Abr 30

Entrevista a O Diabo

1 — Começando pela redução em 50 por cento das taxas moderadoras para idosos, passando pelo plano estratégico para o sector têxtil, prosseguindo com o anúncio de um défice público de 2,6 por cento, abaixo das previsões, e acabando na redução de um ponto percentual no IVA, de que forma se pode interpretar a estratégia do Governo a ano e meio das legislativas?

Os grandes estrategas e tácticos do “agenda setting” socrático, à procura das simpatias de um milhão de eleitores que ora vota no PS, ora no PSD, aconselharam a que o líder do PS nos vendesse um socialismo de rosto humano, mostrando estados de alma, naquilo que os frios comentaristas chamam eleitoralismo e que Belmiro de Azevedo qualificou como publicidade. Porque a boa propaganda não deve mostrar que é propaganda e um governo dizer-se de esquerda implica parecer que está com os humilhados e ofendidos.

 

 

2 — Temos um abrandamento do discurso mais austero do Primeiro-Ministro e, à primeira vista, boas notícias para os portugueses. Tem a oposição razão em dizer que o PS já está em campanha eleitoral?

Por estes dias, qualquer taxista de uma grande ou média cidade lusitana percebe que não há crise das carteiras dos portugueses, devido à intensidade de tráfego que, dentro de uma semana, quebrará. Sócrates também sabe medir a coisa. Só que tem de enfrentar duas novas realidades que podem alterar as propostas dos respectivos propagandistas.

 

Por um lado, as cem mil famílias sobre-endividadas que correm o risco de não pagar a hipoteca das casitas, até porque já não há banca livre da crise hipotecária da glbalização, que os juros já não são da nacionalizada, nossa, mas dos que emprestam aos nossos emprestadores. Em segundo lugar, os 700 000 funcionários públicos que conhecem o discurso real de João Figueiredo e as ilusões do PRACE, apesar dos estados de alma do PM. Em terceiro lugar, os sinais que deram os cem mil professores na rua, quando os conselheiros do governo diziam que só a problemática dos centros de saúde é que punha os portugueses na rua, levando a que Sócrates despachasse o Correia de Campos e apostasse na continuidade da Maria de Lurdes, com muitos beijinhos de militantes anti-professores no “hall” do comício nacional do PS, no Porto anti-piercings.

 

Na próxima reunião de Belém, estou convencido que Cavaco deverá aconselhar Sócrates a não fingir que é Zapatero, até porque as ortigas não são arcebispos de Madrid da guerra civil, e a não procurar repetir o Cavaco governamental. Julgo até que o Presidente, neste momento, deve estar mais zangado com essa brincadeira do laxismo eleitoralista face ao défice orçamental, do que com o telemóvel da Escola Carolina Michaelis…

 

 

3 — Em termos teóricos como analisa este posicionamento político do Governo e do Primeiro-Ministro nas últimas semanas?

Apenas saliento que PS e PSD são dois rostos do mesmo Bloco central, onde o primeiro domina o situacionismo governamental e parlamentar e o segundo, o situacionismo presidencial e autárquico. Porque os oligopolistas da presente partidocracia, como efectivos partidos pilha-tudo (catch all), se assumem como grandes federadores de grupos de pressão e de grupos de interesse.

 

 

Trata-se de um jogo dos tradicionais influentes, ou caciques, no processo de alinhamento neofeudal, em torno da procura dos benefícios da mesa do orçamento, quando, face aos dois situacionismos do mesmo Bloco central, há dúvidas quanto alinhamento do poder económico-financeiro, do poder dos patrões da comunicação social, do poder sindical e do poder eclesiástico, bem como uma forma de clandestina implantação dos círculos uninominais.

 

 

 

 

4 — A descida do IVA é, como dizem muitos analistas, um caso crasso de propaganda pré-eleitoral?

 

Quando Jaime Gama veio reconhecer o situacionismo madeirense, o presidente do parlamento apenas proclamou a necessidade de um tratado de tordesilhas entre os regeneradores e os progressistas, neste rotativismo de alternâncias sem alternativas. E o mais certo, com os dados circunstanciais da opinião pública que temos disponíveis, é que a presente campanha eleitoral desague em nova vitória socrática, mas sem maioria absoluta, para gáudio dos engenheiros feudais do presente sistema, com os seus gestores de pilotagem automática. Daí o encravanço a que ontem foi sujeito o ministro das finanças no parlamento, quando revelou nem sequer ter informação sobre os milhões de investimento “off shore” de parcelas estaduais da nossa economia e da nossa finança.

 

5 — O que podemos esperar em termos de estratégia a partir de agora e no próximo ano e meio? O Governo vai utilizar os resultados mais favoráveis, nas várias áreas, como arma eleitoral?

A maior parte dos factores de poder já não são nacionais, ou domésticos e o presidente, preso na autoridade, mas sem poderes, não tem condições para utilizar os restos de poder moderador que ainda possui para alterar as regras do jogo deste situacionismo de oligopólio partidocrático, dado que ele próprio é uma consequência dessa causa.

 

 

A não ser que aconteça o imprevisível de uma crise importada e que já não seja a pilotagem automática da chamada governação e que essa crise leve a uma espécie de interregno do mais do mesmo PS/PSD, surgindo uma regeneração de baixo para cima, do Estado-Comunidade para o Estado-Aparelho de Poder, isto é, da república para o principado da governação. Não se vêem, contudo, sinais de uma temperatura espiritual regeneradora, dado que o sistema de controlo da opinião pública depende mais dos patrões da comunicação social que detêm os dossiês que poderiam abalar o situacionismo, mas que os vão negociando em trocas neofeudais.

 

Abr 27

Depoimento ao Jornal de Notícias

A receita para o partido é recuperar a base de apoio
Alexandra Marques

É menos pela ideologia e mais pelas propostas de governação que o PSD pode sair da crise. Independentemente de quem for eleito líder do partido, o partido terá que convencer o eleitorado que é diferente do PS, e tem de falar ao coração da classe média – professores e funcionários públicos, sobretudo. A receita pode passar por colocar a economia à frente das finanças, segundo os peritos, mas sobretudo apostar numa linha que permita trazer de volta o seu próprio eleitorado.

Para João Adelino Maltez, “o PSD até pode ter um programa igual ao do PS, mas só dizendo que não vai perseguir os funcionários públicos e que são acima de tudo pela economia em detrimento das finanças, o que até é coerente com a prática cavaquista. Ou seja, dizerem que querem manter o défice baixo, mas com o apoio da classe média”.

Para este docente catedrático da Universidade Técnica de Lisboa, seja qual for o próximo líder social-democrata, terá de puxar mais para o Centro e menos para Direita. Para “captar o voto do um milhão de eleitores descontentes com o PS”.

Abr 26

25 de Abril, sempre, contra os escribas dos sucessivos “Anais da Revolução Nacional”

Os regimes, em Portugal, caem de podre porque, muitas vezes, ultrapassam todos os prazos de validade que lhe garantiam autenticidade. Só que a apatia e o indiferentismo gerados pelas manobras da elite no poder, lançam o colectivo numa inércia cobarde, inversamente proporcional ao activismo dos oposicionistas, cujo vanguardismo, marginal face à opinião pública, resulta, precisamente, da frustração de não se sentirem, entre ela, como peixe na água.   Prefiro notar nos comemorativismos pós-revolucionários, nestes trinta anos de esquerda contra a direita, com programas de esquerda geridos por temperamentos de direita e vice-versa, onde a esquerda faz de direita e a direita diz que não é de direita, à boa maneira dos cristãos novos com medo da Inquisição. Percebi que, por cá, o normal é haver destes anormais, porque os homens livres, se quiserem ser coerentes, isto é, viverem como pensam, estão condenados ao exílio interno. Os donos do poder, com a sua normal anormalidade, costumam ostracizar e demonizar os doidinhos que não se adaptam ao molde do controlo social que os vai beneficiando. Nem reparamos que os novos contratadores do Estado, os descendentes dos defuntos devoristas, sabem que não há hipótese de os setembristas desembarcarem no Terreiro do Paço e que os patuleias estão balcanizados em futebolítica. Continua em vigor o estadão da Convenção do Gramido que nos cabralizou a todos. E os neocabralistas tanto deitam os foguetes como logo apanham as canas. São eles que já emitem as leis que nos regem e de que eles se dispensam, no “outsourcing” do “off shore”, coisas que, nos respectivos pareceres, confirmam como total e escorreitamente lícitas, embora não citem Cícero, o tal que dizia que nem tudo o que é lícito é honesto. Acontece que os nossos neodevoristas, porque têm também o monopólio da palavra que decreta qual o conteúdo do discurso dominante, até conseguem fabricar a chamadamoral social dos ditos bons costumes, dos quais se assumem como homens bons. Por mim, apenas os rejeito. E fico à espera da revolução de Setembro e da eventual patuleia democrática que os ponha no olho da rua, sem efusão de sangue. Seguindo o conselho cavaquista, não me resigno. Mas lixo-me. Desliguei a televisão quando nos reduziram ao nível do Ferreira Torres e dos apitos de Marco de Canavezes…

Abr 21

O que é um regime legítimo?

Os principais partidos do Bloco Central ainda não atingiram a legitimidade racional-normativa, vivendo, sobretudo, sob o predomínio da legitimidade patrimonial e sempre à espera da legitimidade carismática. Hoje apenas falamos da legitimidade do feudalismo, onde os nossos princiipais partidos não passam de grandes federações de grupos de interesse e de grupos de pressão, como se nota em épocas de interregno. Porque a legitimidade é o poder que se liberta do medo, através do consentimento, activo ou passivo, daqueles que obedecem. Para Weber, é a crença social num determinado regime, a fonte do repeito e da obediência consentida. Para Guglielmo Ferrero, é um acordo tácito e subentendido entre o Poder e os seus súbditos, sobre certos princípios e certas regras que fixam a atribuição e os limites do poder. Assim, um governo legítimo é um poder que se libertou do medo, porque aprendeu a apoiar-se no consentimento, activo ou passivo, e a reduzir proporcionalmente o emprego da força. Logo, haveria três legitmidades: a legitimidade tradicional, a legitimidade carismática e a legitimidade racional. Na primeira, a dominante nos nossos partidos, emergem os fiéis como é timbre do patriarcalismo, da gerontocracia, do patrimonialismo e do sultanismo. É uma legitimidade baseada na crença quotidiana na santidade das tradições vigentes desde sempre, e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a autoridade. Difere esta legitimidade tradicional, da que é produzida pela mera acção emocional ou afectiva, marcada pelo instinto e pela emoção, onde há confiança total no valor pessoal de um homem e no seu destino, uma acção fundada na santidade, no heroísmo e na infalibilidade, marcante na legitimidade carismática. Infelizmente, qualquer sultão de trazer por casa tende sempre a pensar que tem o dedo do Senhor na testa dele mesmo, como se o crisma estivesse assim vulgarizado.  Voltando a Weber. De um lado, temos o chefe, o profeta, o herói ou o demagogo, da legitimidade sultanal; do outro, os adeptos ou os leais, os discípulos ou seguidores, da legitimidade carismática. Dado que esta seria baseada na veneração extra-quotidiana da santidade, do poder heróico ou do carácter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas. Tudo depende do carisma, isto é, de uma qualidade pessoal considerada extra-quotidiana (…) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extra-quotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder .

Abr 17

Escritos inúteis que nem eu sei se são antigos, mas que apetecem rescrever

Ontem, num grande salão de um alto dignitário do regime, fingindo que ali estava, compreendi que o problema não estava nos aparelhos e na boa gente que tem a ilusão de os servir. O problema está na circunstância de o Estado-Aparelho começar a perder comunhão com o Estado-Comunidade e de todos sofrermos com esse rebaixamento de fins e a consequente confusão de valores e inversão da hierarquia, com os pés na cabeça, a cabeça nos pés e o coração como simples máquina de batidelas e com o corpo todo deixando de ser suporte para a procura do infinito.

Abr 16

Berlusconi. Maiorias. Democracia

O essencial da democracia pluralista e do Estado de Direito não está em procurar saber quem manda através da obtenção de uma maioria. O essencial da democracia está no estabelecimento do diálogo entre adversários, como dizia Ortega y Gasset, ou em controlarmos o poder dos que mandam, através do sistema de pesos e contrapesos, visionado por Montesquieu. Melhor ainda: o essencial da democracia está em podermos fazer um golpe de Estado sem efusão de sangue, como dizia Karl Popper. A democracia mede-se menos por resultados eleitorais e mais pela prática governativa das maiorias absolutas. A democracia vive-se e mede-se pela distância que vai da teoria à prática. A Itália tem agora Berlusconi porque antes teve Prodi, duas faces de uma mesma moeda que deram origem às presentes escolhas do povo soberano. E o povo soberano, mais uma vez, mostrou como está farto dos políticos profissionais, do Estado dos Juízes, das mãos sujas da corrupção e dos mafiosos e das pretensas mãos limpas dos magistrados que, depois de viverem dos processos mediáticos se assumiram como imitadores de políticos mediáticos. E a Itália não é o Zimbabué. Até está bem mais desenvolvida, económica, política, social, cultural e universitariamente do que Portugal. Tem os melhores pensadores políticos, os melhores empresários, os melhores cineastas e os mais destacados europeístas do mundo. Até lá vivem os papas e os cardeais. Seria melhor que, do país de Maquiavel, Mazzini, Gramsci e Mussolini, fizéssemos uma espécie de laboratório prospectivo. Porque, pensando no nosso futuro, de acordo com os actuais conceitos de desenvolvimento, seria melhor concluirmos que eles estão numa estação ferroviária de nível mais próximo do fim da história do que nós. Ainda temos muitas estações de desenvolvimento para visitar antes que tenhamos umas eleições como as de anteontem em Itália. Até amanhã! Vou dar uma aula sobre o italiano Tomás de Aquino…


Abr 15

Entre os sinais da doença autoritária e os reflexos condicionados da persiganga

Ninguém duvide que imensos pequenos chefes do micro-autoritarismo subestatal ficaram reconfortados com as palavras abstractas de um chefe regional, quando este qualificou os opositores como um bando de loucos, num misto de salazarismo e de PREC, onde não faltou a palavra diabolizante de fascista, de que foi vítima a imaginação criadora de um meu antigo aluno que, na sua corajosa solidão, têm usado a resistência do lugar representativo que conquistou para uma bela subversão pelo riso. Felizmente que já não há internamentos de opositores políticos por razões psiquiátricos, apesar de, em muitas zonas do mundo, continuar o regime de muitos doentes que governam e não se olham ao espelho. Os sinais da doença autoritária e os reflexos condicionados da persiganga estão a contaminar o edifício democrático e a confiança pública. O chamado défice democrático começa a penetrar nos fundamentos de um aparelho de poder que diz estar ao serviço do Estado de Direito, onde revigora o regime do enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Muito terra a terra, direi que essa mistura de absolutismo democrático com personalização do poder atingiu o clímax do paroquialismo, transformando a autonomia regional em algo que continua a depender de uma constipação mal tratada. Com efeito, o melhor dos nossos sindicalistas políticos, defensor de causas de uma sociedade imperfeita contra os maus praticantes do princípio da subsidiariedade, apenas demonstrou como o nosso sistema político continua dependente de sucessivas ditaduras da incompetência.

Abr 14

O corporacionismo das vozes tribunícias do sindicalismo e os agentes do estadão

O corporacionismo das vozes tribunícias do sindicalismo e os agentes do estadão, como era previsível, e o previ, preto no branco e em jornal, alargaram o terreno do Bloco Central situacionista. Daí que se recubram de silêncio muitas outras situações de compressão da cidadania, só porque Pilatos consegue lavar as mãos e Barrabás faz discursos. Por outras palavras, quando a inteligência se deixa de casar com a honra e o pensamento entra em conflito com o entusiasmo, a direita pode esperar que os Berlusconi surjam à frente das sondagens, porque, nas pegas de cernelha, há melhores hipóteses de não se levar uma cornada. Apesar de estar prestes a ter que entrar numa longa resistência judiciária e de, consequentemente, ter que silenciar, sofrendo o ostracismo, devo concluir que, ontem, ao fim da tarde, na Praia do Meco, estava um cósmico pôr do sol e que continuo na beneditina pesquisa de coisas eternas, só porque tenho que explicar coisas da velha polis grega e da antiquíssima respublica romana, mergulhando nos subsolos para que as aulas que estou a dar sobre a matéria não sejam repetição de sebentas, incluindo das minhas. Daí que tenha de agradecer aos causadores da presente crise política, cultural e moral do que resta da nossa pátria. Bem como aos agentes do estadão e aos pequenos sargentos e inquisidores do micro-autoritarismo subestatal. O clássico ostracismo, ao libertar-nos domainstream, permite olhar os vermes de forma laboratorial, colocando-os nas lâminas do nosso microscópio, como objectos de análise, passíveis da astronómica observação à distância. Aliás, em muitos momentos da história, quanto maior é a crise e a persiganga, melhores são os resultados da criatividade individual, nascida da revolta e desse pedaço de resistância de quem prefere a raiva ao ódio. Quem não come o pão amargo dos homens livres desconhece que a libertação só é possível a partir da memória do sofrimento, coisa que nenhum escrevinhador das vulgatas da história dos vencedores consegue minimamente vislumbrar. Por mim, quero continuar a viver como penso e a escrever aqui, ou noutro lugar, o que é o não pensar como vivo. Sou ambicioso demais para pactuar com os agentes do estadão nas barganhas do poderio, das medalhas, dos prémios, das comendas, das honrarias fúnebres e dos subsídios.

Abr 12

Continuando a ser do contra

Agradeço ao meu Primeiro-Ministro, o facto de ainda não ter chamado o Intendente Pina Manique, para o controlo das minhas veemências críticas e discursivas, no oposicionismo que tenho usado, neste blogue, relativamente à respectiva conduta política. Muito obrigado, chefe! Continuarei a usar de pouca correcção política no exercício desta cidadania. Porque recto é o que vem de recta, e recta ninguém a faz sem régua, quando muito procura imitá-la. Daí que, na balança, o velho símbolo da justiça, se tenha usado do fiel para se saber se os dois pratos, de bi mais lanx, que deu bilancia, estavam equilibrados, tendo em vista o indicador, o fiel, que quando estava direito, se disse de mais rectum, ou jus derectum, donde veio direito, definindo-o como o que não é torto. Há, no entanto, quem não procure a perfeição de imitar a recta e o confunda com a velha correição, do acto de corrigir e da reprimenda, donde veio o corregedor, o regedor, o reitor e director, bem como o dito corrector que, segundo o dicionário, é o que corrige, que prega moral, o censor, o título de certos administradores de província. Onde província é a romana zona de pro vincere, o sítio de conquista, onde se desembarca para ocupar e vencer, esquecendo-se quevencer é ser vencido.

Abr 10

Mas se acaso, tirana, estrela ímpia, é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho

Vejo, na nossa querida televisão, uma viagem pelo mundo inédito de coisas que têm mais de duzentos anos e que parecem incomodar coisas que têm mais de dois mil anos. Apenas devo concluir que assim nunca mais poderemos compreender a democracia daquelas revoluções atlânticas que tanto produziram a glorious revolution dos finais do século XVIII, como a república norte-americana, ou as sucessivas repúblicas francesas, para não falar em Cádis, de 1812, Portugal, de 182o, na antiquíssima luta pela constituição. A política, enquanto sinónimo de democracia, sempre se deu mal com as usurpações da teocracia, do império ou do despotismo económico.

Quando a episcopal figura do porta-voz daquela magnífica corrente que, desde 15 de Maio de 1891, no século XIX, se passou a conjugar com esse esforço demoliberal, critica os maçons por permanecerem numa mentalidade do século XIX, sou obrigado a protestar, porque talvez eles sejam um pouco mais antigos, correspondendo a uma mentalidade do século XVIII, geradora dessa comunhão de causas que levou o maçon Jean Monnet a dar as mãos aos agentes vaticanos, tipo Robert Schuman, Konrad Adenauer ou De Gasperi, para o lançamento de nova revolução que está na base do projecto europeu.

Com todo o nihil obstat, fiquei ontem a saber que o cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira sempre foi um resistente antifascista e que só não deu o salto conspiratório contra o Estado Novo porque teve medo das represálias de um Salazar, que tinha dado à Maçonaria o controlo da educação!!!! Perante tão benzido revisionismo histórico, resisto em não me submeter a tal literatura de justificação que procura o monopólio interpretativo na relação com o transcendente. Prefiro o pluralismo dos deuses, a heresia e os protestos.Penser c’est dire non!

Temo que, sorridentemente, regressemos a certo tipo de relação entre o báculo e a espada, como a que levou um tal António José da Silva a ir para a fogueira em Lisboa, no dia 18 Outubro de 1739, quando apenas tinha 34 anos. E cá o subscritor deste protesto, orgulhosamente filiado na corrente de Erasmo, Montaigne, Espinosa, Montesquieu, e Kant, apenas vos deixa algumas das sentidas palavras do autor da “Guerra do Alecrim e da Mangerona”, preso pela Inquisição a 5 de Outubro de 1737:

Que delito fiz eu para que sinta

o peso desta aspérrima cadeia

nos horrores de um cárcere penoso

em cuja triste, lôbrega morada

habita a confusão e o susto mora?

Mas se acaso, tirana, estrela ímpia,

é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho.

Mas se a culpa que tenho não é culpa,

para que me usurpais com impiedade

o crédito, a esposa e a liberdade?