De vez em quando, reparamos que, se não houver boa cultura e boa educação, a sociedade humana pode regredir, voltando ao nível de continuidade das sociedades animais. Porque, em ambas, existem animais agressivos, marcados por organizações hierárquicas e onde até se distinguem nitidamente os papéis reservados para o masculino e o feminino. Nas sociedades humanas, apenas podemos estabelecer medidas para limitarmos a agressividade, para canalizarmos os respectivos excessos, mas não para a eliminar. Aliás, a chamada democracia não passa de um simples sistema de institucionalização de conflitos e o direito daquele reconhecimento da circunstância de o homem ser um animal de regras, onde as regras só o são porque podem ser desrespeitadas. Como ensinou Konrad Lorenz, o ser humano é um animal agressivo como todos os outros animais. Não vivemos apenas segundo a fórmula de Hobbes, do homem lobo do homem, mas também segundo o lorenziano acrescento do homem rato do homem, dado que, por vezes, o homem se assemelha ao dito, pois, ao contrário dos animais normais, como o lobo, o homem, tal como o rato, mata os rivais da mesma espécie, ao contrário dos restantes que apenas matam os de espécie diferente, procurando, para os tais da mesma espécie, apenas mantê-los à distância, quando se visa conquistar um simples território alimentar. Porque, em casa onde não há pão, todos ralham e todos têm apetite de rato…
Monthly Archives: Maio 2008
Esta espécie de infracapitalismo de Estado com que o Bloco Central restaura o pior do velho mercantilismo..
De qualquer maneira, o cerco ao situacionismo pode vir a acirrar-se, com mais uma crise importada, equivalente às vacas magras que liquidaram o marcelismo por causa do primeiro choque petrolífero, acelerando a chegada do 25 de Abril de 1974. E talvez não chegue o “agenda setting” ou essa subtil forma de controlo social que resulta da difusão do crédito hipotecário, por causa da compra da casinha que faz dos portugueses servos da gleba bancária e, consequentemente, gente que teme os riscos da mudança e despreza a criatividade, dado que grande parte dos rendimentos vai direitinho para angústias dos juros, já sem a barateza que nos deu o euro e o Banco Central Europeu. Gerou-se assim uma nova casta banco-burocrática, reforçada com as companhias das “golden share”, bem representadas pela Galp e pela Edp, para onde os governos mandam alguns restos de certos prebendados pelo sistema, criando-se uma espécie de infracapitalismo de Estado, dentro da tradição do mercantilismo e do absolutismo e das novas formas de sociedade de Corte, onde até ninguém repara que os mexias foram ministros do santanismo, dado que a face empresarial deste, santificada pelo dinheirinho, não tem o cheiro dos santaneiros da politiquice.
Contra eurobeatos e eurocépticos
Ontem, na sala do plenário do parlamento açoriano, sob um painel de Carlos Carreiro, onde, ao lado da pomba do espírito santo, se invocam os quatro santos laicos do arquipélago (Antero, Teófilo, Nemésio e Gaspar Frutuoso), lá recordei que os primeiros povoadores do Faial, foram europeus não lusitanos, fugidos da Guerra dos Cem Anos. Porque importa pensar a Europa com estas saudades da terra, fugindo ao rolo unidimensionalizador que nos maniqueíza entre eurobeatos e eurocépticos e reparar na Europa-mosaico da discórdia criativa, no dividir para unificar. Eu, pelo menos, acredito que o conceito português de nação, ao contrário de outras perspectivas, assumidas e decretadas por certas potências europeias, não é incompatível com a ideia de Europa que interessa aos europeus de hoje e de amanhã. Daquela Europa mosaico, que só pode consensualmente unir-se, se, antes disso, não temer dividir as uniões que lhe foram impostas pela razão da força. Não posso deixar de reconhecer, como salientava Albert Camus, que a Europa tem vivido sempre nesta luta entre o meio-dia e a meia-noite, uma confrontação entre o equilíbrio e o desequilíbrio, as lutas entre a ideologia alemã e o espírito mediterrânico(Idem, p. 402), traduzindo-se em a comuna contra o Estado, a sociedade concreta contra a sociedade absolutista, a liberdade reflectida contra a tirania racional e, finalmente, o individualismo altruísta contra a colonização das massas. Com efeito, na senda de Rougemont, também quero defender a Europa como a pátria da discórdia criativa e o homem europeu como aquele que procura a singularidade, a diferença, a ideia de variar, de diferir ou de inovar, esta maneira de opor o indivíduo ao todo, e de atribuir o absurdo não ao eu que a sente, mas ao mundo ou à sociedade, eis o que é propriamente ocidental. Isto dá o revoltado, o objector de consciência, o revolucionário ou o reformador; isto dá, nas ciências, o investigador, e o inovador nas artes. Também quero definir a Europa como esta parcela do planeta onde o homem se põe constantemente em causa e quer mudar o mundo, de tal maneira que é aí que ganha sentido a sua vida pessoal. A Europa como uma espécie de revolução permanente, revolução conduzida pela consciência humana contra todas as potências que oprimem ou que negem um eu responsável e distinto. Essa Europa onde a liberdade é o bem mais precioso. Pois a ideia mais exaltante de facto para os Europeus de qualquer nação e de qualquer classe, de qualquer crença e de qualquer descrença. O apelo à liberdade, a reivindicação da liberdade (qualquer que seja o sentido que se dá à palavra), é sem dúvida nenhuma o tema afectivo mais generalizadamente europeu, o mais comum a todos os homens do nosso continente, e pode ver-se nele o mais próximo equivalente, na nossa civilização profana, da invocação do sagrado. Parafraseando o teórico político português do século XVII, Carvalho Parada, poderemos dizer que divide-se esta Europa em vários reinos, estados e províncias, cada um dos quais se governa pelos meios que entre si julgam por mais convenientes, e conformes às várias qualidades, com que a natureza os criou, ou a arte os formou, porque uns são grandes e outros pequenos, uns ricos e outros pobres, uns marítimos, outros pela terra dentro, uns pacíficos, outros inclinados a guerras, e com muitas outras qualidades, segundo os sítios em que estão, de que dependem. Há diversas maneiras de tender-se para o mesmo fim. E o fim nada tem a ver com a exiguidade da massa que o serve, porque como dizia Bodin, un éléphant ne peut être dit plus animal qu’une fourmi, alors qu’ils ont également la force de sentir et de se mouvoir.
Os cilícios do Opus Dei, os preconceitos WASP e a continuidade dos bananas
Lá vi o Dan Brown posto em filme, depois de o ter lido em livro, sempre à boleia das ondas da moda. Gostei mais da primeira experiência que da segunda. Repito o que aqui disse em Fevereiro de 2005: a história de Maria Madalena e do Graal fazem parte das deliciosas patranhas do nosso imaginário, como a Cinderela ou o Pinóquio. Retoma-se, quase meio século depois, o regime do “best seller” de Pauwels e Bergier, “Le matin des magiciens”, Paris, Gallimard, 1960, agora num regresso ao anticongreganismo primário, onde, em vez dos jesuítas, surge o “Opus Dei”, vulgarizando-se ridiculamente questões maçónicas, gnósticas e panteístas. Reduzir ao ritmo cinematográfico temas como os do simbolismo e do esoterismo, atacar o catolicismo e a Maçonaria, pela interpretação das lendas merovíngias, é brincar com o fogo sagrado. Especialmente neste Ocidente onde as bases esotéricas atiram a memória pré-cristã e as heresias medievais para a zona do sincrético das seitas e das macacadas das sociedades secretas, onde, afinal, algumas multinacionais livreiras espetam as garras do negocismo, explorando as nebulosas que circundam a procura da verdade, sem se ir ao fundo das coisas. Acaba por apelar-se ao vazio da procura pessoal, obrigando muitos a acolherem-se à sombra de explicações transpersonalistas e fazendo dissolver as autonomias individuais no colectivismo moral das seitas e nesse jogo entre o exotérico e o esotérico, de modo que a verdade acaba por dissolver-se. Importa salientar que quando alguém procura atingir o bem colectivo através do mal individual, em nome da Razão de Estado, da Razão de Seita ou da Razão de Igreja, está a matar-se a si mesmo, ainda que adopte aquela literatura de justificação do realismo político. Há muitas boas e higiénicas instituições que invocam fins superiores, incluindo o divino, enquanto os respectivos jagunços, inflitrados nos aparelhos do Estado de Direito, brincam ao maquiavelismo, maculando a eventual espiritualidade com que vão recrutando neófitos. E o estampido das crenças, com que muitos vão permitindo as conversões, pode levar a um processo de crescente relativismo e cepticismo, onde acaba por preponderar o mero jogo das bruxarias. Continuo a preferir Umberto Eco e “O Nome da Rosa”. Ficamos mais cavaleiros andantes, mais próximos do saber poético, mais amantes do mistério, mais cultivadores do transcendente…No filme, tornam-se manifestas as caricaturas quase racistas que os anglo-americanos pouco universais e muito hollywoodescos fazem dos franceses e que atingem o clímax do insulto quando tentam retratar o espanhol, nesse ambiente de anticolonialismo imaginário, onde o máximo de pseudo-racionalismo passa pela demonização do latino, pintado de ditador da república das bananas e vestido de cardeal, nessa inconfessada vontade de segregacionismo e de “apartheid” de certa cultura WASP- White Anglo-Saxon Protestant. E não foi por acaso que a minha visita ao filme foi precedida por uma visita a fígados de tamboril, lá para os lados de Alfarim, e deparando-me, à porta do cinema, com esse génio da escrítica que a esquerda instalada decreta como o paradigma da direita que convém à esquerda. Reparei que, apesar de novo, continuava imensamente velho, copiando os rebanhudos papas da jornalada que se assumem como as manilhas centrais da importação das ideias vanguardistas, mesmo quando reaccionárias. Por isso, quando voltei a casa e reparei nas cenas do congresso do PSD, fiquei sem saber se estava a assistir ao comentarismo do “Jogo Falado”, dado que os justamente afamados analistas da futebolítica são, além de treinadores de bancada, distintos militantes do laranjismo, assim se confirmando a superioridade da agregação de interesses do mendismo face ao estilo socrateiro, com que se disfarçam os cor-de-rosa.
Não é o hábito que faz o monge, tal como não é o órgão que gera a função
Não há meio de perceberem que não é o hábito que faz o monge, tal como não é o órgão que gera a função, quando o que interessa é ter o órgão ao serviço da função. Logo, não devemos continuara a julgar que só é público o que mede verticalmente, de cima para baixo, conforme a tradição absolutista do centralismo e do concentracionarismo. Porque, se viajarmos pelo fundamento da velha república romana, notaremos que o máximo da coisa pública estava na horizontalidade dos pactos, nomeadamente quanto à qualificação de uma lei, que só era verdadeiramente pública quando os magistrados a propunham num comício do povo. Com efeito, só é efectivamente público o que reside na horizontalidade dos consensos pactistas. Porque a comunidade é superior ao principado, dado que a república vale mais do que o aparelho de poder e a nação é superior ao Estado. Por outras palavras, não devemos trazer para a praça pública aquilo que, para ser eficaz, não deve sair do espaço da intimidade familiar e, muito menos, passar para o largo do pelourinho. Como jurista que continuo a ser, embora dessa ciência não faça modo de vida, até diria que a melhor sociedade é aquela onde todas as regras são espontaneamente cumpridas, nomeadamente aquela onde as tais questões de consciência não precisam do “casse tête” da guarda, dos manuais e códigos de processo penal e das grades prisionais… Os bons situacionistas encontram-se sempre no sindicato dos elogios mútuos. E a Razão de Estado sempre seguiu a máxima maquiavélica, segundo a qual os fins superiores da governação permitem a literatura de justificação dos homens de sucesso. Tudo depende dos exércitos disponíveis e do desespero dominante. Apenas acrescento que em encruzilhadas onde não se vê luz ao fundo do túnel, o populismo é directamente proporcional aos sucedâneos messiânicos, mesmo que usem vestidos fora de moda, mas com muitos lacinhos de tecnocracia… Entretanto, alguns generais têm feito declarações muito críticas sobre o défice de democracia e liberdade no país. Parece que vão além da mera autodefesa corporativa, tendo algo de recado dos pais fundadores do regime face à presente decadência de um sistema que vai amarfanhando o regime. Mais grave parece ser a intenção governamental de lei da rolha, num processo de compressão da liberdade de expressão que também afecta certas secções universitárias, onde alguns conselhos directivos e certas inspecções parecem reduzir instituições marcadas pela honra e pela inteligência a dependerem dos discursos oficiosos da hierarquia verticalista de certo estilo “decretino” e quase hierocrático…
Sobre o estilo decretino e quase hierocrático…
Continuo farto dos que aprenderam cultura nos bancos torquemadas de pregações e homilias contra as heresias que fogem do situacionismo politicamente correcto. Desses que continuam à espera da chegada daquele laico ofício que possa mandar queimar em efígie os dissidentes. Continuo farto destas cadaverosas persigangas vestidas de tecnocracia neopositivista, onde ebriamente se deslumbram fascistas, estalinistas e ressabiados, só porque passaram a respeitáveis donos do poder, assentes na engenharia distribuidora dos fluxos orçamentais que os Pombalizaram, especialmente quando aplicam, agora, ao sector não privado, o exercício falimentar e cogumélico da privatização dos lucros, com nacionalização dos prejuízos, métodos que os fizeram homens da esquerda baixa e prebendada, ou da direita cobarde e colaboracionista.
Continuo farto dos que aprenderam cultura nos bancos torquemadas
Continuo farto dos que aprenderam cultura nos bancos torquemadas de pregações e homilias contra as heresias que fogem do situacionismo politicamente correcto. Desses que continuam à espera da chegada daquele laico ofício que possa mandar queimar em efígie os dissidentes. Continuo farto destas cadaverosas persigangas vestidas de tecnocracia neopositivista, onde ebriamente se deslumbram fascistas, estalinistas e ressabiados, só porque passaram a respeitáveis donos do poder, assentes na engenharia distribuidora dos fluxos orçamentais que os Pombalizaram, especialmente quando aplicam, agora, ao sector não privado, o exercício falimentar e cogumélico da privatização dos lucros, com nacionalização dos prejuízos, métodos que os fizeram homens da esquerda baixa e prebendada, ou da direita cobarde e colaboracionista. (2008) Quase todos os que se apresentam como candidatos ao protagonismo estadual, partidário ou das pequenas quintarolas burocráticas, que permitem o micro-autoritarismo da mesa do orçamento ou da engenharia dos subsídios, utilizam a invocação, directa ou suliminar, de serem homens de esquerda. Uns, pelo oportunismo do politicamente correcto, para melhor se inserirem no situacionismo. Outros, como literatura de justificação para todos dos desmandos, esquecendo-se que Estaline e Pol Pot também eram homens ainda mais à esquerda, quando não invocavam as novas tecnologias da guilhotina positivista.
Importa um “New Deal”, para evitar que os coveiros do sistema passem a coveiros do regime
Quase todos os que se apresentam como candidatos ao protagonismo estadual, partidário ou das pequenas quintarolas burocráticas, que permitem o micro-autoritarismo da mesa do orçamento ou da engenharia dos subsídios, utilizam a invocação, directa ou suliminar, de serem homens de esquerda. Uns, pelo oportunismo do politicamente correcto, para melhor se inserirem no situacionismo. Outros, como literatura de justificação para todos dos desmandos, esquecendo-se que Estaline e Pol Pot também eram homens ainda mais à esquerda, quando não invocavam as novas tecnologias da guilhotina positivista. Feliz, ou infelizmente, a direita começa a ficar reduzida ao espaço do berro e do “soundbyte” populista, com alguma dela à espera que o PSD a repesque para a dignidade do estadão e da consequente vantagem negocista. Entretanto, os mais destacados marechais do CDS, face às duas emergências de Cavaco, o tal que os secou, parece que optaram pelo PS, que assim os reduziu à veneranda postura de senadores colaboracionistas, a nível do ministerialismo ou da prebenda elogiosa. Mais do que isso: o PSD, quando não se assume em birra populista ou caciqueira, fica-se pela memória do estadualismo paternalista a que chama neoKeynesianismo, mas que não passa de mais uma versão do salazarismo democrático, vestido de respeitabilidade tecnocrática, dita prestígio. Ainda não assumimos que importava, antes de chegar a Grande Depressão, um “New Deal” à esquerda e à direita, um baralhar e dar de novo, para que estes coveiros do sistema não sejam coveiros da morte lenta em que o regime se enreda. Como observava Fernando Pessoa em 1928, também António de Oliveira, estabeleceu imediatamente o seu prestígio quando tomou posse, através de um discurso que é tão diferente dos discursos políticos habituais que o país aderiu a ele de imediato. E o público é incompetente para apreciar uma coisa tão profundamente técnica como as suas reformas financeiras. Ao fim e ao cabo, o prestígio é sempre não-técnico.
Nem tudo o que é lícito é honesto…
Nem tudo o que é lícito é honesto…
Reparo como a pequena política se encarquilha no “fait divers”, perdendo-se em muitas pequenas cascas de árvore que nos ocultam a floresta da grande política. Daí que todos comentem a cena de Sócrates e Pinho, apanhados com cigarrito, no voo que os levava em visita oficial à Venezuela, onde Chávez invocou a protecção da Virgem de Fátima. Coisa de somenos, porque tudo pode ter sido inteiramente lícito e petroliferamente correcto, com resmas e resmas de Razão de Estado, dado que o príncipe nem sequer precisou de usar o absolutista princípio do “princeps a legibus solutus”.
Apenas se confirmou o bem pregas Frei Tomás da falta de autenticidade de certos políticos profissionais, coisa que apenas se situa no plano moral. Porque não leram Cícero, o tal que bem nos avisou: nem tudo o que é lícito é honesto…
Reparo na intervenção presidencial sobre a matéria, dizendo que, no tempo dele, nos aviões fretados para viagens do primeiro-ministro, ele nunca fumava, embora não pudesse saber o que se passava por trás das cortinas, quando ainda não havia a lei proibicionista que nem sequer o Presidente tem poderes para a mudar…
Emociona-me a resposta Sócrates, pedindo desculpa por desconhecer as normas que ele próprio propôs, mas prometendo que, a partir de agora, vai mesmo deixar de fumar. Infelizmente, quando quis defender-se, revelou um velho fantasma, ao denunciar como “calvinistas”, os denunciantes da liberdade de fumaça. Podia ter usado outros nomes diabólicos, como os de “fascista”, de “puritano”, de “inquisitorial”, ou de “fundamentalista”. Mas preferiu confessar, à boa maneira socialista, que está contra a ética protestante, fundadora do capitalismo, deste ar que todos respiramos na globalização, cometendo um pequeno deslize anticonstitucional, quando ofendeu as concepções do mundo e da vida nascidas na pátria de Jean Jacques Rousseau.
Vale-nos que a ministra que nos trata da saúde já arranjou meios para nos operarem às cataratas, sem recurso a Cuba, apenas com a mobilização dos meios do sector público da saúde, depois de ter criticado um acordo da ADSE com um hospital privado. Por outras palavras, certos preconceitos de esquerda que marcam os nossos socialistas acabam por dizer que as coisas só são públicas se o patrão for o Estado, não reparando que o título pode não corresponder ao conteúdo.
Não há meio de perceberem que não é o hábito que faz o monge, tal como não é o órgão que gera a função, quando o que interessa é ter o órgão ao serviço da função. Logo, não devemos continuara a julgar que só é público o que mede verticalmente, de cima para baixo, conforme a tradição absolutista do centralismo e do concentracionarismo.
Porque, se viajarmos pelo fundamento da velha república romana, notaremos que o máximo da coisa pública estava na horizontalidade dos pactos, nomeadamente quanto à qualificação de uma lei, que só era verdadeiramente pública quando os magistrados a propunham num comício do povo. Com efeito, só é efectivamente público o que reside na horizontalidade dos consensos pactistas. Porque a comunidade é superior ao principado, dado que a república vale mais do que o aparelho de poder e a nação é superior ao Estado.
Por outras palavras, não devemos trazer para a praça pública aquilo que, para ser eficaz, não deve sair do espaço da intimidade familiar e, muito menos, passar para o largo do pelourinho. Como jurista que continuo a ser, embora dessa ciência não faça modo de vida, até diria que a melhor sociedade é aquela onde todas as regras são espontaneamente cumpridas, nomeadamente aquela onde as tais questões de consciência não precisam do “casse tête” da guarda, dos manuais e códigos de processo penal e das grades prisionais…
neste funil situacionista que continua a proibir a imaginação
Continuaremos a mirrar asfixiados neste funil situacionista que continua a proibir a imaginação Muitos, como eu, estiveram até às tantas da madrugada, agarrados à futebolítica do “prós e contras”, esquecendo a campanha eleitoral do PSD, dado que o major tem mais piada que o alberto joão e ninguém tem pachorra para as meditações macheteiras do nosso bloqueio centralão, onde notáveis treinadores de bancada correm o risco de levar o maior partido político português à disfunção, se os circuitos da decisão ficarem entupidos entre aqueles que foram ministros, desejando deixar de o ser, e os que, querendo ser como os primeiros, sonham apenas em ser ministros, apenas para que, depressa, deixem de o ser. O PSD, como espelho da nação, assiste a este regresso da fauna dos barões assinalados, permitindo-nos concluir que se aproxima cada vez mais dos apitos finais e doiradinhos de um regime que entrou no sistema das habituais decadências, dado que preponderam as habituais brigadas do reumático mental, esses que sabem, de ciência por fazer e subsídio absoluto, a impossibilidade emergente de um qualquer movimento de capitães. Logo, sobre o PSD, apenas fico triste em ver como milhares e milhares de esforçados militantes correm o risco de servir de carne para almoço comemorativo desses caldo de interesses que põe os cotas e os jotas a servir de campo de manobras para a gentalha de alcatifa que usurpou os restos de autenticidade do partido de Francisco Sá Carneiro. Esta última epifania de certo cavaquismo do “a posteriori” talvez constitua mais um dos cantos de cisne de certa direita lusitana que, envergonhadamente, pede à respectiva sociologia que se dilua sob o bordão de uma tecnocracia descrente que já perdeu direito ao sonho e o sentido do risco. Ainda não percebeu que foi o exagero dos preconceitos de esquerda ocupantes do aparelhos ideológicos que produziu o desespero do populismo direitista. O poder continua a medir-se pelo esquema do homem de sucesso, e prefiro não mais comentar nominativamente as candidaturas laranjas, até porque posso cair involuntariamente no pecado do óbvio divisionismo. Logo, não me apetece continuar a alimentar esta dialéctica dos preconceitos de esquerda contra os fantasmas de direita, desses que vivem de uma omnisciência assente nos tradicionais pés de barro, onde os “pré-captos” (preceitos) dos respectivos óculos ideológicos não os deixam ver um boi à frente dos palácios onde estacionam as respectivas viaturas oficiais. Tal como os seus adversários dogmáticos do antigamente, os presentes neodogmáticos são como os macacos orientais, que já não querem ler, que já não querem ver e que já não querem ouvir. Circulam de preconceito em preconceito e querem transformar o resto de conceitos do respectivo marxismo imaginário num preceito salazarento e lá vão indo, de decreto em decreto, até ao esquecimento final, enquanto, resfolegando de soberba, tentam limpar, com a lixívia da literatura de justificação, a que chamam memórias, as velhacarias inquisitoriais que vão, dia a dia, produzindo, enquanto tomam chá com os ministros de Salazar , prebendados pela cobardia. Vivam os pezinhos de esquerda da cavaqueira situação. Assim continuaremos a mirrar asfixiados neste funil situacionista que continua a proibir a imaginação.