No dia seguinte à pequena Grande Depressão, o capitalismo global vai nacionalizando através da injecção de fundos no rabo da banca, numa terapêutica sem prévia vacina. Os utópicos que, dantes, discursavam sobre a chegada da felicidade globalizadora, mudaram o bico ao prego e proclamam agora o fim da história de uma era dita liberal. Por mim, apenas me apetece saudar a democracia norte-americana, onde os partidos não obedeceram a presidentes, governos, candidatos a presidente e directórios partidários. Obedeceram aos mandatos que receberam do povo, mesmo que tenham cometido erros. Julgo que na democracia da América ainda vigoram alguns dos princípios básicos das revoluções atlânticas, entre os quais se inclui o de poderem os cidadãos criticar o chefe de Estado, o chefe de governo, o chefe de partido, bem como todos os que ascenderam ao poder em disputa democrática. Em muitos segmentos da nossa Bielochina, quem lá chega acima, pela concorrencialidade de opções eleitorais, mesmo que seja o pequeno poleiro de uma capoeira de quintal, tem o dever de copiar as regras da democracia do todo. Infelizmente, esquecem-se que o hábito não faz o monge e que nenhuma cultura totalitária o deixa de ser, só porque meteu um verniz emprestado pela vontade de poder, o tal poder pelo poder, onde há actores que, para o exercerem, admitem o assassinato do outro. Tenho de tomar pessoalíssimas decisões de encruzilhada, das tais que podem marcar o resto dos meus dias, nos quais quero continuar a viver como penso e onde, neste tempo de homens lúcidos, quero continuar a ter a lucidez de ser ingénuo, sem pensar como, depois, irei viver. Neste Portugal dos pequenitos com a mania das grandezas, custa muito ser homem livre, à maneira dos estóicos, dos franciscanos ou do humanismo, renascentista ou iluminista, desses que vivem cada momento como se ele fosse o último. Tentarei ser fiel àquela ética de convicção que sempre foi inimiga da dita ética de responsabilidade dos neomaquiavélicos e quejandos.
Monthly Archives: Setembro 2008
Feudalismo e sociedade de Corte
Neste tempo de tudo ser véspera, as novas são o decadente mais do mesmo, com muitas pequenas notas de rodapé de um dia a dia que nem registos deixará no médio prazo. A medida da falta de autenticidade deste poder tem a ver com as casas para pobrezinhos com a autarquia capitaleira brindou a Corte das várias Cortes daqueles animais que são todos iguais, mas onde há alguns mais iguais do que outros, nos “jobs for the boys”, nos “boys for the jobs” e agora na rica casinha de renda limitadíssima para amigos e amiguinhos, incluindo artistas e jornalistas, assim se elevando a cunha à categoria de pouca vergonha. Porque não se trata de uns partidos contra outros tantos, mas de todos contra esses alguns que continuam a mais clássica das privatizações de bens públicos, à boa maneira dos devoristas. Julgo que é quase impossível construir um Estado de Direito neste permanecente feudalismo, onde quem pensa ter conquistado o poder o vai fragmentando em muitas quintarolas, onde a lei é uma para os amigos e outra para os adversários e os indiferentes. Vale-nos que temos uma expedita administração da justiça em nome do povo que vai imediatamente procurar crimes quando eles já estão prescritos, e continuamos sem assumir que a questão é, acima de tudo, moral e cultural, numa terra onde continua a vigorar o bem pregas frei tomás e a moral do sapateiro de braga, porque enquanto o pau vai e vem folgam as costas…
Tenho consulta do viajante daqui a bocado…
Durante mais alguns dias, o meu silêncio apenas tem a ver com preparativos burocráticos e sanitários, para poder cumprir um projecto que, por meias palavras, já aqui anunciei. Reparo que o registo de “links” teve uma súbita erupção por causa dos meus amigos do queijo, especialmente o José, que deve ser pseudónimo. Como eu escrevo com nome de baptismo, não vou, por enquanto, polemizar e até nem tenho tempo útil. Mandei-lhe um mail privado sobre a luz do sol, a minha pertença às concepções do mundo e da vida de Kant e até as coincidências organizacionais que, em sua memória, procuro honrar. Quem quiser procurar a posição que, há anos, mantenho sobre o caso Pedroso, basta pesquisar neste blogue. Até subscrevi um apelo a um procurador-geral passado sobre a matéria, juntamente com os meus companheiros do movimento cívico Intervenção Radical. Tenho consulta do viajante, por causa das vacinas, daqui a bocado…
Cuf, ou a economia privada sem economia de mercado
Para comemorar o 175º aniversário da CUF, fui chamado para um comentário no Rádio Clube Português, onde divaguei sobre o nome português do capitalismo que se foi chamando devorismo, cabralismo, fontismo, economia de guerra, condicionamento industrial e privatizações de Soares e Cavaco. Tudo começou com o tal devorismo, quando se confirmou Proudhon, para quem a propriedade, incialmente, sempre foi um roubo. Seguiu-se o cabralismo, com a técnica do “enrichez, vous” da sociedade de casino e atingiu-se o fontismo, a grande coligação com a mesa do orçamento, donde derivou a casta banco-burocrática que ainda hoje nos governa. A 1ª República, morreu com a inflação da economia de guerra e fez nascer os gaioleiros e os patos bravos, bem como gente como o Alfredo da Silva, quando este antigo franquista se meteu no financiamento da política e da jornalada, nomeadamente no radical “Imprensa da Manhã” que teve algumas relações com a Noite Sangrenta de 1921. Vivia-se então a questão do pão político, com a guerra entre os moageiros e os latifundiários e quem acabou por ganhar foram os adubos, especialmente quando, com a Ditadura, se lançou a Campanha do Trigo, de Linhares de Lima. Enquanto isto, os capitalistas menos industriais e comerciais, iam começando a lançar o regime dos patos bravos, semeando-se os chamados “gaioleiros”, quando a quebra de rendimentos das propriedades agrícolas obrigou as elites rurais a passarem para as grandes cidades que lançaram as suas avenidas novas, feitas de prédios que começaram a desabar. O salazarismo foi o tempo do grande “gentleman’s agreement” entre os barões feudais das grandes famílias e o Estado, onde os primeiros consideravam os ministros como meros “feitores dos ricos”, susceptíveis de despediamento, quando a economia mística da nacionalização dos prejuízos e da privatização dos lucros não funcionava de vento em popa. E assim se confirmou o nome português do capitalismo que nunca foi liberal, mas antes uma economia privada sem economia de mercado. As nacionalizações revolucionárias do 11 de Março de 1975 foram um logro típico deste capitalismo a retalho, porque nacionalizaram eventuais empresas falidas, para, depois os patrões receberem as chorudas e justas indemnizações, em tempo de privatizações dos lucros. Só recentemente, o capitalismo começou a ter alguma racionalidade, face ao regime de sociedade aberta promovida pela integração europeia e pela globalização. Mas a memória dos grandes cavalheiros da casta banco-burocrática continua a fazer com que, em Portugal, o importante não seja ser ministro, mas tê-lo sido, a fim de garantir a reforma dourada numa dessas companhias que o ex-ministro anteriormente tutelava. Basta recordar que só nos anos oitenta do século XX se revogou um diploma do primeiro pós-guerra (a de 1914-1918) que estabelecia um regime de lucros excessivos, que todos queriam porque ninguém o cumpria, mas não admitia uma lei da concorrência…
Mais um dia de 925 milhões de pessoas com fome no mundo…
Mais um dia de 925 milhões de pessoas com fome no mundo, segundo a FAO, enquanto o pinífero ministro vai declarando, hoje, o contrário do que disse anteontem, e o tesouro norte-americano trata de injectar fundos e de emprestar “money” nas grandes companhias que ameaçam falir e que não se fundem com o rival da véspera. Que isto do capitalismo e da globalização tem as suas agruras e não apenas lojas dos trezentos. Até a Rússia demonstra que não há guerra fria nem regras antigas das sebentas de economia, neste bater de asas de uma dessas bebedeiras de Wall Street que põe o Kremlin em sobressaltos. E lá vem o tempo das vacas magras que costuma marcar as ressacas posteriores às euforias das sociedades de casino que não conseguem transformar as fichas da especulação em efectiva riqueza. Enquanto isto, os caçadores de fortunas tratam de mergulhar nas águas chocas deste pantanal, ao mesmo tempo que reabre o parlamento cá da parvónia, provisoriamente instalado na sala da câmara dos pares. Porque alguns deles são tão vitalícios e hereditários quanto os do defunto devorismo, o tal regime que fundou o Supremo Tribunal de Justiça, com o ministro proponente da instituição a nomear-se presidente da coisa, um pouco à imagem e semelhança de outro ministro da I República, muito ético, que, enquanto ministro das finanças, até criou uma faculdade de que se assumiu como professor e director, porque também então as vacas magras ameaçavam e o discurso da ética republicana era o do bem pregas frei tomás…
Os Talleyrand do costume
A governança que se cuide com os Talleyrand do costume e a respectivas sociedades de corte que continuam a abusar da nossa paciência, espatifando todas as bonecadas institucionais em que se metem. Porque tanto são salazaristas, democratas-cristãos ou socialistas convictos, quando tratam de ascender ao trono ministerial, como logo passam a coveiros de salazaristas, democratas-cristão e socialistas, quando os despedem. Eles são a infra-strutura desta fauna decadente que ocupou os palácios da cidade e vai repartindo pela criadagem da seita e da reverência tanto os penduricalhos das honrarias, como, sobretudo, as postas e prebendas que da mesa do orçamento vai roubando. E como os Estado de Direito continua enregeladamente dependente do hipócrita princípio da legalidade, o mesmo que permitia aos pides torturar, desde que, depois, elaborassem a acta, continua o otomano governo dos espertos, onde quem conquistou o poder e, principalmente, os micropoderes sub-estatais, vai jogando ao pau e à cenoura, porque enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Não conheço exemplos de detecção de abuso de poder enquanto tais poderosos permanecem no poder. Os donos do poder só no “day after” é que são auditados, denunciados e processados. Porque os que podem auditar, denunciar ou processar têm a lógica cobarde de valer mais um pássaro de “outsourcing” na mão do que muitos valores a esvoaçar. Aliás, para esta canalha dourada, a palavra não passa de um instrumento de retórica barata que um qualquer desses sofistas desempregado consegue transformar em alegação. A palavra gastou-se pelo mau uso dos discursos de música celestial ou seminarista. E prostituiu-se pelo abuso da compra de poder e da compra do voto, levada a cabo por estes devoristas, hábeis manipuladores dos curtos-circuitos do micro-autoritarismo, para onde regressaram coisas equivalentes a favoritas e a eunucos, todos abichando os restos da comezaina e da orgia, em ritmo de regabofe de curto prazo. Porque, por dentro das coisas é que as coisas continuam vertebradamente salazarenta s. Mudaram as moscas, mas não a pouca vergonha dos dejectos que as alimentam. Infelizmente, os direitos são concessões que se agradecem aos que estão lá em cima, como se fossem caridadezinha, enquanto os deveres são motivo para lamentações pelos sacrifícios que o chefe faz pelo bem comum, exibindo o trejeito sacrista da falta de sentido dos gestos. Conheço alguns dos pais desta criatura. Personalidades autoritárias de raquíticas morais, a algumas das quais cheguei a ouvir apelos a enxurros de porrada a outras personalidades com quem agora mostram públicas cumplicidades. Eles usurparam a ideia de bem comum, ungidos por este sistemismo orgânico marcado por uma canalha reles e devorista, para quem o crime tem efectivamente compensado.
Devoristas….ou a criadagem de seita e reverência que nos ocupou
Há dias foi o Lehman Brothers, agora, anuncia-se que a AIG pode ser, se Bush não a nacionalizar. Mas abundam os discursos de justificação, com o mesmo Bush a dizer que a economia americana está bem, com Pinho a replicar que boa mesmo boa é a europeia, sobretudo a portuguesa, com Cavaco a colocar a cereja no bolo, dizendo que teria muito a dizer, mas que, por enquanto, o não queria dizer, porque, por estes dias, só disse coisas sobre planos governativos para a educação e planos governativos para a justiça. Por outras palavras, o presidente engatilhou o intervencionismos e nota-se que começa a sentir o prazer de marcar a agenda. Logo, a governança que se cuide. Acabou o passeio tranquilo que a parecia conduzir à reposição da maioria absoluta.
A governança que se cuide com os talleyrand do costume e a respectivas sociedades de corte que continuam a abusar da nossa paciência, espatifando todas as bonecadas institucionais em que se metem. Porque tanto são salazaristas, democratas-cristãos ou socialistas convictos, quando tratam de ascender ao trono ministerial, como logo passam a coveiros de salazaristas, democratas-cristão e socialistas, quando os despedem. Eles são a infra-strutura desta fauna decadente que ocupou os palácios da cidade e vai repartindo pela criadagem da seita e da reverência tanto os penduricalhos das honrarias, como, sobretudo, as postas e prebendas que da mesa do orçamento vai roubando.
E como os Estado de Direito continua enregeladamente dependente do hipócrita princípio da legalidade, o mesmo que permitia aos pides torturar, desde que, depois, elaborassem a acta, continua o otomano governo dos espertos, onde quem conquistou o poder e, principalmente, os micropoderes sub-estatais, vai jogando ao pau e à cenoura, porque enquanto o pau vai e vem folgam as costas.
Não conheço exemplos de detecção de abuso de poder enquanto tais poderosos permanecem no poder. Os donos do poder só no “day after” é que são auditados, denunciados e processados. Porque os que podem auditar, denunciar ou processar têm a lógica cobarde de valer mais um pássaro de “outsourcing” na mão do que muitos valores a esvoaçar. Aliás, para esta canalha dourada, a palavra não passa de um instrumento de retórica barata que um qualquer desses sofistas desempregado consegue transformar em alegação.
A palavra gastou-se pelo mau uso dos discursos de música celestial ou seminarista. E prostituiu-se pelo abuso da compra do poder e da compra do voto, levada a cabo por estes devoristas, hábeis manipuladores dos curtos-circuitos do micro-autoritarismo, para onde regressaram coisas equivalentes a favoritas e a eunucos, todos abichando os restos da comezaina e da orgia, em ritmo de regabofe de curto prazo.
Porque, por dentro das coisas é que as coisas continuam vertebradamente salazarentas. Mudaram as moscas, mas não a pouca vergonha dos dejectos que as alimentam. Infelizmente, os direitos são concessões que se agradecem aos que estão lá em cima, como se fossem caridadezinha, enquanto os deveres são motivo para lamentações pelos sacrifícios que o chefe faz pelo bem comum, exibindo o trejeito sacrista da falta de sentido dos gestos.
Conheço alguns dos pais desta criatura. Personalidades autoritárias de raquíticas morais, a algumas das quais cheguei a ouvir apelos a enxurros de porrada a outras personalidades com quem agora mostram públicas cumplicidades. Eles usurparam a ideia de bem comum, ungidos por este sistemismo orgânico marcado por uma canalha reles e devorista, para quem o crime tem efectivamente compensado.
Subscrevo Baptista-Bastos no DN de Hoje
Propuseram ao ex- -presidente o recebimento dos retroactivos. Recusou. Eu não esperaria outra coisa deste homem, cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum. Ele reabilita a tradição de integridade de que, geralmente, a I República foi exemplo. Num país onde certas pensões de reforma são pornográficas, e os vencimentos de gestores” atingem o grau da afronta; onde súbitos enriquecimentos configuram uma afronta e a ganância criou o seu próprio vocabulário – a recusa de Eanes orgulha aqueles que ainda acreditam no argumento da honra.
Uma imagem vale mais do que mil palavras. Ou de como a moralidade deve superar a legalidade
Prestes a quase poder cumprir, entre os Jaus, o exemplo de vida de Luís Vaz de Camões, vou captando muitos sinais de um sistema em curto-circuito, onde algumas imagens valem mais do que imensos discursos analíticos. Felizmente, alguns magistrais jornalistas conseguem lançar, através das redes radiotelevisivas, paradigmas de uma geração que nos vai enredando em palavras que não reflectem as lições de um Pascoaes, de um Cortesão, de um Pessoa, ou de um Agostinho da Silva, das tais palavras de um discurso de justificada resignação que talvez não correspondam à pátria de Camões ou de Fernão Mendes Pinto. É por isso que um profundo impulso me manda procurar Portugal fora de Portugal.
Com efeito, as nossas magistraturas tiveram, ontem, depois do jantar, direito a mediáticas intervenções. Assisti integralmente a uma, a da quarta figura do Estado, depois de Aníbal, que não é Barca, e depois de Gama, que não é Vasco, e até apanhei a parte final de outra cimeira do Ministério Público, a que não é Cândida. Fiquei sumamente esclarecido e profundamente preocupado, principalmente depois de ler outros magistrais, mais presos ao chão dos processos.
Um dizia que não falava em filosofia do direito porque preferia a ideologia da corrente filosófica pragmática e que só se preocupava com os factos, segundo a corrente filosófica de Comte, mas quando começou a enredar-se na especulação logo caiu na filosofice da conversa de viagens de quem foi a Paris, para, depois, dizer que os povos da Europa do Sul, da tal honra mediterrânica, donde vieram Platão, Aristóteles e Cícero, não enraizaram a autoridade, autoridade vinda de auctoritas que eles inventaram e que nunca teve nada a ver com a Ordnung que as brumas do norte fizeram degenerar. Não deixou mesmo de acrescentar que tal se devia a não ter havido recepção do “imperativo categórico kantiano”. Mário Crespo, tentando descodificar a imensidão abstracta, logo o interrogou sobre o que era isso. O interpelado reagiu com alguma irritação e disse que não estava a fazer um exame. Mas logo se recompôs e misturando a palavra ética com qualquer outra coisa, disse que isso tinha a ver com o respeito dos direitos dos outros, saiu da legalidade e tentou passar para a moralidade.
Lembrei-me de defender a honra mediterrânica e de manter-me neokantiano, em nome de ibéricos como Ortega y Gasset, António Sérgio ou Cabral de Moncada. Sublinhei na memória os juristas da Roma clássica. Os juristas do imperador Justiniano. Os fundadores de Bolonha. De S. Tomás de Aquino, de Acúrsio, de Bártolo, dos glosadores e dos comentadores. E do nosso João das Regras. Cheguei mesmo a João Pinto Ribeiro e Francisco Velasco Gouveia. Mas parei em Manuel Fernandes Tomás que é o meu exemplo de magistrado, da tal honra misturada com a inteligência que prestigiou o partido dos becas. Pensei em Espinosa, no seu filho Rousseau, de cuja mistura nos veio o iluminismo de Kant, que assumo em razão prática, e, como “homme du midi”, fiquei orgulhoso deste mar interior pleno de luz, onde sempre houve gente que dialogou, entre pagãos e cristãos, papistas e maçons. Apenas concluo que a poesia é mais verdadeira do que certa interpretação da história. Já houve um ministro, que ainda o é, que, quando era ministro das polícias, disse que elas não eram a sua polícia. Que não haja em Portugal autoridades que possam dizer que este não é o seu povo, o seu direito, a sua civilização! Uma geração que queira a utopia do sem lugar pode acabar sem tempo e resignar-se ao situacionismo de um estado em minúscula que é aquele a que chegámos e não o Estado-Razão que devia pretender derrubar a Razão de Estado!
O que disse a quarta figura do Estado, a que chegámos, sem deixar de ser verdade, é pouca uva para tanta parra. É evidente que o supremo magistrado sabe que isso do imperativo categórico pode ter a ver com o exemplo. E, da televisiva conduta dele, não se conseguiu extrair a máxima universal de que estávamos à espera. Por isso, fiquei aliviado com o fim da perlenga e passei para outro canal, onde perorava outra alta figura da magistratura, mas da tal outra. Fiquei, pelo menos, a saber que a ilustre senhora, juntamente com o marido e a filha, durante toda a vida, nem sequer viram cinco minutos de futebol, devido ao defeito do daltonismo, pelo que não sabem distinguir o azul do verde e o vermelho do preto e branco que dá xadrez. Apenas me foi dado confirmar que lá se foi mais uma oportunidade perdida para as magistraturas se aproximarem do povo.
Sonhei. Sonhei que o contrato social (Staatsvertrag) devia transformar-se na razão pura prática, como universal legisladora (rein rechtlich gesetzgebende Vernunft), em ideia pura com fins regulativos. Mas, para tanto, a própria vontade geral (allgemeiner Wille) tem de tornar-se a própria vontade racional de cada um dos membros da comunidade, considerados como personalidades autónomas no acto de estas obedecerem ao imperativo categórico e de se tornarem, como tais, legisladoras duma legislação universal
Porque, exacerbando todo o processo jusracionalista, Kant transformou assim o direito natural numa coisa que é imanente ao homem, em algo que é por ele querido e criado, deixando de ser um transcendente, enquanto alguma coisa exterior que era imposta ao homem.
Porque o mundo do dever‑ser, da razão‑prática, é o domínio da faculdade activa, do agir, o mundo dos fins e do valioso, dado que, pela ética, é possível ultrapassar o mundo dos fenómenos e aceder ao absoluto, à zona das ideias inteligíveis, das leis morais, marcadas pela racionalidade e pela universalidade.
No sulíssimo e mediterrânico Hernâni Cidade, notei que, ao contrário de Descartes, que tomava o espírito como uma passiva placa fotográfica, em que a realidade se projectava sem deformação, é este agora, como activo aparelho de projecção, que povoa a névoa exterior, que veste o nómeno com as formas subjectivas que resultam da sua mesma constituição dele, espírito. Assim, na supremacia do racional se organiza o novo, copernicano sistema entre o “eu” e o “não‑eu”. Não é o objecto que projecta a sua “ideia” no diafragma espírito; é a “ideia” criada pela “actividade do espírito”, que projecta o “objecto” que cremos existir fora de nós. “In principio erat verbum et verbum caro factum est”: “no princípio era o verbo(ou a ideia nele representada) e o verbo tornou‑se facto” (ou a realidade que julgamos objectiva).
Porque em Kant, a forma, o a priori, aquele absolutamente necessário e universal, é o imperativo categórico, o age de tal maneira que a máxima da tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal. O dever formal de realizar sempre o fim. Um imperativo categórico, também dito moralidade, dado que a lei moral é um facto da razão-pura, um a priori, uma regra que é preciso respeitar porque é precisa, algo que se impõe ao homem categoricamente, uma lei que tanto vincula o Estado como os indivíduos, consistindo na realização dos direitos naturais no direito positivo.
Mais: o imperativo categórico, a moralidade, distingue-se da legalidade (Gesetmässigkeit) ou do imperativo hipotético, dizendo respeito às acções que são levadas a cabo por força de uma pressão exterior, de uma pena ou de um prazer.
Porque, os deveres que decorrem da legislação ética não podem ser senão deveres externos, porque esta legislação não exige a Ideia deste dever, que é interior. A legislação ética integra o móbil interno da acção (a Ideia do dever) na lei.
A política está assim submetida ao imperativo categórico da moral e toda a ordem política legítima só pode ter como fundamento os direitos inalienáveis dos homens, os chamados direitos naturais. Deste modo, o Estado de Direito e o governo republicano, aqueles que são marcados pelos princípios da separação de poderes e do sistema representativo, devem conduzir os homens para a moralidade universal, para a constituição de uma república universal ou de uma sociedade das nações.
Nestes termos, porque os homens são sujeitos morais e a moral é universal, eles são todos iguais em dignidade. Logo, o Estado de Direito, que consiste na submissão do direito à moral, tem vocação para tornar-se universal.
Aliás, o direito tem a ver com o domínio da legalidade, da concordância de um acto externo com a lei, sem se ter em conta o móbil, enquanto uma lei ética exige moralidade, isto é, o cumprimento do acto por dever.
Pelo contrário, neste domínio da razão‑prática ou do dever‑ser, o a posteriori, o elemento material, aquela percepção cuja validade se reduz ao campo da experiência, é constituído pelos conteúdos concretos e históricos das diversas interpretações do bem e do mal.
Desta maneira, todo o direito passa a ser uma pura forma que se expressa pela lei do dever e pelo princípio da liberdade: actua de tal maneira que a máxima da tua conduta possa servir de lei universal para todo o ser racional.
Compreende-se, assim, que Kant, em 1797, nos Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito, defina o direito como a totalidade das condições pelas quais o arbítrio de cada um pode concordar com o arbítrio de todos os outros, segundo uma lei universal da liberdade. De uma liberdade considerada como aquele único e originário direito que compete a todos os homens só por força da sua humanidade, dado que o homem é livre se não precisar de obedecer a ninguém, mas apenas às leis. Pelo que, se a minha acção, ou, em geral, o meu estado pode coexistir com uma lei geral, então, qualquer um que me impeça de realizar algo cometerá uma injustiça.
A obra em causa, constitui a primeira parte da Metafísica dos Costumes, com uma segunda parte referente aos Princípios Metafísicos da Doutrina da Virtude, onde se procuram as leis a priori pelas quais se determina a chamada vontade metafísica do direito, isto é, o sistema de leis jurídicas dimanadas da razão.
Essas leis a priori constituem aquilo que Kant designa por direito racional (Vernunftrecht), sendo resultantes da actividade formalizada da razão.
A tal procura da imanência que substituiria transcendência impositiva do anterior direito natural, onde procurava extrair-se da natureza, enquanto algo que era anterior e exterior ao homem, uma ordem da conduta humana.
Neste sentido, chega mesmo a proclamar que a coacção equivale à liberdade: se certo uso da liberdade se converte num obstáculo à liberdade segundo leis universais (isto é, se é injustiça), a coacção que se opõe, enquanto impedimento de um obstáculo à liberdade, coincide com a liberdade segundo leis universais, ou seja, que é justa, pelo que direito e capacidade de constrangimento significam o mesmo
Por outras palavras, como assinala Cabral de Moncada, o direito deixou de se impor do exterior do homem, passando a impor-se-lhe do interior. Deixou de estar ancorado num ser transcendente ou numa natureza repleta de momentos empíricos, para ser considerado numa simples lei da razão
Uma razão que não é um conhecimento teorético já feito, nem tão pouco de normas de moral ou de estética já susceptíveis de aplicação imediata, mas simplesmente uma força capaz de se elevar até esse conhecimento e normas. Mostrou que ela era somente um complexo, não de respostas, mas de perguntas e de pontos de vista, com os quais avançamos para os dados empíricos.
Para que o pragmatismo dos indexadores consigam captar o que digo, deixo, como marcadores, as palavras Noronha do Nascimento e Maria José Morgado.
Um quarto de hora antes da Grande Depressão, o regime ainda estava vivo
A mais institucional das nossas ministerialidades, atendendo, sobretudo, ao brilho das fardas a que costuma passar revista para as televisões, acaba de levar na cabeçona uma reprimenda do institucional-mor do Palácio de S. Bento, pouco antes do queirosiano seleccionador permitir que os “vikings”, numa dessas operações de razia, nos fizessem morrer à vista de costa. Entretanto, Pedroso irritou profundamente os situacionistas, fazendo com que António Borges e José Lello emparelhassem e assim não comentassem as más notícias vindas da recessão europeia e, sobretudo, da espanhola, que agora tem que digerir a outra face da moeda Zapatero. Por outras palavras, o regime entrou na lucidez do avestruz, metendo a cabeça nas areias deste deserto de ideias e, como Monsieur de La Palisse, um quarto de hora antes daquilo que ontem avisou George Soros na RTP, emite comunicados e contra-comunicados, entre os dois palácios da coabitação. Por mim, tento ser coerente como homem livre e homem revoltado, prestes a cumprir minha missão.
No intervalo do jogo dinamarquês de Alvalade, ainda tive tempo para assistir à lição do mais presidencial de todos os nossos analistas e a quem atribuo o justo título de príncipe dos politólogos, pela primazia fundacional e pela superior qualidade do bisturi. Apenas digo que aprendi. Reitero: nenhum comandante da barca em plena crise, sabe como orientar o leme e faltam políticos com a intuição do risco, como Francisco Sá Carneiro. Dominam os bonzos e os seus subprodutos, sejam endireitas ou canhotos, nesta ditadura da incompetência, para utilizarmos terminologia dos últimos tempos da I República, o tal regime que caiu um quarto de hora antes da Grande Depressão.