De Bruxelas, confirma-se que, no parlamento europeu, a desvergonha conseguiu institucionalizar-se, nas curvas e contracurvas das assessorias aos senhores super-deputados. Por cá, a pátria lá tem que aturar a nova lei da disfunção pública e que assistir aos devaneios do ministério da avaliação, com a consequente literatura de justificação dos discursos do primeiro-ministro que, sim, senhor, diz que é preciso reformar e que é preciso avaliar, mesmo sem dizer quem é, donde vem e para onde vai, ou o deixam ir… O ministro não tem que ser um pensador. E aqui e agora, sem filósofos ditadores, basta-lhe assumir o estilo da presente Viradeira, com o vigor e a compaixão de um qualquer intendente, para que o chefe finja que é Sebastião José, às segundas, Rodrigo da Fonseca, às terças, António Maria, às quartas, Afonso Augusto, às quintas, e Aníbal Cavaco, às sextas, descansando ao sábado, logo que chega a hora do “jogging” à Sarkozy, e ao domingo, quando vai aos filmes dos óscares, à Obama. Daí que eu assuma, por dentro, a revolta dos professores. Não contra a eventual má imagem da senhora ministra da avaliação, mas contra o erro de que ela é mera agente. Essa ilusão da reforma pela reforma, produzida por uma serôdia ideia de tecnocracia e pela teimosia leviatânica do Estado em movimento, onde o argumentário manda que os governantes pareçam determinados na determinação, só porque procuram o confronto com uma qualquer ordem profissional, contra a qual se insinuam eventuais privilégios corporativistas, interesses imobilistas e outras tretas. Foi assim com um ministro já remodelado, até que o povo saiu à rua, não para se aliar ao vértice do estadão, mas para dizer que estava farto de providências cautelares.
Monthly Archives: Fevereiro 2008
Quando o poder ameaça destruir a independência do saber e os professores correm o risco de extinção
O melhor das elites situacionistas não é chamado para a selecção nacional do governo, tal como o melhor das elites históricas do PS e da esquerda humanista se passou para a oposição, ao estilo de António Barreto, enquanto outros preferem os blogues ou a última fila do parlamento. Quando a nobreza deixa de cumprir a sua função e passa a bola aos filhos de algo, assim se confirmando a necessidade de estudarmos a genealogia das oligarquias, dos padrinhos e das famílias que nos levaram ao estado a que chegámos. Com efeito, na revisão do meu último trabalho, quase no prelo, tive que confrontar algumas biografias de parlamentares lusitanos, aproveitando a feira de descontos da livraria parlamentar. Comprei, por um euro apenas, uma das mais recentes recolhas das “Biografias dos Deputados” e, passando os olhos pelas ditas, apenas confirmei que cerca de noventa por cento da fauna nem sequer ficará a nível das notas de pé de página da história, mesmo que alguns se esforcem por transformar os “curricula” no tradicional doutorismo das boas intenções. Até encontrei um que tem como habilitações literárias, há mais de duas décadas, um “doutoramento em… (em realização)”, para não falar nos que dizem que são “professores”, sem nunca terem dado uma aula nos últimos trinta anos, só porque não têm a coragem de assumir que são “políticos profissionais”. Nada de estranhar. Confrontando os dados com as equivalentes biografias do século XIX e do século XX, feitas realmente por jovens assistentes, exageradamente fichadas pelo recurso aos enciclopedismos do “quem é quem”, com muita cedência às autocontemplações curriculares dos biografados e ao sindicato de citações mútuas dos biografantes oficiosos e subsidiados, onde, algumas vezes, se confundem as produções literárias e científicas dos filhos com as dos pais, só porque têm o mesmo nome, ao contrário do que fazia o beneditino Inocêncio, que nunca deixaria de fora dos registos coisas como os “Aphorismos” de Alberto Morais de Carvalho, cheguei à conclusão que mantemos alguns dos defeitos típicos da falta de seleccionadores de elites, incluindo nas biografias sistémicas dos gestores das escolas de regime. Tal como ontem, a presente democracia não consegue dar o salto para a meritocracia e para a consequente organização do trabalho nacional. Porque a incompetência vem do mau exemplo dos que estão em cima, nos lugares de distribuição do poder, incluindo as verbas para a investigação científica e as academias estadualizadas. E quando os hierarcas do estadão caem na tentação de confundir o poder com o saber, pode acontecer-nos até a destruição dos bons fragmentos de ensino, de investigação e de educação que ainda resistiam. Basta reparar como a universidade pública, marcada pela positivista “révolution d’en haut”, parece sucumbir ao politiqueirismo, sob o nome de avaliação e reforma, onde os avaliadores e reformadores são nomeados pela mesma fauna que escolhe os distribuidores dos subsídios, ou os amigalhaços que podem fazer registos de “curricula”. Verifico, infelizmente, que o mesmo método vérmico ameaça agora os professores dos ensinos pré-universitários, suceptíveis de liquidação pela formidável e kafkiana mentalidade dos “pracistas” que se alimentam do regime de classificação de serviço na administração pública hierarquizada, em “outsourcing”. Onde também ninguém avalia os avaliadores e reformadores, chegando, por exemplo, à conclusão que só pode ser avaliada uma peça da máquina se for possível avaliar a máquina, o engenheiro que a concebeu, o capataz que a controla ou o feitor que lhe dá combustível. O “big brother” do pensamento único ameaça, agora, confundir o saber com o poder e destruir as últimas ilhas que nos permitiam avaliar o mérito, com aquela profunda justiça que sempre foi tratar o desigual desigualmente. Ao fazerem entrar no sistema normalizado da decadência um dos últimos lugares onde se podia cultivar o centro excêntrico da descoberta dos criativos, pode acabar de vez o culto da imaginação ao poder, mesmo que seja o poder dos sem poder, a que, desde sempre se chama autoridade, a tal que vem deautor, e não de mero actor ou de simples auditor, com que, por vezes, confundimos os totais responsáveis pela assinatura dos inestéticos projectos de obras que nos vão desfeando. Não tarda que um qualquer senhor director de escola, ou de universidade, receba cunhas da tia da prima da antiga sopeira, metendo influências e pressões por um qualquer sobrinho e criticando o eventual rigor de justiça deste ou daquele professor, para que o quinzinho, esse filho de algo, possa enquadrar mais um lista dos “yesmen” deputáveis da nossa praça. E eu a pensar que a última cena desse género a que assisti foi numa dita universidade privada, plena de passarinhos, quando o padreca administrador entrou em plena prova oral, para dizer ao examinador que tratasse bem daquela menina. Para não falar de outra, ainda mais privadíssima, onde um genial aluno foi chumbado numa prova escrita só porque sabia mais do que o dito professor que o avaliava… Quem julgar que a história real dos dias que passam anda longe desta ficção feita de circunstâncias bem efectivas, basta ver, ouvir ou ler, como eu, testemunhos fidedignos, daqueles que nenhum processo de investigação judicial sobre a corrupção consegue registar, mas que, também de vez em quando, levam a que ministros tenham que se demitir, só porque o facto real passou a notícia de jornal e fez com que a vergonha enlameasse aquele que diz que “l’État c’est moi”.
Todos continuamos enredados no neofeudalismo absolutista da engenharia das cunhas, da subsidiocracia, do amiguismo, do nepotismo e do clientelismo
Em momentos de decadência, há certos dias em que sentimos, na pele, os riscos vingativos de certa canalha de unhas aduncas que subocupou os interstícios do poder dito democrático, confirmando como continua a mentalidade da persiganga, mesmo quando a facada é comandada a partir dos sofás de coiro dos altos gabinetes. Os descendentes dos moscas, dos formigas e dos bufos continuam a não compreender que o poder dos sem poder, o tal que alimenta a saudável desobediência individual e que há-de sublimar-se em resistência, não é passível de distribuição de cima para baixo. O poder antipoder, do cidadão contra os poderes, apenas se vai semeando, de centro a centro, de consciência a consciência, através da permanente corrente da libertação, daqueles que acreditam que o desenvolvimento impõe que se cresça não apenas pela estatística, mas sobretudo que se cresça para cima e por dentro. Ainda ontem, em dia em que circunstâncias da vida pessoal e familiar me obrigaram a não poder comparecer num acto público, tive que recordar que, aqui e agora, não há o maniqueísmo do público contra o privado, que alguns traduzem como conflito entre liberais e socialistas, mas antes, as águas pantanosas da chamadaeconomia mística, daqueles que seguem o dito de Ramada Curto, segundo o qual gostamos de nacionalizar os prejuízos e de privatizar os lucros. O acórdão do Tribunal Constitucional condenatório da Somague e do PSD permitiu que se iluminasse uma zona da nossa vida pública que, há mais de um quarto de século, permanecia na clandestinidade, enrodilhando a democracia em zonas pouco transparentes, onde, por trás das cortinas, circula o caciquismo, o pato-bravismo, os autarquinhas, os politiqueiros partidocratas e até os futebolíticos. Aliás, só recentemente se começaram a ver as pontas do “iceberg” do enredo da mulher de César. É evidente que a democracia que temos é um péssimo regime político, mas o menos mau de todos os que, até agora, tivemos. Daí podermos dizer que todos os líderes, históricos ou presentes, do PS, do PSD e do CDS, os tais partidos “catch all” que regem o nosso centrão, todos esses líderes donde nos vem a reserva de recrutamento dos primeiros-ministros, dos ministros, dos presidentes da república e dos deputados, todos eles, para poderem ascender dentro da máquina partidária, ou por entre os corredores e gabinetes da luta interna pelo poder, tiveram que fazer pactos com o diabinho dos caciqueiros, ficando, posteriormente, condicionados. Assim, todos ficámos enredados no neofeudalismo da engenharia das cunhas , da subsidiocracia, do amiguismo, do nepotismo e do clientelismo. A partir desta infra-estrutura mental, gerou-se uma rede de pactos de silêncio e de cumplicidade que nenhum jornalismo de investigação pode descobrir, até porque quase ninguém consegue descodificar as vastas empresas ditas de consultadoria e de “outsourcing”, ou os mecanismos da parecerística. Uma “network” que, depois, se refinou pela engenharia da alta finança e das sociedades inter-estaduais de tráfego de influências, tornando-se transnacional e diluindo-se em mais vastas formas da tradicional pirataria global dos colarinhos brancos e dos “yuppies”, onde até D. Sebastião e os seus pretensos teóricos só anseiam pela prebenda da sociedade de casino. Estes caldos de cultura, que partiram do velho caciquismo de regeneradores e progressistas, e, depois, passaram ao “adesivo” do republicanismo e ao “virasacas” do salazarismo, chegaram, mais recentemente, à modernidade da integração europeia e da globalização, gerando o verdadeiro estado a que chegámos. O tal que não é de esquerda nem de direita, nem socialista nem social-democrata, nem democrata-cristão nem conservador, nem republicano nem monárquico, nem miguelista nem pedrista, nem salazarento nem abrileiro, mas mero efeito da própria cultura de mestre-escola do tal senhor director que não passa de um tiranete vingativo, à maneira do intendente policiesco da Viradeira, alimentado por relatórios de espiões de costumes e de pretensas traições à barriguinha dos interesses que usurpa o nome de pátria. É toda uma sucessão de chefes e subchefes de um micro-autoritarismo sub-estatal que enxertaram a incompetência no corno de cabra politiqueira, disfarçando-os em adornos tecnocráticos com que vão pintalgando a aparente modernidade tecnológica. Contudo, os tiranetes não passam de analfabetos funcionais que nada sabem do “hardware”, que mandam comprar, e do “software”, que contratualizam a recibos verdes. Mas gostam de ser fotografados ao lado de um écran de PDA, com que confundem o promontório dos séculos. Muitos deles irão, depois da inevitável queda da cadeira, ser revelados, em seus pés de barro, na barra de um tribunal, talvez por causa de um qualquer negócio de intendência e economato, mas, por enquanto, continuam a comandar o aparelhismo típico dos sargentos verbeteiros e ainda esperam que os chamem para as alturas gabinetais da mesa do orçamento, ou para o sucedâneo de um lugar de administrador, por cunha do Estado, numa qualquer empresa de economia mística. Nenhuma dessa gentalha gosta da cultura do antes quebrar que torcer, da lusitana antiga liberdade, e por isso, contra a autenticidade da cidadania, o poder nu, das instituições sem ideia de obra, manifestações de comunhão entre os seus membros e total desrespeito das regras do Estado de Direito, continua a mobilizar toda a herança do inquisitorialismo, com a permanecente procissão dos bufos que sonham, todos os dias, com os autos de fé da terra e dos corpos queimados…
Em nome de mestre Rousseau
Muitos dos que vivem da facturação protectiva desta anarquia ordenada, em nome de um securitário de pronto-a-vestir, estão agora a dizer que a democracia corre o risco de ficar dependente da vontade das maiorias, atirando a culpa para o velho Jean-Jacques, conforme rezam algumas vulgatas contra-revolucionárias, as dos tradicionais inimigos da mesma democracia. Por mim, admirador incontido de Rousseau e do seu “Contrato Social”, uma das maravilhas da teoria política, resta-me reler as interpretações que dele fazem um Eric Weil, reconciliando-o com Hegel, ou um Karl Deutsch, que o faz conjugar com Kant. Até em Portugal, o nosso melhor teórico da democracia do século XX, António Sérgio, retomando a senda, não deixou de assinalar a enorme diferença que vai da quantitativa “vontade de todos”, quando todos decidem motivados pelo interesse de cada um, à sagrada “vontade geral”, a única verdadeiramente soberana, quando cada um, ascendendo ao próprio todo, através de uma conversão cívica, abdica dos seus próprios interesses, transformando a sua própria conduta num exemplo moral, numa máxima universal, naquilo que Kant, o verdadeiro discípulo de Rousseau, vai qualificar como o imperativo categórico. Por outras palavras, a verdadeira democracia só existe quando, através da liberdade do indivíduo, este lhe dá as raízes morais da sua própria autonomia. Logo, não há democracia sem esse esforço de cada um dar regras a si mesmo, no sentido de procura da perfeição e da consequente compreensão da coisa pública como um “moi commun”. É dessa sucessão de decisões individuais, onde cada um se assume como o próprio todo, que nasce a norma fundamental das comunidades políticas democráticas, casando-se o impulso liberdadeiro com o profundíssimo sentido da igualdade, através daquela comunhão identitária que é exigida pela virtude da fraternidade. Sempre foi este o sonho girondino que o activismo minoritário de certos jacobinos procurou dissipar com o curto-circuito do terror e, depois, com a usurpação bonapartista. Pelo menos, até Alexis de Tocqueville. Foi esta a revolução francesa que triunfou a partir de 1815 com a moderação cartista da balança de podres, ou com a Revolução de Julho de 1830, quando a racionalidade liberal se casou definitivamente com a procura maioritária da igualdade. E mais não dizem os mais recentes consensos das democracias pluralistas, entre a ploiarquia, o sufrágio universal e o Estado de Direito, conforme também subscreveram um John Rawls ou um Habermas, já depois da queda do Muro. Isto é, a democracia há muito que é demoliberal, com séculos de experimentação e de conciliação da revolução atlântica com velhos contraditores, como o foram, a partir de 1848, o socialismo e a democracia cristã. E como o poderão ser ex-comunistas e ex-fascistas, se tiverem a humildade de, para tanto, contribuírem. Não haverá democracia como valor universal se não reinterpretarmos o sentido regulativo do contrato social de Rousseau, à boa maneira da procura do melhor regime (politeia) de Platão, ou da ideia romana de república, segundo o ritmo de Cícero. Foi o que semeou São Tomás de Aquino, até que Leão XIII emitiu a “Rerum Novarum”, mas em 15 de Maio de 1891. Julgo que pode ser essa a linha de novas coisas novas que os choques de rua na Tunísia e no Egipto acabem por desencadear. A um alargamento da base de consenso universal da democracia. Sem exclusão do Islão. Ai de nós se pedirmos ao mundo islâmico uma mera tradução em calão desse valor universal. Daí a minha esperança, porque a melhor forma de dialogarmos com os nossos vizinhos da outra margem do velho mar interior, mediterrâneo, talvez passe por nos expatriarmos nas nossas próprias origens, procurando os lugares comuns donde brotámos. E aí, Platão e Aristóteles, tal como Maimónides e Averróis, poderão voltar a ser pontes para que conjuguemos deuses comuns. Como já o fizeram os construtores do Estado de Israel. Como o Mahatma aplicou na Índia, através de Tolstoi. E como Confúcio está recuperando na China. Basta registar a via da actual Indonésia, ou o percurso da Turquia. Porque todas as civilizações universais são filosoficamente contemporâneas no intemporal, todas têm as mesmas raízes do político e todas podem encontrar experimentações similares, em termos de mais liberdade, mais igualdade e mais fraternidade. Se houver homens de boa vontade que admitam o regresso dos deuses do espírito às nossas cidades antigas, pode voltar a ser conjugado o velho princípio tomista do QOT, adoptado pelas Cortes de Coimbra em 1385: o que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido.
Já passou a tempestade, mas ainda não chegou a bonança
Já passou a tempestade, mas ainda não chegou a bonança. Ontem foi quase uma hora daquele tipo de propaganda calmante a que, dantes, se chamava conversa em família, onde o chefe da governação demonstrou, diante dos discursos de um bastonário e de um general, que é um excelente “public relations” para o homem massa da multidão solitária, dado que tem perfeito conhecimento dos “dossiers” da economia, da saúde e da educação, pois foi capaz de os reduzir a meia dúzia de linhas e de percentagens, assim confirmando como um bom político é o tal especialista em assuntos gerais que percebe de tudo um pouco, sem perceber nada de nada, entre furacões, casapias e apitos dourados. Quando a palavra pública se gasta pelo mau uso, ela pode correr o risco de se prostituir pelo abuso. Claro que a política geral ficou reduzida a cinco minutos de quase uma hora de conversata e nada ouvimos de Europa, de política externa ou de outras questões das funções tradicionais da soberania, coisas que, normalmente, não são chamadas às pré-campanhas eleitorais, quando o velho principado, herdeiro do absolutismo, do “Estado ser ele”, dá um breve passeio pela república, onde o Estado devíamos ser “nós todos”. Ontem, diante de São Expresso, convinha fazer política com um ar engenheiral de tecnocrata, mas, lamentavelmente, nem sequer houve meia dúzia de segundos para uma reflexão solidária sobre as vítimas da tempestade que se abateu sobre a capital, como o deveria fazer o antigo responsável pela política do ambiente e da construção de edifícios e equipamentos urbanos em vales de cheias, coisas que existiam antes de os patos bravos e os corruptos iniciarem o permanente cerco de Lisboa, como se mostra na imagem. Ficámos a saber que um político nunca respeita a palavra dada, pois a posterior avaliação que o mesmo faça dos altos interesses do país lhe dá autorização para revogar promessas. Até pode mudar de ministro para melhor poder defender as reformas que o mesmo ministro estava a fazer, no momento em que compreenda que as pessoas começam a perder confiança no sistema que o mesmo hierarca representa e vêm para a rua bater nos tachos, seringas, mocas de Rio Maior, sebentas e aspirinas. Pior foi quando proclamou que as instituições precisam de liderança, reduzindo esta à existência de um qualquer senhor director, especialmente quando reconheceu que todas as grandes máquinas podem cometer injustiças e continua a valer a lei maquiavélica de o melhor para o país ser mais importante que a palavra dada, num país onde a história do orçamento ser a história do “deficit”. Porque também reconheceu que não há mais abusos do Estado do que aqueles que existiam no passado, e que o mal está nas pessoas que se queixam por excesso democrático, mesmo que sejam os 719 000 subscritores dos certificados de aforro. Foi em democracia que nasceu Péricles, o primeiro demagogo que também era estratego. Hoje, quando à demagogia falta a estratégia e já não há Péricles, até a democracia se confunde com a não-democracia. Por mim, apenas confirmei, através de uma adequada análise de conteúdo, que nunca foram usadas palavras como civismo, democracia, participação, patriotismo ou Estado de Direito, quanto mais socialismo, cosmopolitismo ou europeísmo. Este “public relations” da abstracta governação podia ser propagandista de outra qualquer governança sem governo, de outro qualquer sistema geral de pilotagem automática, ao serviço da melhoria de uma qualquer balança teconológica, onde se confirmasse que o calçado e o têxtil melhoraram e que aumentámos para 35% os cursos profissionalizantes na educação, tendo mais alunos com menos dinheiro, dado que ainda podemos crescer 2,5% ao ano, conforme consta das cábulas postas em bloco, com marcador grosso… Quando a rotina esmaga a aventura, há sempre contas de somar que continuam contas de sumir e ninguém ainda nos explicou que os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas…
Esse sucedâneo de “big stick” que passa pela criação de protectorados, agora com a NATO como procuradora
Penso como português, de uma nação de antes de haver nacionalismo, de antes de haver Estado, de antes de haver soberania. Reparo nas centenas de nações sem Estado que existem no mundo. Nas muitas que se querem integrar noutros Estados, nas que querem unificar Estados, nas que querem desintegrar-se de Estados. Reparo como a República Imperial, num preconceito anti-sérvio que esconde uma vontade anti-russa, volta a brincar às independências, como o fez com Cuba, nesse sucedâneo de “big stick” que passa pela criação de protectorados, agora com a NATO como procuradora. Confirmo como não há política externa europeia. Fico triste. Bruxelas não deveria balcanizar-se, interferindo entre as pretensões da Grande Sérvia e as pretensões da Grande Albânia, tal como a República Imperial não deveria brincar a nova Guerra da Crimeia, mais uma vez com religião à mistura e muita força a fazer o desequilíbrio. Por outras palavras, o direito cosmopolítico continua a ser música celestial para o regime do governo de espertos em que se enreda o crepúsculo da superpotência que resta, face ao vazio de Europa. Em 2008, tal como em 1389, os sérvios voltam a ter a sua Alcácer-Quibir. Os defensores do Estado de Direito que estão no poder em Belgrado não mereciam esta afronta.
As andorinhas que não trazem a primavera…
Parte significativa do tal eleitorado flutuante que vai votando PS e PSD é capaz de não dar a maioria absoluta a nenhum dos figurantes deste Bloco Central, desta pilotagem automática de uma governação sem governo, típica daqueles países onde a maioria dos factores de poder já não é nacional e onde a independência é crescentemente uma gestão de dependências e de interdependências. A encruzilhada em que tropeçámos, onde a decadência rima com certos recortes de ditadura da incompetência, não vai ser vítima de qualquer implosão social, mas antes de uma qualquer crise importada do ambiente internacional onde nos inserimos, donde também nos virá uma eventual regeneração moral. Daí que muitos cidadãos estejam mais interessados nos meandros da campanha eleitoral norte-americana do que nos discursos anti-corrupção de nossos honestos que gerem corruptos e de nossos corruptos que gerem honestos, assim se confirmando como dependemos dos balanços que acontecem na república imperial, quando deveríamos pensar na dita, mais na perspectiva do interesses mundiais, europeus e portugueses. Por mim, que não sou norte-americano, bem gostaria que deixasse de haver uma superpotência que confunde os respectivos interesses nacionais com os interesses mundiais, com autenticidade ingénua, e que se começasse uma transição não isolacionista. Por cá, sinto que nos enredamos na falta de sinais de mobilização para o bem comum e não vejo brumas de regeneração, dado que os discursos do bastonário e do general, infelizmente, apenas têm uma dimensão meramente pedagógica. Não são causas são meras consequências, tal como também não têm dimensões terapêuticas, dado que apenas contribuem para uma eventual liga de profilaxia social…
Contra os que ameaçam transformar a democracia numa democratura
Sinto que há inúmeras semelhanças entre o aqui e agora e as vésperas do 28 de Maio. Não por causa da tropa e dos golpes de Estado à procura de autor, mas porque o sistema partidário continua enredado entre bonzos, endireitas e canhotos, mas com o permanecente imobilismo sistémico, de partidos de Estado num Estado de Partidos, com uma classe média entalada, entre a bigorna das forças vivas e o martelo da explosão social. As forças vivas, marcadas pelo poder banco-burocrático, continuam à procura de feitores de ricos. Os aparelhos de Estado, enredados pela ditadura da incompetência, vivem dos restos da tensão entre o partido dos fidalgos da partidocracia e o partido dos tecnocratas, com o partido dos becas à espreita e o partido da tropa já sem balas. Poucos reparam que nunca poderia haver 28 de Maio, 5 de Outubro ou 25 de Abril. A maioria dos factores de poder já não são nacionais e falta o messianismo da pátria em perigo. Descansem, pois, partidocratas, burocratas e patrões. A presente decadência tem todas as condições para manter o situacionismo por mais largos anos, sem qualquer explosão social. Entre fantasmas de direita e preconceitos de esquerda, lá iremos sem cantar nem rir, porque a maioria dos meus concidadãos, apesar de ter a bala do voto, sabe que apenas a pode meter naquelas espingardas onde o tiro sai pela culatra. Porque, entre chefe do situacionismo e os oposicionistas feitos à respectiva imagem e semelhança, venha o Diabo e escolha. Porque não vale a pena continuarmos a escolher o “do mal, o menos”. vale mais dizermos, com toda a frontaldade, que não nos revemos nestas alternâncias que ameaçam transformar a democracia numa democratura.
A ortodoxia da heterodoxia, a fé da heresia criativa e o dogma do antidogmatismo
Há uma certa comunhão de coisas que se amam, nomeadamente uma certa ideia de Portugal, que impõe sujarmos as mãos no risco do combate pelos valores, sem sectarismo e sem a habitual sucessão dos congreganismos. E mesmo os ortodoxos têm a angústia de não conseguirem ser, com nome próprio, ortodoxamente heterodoxos. Por outras palavras, os sucessores da pátria de Vieira só têm a ortodoxia da heterodoxia, a fé da heresia criativa e o dogma do antidogmatismo. “Le refus de la politique militante, le privilège absolu concédé à la littérature, la liberté de l’allure, le style comme une éthique, la continuité d’une recherche” não pode ceder aos congreganismos e aos seus irmãos-inimigos anticongreganistas, meu caro “Je mantiendrai”. E nós que, em termos de carimbo, estamos em aparentes campos inimigos, sabemos que somos irmãos naquilo que vai além das confrarias. Até porque nos cabe a missão de servir, sem procuraramos aquelas honrarias que matam a honra e aqueles academismos que matam a universidade. Porque ainda há quem, sendo jovem, quer continuar a viver como pensa, sem pensar sequer como depois vai viver. E é para essas correntes que nos ultrapassam que temos o dever de servir as instituições que têm ideia de obra, regras de Estado de Direito e manifestações de comunhão. Claro que o meu companheiro me acusa de milenarista, tal como eu o poderia acusar de seres mais católico do que cristão, como diria Comte, nesta pátria onde os ortodoxos acabam, quase todos, como o ex-anarquista, ex-republicano e futuro monarquista autoritário, Alfredo Pimenta, a sofrerem notas pastorais do Cardeal Cerejeira, onde cada um deles vai lendo a última pé-de-página do manual daqueles inquisidores que levaram Filipe II a ter que mandar o Santo Ofício condenar o padreca, autor daquele sermão que, do púlpito, pediu mais absolutismo para o filho de Carlos V. Só que, aqui e agora, não vale a pena discutir o sexo dos anjos, quando a cidade já está sitiada nas suas entranhas. Se eu tivesse influência, nomear-te-ia para, ontem, fazeres um discurso sobre o nosso irmão Vieira, o do quinto-império, neste tempo de bebedeira dos poderes sem autoridade e dos autoritários empaturrados em salamaleques.
A esquerda caviar e a direita neomonárquica
A esquerda caviar e a direita neomonárquica adoram os que conseguiram sucesso negocista nos meandros da banca e do bolsismo, aqui e além enquadrados pela velha ortodoxia dos estalinistas e dos congreganistas, onde as obras e os retiros espirituais moderaram os vapores dos exaltados republicanos, ou dos extremistas revolucionários. Entre esta esquerda triunfante e esta direita ortodoxamente vaticana, há sempre ex-ministros de Estado, ilustres advogados de negócios internacionais, ou comemorativos reitores, com fardados académicos, para que se gaste tinta de caneta romba, entre pretensos cronistas-mores do congreganismo anti-reaccionário e do reaccionarismo anti-congreganista. Fica sempre sem direito à moderação a larga planura dos cidadãos de bom senso, os tais que se sentem indiferentes perante as encenações do ódio e da teoria da conspiração, porque a realidade são ministros assinando trezentos despachos na véspera da saída do gabinete e outros tantos carregando toneladas de fotocópias submarinas. É por isso que, por estes dias, quase todos foram escrevinhadores feitos à imagem e semelhança dos sucessivos anais da revolução nacional, em espectáculos revisionistas. Porque as facções continuaram o tiroteio da guerrilha civil fria que nos continua a enregelar. Quase todos amealharão reais expectativas de melhor sustento nesta engenharia de cunhas, entre corretores e agências de viagens, com untado acesso e água benta nos restos das aposentadorias do sistema Metternich. Por isso, prefiro revisitar e apoiar o sonho dos jovens turcos.. (2008) ”Je ne suis pas d’accord avec ce que vous dites, mais je me battrai jusqu’au bout pour que vous puissiez le dire”…. Nosso príncipe é fracturante e não recebe lições de democracia de ninguém, nem de Voltaire. Quem se mete com malhadores, leva!