Set 21

Não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las

Depois da tempestade com que trovejou o começo da noite, chega a bonança da madrugada, as ruas lavadas, o ar limpo e o silêncio que precede o bulício da cidade. Já mergulhado em plena “rentrée”, apenas tenho saudade dos passeios que dei no Parque do Castelinho, da mochila, das sapatilhas dos “jeans”, ouvindo as rolas e as gaivotas e o som dos galos de além fronteira. Recordo o lançador de morteiros à beira-rio, na festa de nossa Senhora da Ajuda, a azáfama das zeladoras dos altares de rua e os mordomos e mordomas que desenhavam flores diante da Igreja, usando chá verde, segundo as técnicas das mandalas budistas. Por isso tento esquecer os bacanais de ódio que certa face invisível do poder estabelecido costuma provocar, esquecendo-se que assim se gasta pelo mau uso e se prostitui pelo abuso, quando coloca os instrumentos aparelhísticos disponíveis a nível da cloaca. Apenas noto, como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: “Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las”….. Repito o que já aqui observei: tudo parece continuar como dantes, entre aqueles resignados cujo destino sempre foi o de comer chicote, calar cenoura e esperar por mais, admitindo a hierarquia dos filhos e enteados, especialmente quando quem manda depende do levantamento mediático que instrumentaliza o pedibola, ou que faz assentar o financiamento partidário na barganha dos resultados e das arbitragens, nesse conúbio mesquinho onde continua a pagar o justo pelo pecador, para gáudio místico dos vendedores da banha da cobra, que tanto comentam a encíclica como o défice, como se Jesus Cristo percebesse alguma coisa de finanças. E quase apetece passar para o estado de activa intolerância face aos hipócritas e falsários que, refugiados no colectivismo moral da seita em que se inscreveram, nos querem condenar às grades da dependência. Os restos da sociedade de Corte provindos do salazarismo têm redobrado de actividade. Sabem que o poder em Portugal não é uma coisa que se conquiste, mas uma teia de relações de cumplicidade, quase todas discretas e algumas delas secretas. Utilizando a linguagem de Michel Foucault, podemos dizer que há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto. E entre esses vários micropoderes feudais e patriarcais, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução, onde, para além dos controlos dos meios de comunicação social, há que salientar os gestores de conversas de salão, gabinete e conferências, desses pretensos “gurus” que, pintando-se de “mahatmas”, não passam de almas policiescas, ávidas do caceteirismo expurgatório. Por mim, resisto. Há sempre o tal poder que, segundo Robert Dahl, é “qualquer meio pelo qual uma pessoa pode influenciar o comportamento de outra”. Em sentido amplo, qualquer meio utilizado por um actor para aumentar as suas possibilidades de atingir o objectivo pretendido. Um meio de que dispõe o sistema político para transformar os “inputs”, das reivindicações aos apoios, em “outputs”, em decisões.

Set 20

O Estado já não somos nós…

Ontem e anteontem, em termos futebolísticos, perdemos quase tudo e não ganhámos em nada. Até José Mourinho foi despedido pelo russo que manda no Chelsea. O reitor dos reitores acusa o governo de estrangular as universidades e uma universitária de Coimbra parece ter sido degolada por ciúmes. Aquilino já repousa no Panteão, enquanto teorias da conspiração de há mais de um século tudo reduzem ao “simplex” maniqueísta de republicanos contra monárquicos, ou do bem contra o mal. O parlamento reabre e tenta fintar o óbvio: grande parte dos portugueses não é situacionista nem oposicionista, mas cada vez mais indiferentista, ainda sem exibir o gesto de revolta do Zé Povinho. É assim o homem comum dos tempos de decadência. Fecha-se sobre si mesmo, faz cálculo utilitário e procura o máximo de prazer com um mínimo de dor. Diz que a política é para os políticos, descrevendo-a como uma guerrazinha dos homenzinhos que andam lá pelas alturas. E assume o abstencionismo activo. O problema é deles, dos que brincam ao chicote acenourado, porque “L’État c’est lui”. O Estado é um inferno dos outros que nos pode queimar. O novo Código do Processo Penal é deles, foram eles que o fizeram, são eles que agora gastam energias em discussões do sexo dos anjos. Eles, a corporação dos políticos instalados, eles a corporação dos operadores judiciários, os magistrados, os advogados, os polícias, os funcionários judiciais, os governantes, os deputados. A administração da justiça em nome do povo já não é do povo, mas das enferrujadas canalizações da nossa representação política, desses filhos de algo que estão instalados lá nas alturas. O Estado já não somos nós. Entretanto, vai decorrendo o processo eleitoral polaco, a preparação do ambiente que pode ou não levar ao Tratado de Lisboa. A Europa também é deles. E o Tratado quase a mesma coisa que o nosso Código do Processo Penal. Ambos podem ser excelentes diplomas, mas estão cheios dos ácaros das negociações de alcatifa. Quando, afinal, o que pode estar em causa são as relações entre antigas superpotências e, sobretudo, o processo de renegociação do novo acordo comercial entre a União Europeia e Moscovo.

Set 19

Haverá actos de violência menos violentos do que certos estados de violência?

No dia em que os restos corporais de Aquilino são recolhidos no Panteão Nacional de Santa Engrácia, num gesto simbólico de homenagem a que me associo, sermos pátria seria colocar sob o mesmo manto de comunhão os restos de el-rei D. Carlos, para definitivamente enterrarmos o magnicídio de 1908, porque o ricochete desse acto acabou por matar o Sidónio Pais em 1918, por produzir a Noite Sangrenta de 1921 e o assassinato cobarde de Humberto Delgado em 1965. No século XX, todos matámos e morremos. Já chega! Por isso, prefiro recordar o perfume de palavras de paz que nos trouxe a visita do Dalai Lama. O mesmo que veio dizer que os portugueses não têm que ser budistas, sugerindo que peregrinemos pelas nossas raízes a fim de redescobrirmos as tradições que nos podem dar futuro. Mas acrescentando que todas as religiões, incluindo a dele, se assumem como uma verdade absoluta, pelo que cada uma delas está condenada a respeitar as outras. Por isso não vou falar de fantasmas carbonários ou preconceitos buissidentes, porque teria de fazer uma comparação entre religiões universais e religiões seculares. Porque nisto de confrontarmos absolutismos já tivemos Tárique antes de haver cruzadas, conquistas de mouros antes de haver monarquia da reconquista, donde até se fez Portugal. Tal como houve Inquisição e queima de igrejas, judeus baptizados à força no Palácio dos Estaus e mártires cristãos. Até o Dalai Lama ainda não excomungou a guerrilha tibetana contra o ocupante chinês, falando antes, e justamente, na tortura a que são sujeitos os seus fiéis, quando procuram exercer a liberdade de expressão contra a morte lenta do genocídio cultural, a que a paciência pós-totalitária condenou o Tibete. Claro que aprendo mais com o Dalai Lama do que com o secretário-geral do PCC. Claro que prefiro o budismo ao confucionismo vestido de marxista-lenininista-dengpiaoista. Mata menos. Mas também mata, nem que seja para sobreviver. Porque todas as religiões universais admitiram guerras santas, expressa ou tacitamente. E sempre em nome do que, um dia, proclamou um conhecido teólogo da libertação, bispo católico: há actos de violência menos violentos do que certos estados de violência. E foi em nome deste silogismo escolástico que surgiram as justas resistências aos totalitarismos. É em nome deste absolutismo que se fez a Guerra do Iraque. Não conheço filósofo que tenha resolvido o paradoxo destes passados reais. Todos gravitamos em torno da polarização que vai da ética da convicção à ética da responsabilidade. Porque se estes nos dizem que podemos perder a alma para salvar a cidade da Razão de Estado, outros há que, querendo viver como pensam, vão para o “ashram” dar o exemplo, antes que um qualquer fundamentalista o assassine cobardemente. Por mim, não tenho latim que me permita candidatar àquele Prémio Nobel da Paz que vai ornando o “curriculum” de alguns antigos terroristas.

Set 18

Mais um protesto liberal contra o capitalismo sem alma a que chegámos…

O Dalai Lama, o Papa de Roma, um ilustre rabino ou um teólogo islâmico são vozes daquele passado presente que nos dão semente de futuro para aquilo a que muitos chamam Espírito. Todos reforçam aquela componente de humanismo de que carece a presente sociedade de casino deste capitalismo que, perdendo as suas raízes de ética protestante e de uma concepção liberal do mundo e da vida, deixou de ter alma.

 

 

 

 

O tal capitalismo dominante chama-se, na China, Partido Comunista; na ex-URSS, Putine; por estas bandas, bloco central, entre o, agora, badalado Paulo Teixeira Pinto, e o, agora, silencioso, Pina Moura. Daí que subscreva palavras de Henrique Neto, noutro dia, na televisão, quando dizia que o pior que nos tem acontecido é misturarmos a ignorância com o poder, com Joaquim Aguiar, ao lado, a explicar, mais uma vez, como o actual sistema partidocrático está rigidamente cadavérico, porque o bloqueio existente apenas é o que melhor serve a plural rede de interesses que o sustenta.

 

 

 

 

Claro que tanto não sou situacionista como não alinho nas lamúrias ideológicas da globalização alternativa à Porto Alegre, que tem candidatos e gurus do Bloco de Esquerda como porta-vozes e profetas. Muito menos, quero ficar entalado entre o Engenheiro Ângelo Correia e o banqueiro Manuel Dias Loureiro, cada qual com o seu luizinho, tal como não me iludem as sucessivas novas tecnologias porteiras. Isto é, não me satisfazem as bissectrizes deste paralelograma de forças e até já não tenho idade para comer ideologias, incluindo a que já pensei ser minha. Sobretudo, as que retomam o suicidário dos confrontos maniqueístas entre a direita e a esquerda, sem quererem olhar de frente a complexidade do real, que continua a ser desfocado pelas lentes de um perspectivismo que não consegue assumir a coragem da aventura e do pragmatismo.

 

 

 

 

Há momentos de encruzilhada em que sentimos que chegou ao fim o ciclo do interregno. Porque, quando os gestores do “agenda setting” ocuparam o lugar dos anteriores “opinion makers”, a opinião pública ficou obrigada a navegar à vista das sucessivas vagas sensacionalistas. Logo, tornou-se inevitável que o presente Estado-Espectáculo ficasse mero teatro de marionetas, com muitos discursos comunicacionais de mera literatura de cordel e outros tantos bobos e fantoches que vão recolhendo os restos das orgias da corte.

 

 

 

 

 

 

De pouco vale que a opinião crítica, dos que pensam de forma racional e justa, tente resistir a este rolo compressor, onde o que parece, e aparece, são aquilo que realmente se oferece ao consumidor de audiências, com os seus figurantes de prós e contras. Ninguém já consegue furar o bloqueio deste poder infra-estrutural que marca a encenação dominante, até porque ela está totalmente dependente daqueles donos do poder que sempre nos condicionaram, desde que fingimos que já não existia o chicote do absolutismo.

 

 

 

 

Ninguém duvida que o “despotismo” do poder económico, medido pelo “ter”, controla o “ser”. Basta notar como o dito condiciona o poder político e meceniza a opinião crítica publicável, incluindo a que se dispõe a dar, aos distribuidores de avenças e subsídios, o iluminista manto diáfano daquela ilusão que lhes disfarça as verdades.

 

 

 

 

Até os antigos refúgios pluralistas do passado se vão extinguindo em regime de morte lenta, como acontece com os espaços universitários, ao serem enredados por uma estadualização que agora está cativa do neofeudalismo e do poder bancoburocrático, os quais, dividindo para reinar, vão asfixiando a revolta dos homens livres, livres da finança e dos partidos, como devia ser uma parcela significativa da chamada autonomia da sociedade civil e dos indivíduos.

 

 

 

 

E lá voltamos à decadente ditadura da incompetência, com muitos bailados de bonzos, endireitas e canhotos, os quais ainda continuam a canalizar a representação dos incautos para um clube de reservado direito de admissão a que o ministro da justiça, ontem, qualificou como “comunidade política”, a que aprovou o vigente Código do Processo Penal, agora em conflito com a chamada “comunidade jurídica”, como se a justiça tivesse que estar dependente de tal contrato de barganhas, só porque houve um pacto feudal de controlo da crise entre o PS e o PSD, com a benção presidencial. Esses venerandos e reverendos cardeais que, em suas sacristias e concílios, não reparam que precisam de um venerandíssima e reverendíssima reforma que os remeta para a categoria dos infuncionais. Obrigado, Dalai Lama!

Set 18

Esta é a história de um lugar mágico que encontrei. Um lugar onde o tempo se vive ao contrário…

Reparei que na definição distribuidora de dinheiros públicos para a ciência, na selecção dos melhores artistas, ou na escolha do desporto que a televisão propagandeia, há sempre uma espécie de júri oculto que, ora, aposta no “futsal” ou no “futebol de praia”, ora prefere os comentários de Seara e Dias, ora segue os discípulos deste ou daquele mestre-pensador, para o estabelecimento dos critérios que permitem dizer quais os que, nesta “animal farm”, são mais iguais do que outros. Por isso é que, de repente, surge uma lei de revisão do processo penal, subscrita pelo Bloco Central, a partir da escolha ministerial de um qualquer grupo de missão, apoiada por quase todos os partidos parlamentares que, depois de entrar em vigor, leva a que surja um clamor público de revolta por parte dos principais operadores judiciários. Talvez fosse melhor encomendá-la a um desses escritórios multinacionais de advocacia que, depois, até poderiam fazer propaganda institucional da coisa no respectivo “portefólio”. Quando os seleccionadores do paradigma dominante dependem da decretina escolha de um qualquer vértice burocrático, temos de concluir que mandam aqueles grupos de interesse e aqueles grupos de pressão do nosso neocorporativismo que conseguem conquistar o despacho estadual que estabelece quais os animais desta “animal farm” que passam a ser mais iguais do que os outros, na definição do melhor lugar na mesa do orçamento. Fui depois almoçar com a minha tribo, entre a qual se encontram três filhos, situados na geração que vai dos vinte aos trinta anos, todos em juventude profissional, todos sem qualquer cunha  paternal, todos em recibos verdes, entre jovens “webmasters”, jovens cientistas das ciências ditas exactas e jovens clínicos do terreno. E todos foram contando da globalização real onde têm de concorrer, dos “callcenters” de Lisboa, dos varredores de ruas com que se encobrem programas estaduais de apoio científico ao ambiente, das provetas e dos microscópios, também dependentes do subsídio e da engenharia do neofeudalismo dos favores. Estavam gentes de variados países e continentes e estava eu, que, sabendo que nada sei, já concluí que tem razão aquele meu velho mestre, quando um dia disse que, em todas as constituições reais, há sempre uma constituição oculta: a que estabelece o critério oculto com que se mede a igualdade, para que alguns continuem mais iguais do que outros. Infelizmente, desse Hayek, acabei por divergir, quando, na prática, descobri que o capitalismo pode ser inimigo do liberalismo, especialmente se reduzirmos o primeiro ao capitalismo de Estado, gerido por pretensos socialistas e sociais-democratas do Bloco Central de interesses, com porteiros a aprovarem Códigos de Processo Penal, suscitados por um discurso presidencial. Meditando nessas grades de paradigmas que nos dominam, confirmei que, em Portugal, o problema está sempre na abstracta madailização que tem força para escolher os seleccionadores do critério. Nesse real herdeiro do absolutismo Pombalino, pintado de democrata, que, quando manda, mantém o ritmo fidalgote de escolha paroquial e endogâmica, dizendo quem é o “who is who?” da sociedade civil que pode sentar-se na mesa do orçamento. Especialmente neste país onde, raspando o verniz da democracia pluralista, persistem os preconceitos e os fantasmas inquisitoriais, Pombalinos e salazarentos, do colectivismo das seitas, sejam de esquerda ou de direita, mesmo que aliem filhos da extrema-esquerda com sobrinhos da extrema-direita. Por isso é que quando consultei a lista de certo universo de colocados em determinados cursos do chamado ensino superior público, reparei que nem dez por cento o fizeram em primeira escolha, a da vocação. Alguns, infelizmente, irão, sem sonho, continuar o ritmo sebenteiro, onde muitos lentes lhes irão ler chouriçadas de palha, ao ritmo da tradução em calão, medindo-os pelos critérios de determinação do QI, ultrapassados há décadas, sem uma daquelas pintas de criatividade que os permitiram educar para a mudança. O pior é quando o sistema dos sistemas, onde se vão inserir, passa a depender daqueles planeamentistas que nos querem tornar numa qualquer subúrbio indiano, coreano ou chinês, dado que abdicaram da urgente estratégia nacional de formação de uma elite de sonhadores activos, visando a criação de um “software” que não nos reduza à fabricação do proletariado intelectual que tem como principal objectivo a obtenção de um recibo verde dos “callcenters” das multinacionais especialistas em deslocalizações.

Set 18

O Dalai Lama, o Papa de Roma, um ilustre rabino ou um teólogo islâmico

O Dalai Lama, o Papa de Roma, um ilustre rabino ou um teólogo islâmico são vozes daquele passado presente que nos dão semente de futuro para aquilo a que muitos chamam Espírito. Todos reforçam aquela componente de humanismo de que carece a presente sociedade de casino deste capitalismo que, perdendo as suas raízes de ética protestante e de uma concepção liberal do mundo e da vida, deixou de ter alma. O tal capitalismo dominante chama-se, na China, Partido Comunista; na ex-URSS, Putine; por estas bandas, Bloco Central, uma mistura de ignorância e poder, que está rigidamente cadavérico, porque o bloqueio existente apenas é o que melhor serve a plural rede de interesses que o sustenta. Claro que tanto não sou situacionista como não alinho nas lamúrias ideológicas da globalização alternativa à Porto Alegre, que tem candidatos e gurus do Bloco de Esquerda como porta-vozes e profetas. Isto é, não me satisfazem as bissectrizes deste paralelograma de forças e até já não tenho idade para comer ideologias, incluindo a que já pensei ser minha. Sobretudo, as que retomam o suicidário dos confrontos maniqueístas entre a direita e a esquerda, sem quererem olhar de frente a complexidade do real, que continua a ser desfocado pelas lentes de um perspectivismo que não consegue assumir a coragem da aventura e do pragmatismo. Há momentos de encruzilhada em que sentimos que chegou ao fim o ciclo do interregno. Porque, quando os gestores do “agenda setting” ocuparam o lugar dos anteriores “opinion makers”, a opinião pública ficou obrigada a navegar à vista das sucessivas vagas sensacionalistas. Logo, tornou-se inevitável que o presente Estado-Espectáculo ficasse mero teatro de marionetas, com muitos discursos comunicacionais de mera literatura de cordel e outros tantos bobos e fantoches que vão recolhendo os restos das orgias da corte. De pouco vale que a opinião crítica, dos que pensam de forma racional e justa, tente resistir a este rolo compressor, onde o que parece, e aparece, são aquilo que realmente se oferece ao consumidor de audiências, com os seus figurantes de prós e contras. Ninguém já consegue furar o bloqueio deste poder infra-estrutural que marca a encenação dominante, até porque ela está totalmente dependente daqueles donos do poder que sempre nos condicionaram, desde que fingimos que já não existia o chicote do absolutismo. Ninguém duvida que o “despotismo” do poder económico, medido pelo “ter”, controla o “ser”. Basta notar como o dito condiciona o poder político e meceniza a opinião crítica publicável, incluindo a que se dispõe a dar, aos distribuidores de avenças e subsídios, o iluminista manto diáfano daquela ilusão que lhes disfarça as verdades. Até os antigos refúgios pluralistas do passado se vão extinguindo em regime de morte lenta, como acontece com os espaços universitários, ao serem enredados por uma estadualização que agora está cativa do neofeudalismo e do poder banco-burocrático, os quais, dividindo para reinar, vão asfixiando a revolta dos homens livres, livres da finança e dos partidos, como devia ser uma parcela significativa da chamada autonomia da sociedade civil e dos indivíduos. E lá voltamos à decadente ditadura da incompetência, com muitos bailados de bonzos, endireitas e canhotos, os quais ainda continuam a canalizar a representação dos incautos para um clube de reservado direito de admissão a que o ministro da justiça, ontem, qualificou como “comunidade política”, a que aprovou o vigente Código do Processo Penal, agora em conflito com a chamada “comunidade jurídica”, como se a justiça tivesse que estar dependente de tal contrato de barganhas, só porque houve um pacto feudal de controlo da crise entre o PS e o PSD, com a benção presidencial. Esses venerandos e reverendos cardeais que, em suas sacristias e concílios, não reparam que precisam de um venerandíssima e reverendíssima reforma que os remeta para a categoria dos infuncionais. Obrigado, Dalai Lama!

Set 16

O acesso ao ensino superior

Precisando o meu postal anterior sobre as contas do acesso ao ensino superior, numa área disciplinar que conheço por dentro, estive a discriminar as sete universidades públicas que oferecem licenciaturas em tal universo e verifiquei que, dos quase quatrocentos colocados, apenas pouco mais de duas dezenas o fizeram em primeira opção. Qualquer avaliação da floresta, deveria cuidar-se com um pouco bom senso e menos anúncios coloridos sobre as árvores, as ramagens e os floreados da dita. Por mim, se tivesse que dar parecer experimentado e titulado sobre a matéria, concentrava a oferta pública continental em duas ou três unidades e reduzia as vagas a cerca do dobro das vocações manifestadas, criando concorrencialidade e mobilidade de docentes, através de efectivo concurso público nacional, livre de endogamias, carreirismos e clientelismos, neste misto de mercado, proteccionismo e planeamentismo em que vamos vivendo, onde os troncos comuns disfarçam emigrações carreirísticas. O produto público oferecido poderia assim estar de acordo com a dimensão do país e atender à empregabilidade, enquanto o restante poderia ser espaço de competição para o ensino não público, marcado pela exclusividade das dedicações profissionais. Julgo que, por enquanto, uma “revogada” assembleia de representantes, da presente “vacatio legis”, participada por docentes, funcionários e estudantes, mesmo que seja contra a opinião dos conselhos científicos, até pode emitir diplomas que alteram especialidades, incluindo as publicamente concursadas, enquanto também cria novos quadros de grupos de especialidades, numa pedagógica fragmentação, à custa do Orçamento de Estado, que tem funcionado segundo o ritmo da capitação. Julgo que li o tal diploma regulamentar num “Diário da República”, tudo ao abrigo da lei velha, já depois da nova lei ser aprovada. Aliás, ainda ontem consultei um pequeno livro do “Forum Estudante” de 2005, onde, expressamente e com assinatura, emiti esta posição, que também repeti formalmente na comunicação que apresentei no 10º aniversário de uma dessas licenciaturas, na Universidade Nova de Lisboa. Julgo que ainda tenho direito a esta eventualmente incómoda liberdade de expressão.

Set 14

Navegar é preciso quando, aqui e agora, se procura o paraíso

Leio no “Público” de hoje: “temos um sistema que contabiliza o número de pessoas que lêem uma determinada notícia e atribui uma cor ao texto. Quando ninguém a lê é branca e quando atinge um determinado patamar é preta. No fim-de-semana, apesar de ter havido muito noticiário político, a única história preta foi a de Madeleine”. As reflexões são de um repórter polaco e podem ler-se num jornal que, neste dia, nenhuma linha dedica à campanha eleitoral do país dito dos gémeos. Contudo, no âmbito das parangonas pretas, em Portugal, o caso Scolari tornou-se mais preto do que o caso Madi, enquanto a visita do Dalai Lama se reduziu à participação de um deputado do PCP na recepção oficial ao líder espiritual e apagou de todo a reunião de Bob Geldoff com José Sócrates.

 

 

Se aceitássemos, de forma acrítica, que, em política, só o que parece, ou aparece, é que é, poderíamos concluir, de forma simplista, que a nossa opinião pública, bem como a opinião crítica que se lhe associa, não quer ler questões da globalização, nada se interessa sobre o problema do futuro tratado europeu e olha com desdém para a disputa da liderança do PSD, enquanto já se esqueceu do problema casapiano e poucas preocupações manifesta quanto ao apito dourado. Sabe que Luís Filipe Vieira e Pinto da Costa interessam mais do que os “luizinhos” laranjas e trata de trancar as portas, janelas e quintal da sua casa e da sua privacidade, salvo se estiver no grupo dos 47 mil candidatos a professores que não tiveram vaga, dos 7 mil profissionais de saúde que não nos vão curar ou dos cerca 50 mil licenciados que não têm direito ao trabalho, porque não criámos suficiente riqueza para os tornarmos formais agentes produtivos.

 

 

Os tais planeadores que a todos despediram, em nome do intervencionismo estadual que criou, autorizou ou controlou sistemas públicos de educação ou de saúde, são exactamente os mesmos que fazem, agora, discursos de Pilatos neoliberais, ou discursos futuristas sobre o que é a modernidade. Foram e continuam a ser irresponsáveis, especialmente quando estão sentados nos cadeirões do poder e manejam documentos estratégicos de uma tecnocracia cinzenta, dessa sublimação de planeamentismo que nunca mais compreende que a maioria dos factores de poder que podem gerir já não é domesticamente nacional, mas simples navegações à vista, feitas gestões de dependências e de interdependências desta anarquia ordenada, já sem sementes de revolta pela subversão da justiça e da libertação individual.

 

 

Os cadeirões do poder que marcam o estadão a que chegámos são meros tigres de papel que pensam mandar, quando apenas são peças da máquina anónima de uma pilotagem automática, onde os pretensos homens do leme tanto não têm carta como querem saber da rota. Já não ousam dobrar cabos desconhecidos, nem gostam de navegar para a conquista da distância. Isto é, continuam a julgar que o porto seguro está no quintal da endogamia e não nesse prazer do navegar é preciso quando, aqui e agora, se procura o paraíso.

 

 

Por isso é que, para homenagear o Dalai Lama, tratei de ler os textos “zen” do meu mestre Agostinho da Silva, um dos poucos lusitanos que se elevou à categoria de português universal, quando se diluiu em todos os outros e se confundiu com os budistas, proclamando que o Quinto Império era o poder dos sem poder, do tal imperador do Espírito Santo, simbolizado pela coroação das crianças. Qualquer documento estratégico das tecnocracias cinzentas e planeamentistas nunca escreveria tal a preto, segundo do ritmo da política entendida como o que parece é.

 

 

Daí que Sócrates passe noites em branco por causa de um tratado onde terá feito tudo o que tecnocraticamente deve ser, mas que, agora, parece dependente de um acaso. Tal como os 50 mil, mais os 47 mil, mais os 7 mil deviam reclamar contra o Senhor Estado que lhes prometeu o que não podia cumprir. E não permitiu que lhes fosse dado um misto de aventura e pragmatismo, como sempre foi o humanismo dos sonhadores activos e da consequente educação para a mudança. Prefere ir injectando o nosso dinheirinho dos impostos em sucessivas massas falidas. Porque, parafraseando Almeida Garrett, sempre poderemos dizer que o mundo já não é o que era, nem vai voltar a ser o que foi, dado que, sobre aquilo que ele vai ser, sabe mais o Dalai Lama do que o ministro o Ministro Mariano Gago, que pode ter lume de uma razão dos novos marxistas, mas nunca recebeu a luz eterna dos velhos mestres da sabedoria.

 

 

Obrigado, Dalai Lama. Um sorriso vale mais do que mil discursos tecnocráticos.

Set 14

Navegar é preciso quando, aqui e agora, se procura o paraíso

Se aceitássemos, de forma acrítica, que, em política, só o que parece, ou aparece, é que é, poderíamos concluir, de forma simplista, que a nossa opinião pública, bem como a opinião crítica que se lhe associa, não quer ler questões da globalização, nada se interessa sobre o problema do futuro tratado europeu e olha com desdém para a disputa da liderança do PSD, enquanto já se esqueceu do problema casapiano e poucas preocupações manifesta quanto ao apito dourado. Os tais planeadores que a todos despediram, em nome do intervencionismo estadual que criou, autorizou ou controlou sistemas públicos de educação ou de saúde, são exactamente os mesmos que fazem, agora, discursos de Pilatos neoliberais, ou discursos futuristas sobre o que é a modernidade. Foram e continuam a ser irresponsáveis, especialmente quando estão sentados nos cadeirões do poder e manejam documentos estratégicos de uma tecnocracia cinzenta, dessa sublimação de planeamentismo que nunca mais compreende que a maioria dos factores de poder que podem gerir já não é domesticamente nacional, mas simples navegações à vista, feitas gestões de dependências e de interdependências desta anarquia ordenada, já sem sementes de revolta pela subversão da justiça e da libertação individual. Os cadeirões do poder que marcam o estadão a que chegámos são meros tigres de papel que pensam mandar, quando apenas são peças da máquina anónima de uma pilotagem automática, onde os pretensos homens do leme tanto não têm carta como querem saber da rota. Já não ousam dobrar cabos desconhecidos, nem gostam de navegar para a conquista da distância. Isto é, continuam a julgar que o porto seguro está no quintal da endogamia e não nesse prazer do navegar é preciso quando, aqui e agora, se procura o paraíso. Por isso é que, para homenagear o Dalai Lama, tratei de ler os textos “zen” do meu mestre Agostinho da Silva, um dos poucos lusitanos que se elevou à categoria de português universal, quando se diluiu em todos os outros e se confundiu com os budistas, proclamando que o Quinto Império era o poder dos sem poder, do tal imperador do Espírito Santo, simbolizado pela coroação das crianças. Qualquer documento estratégico das tecnocracias cinzentas e planeamentistas nunca escreveria tal a preto, segundo do ritmo da política entendida como o que parece é. Daí que nosso primeiro passe noites em branco por causa de um tratado onde terá feito tudo o que tecnocraticamente deve ser, mas que, agora, parece dependente de um acaso. Tal como os 50 mil, mais os 47 mil, mais os 7 mil deviam reclamar contra o Senhor Estado que lhes prometeu o que não podia cumprir. E não permitiu que lhes fosse dado um misto de aventura e pragmatismo, como sempre foi o humanismo dos sonhadores activos e da consequente educação para a mudança. Prefere ir injectando o nosso dinheirinho dos impostos em sucessivas massas falidas. Porque, parafraseando Almeida Garrett, sempre poderemos dizer que o mundo já não é o que era, nem vai voltar a ser o que foi, dado que, sobre aquilo que ele vai ser, sabe mais o Dalai Lama do que o ministro o Ministro Mariano Gago, que pode ter lume de uma razão dos novos marxistas, mas nunca recebeu a luz eterna dos velhos mestres da sabedoria. Obrigado, Dalai Lama. Um sorriso vale mais do que mil discursos tecnocráticos.

Set 13

De Scolari à madailização que nos envolve

Nestes reinos da quotidiana, horária e semi-horária hiper-informação, onde todos somos agentes da Judiciária ou treinadores de sofá, também todos pudemos assistir, em directo, à verdadeira “mentira” do fora de jogo de um esboço de murro que talvez tenha apenas arranhado “um pouquito” quem queria agredir o “menino”. Por outras palavras, o senhor Felipão, talvez em homenagem à visita do Dalai Lama, caiu na esparrela de responder a uma eventual provocação e abandonou a sua posição de autoridade, para entrar nos terrenos movediços do poder do murro, isto é, deixou de ser o “mister”, o “professor”, o “coacher” e encenou uma imagem de agressor que agora ocupa todas as parangonas.

 

O que aconteceu no relvado de Alvalade já sucedeu em sessões de conselhos científicos de universidades entre doutíssimos catedráticos, quando ainda não

havia a hipótese de recurso a jagunços blogosféricos. A rapidez com que se passa de bestial a besta, ou de engraxado a punido, é facilmente demonstrada pela ligeireza com que agora se analisam as volutas cerebrais dos McCann, neste ambiente de “voyeurismo” de uma época essencialmente analisadora; onde o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos até à demissão imprevista de um cabo de polícia, também julga os grandes e pequenos homens, desde os heróis de cem batalhas até bagageiros inofensivos: desde César a João Fernandes, para utilizarmos palavras de Camilo Castelo Branco, de 1852.

 

Gostei mais, ontem, dos comentários, de “muita tranquilidade”, de Paulo Bento, quando confessou estar arrependido de um excesso que cometeu, enquanto jogador, no Europeu de 2000. E preferiria concluir que este episódio não constitui a eventual causa de uma qualquer mudança. Ele não passa de um sintoma da “madailização” que nos invadiu por dentro.

 

Como já escrevi há uns anos, tanto não tenho jeito para Sancho Pança, como também prefiro usar a lança da palavra, não contra moinhos de vento, mas contra as vacas sagradas que nos continuam a poluir. Não quero é abdicar daquele supremo direito da cidadania que é a liberdade de expressão, mesmo que continue a ter razão antes do tempo e que sofra alguns incómodos de vingativos salazarentos reciclados pela mentira. Neste sentido, julgo que seria uma ilusão tirar-se um bode expiatório da cena, mantendo os bastidores que o sustentam e os autores do guião de que ele é mero executante. Não vale a pena tratar as moscas com insecticida se permanecer, no ambiente, a fonte poluidora de que elas se alimentam.

PS Por mera coincidência, a revista “Sábado” transcreve, hoje, parte de um desses depoimentos que vou prestando, no âmbito da minha função de professor publicista: já não temos pugilatos parlamentares como em 1887, quando o 1º tenente Ferreira de Almeida esbofeteou, em plena Câmara dos Deputados, o ministro da marinha e ultramar Henrique Macedo, que respondeu a murro (7 de Maio). O pretexto da discussão foi um caso de indisciplina verificado no navio de transporte Índia. O Ministro acabou demitido e o deputado, condenado a quatro meses de prisão. Mas a Câmara dos Deputados alterou a sanção disciplinar aplicada a Ferreira de Almeida, que é suspenso como deputado e passa a estar sujeito a julgamento a levar a cabo pela Câmara dos Pares (28 de Maio). Ao que acrescentei: estamos longe de 1909 , quando o deputado regenerador, e futuro ministro de Salazar, Caeiro da Mata, em pleno parlamento, acusa Campos Henriques (um governo de camarilha e de sacristia, presidido por um traidor ) e Manuel Afonso Espregueira (chamou-lhe burlão, por causa de um empréstimo para os Caminhos-de-ferro do Estado) (10 de Março). Tudo acabou num duelo entre Caeiro da Mata e o ministro da fazenda (17 de Março). Também disse: não parece que tenha ocorrido, depois de 1974, a célebre sessão da noite de 16 para 17 de Julho de 1925, quando o deputado João Camoesas, para garantir a presença de deputados pró-governamentais fez um discurso parlamentar que durou nove horas (das 0 às 9 horas). Seguiu-se o deputado Agatão Lança, que começa às 9 horas termina às 13 horas e 30 minutos já do dia 17. Esperava-se a chegada dos deputados democráticos nortenhos no rápido das 14 horas. Mas as chamadas mulas de reforço não chegaram. O governo acabou por perder a votação (49-58), sendo aprovada a moção de desconfiança. Aliás, vários deputados da situação votaram contra o governo do respectivo partido, sendo, depois, irradiados.