Mai 31

Confesso que voltei a fazer greve

Tal como aconteceu em Janeiro de 2004, volto a proclamar: confesso que fiz greve. Continuo como insindicalizável, liberal e de direita, mas opto por reagir contra esse símbolo do poder que é a ex-sindicalista e directora-regional de educação do norte e todos os restantes repetidores do domínio burocrático do ninguém. Repito o que, sobre a greve de 2004, escrevi: O que nos falta é uma adequada cultura de Estado de Direito, capaz de eliminar, pela raiz, os “tumores” dos micro-autoritarismos ministeriais, secretariais e sub-estatais, onde inúmeros bonzos, ministeriais e autárquicos … continuam o absolutismo, dizendo que tem valor de lei tudo aquilo quanto vociferam, sob o nome de ordens, e não estando dependentes da ordem geral e abstracta que dão aos subordinados. O que faz falta, não é animar a malta, é um pedacinho de patriotismo científico. Assinei o livrinho de termos, autorizando o registo nominativo do meu acto de greve, apesar de o considerar inconstitucional. Reparei que alguns colegas muito à esquerda não aderiram, uns por razões financeiras e outros com a pilática desculpa de hoje não terem aulas. E lá tive que dizer a um ilustre situacionista que assumia, em coerência, a minha atitude, repetindo o fiz em 2004 com um governo de não-esquerda. Cá para dentro de mim, apenas recordei que, além de ter sido um activista de comissões de trabalhadores anti-PCP, lá em 1976, também fui, na época, candidato à direcção do primeiro sindicato da função pública e fundador de um sindicato da UGT que ainda hoje mexe e que, aliás, me convidou para participar num seminário no próximo mês de Outubro. O tipo que me verberou, ilustre PS de hoje, andava então pela UDP… O senhor ministro das finanças ganhou o gosto pelo microfone e pelo palco mediático. Comentou a greve, à boa maneira de um capataz do patrão Estado, mas não deixou de dizer que a culpa pela exigência de dados nominais sobre os grevistas, bem como a obrigação de comunicação fiscal das doações entre familiares cabe exclusivamente aos serviços da sua administração directa, isto é, à sua direcção-geral não sei quantos, que tem o director-geral em dias de fim e que, portanto, até pode ser diabolizado por quem há pouco tempo o santificava. Pilatos não faria melhor discurso. Aliás, essa “pura iniciativa da administração” não iliba o ministro que é o responsável directo por essa mesma administração, para as coisas boas e para as coisas más. Mesmo depois de, há meses, o próprio primeiro-ministro ser interpelado directamente sobre uma dessas matérias na televisão, negando o que afinal existia.

Mai 31

Bolonha, quando havia uma corporação de estudantes e professores, apoiada pelos reis e homens bons das cidades, ao serviço da república

A herança absolutista que nos enregela continua a considerar que público é aquilo que vem, muito verticalmente, de cima para baixo, de sua alteza o estadão para a planície unidimensional dos súbditos. Em segundo lugar, a mesma herança colectivista e antiliberal também confunde o privado com o lucro, tal como atribui ao concordatário o monopólio do místico e do espiritual. Em terceiro lugar, interpreta o regime constitucional do Estado de Direito, de acordo com a mentalidade regulamentarista do princípio da legalidade. Esta instituição plurissecular chamada universidade, que já existia antes de haver Estado, enreda-se na política de sigilo do estadão e não consegue que se invente um estatuto adeuado à sua natureza, para a situar no seu verdadeiro lugar: aquilo que, muito à maneira anglo-americana se chama sociedade civil e que, entre nós, se deveria dizer o sector comunitário, que não tem de ser público nem privado, mas uma ideia de obra, um sistema de autonomia, onde as regras vêm de baixo para cima, e a inevitável manifestação de comunhão entre os respectivos membros. Quando Bolonha, a do século XIII, espalhou o processo de restauração da academia de Platão e do liceu de Aristóteles por toda a Europa, ainda não havia Maquiavel, o inventor do Estado, nem Bodin, o inventor da soberania. Havia uma corporação de estudantes e professores, apoiada pelos reis e homens bons das cidades, ao serviço da república. Não havia ainda despotismo ministerial, partidocracia, nem centralismo governamental ou parlamentar, com o seu direito administrativo, de absolutista marca, incluindo a da democracia absolutista. Eu tenho saudades de futuro. E, em termos universitários, sou mesmo corporativista, isto é, pelo corporativismo pluralista, federalista e de associação, inimigo do corporativismo de Estado do salazarismo, que estragou a palavra e me obriga a falar em anglo-americano, reclamando para a universidade a autonomia da sociedade civil. Logo, não podia haver uma universidade dita privada, maioritariamente detida por um autarquia local, onde o presidente, com menos de catorze de licenciatura, era o presidente da direcção, alimentado sem vencimento, mas com gasolina, refeições e senhas de presença, enquanto acumulava com as funções de presidente da assembleia da mesma autarquia, tornando-se depois o futuro presidente do partido que tinha a maioria na mesma chafarica. A advogada que logo avençou seria também a vice-presidente do seu partido. O autarca com quem estava aliado seria afastado do respectivo partido quando se zangou com o chefe. Julgo que não será aconselhável deixar que esta classe política monopolize a discussão sobre a matéria.