Jan 28

Entre Sócrates e Madaíl, tudo como dantes, quartel general no mais do mesmo

Assisto televisivamente à sessão de abertura do ano judicial. À sombra de um retrato de D. Maria II, a rainha que sofreu em Londres o escandaloso processo que a enlameou, juntamente com Costa Cabral, depois de fuga de informação da agência negra dos miguelistas no exílio, precedendo as presentes manobras pidescas e neo-inquisitoriais. Confirmo a grave crise de pensamento. Cada um dos grandes chefes dos operadores judiciários disse que a D. Maria da Culpa não estava casada com ninguém da respectiva família corporativa. E o supremo sacerdote da nossa religião civil atribuiu responsabililidade à má qualidade da legislação, reduzindo o direito a mera produção em linha do poder legislativo. Todos tiveram razões, mas nem todos juntos atingiram a razão complexa que necessitamos, a qual apenas precisa de uma agulha e de um furo no ovo.

Bastaria passar para as televisões em directo que transmitiam a audição de Manuel Dias Loureiro na comissão parlamentar de inquérito e terminar a noite com a entrevista de Diogo Freitas do Amaral à SIC, depois das mensagens emitidas por Luís Filipe Menezes e Ângelo Correia. Todo o sistema, no seu melhor, considerou a trapalhada socrática como simples resultante de todo esse quadrilátero de forças. Por outras palavras, os assuntos judiciários e partidocráticos correm o risco de entrar na opinião pública sensacionalista, à boa maneira da discussão futeboleira do dia seguinte ao jogo. Por outras palavras, entre Sócrates e Madaíl, tudo como dantes, quartel general no mais do mesmo.

Apenas comento com uma frase que, outrora emiti e que ontem recolhi de um site jurídico brasileiro: É difícil polir e civilizar o despotismo, isto é, darmos “polis” e “civitas” àqueles que continuam a não distinguir o Estado da casa, a confundir o governo político e civil com o governo doméstico, para utilizarmos as palavras de Montesquieu (José Adelino Maltez, Professor da Universidade Pública Portuguesa)

Por isso, transcrevo depoimento ontem publicado pelo semanário “O Diabo”: A expressão elite tanto pode ter uma conotação neutra, enquanto indivíduos ou grupos que ocupam as mais altas posições numa hierarquia social estratificada, como um sentido pejorativo, quando, com ela, quer significar-se um pequeno grupo de pessoas com um desproporcionado poder de influência sobre as decisões finais de um determinado grupo. Pode até ter um sentido positivo, quando com a expressão se entende um grupo de pessoas que possui melhores condições para o exercício de determinadas funções, nomeadamente pela educação recebida ou pelas capacidades demonstradas.

Neste último entendimento, a expressão tem a conotação de aristocracia, como o governo dos melhores, equivalendo à meritocracia e não ofendendo o princípio da igualdade, se existirem efectivas condições para o estabelecimento da igualdade de oportunidades.

Em Portugal, hoje, apenas temos, a nível da classe política, elites em sentido etimológico, isto é, apenas temos eleitos, não segundo a meritocracia que continuamos a não ter em sentido aristocrático, mas antes de acordo com outras degenerescências da procura dos melhores, dado que acaba por dominar a plutocracia.

Somos um laboratório que confirma Gaetano Mosca, que em Elementi di Scienza Politica, de 1896, elabora a sua conhecida teoria da classe política, salientando que tal como o poder político produziu a riqueza, assim a riqueza produz o poder, destacando a importância da força da inércia, essa tendência para se permanecer no ponto ou no estado em que nos encontramos. Entende, assim que o Estado de Direito foi precedido pelo Estado de Facto. Observa também que nas sociedades primitivas a qualidade que mais facilmente abre acesso à classe política ou dirigente é o valor militar… os mais bravos tornam‑se chefes. Tal facto tanto pode derivar de uma situação de conquista, como da passagem doestado venatório para o estado agrícola onde há duas classes, uma consagrada exclusivamente ao trabalho agrícola e outra à guerra.

Além da riqueza e do valor guerreiro, Mosca assinala outras formas de influência social: notoriedade, grande cultura, conhecimentos especializados, graus elevados nas hierarquias eclesiásticas, administrativas e militares, a aristocracia sacerdotal e burocrática e castas herditárias. Refere também que todas as classes políticas têm tendência para se tornarem de facto, senão de direito, hereditárias. Cita a propósito Mirabeau o qual considerava que para qualquer homem uma grande elevação na escala social produz uma crise que cura os males que tem e lhe cria outros que inicialmente não tinha.

Aliás, continuamos a considerar, como Mosca que, para evitarmos que a aristocracia degenere em oligarquia, importa apenas a intervenção do regulador estadual. Foi com base nestas teses que o próprio Mosca chegou a aderir ao fascismo, mas sem grandes convicções ideológicas quanto ao carácter messiânico da doutrina. Salienta mesmo que as sociedades não são dirigidas por classes sociais, mas por elites: as sociedades humanas não podem viver sem uma hierarquia. Acrescenta, contudo, que as hierarquias são dinâmicas: a história das sociedades humanas é, em grande parte, a história da sucessão das hierarquias. Desta forma elabora a chamada teoria da circulação das elites que influencia a tese de Evola sobre a degeneração das castas.

Para mim, continua a ser mais actual o nosso Oliveira Martins, o Joaquim Pedro, para quem com a monarquia liberal, surgiu uma classe separada, a família dos políticos. A família dos políticos, que entre si jogam a sorte do país, como os soldados jogavam a túnica de Cristo. E essa família dos políticos é o apanágio indispensável do sistema constitucional em todos os países como o nosso, atrasados, pobres e fracos. A política é um modo de vida de alguns; não é uma parcela da vida de todos… No seio do constitucionalismo via-se exactamente o mesmo que a Idade Média, com o seu feudalismo, apresentara. A sociedade dividida em bandos rivais e inimigos unidos em volta de um chefe, existia à mercê dos pactos, alianças e rivalidades dos barões. Contra o feliz, vencedor temporário, eram todos aliados, para se formarem combinações novas, assim que o ramo da vitória passasse a mãos diversas Nos séculos passados, contudo, não havia as mais das vezes por motivo declarado senão a ambição pessoal, ainda que não fosse raro ver-se, como agora, servirem “princípios” de capa aos despeitos e interesses. Nos séculos passados, os debates eram campanhas, e agora pretendia-se que fossem comícios e discussões e votos; mas como isso não bastava muitas vezes, logo se apelava para a “ultima ratio”, a revolta.

O dualismo elite-massas das teses de Pareto assenta nos conceitos de resíduos e derivações. Os resíduos são sentimentos persistentes dentro do comportamento social. São sentimentos, crenças e instintos que os racionalizam, como o instinto de combinações, a persistência dos agregados, a expressão dos sentimentos, a disciplina colectiva, a defesa individual, e os resíduos sexuais. As derivações são as ideias desenvolvidas para se justificarem os comportamentos sociais, os meios pelos quais as acções dos homens são explicadas e racionalizadas. Nos resíduos, há, por um lado, combinações, a mistura de símbolos antigos ou sentimentos tradicionais com usos modernos (v. g. as cores verdes e vermelhas dos semáforos) e, por outro, agregações persistentes, os resíduos em estado puro, sem qualquer combinação. As elites correspondem, em geral, a combinações. As massas, a agregações persistentes. Nestes termos, considera que as ideias, os valores e as convicções só aparentemente comandam a conduta humana, dado que a mesma depende desses impulsos fundamentais.

Em Portugal, onde muitos dos discursos sobre a necessidade das elites continua a ser cantarolado por velhos, novos e pós-fascistas, poucos lêem um Bachrach outros defensores da teoria elitista da democracia, segundo a qual a autodeterminação popular foi substituída pela competição entre elites, restando aos eleitores a escolha entre uma delas. Infelizmente, continua a faltar-nos um sistema aberto, impedindo que as elites convertam o seu poder em hereditário e admitindo o acesso ao sistema de novos grupos. Porque as elites estão dessiminadas por vários sectores (política, economia, educação, ciência, etc.), não conseguindo criar entre elas uma aliança unificada que evite esta fragmentação.

De certa maneira, voltámos à doença clássica da oligarquia que, citando Platão, é o governo das famílias ricas; a potencial guerra civil com os pobres, a cidade enferma em luta consigo mesmo; é uma forma de governo, onde o censo decide sobre a condição de cada cidadão; onde os ricos, por consequência, exercem o poder sem que os pobres nele participem… As pretensas elites que, como tal se assumem, deixaram de ser dos homens livres e passaram a ser instrumento da oligarquia e da plutocracia, fugindo à missão de servir o povo. Basta assinalarmos que a pior das corrupções que nos enreda é, precisamente, a dos pretensos intelectuais…

Jan 28

Tudo como dantes, quartel general no mais do mesmo

Assisto televisivamente à sessão de abertura do ano judicial. À sombra de um retrato de D. Maria II, a rainha que sofreu em Londres o escandaloso processo que a enlameou, juntamente com Costa Cabral, depois de fuga de informação da agência negra dos miguelistas no exílio, precedendo as presentes manobras pidescas e neo-inquisitoriais. Confirmo a grave crise de pensamento. Cada um dos grandes chefes dos operadores judiciários disse que a D. Maria da Culpa não estava casada com ninguém da respectiva família corporativa. E o supremo sacerdote da nossa religião civil atribuiu responsabililidade à má qualidade da legislação, reduzindo o direito a mera produção em linha do poder legislativo. Todos tiveram razões, mas nem todos juntos atingiram a razão complexa que necessitamos, a qual apenas precisa de uma agulha e de um furo no ovo.  Todo o sistema, no seu melhor, considerou a trapalhada como simples resultante de todo esse quadrilátero de forças. Por outras palavras, os assuntos judiciários e partidocráticos correm o risco de entrar na opinião pública sensacionalista, à boa maneira da discussão futeboleira do dia seguinte ao jogo. Por outras palavras, t udo como dantes, quartel general no mais do mesmo. Apenas comento com uma frase que, outrora emiti e que ontem recolhi de um site jurídico brasileiro: É difícil polir e civilizar o despotismo, isto é, darmos “polis” e “civitas” àqueles que continuam a não distinguir o Estado da casa, a confundir o governo político e civil com o governo doméstico, para utilizarmos as palavras de Montesquieu.  Por isso, transcrevo depoimento ontem publicado pelo semanário “O Diabo”: A expressão elite tanto pode ter uma conotação neutra, enquanto indivíduos ou grupos que ocupam as mais altas posições numa hierarquia social estratificada, como um sentido pejorativo, quando, com ela, quer significar-se um pequeno grupo de pessoas com um desproporcionado poder de influência sobre as decisões finais de um determinado grupo. Pode até ter um sentido positivo, quando com a expressão se entende um grupo de pessoas que possui melhores condições para o exercício de determinadas funções, nomeadamente pela educação recebida ou pelas capacidades demonstradas. Neste último entendimento, a expressão tem a conotação de aristocracia, como o governo dos melhores, equivalendo à meritocracia e não ofendendo o princípio da igualdade, se existirem efectivas condições para o estabelecimento da igualdade de oportunidades. Em Portugal, hoje, apenas temos, a nível da classe política, elites em sentido etimológico, isto é, apenas temos eleitos, não segundo a meritocracia que continuamos a não ter em sentido aristocrático, mas antes de acordo com outras degenerescências da procura dos melhores, dado que acaba por dominar a plutocracia. Em Portugal, onde muitos dos discursos sobre a necessidade das elites continua a ser cantarolado por velhos, novos e pós-fascistas, poucos lêem um Bachrach outros defensores da teoria elitista da democracia, segundo a qual a autodeterminação popular foi substituída pela competição entre elites, restando aos eleitores a escolha entre uma delas. Infelizmente, continua a faltar-nos um sistema aberto, impedindo que as elites convertam o seu poder em hereditário e admitindo o acesso ao sistema de novos grupos. Porque as elites estão dessiminadas por vários sectores (política, economia, educação, ciência, etc.), não conseguindo criar entre elas uma aliança unificada que evite esta fragmentação. De certa maneira, voltámos à doença clássica da oligarquia que, citando Platão, é o governo das famílias ricas; a potencial guerra civil com os pobres, a cidade enferma em luta consigo mesmo; é uma forma de governo, onde o censo decide sobre a condição de cada cidadão; onde os ricos, por consequência, exercem o poder sem que os pobres nele participem… As pretensas elites que, como tal se assumem, deixaram de ser dos homens livres e passaram a ser instrumento da oligarquia e da plutocracia, fugindo à missão de servir o povo. Basta assinalarmos que a pior das corrupções que nos enreda é, precisamente, a dos pretensos intelectuais…