Com a fragmentação partidária de Israel equivalente à de Timor Leste, onde, face a coligações pós-eleitoral, quem aritmeticamente ganhou, em termos relativos, pode ir para a oposição, os partidos lusitanos fazem contabilidade de meros cenários, com o situacionismo a utilizar a técnica do dividir para reinar, fragmentando a oposição em dois mundos sem ponte, o da direita, agora à procura da verdade, e o da esquerda, entre os plebeus e os chiques do Bairro Alto. E cresce a politiquice da imagem, sondagem e sacanagem, depois de secarem as fontes das fugas de informação sobre o chamado “outlet”, coisa que se vislumbrava depois de um jornalista do “Expresso” ter ido à televisão confirmar que uma das principais emissões provinha da magistratura, ao mesmo tempo que anunciava o esfriamento noticioso. Por outras palavras, agora apenas resta o ritmo dos assistentes, enquanto alguns jornais já começam a tirar poeira a outros arquivos.
Daí que se volte a ouvir Mário Soares, mais uma vez contra a roubalheira que andou pelos meandros de certa banca, ao mesmo tempo que continua o ritmo de luta contra o medo de alguns socialistas dissidentes. Surgiu essa categoria a que Baptista Bastos dá hoje o nome de homens sem reino, gerada por esta circunstâncias: vivemos na indiferença porque o medo está presente e a presença do medo dá azo à resignação. Do mesmo modo, Ramalho Eanes, ontem proclamou que vivemos com medo do presente, do futuro, pelos filhos, pela sorte dos pais, pelo emprego e medo dos poderes políticos.
Porque medo vem do latim metu, inquietação produzida pela eminância de um perigo, real ou aparente. E já Étinne La Boétie, em 1548, proclamava: N’ayez pas peur… Soyez résolus à ne plus servir, et vous serez libres, quando denunciava a servidão voluntária, como base da tirania. Também no século XX, o italiano Ferrero observava: o Poder tem sempre medo dos sujeitos que comanda todos os Poderes souberam e sabem que a revolta é latente mesmo na obediência mais submissa, e que pode rebentar num dia ou noutro, sob acção de circunstâncias imprevisíveis; todos os Poderes sentiram-se e sentem-se precários na medida em que são obrigados a utilizar a força para se impor a única autoridade que não tem medo é a que nasce do amor.
E Erich Fromm, em Fear of Freedom, de 1941, criticava a despersonalização do homem moderno, porque as relações sociais perderam o carácter directo e humano, dado que passaram a ser regidas pela lei do mercado que transformou o indivíduo em mercadoria. Daí que o indivíduo, para escapar à instabilidade da sua solidão, tenha criado mecanismos de evasão. Ou foge para o conformismo dos autómatos; ou para a destrutividade, tanto pela destruição do outro como pelo autoritarismo. Umas vezes, entra no masoquismo, dissolvendo-se no conjunto. Outras, no sadismo, quando actua segundo as regras desse conjunto e trata de perseguir os marginais ou de fazer a guerra. A vontade poder não é um produto da força, mas a filha bastarda da fraqueza. O homem subjugado tem, assim, uma personalidade autoritária. O que explica o fascismo, dado que este permitiu que as massas satisfizessem os seus impulsos sadomasoquistas identificando-se com os poderes dominantes.
E tudo se agravará se as escolhas eleitorais forem ofuscadas pela questão do casamento dos homossexuais, com a Conferência Episcopal Portuguesa, sob o papado de Bento XVI, a anunciar apelos ao voto contra os partidos que quiserem alterar o conceito de casamento do direito romano pré-cristão e do direito canónico.
Tentando alguma serenidade analítica, proponho que escolhamos um destes dias e que nos desliguemos dos meios de comunicação social portuguesa, fechando-nos à blogosfera, aos telejornais e às noticias radiofónicas, ou em papel. Retiremo-nos integralmente para meios de comunicação social de um outro país europeu, por exemplo de Espanha. E lá teremos, nos horários nobres informativos, as mesmas filas do desemprego, as mesmas empresas que encerram, os mesmos ministros bombeiros com águas dos fundos públicos jorrando sobre os problemas. Pelo menos, compreenderíamos que a actual crise portuguesa situa-se numa crise mais ampla, onde os ministros fingem que o velho Estado soberanista ainda consegue o proteccionismo keynesiano das autarcias macro-económicas ou monetaristas, quando ele apenas pode gerir dependências e interdependências.
Conseguirão escapar do naufágio mais depressa os que ainda dispõem de instrumentos ágeis nos espaços de liberdade estadual que ainda restam, como, por exemplo, na administração judiciária, nos aparelhos educativos, nos mecanismos policiais, ou nos serviços públicos de saúde, de recolha de impostos ou da segurança social. Todo um conjunto de áreas de políticas públicas onde se mostra a nossa ineficácia, dado que, ao desinstitucionalizarmos os velhos corpos do antigo Estado, apenas ficámos com meia dúzia de papeletas tecnocráticas, ao estilo do chamado PRACE que, ao que parece, apenas se aplicou na Madeira, para inglês ver e “outsourcing” funcionar.
O casamento de homossexuais poucos votos vai transferir do Bloco de Esquerda para o PS e só pela obstinação dos grupos institucionais LGT é que não se opta pelo gradualismo de legislações como a francesa e a britânica, as quais, com realismo, conseguiram a igualdade real, pela técnica de se tratar desigualmente o desigual, estabelecendo um novo tipo contratual, estadualmente reconhecido, que foi além da mera união de facto. Se, quanto ao perfil institucional, estamos quase todos de acordo, incluindo os senhores bispos, parece que o problema reside no nome de baptismo da coisa. Proponho que se lhe dê o nome que todos lhe dão: “casamento de homossexuais”. Mas também proponho que a administração fiscal cumpra a lei e aplique os seus mecanismos a uniões de vida não homossexuais, emitidas por lei do mesmo dia em que saiu a dos uniões de facto, regulamentando o processo.