Mai 25

Isto é uma espécie de país, com música de Marques Mendes e letra de Mário Lino

O presidente do município de Oeiras congratulou-se, ontem, em Lisboa, com o logótipo “Flor Azul”, que será a imagem de marca da próxima presidência portuguesa da União Europeia, num acto que disseram simbolizar o arranque do exercício semestral. Coisa que foi ministerialmente qualificada como “um símbolo da imagem de modernidade que Portugal assumiu no contexto europeu”. Não consta que a autoria da dita flor caiba a um celebrado artigo de Clara Pinto Correia, nem que a mesma seja acompanhada pela musiqueta que abre o programa dos Gato Fedorento. Também ninguém refere se Isaltino Morais vai processar a União Europeia sobre tal usurpação imaginativa. Apenas observo que não vale a pena inventar o que já está inventado nem descobrir o que já está descoberto.

Santana Lopes acusa Marques Mendes de práticas nazis. Marques Mendes diz que Mário Lino não está bom da cabeça. E o ex-deputado Charrua é que vai suspenso. Almeida Santos fala em ataques terroristas que acertam nas pontes sobre o Tejo, enquanto D. Afonso Henriques, liberto do túmulo, diz que ainda tem suficientes mocas de Fafe para dar cabo do canastro a todos os comandantes de terra seca que nos estão a levar ao fundo. Por outras palavras, se a política portuguesa cabe toda num velho palco do Parque Mayer, protestamos vigorosamente contra alguns desses mais exaltados que querem internar os respectivos colegas no Júlio de Matos, no Sobral Cid e no Miguel Bombarda. Rir é o melhor remédio.

Mai 25

O imaginário da geração que traduziu em calão o Maio 68 ainda não compreendeu que todas as revoluções são pós-revolucionárias

Tenho passado os dias a rever a primeira parte de um relatório sobre metodologias da ciência política que apresentei para concurso público, no século passado, no ano de 1996. Só uma década depois é que ele sairá dos prelos, principalmente para demonstrar como em Portugal qualquer esforço no sentido de se obter o consentimento dos que pensam de forma racional e justa não consegue solidificar uma opinião comum, capaz de influenciar os homens livres.

Com efeito, o jogo dos grupos de pressão e dos grupos de interesse, nessa manipulação de uma gerontocracia, entretida com a literatura de justificação do poder que alcançou e com o consequente revisionismo histórico, leva a que os restos de universidade que ainda resistem caiam na esparrela das chouriçadas, alimentadas por elementos colonizadores, vindos da partidocracia, das catacumbas da buracratite ou das empresas onde são empregados, usando a universidade para cartão de visitas.

É com a angústia do desencanto que revejo palavras e ideias de uma época em que ainda tinha esperança na instituição fundada há vinte e cinco séculos por Platão. Vejo agora que o desencanto é cada vez mais pressionante. Mesmo as eventuais boas intenções do ministro Gago e dos seus compagnons de route se preparam para manter esta instabilidade estatutária, em que costumamos ser férteis, repetindo o erro jacobino de Veiga Simão, que fez uma reforma pombalista para a não executar, desculpando-se sempre com a circunstância de a criatura se ter liberto do criador.

Agora, todos os universitários, os que esperam o prometido pacote decretino do senhor ministro, que quase nos obriga a louvaminhar os novos amanhãs que cantam, sabem, de experiência sofrida, que esse impulso reformista vai ser sucessivamente barganhado em instabilidades e eventuais vazios de poder, até porque este ministro, muito provavelmente, não será o executor da peça com que doirará as respectivas memórias. O conceito indeterminado da bolonhesa, a criação de fundações, as campanhas eleitorais para as curadorias e as reitorias, a dependência de todos os aparelhos dos critérios mínimos de excelência, etc. , redundarão na inevitável guerra de todos contra todos, onde acabarão por gerar uma luta pela sobrevivência no emprego, com a consequente feudalização de um processo que deveria ter uma ideia de obra, claro cumprimento das regras processuais e manifestações de comunhão entre os membros da instituição.

A Universidade que sobreviveu à Ditadura, ao PREC e à pós-revolução corre o risco de não aguentar os muitos aprendizes de feiticeiro que ainda não compreenderam que o feitiço se volta sempre contra o desencadeador da tempestade. Julgo que qualquer revolucionário frustrado não consegue, a partir da respectiva frustração, assumir a necessária reforma de uma entidade que caiu nas teias de grupos de pressão e de grupos de interesse. O imaginário da geração que traduziu em calão o Maio 68 ainda não compreendeu que todas as revoluções são pós-revolucionárias e que quer fazer de anjo acaba por se tornar, muitas vezes, num bestial que, depressa, passa à categoria de demónio.

Não é a Gago que me refiro. Mesmo que o remodelassem, isso não impediria que fossem contidas as forças de destruição que as respectivas boas intenções desencadearam e que acabarão por fazer prevalecer os fagmentários interesses das muitas árvores que não têm o sentido da floresta. Não tardará muito que entidades com interesses financeiros acabem por aproveitar esta oportunidade de res nullius, para aqui instalarem a racionalidade importada de um novo ensino superior verdadeiramente privado e lucrativo, a que se acolherão os consumidores defraudados pela falta de qualidade da chouriçada que se avizinha, dado que nem sequer podemos recorrar à ASAE e à DECO, porque os produtores da fraude continuam a abusar da respectiva posição dominante no mercado da publicidade enganosa.

Vou continuar a rever o meu trabalho, ao ritmo de memórias futuras. Pelo menos, ficará nos arquivos de quem o ler, quando a investigação científica voltar a ser dos investigadores e as aulas, dadas por professores que fazem do ensino a sua primeira paixão e não um trampolim para as respectivas vaidades ou jogos de infuências e tráfico de poder.