Julgo que os portugueses puderam confirmar que a pomposa governança deste Estadão se assemelha cada vez mais a um sistema de pilotagem automática, programada para outras circunstâncias que entra em curto-circuito quando acontecem daquelas circunstâncias que não estavam no manual de programação do “porreiro, pá”. Também percebemos que a maioria dos factores de poder já não são meramente domésticos, dado que esta praia ocidental está aberta demais a certas nortadas da globalização predadora, sobretudo quando arrancámos os canaviais que nos protegiam e deixámos que os patos bravos limpassem a areia das dunas que nos davam alguma suavidade. Indo à outra face da moeda, direi que os primeiros sinais da crise demonstraram que a oposição social não teve adequados canais sistémicos no sistema político, à excepção do PCP que teve a agilidade de se assumir como voz tribunícia de vários grupos sociais em fúria, levando a que, nos mais recentes estudos de opinião, Portugal se tenha tornado no único país da Europa onde, à esquerda dos socialistas, há vinte por cento de preferências. O que também é um atestado de incompetência das direitas e dos centros que, enredados nas sereias de um populismo de personalizações do poder, não estiveram à altura das exigências de resposta à nova questão social. Mesmo forças morais como as Igrejas, perdidas nos enredos dos grupos de pressão e das barganhas dos passos perdidos, não deram voz ao poder dos sem poder, quando estamos perante causas que se configuram como novas patuleias da baixa classe média. Como diziam os clássicos, para haver diálogo, tem que haver lugares comuns entre adversários. Não podemos chamar diálogo às tácticas do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. E temos que dar tempo ao nosso chefe do governo, para que ele se recompunha deste desafiante fim do estado de graça que ainda há meses parecia só ser possível analisar pelo verso épico do encómio e daquelas magníficas sessões inaugurativas, com filmes de ficção sobre o futuro do TGV e do aeroporto de Alcochete.
Jun
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