O estado febril da sociedade tem-se agravado, apesar do campeonato das parangonas e no dia em que vai abrir uma televisão sensacionalista nos domínios da informação. Com a polícia de segurança armada em polícia de costumes, eis o belo estado de suprema hipocrisia a que chegámos. Não tanto pelo erro dos guardas quanto, sobretudo, pelo cala-te boca das ministerais figuras das pastas do interior e da cultura, talvez para não ficarem associadas a mais uma das anedotas do clássico policiesco da velha senhora que, ao contrário desta, gerava decretos com força de lei que admitiam o tique da devassa de Pina Manique. Apenas resta reconhecer a esquizofrenia deste Estado megalómano, que é grande demais para os pequenos problemas do quotidiano, onde um cabo de esquadra actua como se fosse, na rua da cidade, o “oikos despote” lá de seu lar ainda não sujeito à APAV. Um Estado com essa mania das grandezas que, contudo, é pequeno demais para a crise que nos envolve, sentindo-se plenamente impotente para os concretos desafios do nosso tempo. A desinstitucionalização em curso faz com que regressem os tradicionais compadres e comadres do país da classe político-jornalística, bancocurocrática, capitaleira e castífera, com muitos anjos, antes da queda, procurando tacho entre os capatazes e os feitores dos ricos. É natural que, a muitos, apetecesse o regresso ao regime das velhas medidas de segurança daquele Estado de Legalidade dobate primeiro, protesta depois. Dessa máquina trituradora de opositores, adversários e dissidentes, em nome dos superiores interesses da Razão de Estado, concentrando os monopólios da avaliação, da classificação de serviço, da definição técnica, da inquirição e do procedimento disciplinar. Porque os interesses profundos da pátria têm mais que fazer do que preocuparem-se com a mercearia dos direitos, liberdades e garantias. Aliás, os polícias, voltados sobre si mesmos, tal como muitos outros presidentes e directores, incluindo os que ainda restam como gerais ou regionais, voltados sobre o próprio umbigo aparelhístico, dirão, em desabafo íntimo, que esta não é a sua polícia, porque ainda não está adaptada ao grande programa informática do número único e do chip único. As cinzas regressam e enegrecem as campanhas, prosseguindo esta insensível derrocada do bom senso elevada ao ridículo, quando estão, sobretudo, a desabrochar as sementes daquela ditadura da incompetência que marca o fim da racionalidade normativa de uma legitimidade marcada pelas instituições da legalidade e da burocracia racionais, onde a competênciadeveria ser superior ao patrimonialismo da compra de poder e à lealdade neofeudal de outras legitimidades, desde a do sultão à do profeta, num tempo em que os heróis perderam o carisma e os reis já não são taumaturgos. É natural que, assim, a confiança pública saia manchada por estas sucessivas denúncias de compressão e condicionamento das liberdades de expressão de pensamento, dominadas pelo monopólio da palavra dos demiurgos. Eis as consequências da música celestial dos Praces e do ritmo de parecerística, “outsourcing”, subsidiocracia e desinstitucionalização, onde a única literatura de justificação do poder tem a ver com o cantarolar de uma abstracção importada, mas estranha à nossa índole, esses vermes de tecnocracia que inverteram a tradional autonomia dos grandes corpos do Estado. Nem as próprias universidades escaparam a este processo, usando a decadência do multitudinário neofeudalizado pelos instalados, a que chamavam gestão democrática das escolas e autonomia universitária. Os velhos donos do podercorporativo já se adaptaram à nova farpela e acrescentaram, ao anterior ritmo do negócio universitário, que chegou quase a ser dominado pelos colaboradores de Veiga Simão no Maputo, transformados em reitores de província, uma eficaz entrada no recrutamento dos homens de sucesso, a que chamam sociedade civil, pedindo aos restos da vida empresarial e bancária que lancem os novos esquemas do neocorporativismo, não faltando os sempiternos desfazedores do boneco, os tais que aplicam a teoria da conspiração dos avós e netos para desfazerem todos os esquemas institucionais que mantaram criaturas institucionais que já não obedeciam aos pretensos criadores. O poder corrompe, o poder enlouquece, o poder à solta corrompe absolutamente e enlouquece absolutamente, especialmente num país que já não sabe rir nem sorrir, perdido numa federação de endogamias e de pequenos quintais autárquicos, onde a personalização do poder dos micro-autoritarismos sub-estatais decreta quem pode ser o dissidente ou o opositor, criando mecanismos regulamentares que lhe comprimam a cidadania ou o sujeitem à processualização típica da velha persiganga. É pena que a quantidade de energia que gastamos nestas falsas mudanças fiquem para sempre naquela zona do desperdício a que os analistas de sistemas chamam lixo.
Monthly Archives: Fevereiro 2009
Conversa de Sócrates para os seus benjamins botões
Qual cimeira, qual carapuça, aquilo não dá horas e horas de tempo de antena, como vai ser no meu congresso, ainda por cima, quando o PCP e os bloquistas marcaram eventos para concorrerem comigo e me roubarem palanques, como, aliás, eu fiz quando ocupei o horário no dia do congresso do CDS, ao fazer uma conferência de imprensa anunciando a moção de estratégia que me obriga a ter que receber mais de noventa por cento dos votos dos militantes do partido? Eles não sabem que as parangonas vão, as parangonas voltam e ai de mim se temesse o novo canal da TVI.
Claro que a cimeira da União Europeia não tem interresse nenhum. Ela é como a pescada, a tal que antes de o ser já o era, pois os nossos colegas europeus, membros do G20, já prepararam tudo e, desta vez, não recebi prévios telefonemas do Sarkó, da Bruni, ou do Durão, só o Zapatero é que comunicou comigo em basco, por causa do convite que dizem que fiz ao venezuelano, perguntando quando é que este pedaço da jangada de pedra vai iniciar a sua viagem à deriva em circum-navegação, como o Fernão que morreu assassinado à vista da costa das … Filipinas. Claro que esta Europa sempre foi aquilo que eu temi, uma chatice, com reuniões de muito inglês técnico, onde é bem melhor sermos representados pelo Amado, pelo Cravinho e pelo dos Santos, o Teixeira, não o Eduardo dos Santos nem o da Teixeira Duarte, o tal que foi da CNVM e substituiu o Luís Campos e Cunha.
Vou mas é para junto da minha gente. Essa compreende-me, sei comunicar-lhe os sonhos, eles batem palmas, olham-me olhos nos olhos e mandam-me para a frente. Não, eu não sou como essa senhora que anda à procura da verdade, mas ainda não leu o Bernstein nem a Fenomenologia do Ser de Sartre, tal como aquele que disse que a “Utopia” era do Thomas Mann, o primo do Chopin que compôs alguns dos fados da Amália. Desta vou mesmo virar para os Canhotos, para evitar a sangria que me fizeram aqueles rapazes do Bloco de Esquerda, quando deixaram de ser o partido dos directores-gerais, como o António, o Guterres, ainda conseguiu ter a ilusão de fazer…
Eis o discurso imaginado com que Sócrates fala para os respectivos benjamins botões, porque já disse quase tudo ao “Meia Hora”: “Vai ser um exercício de palanque de José Sócrates. Uma
apoteose”. Porque “todos os partidos transformam os congressos em tempo de antena”, mas no caso do PS – e numa altura em que o partido mais parece ser de ‘one man show’ – as duas moções que estarão em debate além da “Força da Mudança” de Sócrate “passam completamente para segundo plano”.
Já ontem tinha observado ao “Jornal de Negócios” que “o Estado é pequeno demais para resolver os problemas da crise. Mas vamos vendo um primeiro-ministro inundar o País com dinheiro que não tem, e a oposição a discutir a casca da árvore sem ver a floresta”. Assim, “os confrontos parlamentares parecem um debate entre comentadores e não entre forças políticas”. São “debates esquizofrénicos, para a demagogia e de pormenor”. Mas sem que a imagem do Parlamento seja “pior do que a imagem do Governo ou da Justiça”, dado que vivemos um problema de “infuncionalidade das instituições”.
O poder corrompe, o poder enlouquece, o poder à solta corrompe absolutamente e enlouquece absolutamente
O estado febril da sociedade tem-se agravado, apesar do campeonato das parangonas e no dia em que vai abrir uma televisão sensacionalista nos domínios da informação. Com a polícia de segurança armada em polícia de costumes, eis o belo estado de suprema hipocrisia a que chegámos. Não tanto pelo erro dos guardas quanto, sobretudo, pelo cala-te boca das ministerais figuras das pastas do interior e da cultura, talvez para não ficarem associadas a mais uma das anedotas do clássico policiesco da velha senhora que, ao contrário desta, gerava decretos com força de lei que admitiam o tique da devassa de Pina Manique. Apenas resta reconhecer a esquizofrenia deste Estado megalómano, que é grande demais para os pequenos problemas do quotidiano, onde um cabo de esquadra actua como se fosse, na rua da cidade, o “oikos despote” lá de seu lar ainda não sujeito à APAV. Um Estado com essa mania das grandezas que, contudo, é pequeno demais para a crise que nos envolve, sentindo-se plenamente impotente para os concretos desafios do nosso tempo.
A desinstitucionalização em curso faz com que regressem os tradicionais compadres e comadres do país da classe político-jornalística, bancocurocrática, capitaleira e castífera, com muitos anjos, antes da queda, procurando tacho entre os capatazes e os feitores dos ricos. É natural que, a muitos, apetecesse o regresso ao regime das velhas medidas de segurança daquele Estado de Legalidade do bate primeiro, protesta depois. Dessa máquina trituradora de opositores, adversários e dissidentes, em nome dos superiores interesses da Razão de Estado, concentrando os monopólios da avaliação, da classificação de serviço, da definição técnica, da inquirição e do procedimento disciplinar. Porque os interesses profundos da pátria têm mais que fazer do que preocuparem-se com a mercearia dos direitos, liberdades e garantias. Aliás, os polícias, voltados sobre si mesmos, tal como muitos outros presidentes e directores, incluindo os que ainda restam como gerais ou regionais, voltados sobre o próprio umbigo aparelhístico, dirão, em desabafo íntimo, que esta não é a sua polícia, porque ainda não está adaptada ao grande programa informática do número único e do chip único.
As cinzas regressam e enegrecem as campanhas, prosseguindo esta insensível derrocada do bom senso elevada ao ridículo, quando estão, sobretudo, a desabrochar as sementes daquela ditadura da incompetência que marca o fim da racionalidade normativa de uma legitimidade marcada pelas instituições da legalidade e da burocracia racionais, onde a competência deveria ser superior ao patrimonialismo da compra do poder e à lealdade neofeudal de outras legitimidades, desde a do sultão à do profeta, num tempo em que os heróis perderam o carisma e os reis já não são taumaturgos. É natural que, assim, a confiança pública saia manchada por estas sucessivas denúncias de compressão e condicionamento das liberdades de expressão de pensamento, dominadas pelo monopólio da palavra dos demiurgos.
Eis as consequências da música celestial dos Praces e do ritmo de parecerística, “outsourcing”, subsidiocracia e desinstitucionalização, onde a única literatura de justificação do poder tem a ver com o cantarolar de uma abstracção importada, mas estranha à nossa índole, esses vermes de tecnocracia que inverteram a tradional autonomia dos grandes corpos do Estado.
Nem as próprias universidades escaparam a este processo, usando a decadência do multitudinário neofeudalizado pelos instalados, a que chamavam gestão democrática das escolas e autonomia universitária. Os velhos donos do poder corporativo já se adaptaram à nova farpela e acrescentaram, ao anterior ritmo do negócio universitário, que chegou quase a ser dominado pelos colaboradores de Veiga Simão no Maputo, transformados em reitores de província, uma eficaz entrada no recrutamento dos homens de sucesso, a que chamam sociedade civil, pedindo aos restos da vida empresarial e bancária que lancem os novos esquemas do neocorporativismo, não faltando os sempiternos desfazedores do boneco, os tais que aplicam a teoria da conspiração dos avós e netos para desfazerem todos os esquemas institucionais que mantaram criaturas institucionais que já não obedeciam aos pretensos criadores.
O poder corrompe, o poder enlouquece, o poder à solta corrompe absolutamente e enlouquece absolutamente, especialmente num país que já não sabe rir nem sorrir, perdido numa federação de endogamias e de pequenos quintais autárquicos, onde a personalização do poder dos micro-autoritarismos sub-estatais decreta quem pode ser o dissidente ou o opositor, criando mecanismos regulamentares que lhe comprimam a cidadania ou o sujeitem à processualização típica da velha persiganga. É pena que a quantidade de energia que gastamos nestas falsas mudanças fiquem para sempre naquela zona do desperdício a que os analistas de sistemas chamam lixo.
Limões insinuantes e Europa amaralizada pela hierarquia das potências
Quarta-feira de cinzas, governo de Sócrates, pintura de Courbet em Braga, com conteúdo pornográfico, autocolantes que recobriam o “Magalhães” quase proibidos em Torres Vedras, Director-Geral de Educação do Norte, a do Charrua, dando muitas no cravo e outras tantas na ferradura… apenas aguardo artigo radical da Fernanda Câncio pondo na ordem esta desordem, de polícias e magistrados movidos por denunciações, para que o Rui Pereira, a Maria de Lurdes Rodrigues e o Alberto Costa continuem a assobiar o choque tecnológico das novíssimas fronteiras. Porque assim, o Freeport deixa as parangonas e ninguém parece disposto a pensar e discutir a destruição da Europa que alguns membros europeus do G20 levaram a cabo, preparando previamente as decisões que irão ser propostas às cimeiras da União Europeia e do mesmo G20. Porreiro, pá!
É por isso que apoio a atitude que o ministro dos negócios estrangeiros de Portugal, Luís Amado, ontem esboçou timidamente. Ai da Europa, se persistir esta lógica de Congresso de Viena, com as potências a comandarem um pelotão de médios e pequenos Estados, porque o realismo impõe que a crise internacional seja apenas superada pelos grande, os tais vinte que abocanharam mais de 90% do produto planetário! Somos todos iguais, as duas centenas de Estados membros da ONU, mas há alguns mais iguais do que outros, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Somos todos iguais nessa “animal farm” chamada União Europeia, mas há meia dúzia que vão às reuniões preparatórias do G20. Os outros, que, sem ser por acaso, são a maioria, apenas são figuras secundárias nesta quinta dos animais com poder, onde os Estados se medem pela força da economia.
Os médios e pequenos Estados apenas servem para o teatro das cimeiras e para os espectáculos do Tratado do Mar da Palha, com muitos porreiros e muitos pás, de feitores e mestres de cerimónias. E, depois, os anti-europeístas somos nós, os que invocam a ideia de Europa dos pais-fundadores, os que continuam a estar contra este neofeudalismo de uma espécie de anarquia ordenada pelas potências directoras.
Vale-nos que Sócrates vai convidar Diogo, o Freitas, amaralíssimo, para encabeçar a lista dos socialistas e a seccção portuguesa do Partido Socialista Europeu. Consta que o mesmo corpo, de costas espatifadas por um problema de espinha, já foi presidente da União Europeia da Democracia-Cristã e, ainda há anos, invocava o privilégio de ser o único português que era sócio individual do Partido Popular Europeu, o tal rival do PSE, agora integrado pelo PSD e pelo CDS de Portas. Tenho a honra de nunca militar em qualquer partido que ele dirigiu. Num deles, entrei quando ele saiu e tratei logo de sair quando ele voltou para resolver um problema de dívidas de uma campanha presidencial.
Para portugueses atentos, este candidato a Talleyrand, é, aliás, igual a outros antecessores dele no Largo do Caldas, especialistas na filosofia da traição, como um deles foi qualificado categorialmente por Marcello Caetano. O tal que continua a ser considerado paradigma, por causa da constante conspiração de avós e netos, de que se vangloria. A hipótese que agora se coloca não desprestigia o PS, que já elevou o primeiro a ministro dos estrangeiros. Apenas liquida a direita a que chegámos, comprovando a ligeireza com que o PSE e o PPE tratam as secções nacionais portuguesas de tais multinacionais partidárias. Não passamos de terra de porreiros e pás, onde, nas elites, anundam candidatos a capatazes e feitores de um qualquer dono de poder alienígena.
Por isso, continuo a sorrir com a demagogia de soberanismo keynesiano que inunda o nosso discurso oficial face à crise. Até vi um ministro denunciar os alemães por causa da Qimonda, que cá o Estado do Zé estava disposto a abrir os cordões à bolsa do orçamento, como se o Estado do Marquês de Pombal, de Fontes Pereira de Melo, de Salazar ou de Cavaco Silva ainda existisse. Não passamos de potência secundária, com uma classe política que não sabe quem foi Febo Moniz e chama doidinhos a D. António Prior do Crato e ao Manuelinho. Há muitos candidatos a “ministros do reino por vontade estranha”. Eu continuo a ler Bandarra.
Por isso, há sempre uma directora-regional do norte, um denunciante da pornografia do Carnaval, ou uma polícia que apreende Courbet, repetindo as anedotas que contávamos sobre o autoritarismo salazarento. Como há outros tiques do micro-autoritarismo sub-estatal, enquanto os tais ministros lavam as mãos como Pilatos. Aliás, os crimes de corrupção começam a poder entrar na contabilidade dos corruptores, porque, conforme já foi provado na barra dos tribunais, se alguém tentar comprar alguém com duzentos mil pode ser apenas condenado a multa de uns meros cinco mil…
PS: Acabei de enviar uma denúncia à polícia sobre a exposição desta imagem da capa de um livrinho que continha um qualquer canto nono. Espero que o Ministério da Agricultura actue de imediato contra a insinuação de um tal Luís Vaz!
Limões insinuantes e Europa amaralizada pela hierarquia das potências
Ai da Europa, se persistir esta lógica de Congresso de Viena, com as potências a comandarem um pelotão de médios e pequenos Estados, porque o realismo impõe que a crise internacional seja apenas superada pelos grande, os tais vinte que abocanharam mais de 90% do produto planetário! Somos todos iguais, as duas centenas de Estados membros da ONU, mas há alguns mais iguais do que outros, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Somos todos iguais nessa “animal farm” chamada União Europeia, mas há meia dúzia que vão às reuniões preparatórias do G20. Os outros, que, sem ser por acaso, são a maioria, apenas são figuras secundárias nesta quinta dos animais com poder, onde os Estados se medem pela força da economia. Os médios e pequenos Estados apenas servem para o teatro das cimeiras e para os espectáculos do Tratado do Mar da Palha, com muitos porreiros e muitos pás, de feitores e mestres de cerimónias. E, depois, os anti-europeístas somos nós, os que invocam a ideia de Europa dos pais-fundadores, os que continuam a estar contra este neofeudalismo de uma espécie de anarquia ordenada pelas potências directoras. Consta que o mesmo corpo, de costas espatifadas por um problema de espinha, já foi presidente da União Europeia da Democracia-Cristã e, ainda há anos, invocava o privilégio de ser o único português que era sócio individual do Partido Popular Europeu, o tal rival do PSE, agora integrado pelo PSD e pelo CDS de Portas. Tenho a honra de nunca militar em qualquer partido que ele dirigiu. Num deles, entrei quando ele saiu e tratei logo de sair quando ele voltou para resolver um problema de dívidas de uma campanha presidencial. Para portugueses atentos, este candidato a Talleyrand, é, aliás, igual a outros antecessores dele no Largo do Caldas, especialistas na filosofia da traição, como um deles foi qualificado categorialmente por Marcello Caetano. O tal que continua a ser considerado paradigma, por causa da constante conspiração de avós e netos, de que se vangloria. A hipótese que agora se coloca não desprestigia o PS, que já elevou o primeiro a ministro dos estrangeiros. Apenas liquida a direita a que chegámos, comprovando a ligeireza com que o PSE e o PPE tratam as secções nacionais portuguesas de tais multinacionais partidárias. Não passamos de terra de porreiros e pás, onde, nas elites, anundam candidatos a capatazes e feitores de um qualquer dono de poder alienígena. Por isso, continuo a sorrir com a demagogia de soberanismo Keynesiano que inunda o nosso discurso oficial face à crise. Até vi um ministro denunciar os alemães por causa da Qimonda, que cá o Estado do Zé estava disposto a abrir os cordões à bolsa do orçamento, como se o Estado do Marquês de Pombal, de Fontes Pereira de Melo, de Salazar ou de Cavaco Silva ainda existisse. Não passamos de potência secundária, com uma classe política que não sabe quem foi Febo Moniz e chama doidinhos a D. António Prior do Crato e ao Manuelinho. Há muitos candidatos a “ministros do reino por vontade estranha”. Eu continuo a ler Bandarra. Por isso, há sempre uma directora-regional do norte, um denunciante da pornografia do Carnaval, ou uma polícia que apreende Courbet, repetindo as anedotas que contávamos sobre o autoritarismo salazarento. Como há outros tiques do micro-autoritarismo sub-estatal, enquanto os tais ministros lavam as mãos como Pilatos. Aliás, os crimes de corrupção começam a poder entrar na contabilidade dos corruptores, porque, conforme já foi provado na barra dos tribunais, se alguém tentar comprar alguém com duzentos mil pode ser apenas condenado a multa de uns meros cinco mil…
Diz-me que inimigo escolhes e eu dir-te-ei quem és… ou as teorias da conspiração que são literatura de justificação
Confesso que sou céptico demais para me bastarem as explicações universais de alguma literatura de justificação, a que muitos dão o nome de teorias da conspiração. Vivo num aqui e agora de quatrocentos anos de inquisição, com persigangas, fogueiras, bufos e dissimulações, restauradas por sucessivas viradeiras, a última das quais se vestiu de salazarismo, soma de inquisidores de gabinete e sacristia com o policiesco torturador de Pina Manique, onde dezenas de milhares de moscas viviam da denúncia anónima, em nome da luta de invejas, a mesma que o PREC restaurou sob a forma de saneamentos, pedindo ao aparelho de poder para excluir da cidadania o vizinho, o colega ou o parente. Hoje, vestidos com a verniz da democracia, mudámos o aspecto do bufo e instrumentalizámos o aparelho de poder, sobretudo a nível da espionite e da processualização.
É evidente que acredito em conspirações e que posso identificar algumas do Portugal Contemporâneo. A de 24 de Agosto de 1820, promovida pelo Sinédrio. A da Maria da Fonte e da Patuleia que só frutificaram com a Regeneração de 1851. A de 1910, com base nos Jovens Turcos e na Carbonária. A do dezembrismo sidonista de 1917, com os subsídios do latifundiário alentejano do Partido Unionista, avô de um antigo deputado europeu da actualidade. A do 28 de Maio de 1926 que meteu um conspirador de 1910, acabando usurpada pela ditadura das finanças e das forças vivas. A do 25 de Abril de 1974 que foi mobilizada pelo movimento dos chamados capitães.
É evidente que, para cada conspiração triunfante, houve, em média, cerca de cinco conspirações falhadas por década. E que alguns desses movimentos levaram a magnicídios, transformando-nos num dos países do mundo que, no século XX, mais matou figuras cimeiras do Estado: o regicídio de 1908; o presidenticídio de 1918; a Noite Sangrenta de 1921; o assassinato do chefe da oposição, Delgado; o acidente/atentado de Camarate. Para não falarmos do envenenamento de D. João VI em 1826.
Em quase todos estes casos, sabemos quem matou, mas, no fim dos processos, nunca as polícias e os magistrados determinaram quem mandou matar. Por outras palavras, fica um vasto espaço para cada um elaborar a teoria da conspiração conveniente, sempre que as polícias e os tribunais se mostram impotentes para a descoberta da verdade. Podemos escolher o fantasma ou preconceito que melhor se adequa à nossa crença, atirando para cima de maçons, jesuítas, comunistas ou fascistas, ao estilo daquilo que se diz da morte de D. João VI em 1826, onde foi confirmado o enevenamento mais de um século depois. Os liberais dizem que foi o cozinheiro, miguelista; os reaccionários, que foi o médico, maçon e liberal. O resto é sinarquia, campanhas negras, cabala, hidras disto e daquilo, não faltando os que voltam a ler a conspiração dos sábios do Sião ou a manobra do capitalismo internacional.
Hoje, é Freeport, Casa Pia e Apito, o prefeito emérito da Congregação da Causa dos Santos, o grupo de pressão LGT e, sobretudo, o sindicato eterno do elogio mútuo. Fica a explicação conveniente para cada um: a campanha negra contra Sócrates; a cabala contra o PS; o anticomunismo primário; a doença infantil do esquerdismo; a antinação; os revisas; os fachos; as pinoquídas dos jotas e dos jornais partidários; as denúncias da espionite pidesca com periscópio de fora. Por mim, só sei que nada sei. Mas que a hidra da corrupção leva a que o crime compense, não tenho dúvidas. Não acredito em teorias da conspiração, mas que as há, as há. O mundo da razão de Estado e da compra do poder continua a mover-se. E sorrio com estas volutas de uma crise mental. Diz-me que inimigo escolhes e eu dir-te-ei quem és…
PS: São recordações escritas de uma intervenção minha no Rádio Clube Português, ontem.
Contra o Leviathan soberanista, pela necessidade de um Estado de Direito Universal
Uma das mais curiosas teorias da conspiração tem a ver com a literatura de certo socialismo, verbalmente anticapitalista, quando reduz o respectivo sonho ao aumento quantitativo do intervencionismo estadualista, dos Estados a que chegámos, esses que são pequenos demais para os presentes grandes problemas do mundo, mas que continuam a ser grandes demais para asfixiarem a imaginação e a criatividade das pessoas concretas e das autonomias grupais que estas podem gerar pelo princípio da simpatia, teorizado por mestre Adam Smith. Nem sequer repara que o Estado e o Mercado são filhos da mesma encruzilhada teórica, essa alavanca da chamada modernidade que foi expressa pelo “Leviathan” de Thomas Hobbes, o filósofo que preparou a conquista do poder por uma burguesia que precisava de tal ideologia para romper com a anterior sacralização do poder, pondo numa mão o báculo e na outra, a espada, mas confundindo os dois braços no cacete do proibicionismo.
É evidente que, aqui e agora, mesmo em plena crise, eu continuo adepto do capitalismo e da ética demoliberal que lhe está na base, não encontrando nas palavras do cardeal D. Saraiva Martins a razão que leva o presente modelo de socialismo menos, no poder em Portugal, a assumir o essencial da herança antiliberal de Salazar, dessa economia privada de cunhas neofeudais, à espera do proteccionismo, que não quer uma real economia de mercado. Por outras palavras, continuo a subscrever Hayek e a querer denunciar a presente cedência ao caminho para a servidão, nomeadamente pelo regresso a formas de legitimidade anti-racionais-normativas, nomeadamente ao patrimonialismo dos donos do poder.
Só com melhor política e mais autonomia da sociedade e dos indivíduos é que poderemos superar a presente crise. Porque não foram os socialistas que venceram os desafios da velha questão social, que lançaram os fundamentos do “New Deal”, ou do “Welfare State”. Foram os neoliberais, os neo-democristãos e os neo-socialistas desses tempos dos pós-guerras que passaram, os tais que lançaram os modelos do capitalismo democrático que nos deu mais riqueza e mais justiça.
Só que não é o velho Estado soberanista de Hobbes, ou a macromonetarice de Keynes e Cavaco que poderão apontar rumos para a presente falência de justiça e de liberdade. A presente crise, se é global, exige a instauração de um político que também seja global. Por outras palavras, só a emergência de um Estado de Direito universal, daquilo que Kant chamava direito cosmopolítico e república universal, poderá evitar o regresso ao proteccionismo dos Estados lobos dos Estados, desses Estados-bolas-de-bilhar, em perpétuo movimento. Só a emergência de formas de “civitas maxima”, “civitas humana” ou de “sociedade das nações” nos poderão fazer renascer a esperança.
Confesso que continuo liberal e adepto do capitalismo. Em nome da experiência e da esperança. O que tem falhado é uma Europa activa, supranacional e supra-estatal, e não esta colectânea de falhadas cimeiras que não conseguem acompanhar o desafio lançado pelo neo-isolacionismo em que podem cair as medidas proteccionistas de Obama. O que não existe é uma efectiva Organização Mundial de Comércio Justo e reais regras universais, com segmentos de intervencionismo global. Restaurar o Estado salazarista em nome do socialismo é uma tolice de pequeno Estado que quer ser Estado Secundário, numa balança da Europa comandada por restauradas potências de Talleyrand, num neofeudalismo que beneficiará os grandes, mas condenará os pequenos e médios Estados ao falhanço do inviável, ou à mão estendida.
Um verdadeiro liberal tem que voltar a defender Kant, Ropke (na imagem) ou Rawls e assumir o projecto dos pais-fundadores do projecto europeu, subscrevendo o sonho de Wilson de um capitalismo universal e de um demoliberalismo com regras e segmentos de justiça, através de pequenos passos para uma efectiva República Universal que não seja utopia de amanhãs que cantam. É este o regresso ao Estado que advogamos, sem a megalomania socialista do Portugal dos pequenitos com a mania das grandezas, esse que vai acabar por ser governado pela pilotagem automática dos agentes do FMI, do Banco Mundial ou do “spread”… Por outras palavras, se a geoeconomia não puser a especulação da geofinança na ordem, não há trabalho e procura da riqueza para um mundo melhor que resistam em igualdade de oportunidades e meritocracia!
Contra o Leviathan soberanista, pela necessidade de um Estado de Direito Universal
Uma das mais curiosas teorias da conspiração tem a ver com a literatura de certo socialismo, verbalmente anticapitalista, quando reduz o respectivo sonho ao aumento quantitativo do intervencionismo estadualista, dos Estados a que chegámos, esses que são pequenos demais para os presentes grandes problemas do mundo, mas que continuam a ser grandes demais para asfixiarem a imaginação e a criatividade das pessoas concretas e das autonomias grupais que estas podem gerar pelo princípio da simpatia, teorizado por mestre Adam Smith. Nem sequer repara que o Estado e o Mercado são filhos da mesma encruzilhada teórica, essa alavanca da chamada modernidade que foi expressa pelo “Leviathan” de Thomas Hobbes, o filósofo que preparou a conquista do poder por uma burguesia que precisava de tal ideologia para romper com a anterior sacralização do poder, pondo numa mão o báculo e na outra, a espada, mas confundindo os dois braços no cacete do proibicionismo. É evidente que, aqui e agora, mesmo em plena crise, eu continuo adepto do capitalismo e da ética demoliberal que lhe está na base, não encontrando nas palavras do cardeal D. Saraiva Martins a razão que leva o presente modelo de socialismo menos, no poder em Portugal, a assumir o essencial da herança antiliberal de Salazar , dessa economia privada de cunhas neofeudais, à espera do proteccionismo, que não quer uma real economia de mercado. Por outras palavras, continuo a subscrever Hayek e a querer denunciar a presente cedência ao caminho para a servidão, nomeadamente pelo regresso a formas de legitimidade anti-racionais-normativas, nomeadamente ao patrimonialismo dos donos do poder. Só com melhor política e mais autonomia da sociedade e dos indivíduos é que poderemos superar a presente crise. Porque não foram os socialistas que venceram os desafios da velha questão social, que lançaram os fundamentos do “New Deal”, ou do “Welfare State”. Foram os neoliberais, os neo-democristãos e os neo-socialistas desses tempos dos pós-guerras que passaram, os tais que lançaram os modelos do capitalismo democrático que nos deu mais riqueza e mais justiça. Só que não é o velho Estado soberanista de Hobbes, ou a macromonetarice de Keynes e Cavaco que poderão apontar rumos para a presente falência de justiça e de liberdade. A presente crise, se é global, exige a instauração de um político que também seja global. Por outras palavras, só a emergência de um Estado de Direito universal, daquilo que Kant chamava direito cosmopolítico e república universal, poderá evitar o regresso ao proteccionismo dos Estados lobos dos Estados, desses Estados-bolas-de-bilhar, em perpétuo movimento. Só a emergência de formas de “civitas maxima”, “civitas humana” ou de “sociedade das nações” nos poderão fazer renascer a esperança. Confesso que continuo liberal e adepto do capitalismo. Em nome da experiência e da esperança. O que tem falhado é uma Europa activa, supranacional e supra-estatal, e não esta colectânea de falhadas cimeiras que não conseguem acompanhar o desafio lançado pelo neo-isolacionismo em que podem cair as medidas proteccionistas de Obama. O que não existe é uma efectiva Organização Mundial de Comércio Justo e reais regras universais, com segmentos de intervencionismo global. Restaurar o Estado salazarista em nome do socialismo é uma tolice de pequeno Estado que quer ser Estado Secundário, numa balança da Europacomandada por restauradas potências de Talleyrand, num neofeudalismo que beneficiará os grandes, mas condenará os pequenos e médios Estados ao falhanço do inviável, ou à mão estendida. Um verdadeiro liberal tem que voltar a defender Kant, Ropke (na imagem) ou Rawls e assumir o projecto dos pais-fundadores do projecto europeu, subscrevendo o sonho de Wilson de um capitalismo universal e de um demoliberalismo com regras e segmentos de justiça, através de pequenos passos para uma efectiva República Universal que não seja utopia de amanhãs que cantam. É este o regresso ao Estado que advogamos, sem a megalomania socialista do Portugal dos pequenitos com a mania das grandezas, esse que vai acabar por ser governado pela pilotagem automática dos agentes do FMI, do Banco Mundial ou do “spread”… Por outras palavras, se a geoeconomia não puser a especulação da geofinança na ordem, não há trabalho e procura da riqueza para um mundo melhor que resistam em igualdade de oportunidades e meritocracia!
Um pouco de metapolítica em dia de revolta, onde a poesia volta a ser mais verdadeira do que a história
Basta um pequeno sinal de caos para que, perdendo o eixo, o mundo se desordene e que, por mim dentro, se diluam as sementes de revolta. E quando, perante um qualquer pequeno nada, temos a sensação de um qualquer vazio, todo o mundo parece desabar, e, perdidos na encruzilhada, voltamos ao próprio princípio que sempre foi o verbo, a palavra, o discurso, o texto, o razoar primordial que nos deu “logos”, ética da responsabilidade e ética da convicção, da razão inteira, não apenas finalística, mas também axiológica. Essa causalidade múltipla que nos leva à procura da perfeição, em busca de quem somos, porque é por dentro das coisas que as coisas realmente são.
Tudo porque me pediram para ficcionar como será o mundo depois de eu já cá não estar, no ano de 2050 depois de Cristo. Sem qualquer cedência ao cientificismo, chame-se futurologia ou prospectiva, começo por imaginar que a própria medida do tempo pode já não ter como marco esse messias, justamente maioritário, aqui e agora.
Porque outro o pode superar em plenitude e vulgatas, com a emergência de novas aparições, ou com eventuais encontros com extraterrestres, se a escatologia e a ciência o permitirem.
Mas talvez ainda permaneçam homens de boa vontade que sejam homens livres, se o conceito individualista, nascido das luzes do Mediterrâneo, berço do estoicismo, do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, resistir, face aos totalitarismos grupais e aos respectivos fundamentalismos.
Por mim, julgo que deixará de haver esta ficção de declararmos hipocritamente a existência de uma democracia universal, apenas permanecendo algumas democracias, as que ascenderam ao universal pela diferença, assentando no “small is beautiful” da velha “polis” e dos reinos medievais, donde veio o conceito romântico de nação, sempre em conflito com a herança absolutista da estadualidade.
Embora a esperança de uma paz perpétua, à Kant, com a sua ideia de Estado de Direito universal, ainda possa permanecer nalgumas instituições, desde a herdeira da Sociedade das Nações à união europeia, julgo que continuará a ser projecto a procura da realização do sonho dos homens de boa vontade, tentando juntar, contra a intolerância, os humanismos, cristãos e laicos, os que nos deram a revolução atlântica demoliberal, da revolução inglesa à revolução norte-americana.
Se não imagino uma utopia dos “amanhãs que cantam”, à procura de uma dessas revoluções de terror, que encontrem o totalitarismo de um qualquer aparelho de poder pretensamente iluminado, nem por isso deixo de assumir a esperança, vislumbrando as sementes de bem e de mundo melhor que a humanidade tem acolhido.
Em 2050, quando os meus netos forem pais e avós, julgo que eles estarão em convalescença, depois de terem sofrido novas investidas dos velhos cavaleiros do apocalipse, como novas fomes, novas pestes e novas guerras, e com os consequentes rastos de autoritarismos e totalitarismos, os tais sintomas das causas que costumam acompanhar essas degenerescências.
Isto é, acredito que, depois de inevitáveis quedas, os homens concretos e o homem de sempre estarão, mais uma vez, a levantar-se, com novas frases que pensam salvar a humanidade, mas ainda sem conseguirem a salvação do mundo, essa procura da perfeição que marca sempre o homem imperfeito.
Continuará por fazer a obra da “política” que, desde Péricles, sempre teve como sinónimo a “democracia”, mesmo que tivesse, ou venha a ter, um novo nome. Por isso, os meus filhos e os meus neto continuarão a ler Platão, Cristo, Buda, Confúcio, Maomé e Rousseau, bem como um desses pensadores de hoje que deconheço, mas que, de certeza, já escreveu a nova inspiração do amanhã.
Porque não são os teóricos do processo histórico que fazem o homem. Será o homem a fazer a história, mas sem saber que história irá fazer. Porque ela não é causa, mas consequência. Depende das acções dos homens e não das respectivas intenções e planeamentos. Por outras palavras, continuaremos a dizer que a poesia é mais verdadeira do que a história…
Quando predominam os bonzos, endireitas e canhotos, é inevitável que floresça a ditadura da incompetência
Há coisas que, de vez em quando, entram dentro de mim pela coincidência, pela experiência, pelo acaso. Coisas que já conhecia há muito e que fui calando, por recato, por segredo de justiça, por zelo profissional ou por simples recato. Há meses que conhecia em pormenor uma das mais recentes parangonas, mas por razões morais e patrióticas, comuniquei a quem não soube actuar devidamente antes da nuvem se transformar em tempestade. Um dos conhecidos políticos que faz primeiras páginas quase todos os dias, além de ser meu contemporâneo na faculdade, nasceu no mesmo dia e ano deste escrevente. E bem poderia determinar outras primeiras páginas se as regras do processo e do Estado de Direito não me aconselhassem ao silêncio.
Por outras palavras, entre a República Portuguesa e o último país onde vivi, os sinais de corrupção são directamente proporcionais aos de Estado falhado. Bastaria ter ouvido, noutro dia, o professor Daniel Bessa anunciando a chegada de um controleiro financeiro internacional, à semelhança do do FMI que obrigou ao governo PS/ CDS, com Vítor Constâncio nas finanças. Nada de confusões: Paulo Portas ainda andava pelo PPD, Manuel Ferreira Leite ainda não se tunha inscrito no partido de que agora é líder e Sócrates andava a estudar engenharia.
De qualquer maneira, quando olho para esta Europa, feita confederação do egoísmo de grandes potências, onde só os pequenos e médios Estados é que estão condenados ao cumprimento das regras emitidas pelas cimeiras, que saudades eu tenho daqueles pais-fundadores que tinham uma ideia de Europa e daqueles comissários que se assumiam como Jacques Delors. Porque, nesta encruzilhada, primeiro, estão os complexos bancoburocráticas de cada um desses Estados e só depois vem a retórica europeísta, numa altura em que outros grandes espaços vão executando programas anticrise.
Quem se desleixou com a fuga de informação sobre as listas nominativas de espiões não deve ter reparado quanto custou ao contribuinte a formação em confidencialidade de cada uma dessas unidades directivas. São milhões de euros desmantelados pelo modelo do senhor ninguém a que chamamos burocracia e regulamentarismo, no sobe e desce do passa-culpas, sintoma de um mal maior que a de um aparelho de poder totalmente insensível à urgente cultura de defesa nacional e de sentido de Estado de Direito. É, sobretudo, um aparelho de Estado que não é marcado pela legitimidade racional, da racional-normativa à racional-axiológica, onde a ética da responsabilidade deve, todos os dias, ser corrigida pela ética da convicção.
Não se estranhe, portanto, que em vez da legitimidade racional predominem os sucedâneos de legitimidade carismática e de legitimidade tradicional, acabando por funcionar o patrimonialismo neofeudal da cunha, da partidocracia e do clientelismo, terrenos favoráveis ao desenvolvimento da chamada compra do poder, mais conhecida por corrupção. Quando predominam os bonzos, endireitas e canhotos, é inevitável que floresça a ditadura da incompetência.