Jun 21

Tenho a certeza que a justiça continua a ser uma deusa de olhos vendados

Um qualquer cidadão terá apresentado uma qualquer queixa-crime contra outro qualquer cidadão e este, em resposta íntima, acaba de fazer um belo elogio do Estado de Direito que, a seguir transcrevo. Tenho a certeza que a justiça continua a ser uma deusa de olhos vendados cuja espada está ao serviço do todo e não se confunde com a do Leviathan, nem com o báculo que este tem na contramão e faz confundir um opositor com um pecador. O cidadão justamente queixoso é um dos máximos símbolos da democracia portuguesa. Tem o direito de defender os seus direitos e a sua imagem pelo recurso ao sistema de administração da justiça. Mas também vai ser, durante seis meses, o máximo símbolo das democracias europeias.

Nixon também era o máximo símbolo das democracias ocidentais e não consta que tenha sido ele a assaltar o edifício do Watergate. Mas por causa de uns dislates de uns pequenos agentes teve que abandonar o máximo poder mundial em plena Guerra (Fria). Parece que nos USA se gravavam todas as conversas do Presidente em plena Casa Branca. Parece que seríamos todos estúpidos se confundíssemos a árvore com a floresta. Só que uma só árvore, ou um só ramo de uma delas pode apodrecer toda a imagem da própria floresta:

Desta vez, ao contrário de 24 de Outubro de 2004 , não bateram à porta da minha velha casa, em Alcobaça, pelas 7:00, ainda o sol não tinha nascido, dois inspectores da Polícia Judiciária e um procurador-adjunto por causa da suspeita do gravíssimo crime de… desobediência simples (do qual fui absolvido depois em tribunal, veredicto confirmado pela Relação de Coimbra) – não fui acusado de qualquer violação de segredo de justiça. Não pensei que fosse o padeiro – aliás, se à hora do lobo oiço vozes no patim e o batente soa, nunca mais penso que seja o padeiro… Eu não abri a porta estremunhado, um olho aberto, outro fechado, nem divisei três vultos. Não responderam que eram da Polícia Judiciária. Não começaram por entrar – e só se percebe, acreditem, o que é alguém entrar em vossa casa sem pedir licença a primeira vez que se sofre essa humilhação sem poder reagir – e me mostraram o mandado da juíza (que, todavia, não os autorizava a apreender-me correspondência…).

Desta vez, não lhes pedi para vestir umas calças, já que não os queria atender em pijama. Não me perguntaram, em tom solene, quantas pessoas estavam em minha casa. Não os avisei que minha mulher ainda descansava no quarto, como quem lhes fazia notar que tivessem a decência de a respeitar.

Desta vez, não os levei ao escritório exíguo onde escrevo. Não lhes abri o computador, com a intenção de lhes mostrar a pasta onde guardo os meus escritos, para mo desligaram imediatamente, que “podia ter uma instrução automática para formatar o disco…” Não lhes indiquei as pastas de arquivo com etiqueta “Política” (de 1 a 7), folhas bem arquivadas pois era por causa de política que vinham buscar a casa onde vivo e que foi de meus avós. Não lhes mostrei os papéis, não me questionaram sobre a sua origem, não me confiscaram os apontamentos manuscritos que tinham contactos de jornalistas nem ignoraram ostensivamente uma folha com o contacto de um assessor de tribunal (a quem tinha pedido legitimamente o link de uma página da internet de uma dado acórdão já público).

Desta vez, os meus dois filhos não apareceram assustados na sala da minha pobre casa, sem que eu lhes pudesse explicar quem eram aquelas pessoas. Só consegui fazê-lo passados dois dias – perante o eco duro da pergunta consecutiva do mais novo, que repetia a cada explicação minha: “mas… pai: tu fizeste algum crime?…” Não é fácil sossegar os olhos francos de uma criança que vê nos polícias – as crianças não sabem o que são procuradores – os homens que prendem os “maus”, que o pai não fez crime algum e que a família tinha sido atingida devido a motivos justos e ao serviço cívico da comunidade, com a preocupação fundamental de defesa das crianças da Casa Pia vítimas comprovadas de abusos sexuais. Se a polícia te buscou, algum defeito te achou… As crianças não conhecem o que é a violência e a desvergonha do sistema. Não obstante, devem ter sentido que sofreram alguma violência na sua intimidade porque a minha filha sentiu-se mal na escola no dia seguinte e telefonaram imediatamente a minha mulher para a levar para casa.

Desta vez, não lhes pedi para me ir arranjar que daqui a pouco tinha aulas em Santarém, obtendo a resposta, esclarecedora para a desnecessidade de terem acordado a minha família pelas 7:00 quando o alvo (eu) só saía de casa às 9:00: “o sôtor entra às 10 horas, não é?…” – entrava… Um polícia não surgiu com o meu telemóvel na mão que, depois, não confiscaram – perguntei se era escutado, riram-se…

Desta vez, a minha mulher não surgiu na sala, onde, mesmo assim, apresentou um “bom dia” seco, enquanto se dirigia às crianças para que se arranjassem para a escola. Eu não soube depois que lhe tinham revistado o carro dela sem mandado, já com os filhos lá dentro, quando ela se aprestava para seguir para o trabalho.

Desta vez, na minha curta sala, onde o retrato sóbrio dos meus avós reclamava outro respeito – em vez da boca de um agente para outro “em princípio, aqui não chove…” – entretanto mais apinhada com mais dois inspectores que se tinham reunido aos outros e ao procurador, ninguém me ajudou a redigir o requerimento a pedir cópia dos ficheiros académicos que dois dias depois… indeferiu – só me entregaram a tese de doutoramento (de que lhes expliquei não ter outra cópia) em CD sete meses mais tarde. Não me levaram o computador para só mo devolverem largos meses depois – o programa de tradução Babylon é que nunca mais funcionou. Eu não fui comprar um computador nesse dia – por imprudência, ainda nem sequer encomendei o próximo… Não tive de dar entrevistas para tornar mais complicado abaterem-me sem consequência.

Desta vez, não soube que tinham ido outros dois inspectores à mesma hora (7 horas em ponto, ainda de noite, nesse 27 de Outubro de 2004) a casa de minha mãe, a dois quilómetros do sítio onde eu, casado e com dois filhos, vivo – aliás já não vivia em casa de minha mãe desde que me casei em 1993. Que tocaram à campainha de uma mulher, de 78 anos e paciente cardíaca, mas “recta como o sol” – como dela dizia o meu avô Balbino -, e de uma prima ainda mais idosa, para lhe buscar a casa, com mandado autorizado por uma juíza de instrução – a quem, além de outro, prometo escrever, se cá estiver, no dia em que minha mãe nos deixar – por causa do gravíssimo crime de desobediência simples do filho… A minha mãe não perguntou aos agentes o motivo da busca, tendo acrescentado que, porém, não deveria ser por causa de corrupção ou droga, tendo os polícias, envergonhados, explicado que era “por causa de umas coisas que o seu filho escreveu”… Depois de uma busca pela casa, telefonaram para alguém – provavelmente o procurador que estava em minha casa e dirigia a busca – e levaram um computador velho de 11 anos, um IBM 433 DX, que ela tinha comprado para os filhos antes de eu me casar e que mantinha lá com o fito que os netos nele se entretivessem, o que faziam muito raramente. A minha mãe que no tempo da ditadura teve, porém, gentileza menor: a polícia agora, em 2004, tinha ido pessoalmente revistar-lhe a casa “por causa de umas coisas que o seu filho escreveu” em vez da maçada da notificação, em 1973, para comparecer na GNR junto ao Governo Civil de Leiria devido a ter ousado pôr um ministro em tribunal por este ter sancionado um concurso em que havia sido preterida, se julgava com direito e veio a vencer após recurso.

Desta vez, não me comovi com o texto que minha irmã, melhor do que eu, gritou em 16 de Novembro de 2004 sobre a violência que foi provocada à nossa mãe “por causa de umas coisas que o seu filho escreveu”. Um homem não chora.

Desta vez, não consta que tenha sido instaurado o inquérito para demonstrar neutralidade processual e equidistância face ao Horror, para compensar a sistémica vozearia orquestrada queixosa de alegado desfavor.

Desta vez, minha mãe não apareceu em casa a chorar por causa de um interrogatório manhoso – já não bastava a busca!! – relacionado com a apreensão que lhe fizeram tal computador, por funcionário judicial indigitado para o trabalho – “minha-senhora-o-seu-filho-disse-nos-que-o-computador-era-dele…” – “se-o-meu-filho-disse…” – “assine-aqui-por-favor…” Pensava eu que ela tinha ido ao tribunal por causa de uma tentativa de roubo que lhe foi feita por uma mulher, toxicodependente, com uma faca, em que sugeriram que desistisse (minha mãe queria até perdoar à mulher…) e, afinal, era para se livrarem da embrulhada da apreensão do computador de que é proprietária que lhe devolveram nessa altura – o que é, no fim de contas, uma simples tentativa de roubo com faca a uma senhora com 78 anos se comparada com a gravidade de uma desobediência simples do filho?…

Desta vez, não fui procurar alguém, com um carregador Nokia no bolso, à cautela por causa de alguma eventualidade – e só depois me advertiram que aí não deixam usar telemóvel -, com o propósito de obter uma explicação e a esperança de não o encontrar.

Desta vez, não abriram o meu computador sem a minha presença ou do meu advogado, aliás nem reparei em qualquer selo quando por lá o encontrei depois. Um computador com a minha conta bancária e de minha mulher, cartões de crédito, declarações fiscais, passwords, registo de tráfego – além de artigos, trabalhos, lições, exames e notas meus, fotografias da família, escritos de minha mulher, desenhos e jogos das crianças, etc.. Nem vi escarrapachados nos apensos detalhados do processo em cinco volumes grossos, impressos os meus mails, os tais que não estavam autorizados a apreender, e os meus recados do Outlook do tipo da gravidade de mensagens criptológicas como “comprar pneus para o carro”.

Desta vez, não fui, ainda, a julgamento – mas irei, que não me perdoam a verdade (factos, factos, factos)… – e, portanto, não senti em quem julgava a cólera devida ao grande criminoso que eu era, nem me mandaram calar por ter arriscado a citação do subversivo Padre António Vieira (“se servistes a Pátria…”), nem impedem o meu combativo advogado, Dr. José Maria Martins, de me questionar directamente nem de me fazer certas perguntas inconvenientes, embora no interrogatório me possam exigir que descruze as pernas onde tenha assente algum bloco para escrever. Respeitinho!

Jun 21

A fotografia do regime

Julgo que esta simples fotografia reflecte a imagem de certa faceta do presente regime. Direi mais: do melhor que o actual regime tem. Sem qualquer ironia. Nela se simbolizam todos os responsáveis pelo futuro das universidades portuguesas.

Todos estes autores e co-autores dos amanhãs que nos vão reformar têm inequívoca autoridade e brilhantismo político e académico. Mesmo aquele que chegará a doutor quando a vida lhe der o intervalo de tempo para aplicar o que tem dentro de si. Quase como fez o seu colega mais à direita, meu antigo professor. Porque o ex-comissário já tem experiência de alta consultadoria universitária, como recordo da sua solene tomada de posse enquanto consultor da privadíssima e pouco cooperativa Universidade Internacional de Veiga Simão e Adriano Moreira, com telejornal, togas e discursos de fazer chorar as pedras da calçada, antes de este último substituir o penúltimo como grão-avaliador e de o mesmo penúltimo substituir o antepenúltimo na pasta da defesa, para que o antepenúltimo fosse para Bruxelas, o penúltimo fosse lixado com a lista dos espiões e o último acabasse por não gostar do Gago, nestas trocas, baldrocas e trapalhadas dos estreitos notáveis a que chegámos, no vira o disco e toca o mesmo, dos jobs for the not-boys, com muito comer e calar, onde tenho muitas saudades do ministro Sottomayor Cardia.

Aliás, não consta da fotografia nenhum dos fundadores do PS. Um veio do PCP. Outro da UEDS. O terceiro da física atómica. E tal como registo que os actuais líderes do PS e do PP vieram da JSD, também reparo como, nos abaixo-do-assinado, circulam fascistas e estalinistas que ainda há dias gaguejavam os seus encontros imediatos de primeiro grau com o espírito de Bolonha. Para que não nos dividamos entre inquisidores e cristãos-novos em disputas sobre limpeza de sangue.

Não fui ontem ao debate público sobre a matéria, onde se anunciou que cerca de metade da minha universidade seria objecto de fundacionamento. Nem irei ao que está anunciado para a cidade do Porto, apesar de estar na mesma cidade, a convite do partido que está no governo, para outro mais transcendente debate sobre a Europa.

Aliás, ontem, tive mais uma discussão do sexo dos anjos naquela pequena Bizâncio de um enorme conselho dito científico que não nota o estreito em que se encolheu, sem reparar na chegada dos jovens turcos à porta da cidade. Há quem prefira continuar agarrado ao lugar do morto, disputando em exaltadas tecnocratices os despedaçados sapatos do defunto…

Como não assinei o abaixo-assinado anti-gago, apenas recordo que tenho dito o que penso sobre a matéria e que até o formalizei em lugar próprio, em sessão formal do Senado da minha universidade, onde cumpri o dever de ser uma das solitárias vozes que não entraram nas divagações teológicas da música celestial do respeitinho pelos micropoderes, fugazmente instalados. Irei lutar para que os restos da UTL que não estão sujeitos ao justo fundacionamento se livrem do afundacionamento.

A universidade não é o preto e o branco do sim e do não. Logo, não serei eu a dizer que a onda instalada no poder é o diabo contra o deus dos abaixo-assinados. O maniqueísmo é o contrário da necessária complexidade que deve marcar a ideia de “universitas scientiarum”.

Por mim, apenas quero viver numa pátria onde o ministro do interior não lave as mãos como Pilatos, se o agente da polícia secreta assassinar o chefe da oposição. Prefiro aquele onde o ministro das obras públicas se autopuniu quando caiu a ponte Hintze Ribeiro. Por isso não quero saber quem é o responsável pelas juntas médicas que obrigaram uma professora a morrer no seu posto. Felizmente que temos um ministro da justiça que, quando era ministro das polícias, disse que não era essa a sua polícia. Porque também na altura o presidente da república clamou pelo direito à indignação por causa de um simples agente da autoridade.

Julgo que a culpa não pode continuar a morrer solteira. Por isso, louvo a coragem de Gago e de quem o acompanha. Eles assinaram. Os outros que se assumam livremente, sem a tutela do CRUP e dos anexos avaliadores, especialmente quando caíram nas estreitas teias do lobismo.

Se tudo fosse Maniqueu, preferiria a fotografia do regime. Por isso, continuo a seguir Miguel de Unamuno: Éste es el templo de la inteligencia! …Vosotros estáis profanando su sagrado recinto. Yo siempre he sido , diga lo que diga el proverbio, un profeta en mi propio país. Venceréis, pero no convenceréis, porque convencer significa persuadir, y para persuadir necesitáis algo que os falta: razón y derecho en la lucha.

Pouco antes, Unamuno dissera “Acabo de oír el grito negrófilo de “¡Viva la muerte!”. Esto me suena lo mismo que “¡Muera la vida!”. Y yo, que he pasado toda la vida creando paradojas que provocaron el enojo de quienes no las comprendieron, he de deciros, con autoridad en la materia, que esta ridícula paradoja que me parece repelente. Puesto que fue proclamada en homenaje al último orador, entiendo que fue dirigida a él, si bien de una forma excesiva y tortuosa, como testimonio de que el mismo es un símbolo de la muerte. ¡Y otra cosa! El general Millán Astray es un inválido. No es preciso decirlo en un tono mas bajo. Es un inválido de guerra. También lo fue Cervantes. Pero los extremos no sirven como norma. Desgraciadamente hay hoy en día demasiados inválidos, Y pronto habrá más si Dios no nos ayuda. Me duele pensar que el general Millán Astray pueda dictar las normas de psicología de las masas. Un inválido que carezca de la grandeza espiritual de Cervantes, que era un hombre, no un superhombre, viril y completo a pesar de sus mutilaciones, un inválido, como dije, que carezca de esa superioridad de espíritu, suele sentirse aliviado viendo como aumenta el numero de mutilados alrededor de él (…) El general Millán Astray quisiera crear una España nueva, creación negativa sin duda, según su propia imagen. Y por ello desearía una España mutilada…”

Para bom entendedor de paradoxos, meio discurso de Unamuno basta. Não houve sumos sacerdotes no templo. E mesmo este episódio de Salamanca não é unívoco. Porque entre, Unamuno e Astray, apareceu o grito do poeta José Maria Pemán, do viva a inteligência, morram os maus intelectuais. E os três estavam do mesmo lado da barricada, isto é, com o alzamiento franquista. Seria também verdadeiro notar que os grandes pensadores da Agrupación al Servicio de la República, como Gregorio Marañón, Ortega y Gasset ou Pérez de Ayala não tinham sido ouvidos, a tempo, quando denunciaram os desmandos que causaram a espiral violentista da guerra civil e da posterior vindicta franquista, dado que, nos dois extremos, quem venceu em poder não convenceu em autoridade.

Estavam em disputa quanto a concepções do mundo e da vida, no âmbito de uma facção em guerra, num tempo dividido entre os do vivam e os do morram, onde, para se dizer viva se tinha de matar. Prefiro que não tenha de haver discursos de Unamuno, evitando que os intelectuais caiam na intelligentzia e que a cultura se volva em kultura. Daí que a universidade deva continuar a ser universidade, porque mesmo entre militantes da mesma ideia se deve começar o discurso da seguinte forma unamuna:

Estáis esperando mis palabras. Me conocéis bien, y sabéis que soy incapaz de permanecer en silencio. No aprendí hacerlo en los setenta y tres años de mi vida. Y ahora no quiero aprenderlo. A veces, quedarse callado equivale a mentir. Porque el silencio puede ser interpretado como aquiescencia.