunca demonstraram querer conservar o que deve ser. Assistirei, com todo o zelo de homem livre, ao desenrolar de um processo onde a minha cidadania académica não foi, nem será, chamada a participar, mas a que responderei com lealdade aos valores e nas funções de professor catedrático e senador da minha universidade. Sugiro apenas que não queiram descobrir o que já está descoberto nem inventar o que já está inventado: a ideia de universidade e os modelos de sucesso. Já agora acrescentem-lhe a experimentação de séculos de serviço público em Portugal, nacionalizando as excelentes ideias importadas pelos relatórios da OCDE e de outras agências globalizadoras, sem as traduzirem em calão. Os oligarcas da universidade a que chegámos preferiram a ditadura do “statu quo”, outros começam a pensar no leilão e, enquanto o pau vai e vem, haverá sempre alguns primitivos actuais que aproveitarão para rapar os últimos restos do tacho, pintando-se de falsos dom-sebastiões, quando não passam de tigres de papel, repetindo o herético “dominus vobisque” de outras eras. A história há-de registar em notas-pé-de-página este livro de estilo charlatão, onde todos vão ralhar porque falta o pão orçamental, o posto de vencimento e o diabo a quatro. Alguns até serão ousados e tentarão transformar as respectivas instituições em subdelegações das delegações asiáticas de certas potências universitárias do primeiro mundo, à espera dos futuros despedimentos da deslocalização globalizadora. Outros, percebendo que são fortes grupos de pressão corporativos, continuarão a assobiar para o lado, porque se consideram, e são, “praeter decretum”, dos decretinos ocupantes do aparelho de Estado. Os restantes, perante tanta geometria variável, correrão para o acaso da encomendação feudal. Por mim, sorrio, embora saiba que sofrerei no lombo a chicotada que deveria caber aos pecadores. Mas continuarei seguindo o lema de Hernâni Cidade: “primeiro, a aula, só depois o capítulo”. O ensino superior continua à procura do bom senso, mesmo que ele seja Gago, mas não Coutinho. Falta-lhe um corrector de rumos colectivo a que na navegação se chamou sextante
Daily Archives: 22 de Dezembro de 2006
OS GRANDES PORTUGUESES…E A AUSÊNCIA DE MULHERES
Em tempos friorentos, nada melhor para aquecer a alma do que uma boa gargalhada, especialmente quando os pretensos comandantes das instituições seguem a máxima daquele que dizia que um quarto de hora antes de morrer ainda estava vivo. Por isso, notei como, entre os grandes portugueses do programa de Maria Elisa passaram a entrar Salazar e Cunhal, mas não qualquer mulher, nem a Amália. Julgo que tudo seria diferente se, em vez de figuras humanas individualizadas, pudessem participar entidades metafísicas. Porque, neste caso, sempre poderiam entrar na lista uma Maria da Fonte ou então quem inevitavelmente venceria o sufrágio divino e humano, a portuguesíssima Nossa Senhora de Fátima. Como me contaram, até houve, noutras épocas, um lusitano sacerdote da Califórnia que, ao abrir uma escola de língua portuguesa, utilizou o “slogan”: venha aprender
CONTINUA O REGIME DO ANTES TORCER QUE QUEBRAR…
Jugo que o melhor comentário ao debate de ontem sobre o ensino superior vem chapado nos jornais: o confronto parlamentar revelou-se estéril. Jaime Gama ainda brindou a Oposição e Governo com mais hora e meia de debate, mas o tempo não foi minimamente aproveitado. O primeiro-ministro foi acusado de enumerar ao Parlamento orientações genéricas de uma reforma que só será apresentada daqui a seis meses e que, por isso, só serviu “para marcar calendário”. Durante quatro horas, Sócrates repetiu que a Oposição não fez propostas porque quer tudo na mesma.
Foi pena. Aliás, quando temos um Presidente da República e um Primeiro-Ministro oriundos daquilo que hoje se qualifica como “Politécnicos” e um líder da oposição que foi supremo-mandador de uma universidade privada, por nomeação de uma entidade pública, uma entidade municipal onde era presidente do respectivo órgão parlamentar, muito teríamos a ganhar. Vale-nos que, depois do jogo do Benfica e antes da telenovela, tivemos uma grande entrevista com um ilustre catedrático que veio dizer que já não lê jornais e que nunca dirá nunca se os convites do poder lhe baterem à porta.
Ambos os episódios são bem reveladores do processo de desertificação de ideias em vigor, onde a cobardia passou a chamar-se gestão de silêncios, quando as circunstâncias continuam propícias para a inevitável colonização cultural que se aproxima. Juntando a isto a questão dos chamados voos da CIA, apenas confirmo que, mais uma vez, a classe política no activo, incluindo a jubilada, a aposentada e a reformada, apenas quer ser emérita, dado que parece ter perdido a vontade de ser independente, tanto na autonomia pessoal e institucional, como na própria autonomia nacional.
Apenas acrescento o que há dias comentei para a revista “Visão” e que veio parcialmente transposto no número de ontem: a pós-revolução que instalou este regime, e quando digo regime não digo constituição nem programas de governos e partidos, mas a mistura dos discursos de boas intenções do Estado-aparelho de poder, com as práticas quotidianas da comunidade, daquilo que é a res publica e a que outros chamam sociedade civil, vivia num politicamente correcto que estava fora do tempo do ambiente internacional em que nos integrávamos, o da União Europeia pós-guerra fria e o da globalização. Agora, o que estamos a viver é a falta de autenticidade ao retardador, dado que é um governo socialista a ter que desmantelar o socialismo herdado, não por convicções assumidas, mas por exigências do défice orçamental, externamente policiadas, sem a possibilidade de recurso aos habituais magos da engenharia macromonetária, como foi a do cavaquismo governamental.
Julgo que estes “encerramentos” apenas reflectem que o chamado poder de governação do país é apenas uma espécie de governança sem governo, onde a maioria dos factores de poder já não são intranacionais, mas mera gestão de dependências e de interdependências, onde funciona uma espécie de piloto automático onde o “software” foi desenhado por outros, que não os cidadãos da República dos Portugueses. Julgo que outros encerramentos bem mais dramáticos se aproximarão, como o encerramento das universidades ou do próprio conceito de administração pública clássica, transformando a a constituição em mero objecto de dissertações de mestrado, doutoramento ou de reflexões públicas de constitucionalistas em telejornal, caso não voltarmos às virtudes plurisseculares da vontade de sermos independentes.
Com efeito, esta dissolução de Portugal no contexto da “balança da Europa”, para utilizar o título de uma obra de Almeida Garrett, está a precisar daquilo que os homens de 1820 qualificaram como “regeneração”, quando concluíram que, depois das invasões napoleónicas foi mau caminho ficarmos sob a tutela dos amigos protectores.
Apenas digo, em termos metafóricos, glosando um dito de Mounier, que os problemas económico-financeiros apenas se resolvem com medidas económico-financeiras, mas não apenas com medidas económico-financeiras. Apenas se resolvem quando as medidas económico-financeiras forem parcelas de um mais amplo conjunto de medidas políticas.
O que falta a Portugal é política que é coisa séria demais para continuar a ser monopólio dos políticos que temos, numa época em que o indiferentismo generalizado corrompeu a cidadania participativa e quando o aparelho de Estado está sitiado por esse tradicional processo de compra do poder, a que desde sempre se deu o nome de corrupção.
Logo, concluirei que estes encerramentos são apenas a parte visível de um “iceberg”, os epifenómenos de um fenómeno que não tem sido pensado: está em crise “o Estado a que chegámos”, para utilizar o dito de Salgueiro Maia sobre o 24 de Abril que ele derrubou.
Primeiro, a aula. Só depois, o capítulo
Nunca acreditei no modelo, até agora dominante, dos que querem conservar o que está, até porque nunca demonstraram querer conservar o que deve ser. Assistirei, com todo o zelo de homem livre, ao desenrolar de um processo onde a minha cidadania académica não foi, nem será, chamada a participar, mas a que responderei com lealdade aos valores e nas funções de professor catedrático e senador da minha universidade. Sugiro apenas que não queiram descobrir o que já está descoberto nem inventar o que já está inventado: a ideia de universidade e os modelos de sucesso. Já agora acrescentem-lhe a experimentação de séculos de serviço público em Portugal, nacionalizando as excelentes ideias importadas pelos relatórios da OCDE e de outras agências globalizadoras, sem as traduzirem em calão. Os oligarcas da universidade a que chegámos preferiram a ditadura do “statu quo”, outros começam a pensar no leilão e, enquanto o pau vai e vem, haverá sempre alguns primitivos actuais que aproveitarão para rapar os últimos restos do tacho, pintando-se de falsos dom-sebastiões, quando não passam de tigres de papel, repetindo o herético “dominus vobisque” de outras eras. A história há-de registar em notas-pé-de-página este livro de estilo charlatão, onde todos vão ralhar porque falta o pão orçamental, o posto de vencimento e o diabo a quatro. Alguns até serão ousados e tentarão transformar as respectivas instituições em subdelegações das delegações asiáticas de certas potências universitárias do primeiro mundo, à espera dos futuros despedimentos da deslocalização globalizadora. Outros, percebendo que são fortes grupos de pressão corporativos, continuarão a assobiar para o lado, porque se consideram, e são, “praeter decretum”, dos decretinos ocupantes do aparelho de Estado. Os restantes, perante tanta geometria variável, correrão para o acaso da encomendação feudal. Por mim, sorrio, embora saiba que sofrerei no lombo a chicotada que deveria caber aos pecadores. Mas continuarei seguindo o lema de Hernâni Cidade: “primeiro, a aula, só depois o capítulo”. O ensino superior continua à procura do bom senso, mesmo que ele seja Gago, mas não Coutinho. Falta-lhe um corrector de rumos colectivo a que na navegação se chamou sextante