Quando as instituições transformam os homens livres em dissidentes, passíveis de saneamento por heresia e não se apercebem que a lealdade básica não se confunde com seguidismo face à voz do dono, podemos dizer que as ditas, um quarto de hora antes de morrerem, ainda estão vivas, especialmente quando domina a cobardia abstencionista dos batedores de palmas, a entoarem a ladaínha do sim, chefe ou do yes, minister. O micro-autoritarismo já não tem pides que assassinem o chefe da oposição, nem pode, por resolução do conselho de ministros, afastar funcionários incómodos, mas obtém os mesmos fins de forma tortuosamente teológica, de acordo com o método daquela bissectriz que vai comprando os neutros, ao mesmo tempo que emite decretinas medidas, pelas quais, através de uma forjada arquitectura de uma nova lei orgânica, afasta todos os críticos sem os nominar. Até conheço uma universidade onde um ilustre director, pelos acasos da providência dos seus altos desígnios, quando confrontado com as críticas dos seus colegas da mesma categoria, obtida por concurso público, resolveu a matéria da forma mais hipócrita: criou uma nova estrutura onde desapareceram as unidades que poderiam ser ocupadas pelos opositores e criou outra onde só meteu os amigos e os dependentes, invocando uma especialização tecnocrática onde ele é menos especialista do que aqueles que pretende e vai afastar. Só que ele é chefe e monopoliza a gestão dos fundos que, por acaso, são públicos. Tem tanta razão como a interpretação seminarista que se fazia do cinto da velha bufa, dos feijões verdes, onde o “S” de metal que obrigavam os “lusitos” a usar queria dizer, segundo a lei e os regulamentos “Serviço, Sacríficio”, embora todos percebessem que era gravação a ferro e fogo daquele servilismo que se identificava com a obediência ao chefe. Por outras palavras, o nosso Estado de Direito está a cair naquela ratoeira do governo dos espertos que transformou o slogan liberal de António Feliciano de Castilho, do manda quem pode, obedece quem deve, numa forma salazarista de obediencialismo. Por isso, é natural que o lema das aldeias comunitárias segundo o qual o que é comum, não é de nenhum se transforme no seu exacto contrário, quando passamos a considerar que o Estado já não é a comunidade ou república, mas antes o c’est lui do aparelho de poder. Por mim, preferia que a democracia não mantivesse os velhos hábitos do absolutismo: o Estado não é o c’est moi, da voz do dono, o Estado somos nós todos. Porque, como já dizia Plínio, quando se dirigia a Trajano, nós inventámos a república para deixarmos de ter um dono. Nada de novo. Na véspera de eleições (em 10 de Maio de 1919), surgiu o mais gordo diário oficial da história portuguesa, onde se publicaram 30 suplementos, que, segundo os críticos, criaram cerca de 17 mil novos empregos públicos. Todos nomeados por conveniência do serviço público, sem o visto do Conselho Superior de Finanças. Logo, em 1930, contabilizavam-se mais de 17 000 funcionários do que em 1911, enquanto as forças armadas, nesse período, também aumentaram em cerca de 16 000 efectivos. Assim triunfava a empregomania semeada pelo devorismo de Rodrigo da Fonseca, só que então ela se democratizava, alargando-se às classes médias e a núcleos da pequena burguesia. E como não havia moralidade, todos continuam a querer comer à mesa do orçamento. A maleita continua, à direita, à esquerda e ao centro, em nome do 24 de Agosto, do 5 de Outubro, do 28 de Maio ou do 25 de Abril. Todos os revolucionários, quando se transformam em pós-revolucionários, são sempre bonzos, à procura de reformas, aposentações e acumulação das ditas, com chefes em aposentadoria, mas com dispensa oficial, para continuarem no activo, segundo a moral do sapateiro de Braga… Até ministros dos anciens régimes se convertem em gurus dos novos, a partir do momento em que resoluções do conselho de ministros lhes inventam um vencimento suplementar, para poderem acumular com acumulações de curadorias fundacionais, aposentações deputáveis e directorias-gerais de instituições,onde só ele é orçamentalmente vencimentável. Somos todos iguais, mas há alguns mais legalmente iguais, nesta permanecente animal farm…
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