Jun 15

A democracia seria o melhor dos regimes políticos caso fosse possível sanear todas as oposições

O verbo mandar no Portugal a que chegámos é coisa que serve para pegar em meia dúzia de cláusulas gerais e conceitos indeterminados e transformá-los em personificações nominativamente diabolizantes. Tal verbo tanto serve para o senhor presidente elevar um qualquer às dignidades da comendadoria, como para o governo transformar um qualquer geronte, desempregado político ou amigalhaço numa das personalidades de elevado mérito a quem será atribuída a função de governação das universidades. No intervalo, pode servir para outro qualquer sub-burocrata determinar quem deve ser passível de acusação por grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres gerais de lealdade e correcção. O anexo para que faço ligação é um belo paradigma educativo dos nossos tempos, constituindo peça antológica que permitirá detectar as risadas dos vindouros, quando fizerem uma pesquisa sobre a linguagem de corredor usada por gentes do Norte. Espero que o meu velho amigo, juiz do Supremo Tribunal de Justiça, com quem costumo ir ao futebol, confie no meu silêncio. Não direi de idênticas comparações que ele fez entre um alto dignitário do estadão e o árbitro do jogo. Ambos andámos, embora com uma geração de intervalo, na mesma faculdade de direito de Coimbra, quando ela era poluída maioritariamente pelo vernáculo da Imbicta, mantenedor de pornográficas expressões latinas, impróprias para educadores da infância desvalida. Aliás, se um qualquer director-geral for à blogosfera não anónima, pode, com extrema facilidade investigativa, encontrar alguns dos seus funcionários a incorrer na violação do normativo invocado pelo instrutor brigantino, incluindo magistrados, funcionários dos serviços secretos e professores liceais e universitários. Do mesmo modo, se entrar na via da ficção menos informática, detectará inúmeros repetidores das farpas de Eça e Ramalho, dos gatos de Fialho e do antónio maria do Bordalo. E haverá sempre um cinzento instrutor processual com que será extremamente fácil voltarmos ao regime dos inquisidores e dos pides. Basta que os ministros e deputados tratem de lavar as mãos como Pilatos e que este país entre em regime de anedota. Lembro-me apenas de quem chamou canalha a um ilustre colega deputado e ainda correm pela Net as belas referências vernáculas do deputado Francisco Sousa Tavares emitidas em São Bento. Julgo que, para ultrapassarmos o impasse, basta que, em todos os serviços públicos, o futuro simplex possa introduzir a figura do provedor psiquiátrico, a fim de evitarmos que surjam futuros confrontos entre o “Hamas” e a “Fatah”, cabendo, em primeiro lugar, a tal provedor detectar todos os dirigentes, incluindo os eleitos, que padecem de graves distúrbios típicos das personalidades autoritárias, nomeadamente os que fazem listas de pessoas de não confiança e as decretam solenemente em reunião oficial. Com efeito, todos os homens de boa vontade percebem que no universo concentracionário da burocracia, antes da chegada do ambiente kafkiano, ameaça sempre a tragicomédia dos semeadores do subsistema do medo, essa herança pós-totalitária que, misturada com os favoritismos partidocráticos e neofeudais, pode levar a que a maioria do país entre em greve de zelo. Basta que o chefe divida o mundo entre os bons e os maus, onde bestiais são os que lhe dizem sim e bestas todos os que lhe dizem não, incluindo os que até à véspera eram bestiais, só pela circunstância de terem passado de apoiantes eleitorais e abstencionistas. O pessoal de confiança tem melhores hipóteses. Pode fazer viagens de trabalho à custa do erário público. Pode ser nomeado para qualquer lugar onde haja suplementos de vencimento. E até pode ser nomeado instrutor processual em futuras indagações sobre quem não é leal ou correcto. O pessoal do segundo grupo está pura e simplesmente tramado. Com está tramada a democracia da sociedade pluralista, aberta e competitiva que, para eles, seria o melhor dos regimes políticos caso fosse possível sanear todas as oposições, incluindo as que manifestam espírito subversivo e contra-revolucionário, nessa mistura de Salazar com Estaline, onde não pode haver ninguém com direito à indignação.  Todas estas palavras não pertencem à ficção, mas à história do nosso querido quotidiano de persigangas. São de um aqui e agora, pleno de vindictas e de invejas, com muitos meninos birrentos elevados à categoria de chefes, subchefes, serviçais e bufos. Como aquele que aqui vai a este postal e o leva imediatamente ao birrento-mor, antes de sugerir ao jornalista avençado a quem prometeu defender o gancho que coloque o autor destas linhas no pelourinho.