Jun 20

Sobre maus cheiros de muitos ratos em decomposição e autoclismos que não limpam

O país está feliz. É governado por socialistas e tem uma oposição social-democrata que nunca deixariam que os pobres se lixassem sempre. E tem ilustres conselheiros de Estado, dotados de altíssima prudência, que não querem referendar a Europa, tal como nunca quiseram referendar a destruição da monarquia. O Estado são eles. A Nação é uma volúvel criatura, passível de cair nos excessos da paixão e deve, portanto, ser rigorosamente controlada pelos pequenos grupos que podem fazer pressões legítimas, mesmo que seja nos palacianos conselhos desta sociedade de Corte. O povo não passa de uma abstracção que tem de ver os respectivos telejornais. Aliás, a própria democracia está dependente do critério jornalístico dos grupos privados de comunicação social. A péssima lei eleitoral que permite doze candidaturas à autarquia lisbonense, sem uma segunda volta, por mais deliberações que emitam os árbitros comunicacionais e eleitorais, da ERC à CNE, existe para não ser cumprida, na sua letra e no seu espírito. Os cartões vermelho e amarelo já não expulsam ninguém do jogo e os jogadores que eles deixam ficar nem sequer esboçam um hipócrita protesto. Comem e calam. Tem razão quem vence. Ou quer aproveitar alguns restos de fugaz mediático. No tempo do velho rotativismo, onde os governos ganhavam sempre as eleições, havia o costume de um poder moderador demitir as canalhocracias instaladas quando estas perdiam o estado de graça, a fim de permitir-se a alternância regeneradora. Sucedeu-lhe um esquema mais violento, dado que quando o partido não sistémico ganhou as eleições, o chefe da fugaz maioria alternativa, o maçon António Granjo, em 1921, acabou assassinado na Noite Sangrenta. Os catolaicos continuaram a dizer que era a Maçonaria, certos maçons continuaram a dizer que eram as congregações. Tal como disseram do regicídio do rei liberal em 1908, do presidente maçon em 1918 ou do chefe da oposição em 1965. Obviamente, todos lavaram as mãos como Pilatos e continuaram a servir os vencedores, em nome das prometidas lentilhas que mesmo sem dedos ainda restam os anéis do pequeno vencimento e da magra reforma. Felizmente, inventámos um regime onde a oposição ganhou imediatamente as eleições. Do PS em 1975 à AD em 1979, para, depois, se seguir Cavaco contra o Bloco Central e Guterres contra o cavaquismo, já depois do tabu que ele ainda não iluminou. Agora, todos sentados nos palácios, todos são rotativos sem poder moderador a emitir o certificado do fim do estado de graça, talvez com medo da ascensão de uns quaisquer gémeos. Porque um parlamento com medo de auto-reformar-se é tão ou mais legítimo quanto a voz directa do povão. Seria melhor não compararem a Europa à regionalização e à IVG. Seria melhor dizer que as elites instaladas no estadão reduzem a cidadania europeia a uma simples questão diplomática, para uso dos circuitos esotéricos das cimeiras e passos perdidos. Desconfio que eles, os conselheiros de Estado, os presidentes, os governantes e os deputados se tenham transformado e meros donos do poder. Por mim, preferia que eles nos demonstrassem que ainda têm vontade de independência. Não quero gémeos, mas também não quero dar lições aos polacos sobre resistência nacional antitotalitária.