Ontem, na sala do plenário do parlamento açoriano, sob um painel de Carlos Carreiro, onde, ao lado da pomba do espírito santo, se invocam os quatro santos laicos do arquipélago (Antero, Teófilo, Nemésio e Gaspar Frutuoso), lá recordei que os primeiros povoadores do Faial, foram europeus não lusitanos, fugidos da Guerra dos Cem Anos. Porque importa pensar a Europa com estas saudades da terra, fugindo ao rolo unidimensionalizador que nos maniqueíza entre eurobeatos e eurocépticos e reparar na Europa-mosaico da discórdia criativa, no dividir para unificar. Eu, pelo menos, acredito que o conceito português de nação, ao contrário de outras perspectivas, assumidas e decretadas por certas potências europeias, não é incompatível com a ideia de Europa que interessa aos europeus de hoje e de amanhã. Daquela Europa mosaico, que só pode consensualmente unir-se, se, antes disso, não temer dividir as uniões que lhe foram impostas pela razão da força. Não posso deixar de reconhecer, como salientava Albert Camus, que a Europa tem vivido sempre nesta luta entre o meio-dia e a meia-noite, uma confrontação entre o equilíbrio e o desequilíbrio, as lutas entre a ideologia alemã e o espírito mediterrânico(Idem, p. 402), traduzindo-se em a comuna contra o Estado, a sociedade concreta contra a sociedade absolutista, a liberdade reflectida contra a tirania racional e, finalmente, o individualismo altruísta contra a colonização das massas. Com efeito, na senda de Rougemont, também quero defender a Europa como a pátria da discórdia criativa e o homem europeu como aquele que procura a singularidade, a diferença, a ideia de variar, de diferir ou de inovar, esta maneira de opor o indivíduo ao todo, e de atribuir o absurdo não ao eu que a sente, mas ao mundo ou à sociedade, eis o que é propriamente ocidental. Isto dá o revoltado, o objector de consciência, o revolucionário ou o reformador; isto dá, nas ciências, o investigador, e o inovador nas artes. Também quero definir a Europa como esta parcela do planeta onde o homem se põe constantemente em causa e quer mudar o mundo, de tal maneira que é aí que ganha sentido a sua vida pessoal. A Europa como uma espécie de revolução permanente, revolução conduzida pela consciência humana contra todas as potências que oprimem ou que negem um eu responsável e distinto. Essa Europa onde a liberdade é o bem mais precioso. Pois a ideia mais exaltante de facto para os Europeus de qualquer nação e de qualquer classe, de qualquer crença e de qualquer descrença. O apelo à liberdade, a reivindicação da liberdade (qualquer que seja o sentido que se dá à palavra), é sem dúvida nenhuma o tema afectivo mais generalizadamente europeu, o mais comum a todos os homens do nosso continente, e pode ver-se nele o mais próximo equivalente, na nossa civilização profana, da invocação do sagrado. Parafraseando o teórico político português do século XVII, Carvalho Parada, poderemos dizer que divide-se esta Europa em vários reinos, estados e províncias, cada um dos quais se governa pelos meios que entre si julgam por mais convenientes, e conformes às várias qualidades, com que a natureza os criou, ou a arte os formou, porque uns são grandes e outros pequenos, uns ricos e outros pobres, uns marítimos, outros pela terra dentro, uns pacíficos, outros inclinados a guerras, e com muitas outras qualidades, segundo os sítios em que estão, de que dependem. Há diversas maneiras de tender-se para o mesmo fim. E o fim nada tem a ver com a exiguidade da massa que o serve, porque como dizia Bodin, un éléphant ne peut être dit plus animal qu’une fourmi, alors qu’ils ont également la force de sentir et de se mouvoir.