Fev 19

Diz-me que inimigo escolhes e eu dir-te-ei quem és… ou as teorias da conspiração que são literatura de justificação

Confesso que sou céptico demais para me bastarem as explicações universais de alguma literatura de justificação, a que muitos dão o nome de teorias da conspiração. Vivo num aqui e agora de quatrocentos anos de inquisição, com persigangas, fogueiras, bufos e dissimulações, restauradas por sucessivas viradeiras, a última das quais se vestiu de salazarismo, soma de inquisidores de gabinete e sacristia com o policiesco torturador de Pina Manique, onde dezenas de milhares de moscas viviam da denúncia anónima, em nome da luta de invejas, a mesma que o PREC restaurou sob a forma de saneamentos, pedindo ao aparelho de poder para excluir da cidadania o vizinho, o colega ou o parente. Hoje, vestidos com a verniz da democracia, mudámos o aspecto do bufo e instrumentalizámos o aparelho de poder, sobretudo a nível da espionite e da processualização.

 

É evidente que acredito em conspirações e que posso identificar algumas do Portugal Contemporâneo. A de 24 de Agosto de 1820, promovida pelo Sinédrio. A da Maria da Fonte e da Patuleia que só frutificaram com a Regeneração de 1851. A de 1910, com base nos Jovens Turcos e na Carbonária. A do dezembrismo sidonista de 1917, com os subsídios do latifundiário alentejano do Partido Unionista, avô de um antigo deputado europeu da actualidade. A do 28 de Maio de 1926 que meteu um conspirador de 1910, acabando usurpada pela ditadura das finanças e das forças vivas. A do 25 de Abril de 1974 que foi mobilizada pelo movimento dos chamados capitães.

 

É evidente que, para cada conspiração triunfante, houve, em média, cerca de cinco conspirações falhadas por década. E que alguns desses movimentos levaram a magnicídios, transformando-nos num dos países do mundo que, no século XX, mais matou figuras cimeiras do Estado: o regicídio de 1908; o presidenticídio de 1918; a Noite Sangrenta de 1921; o assassinato do chefe da oposição, Delgado; o acidente/atentado de Camarate. Para não falarmos do envenenamento de D. João VI em 1826.

 

Em quase todos estes casos, sabemos quem matou, mas, no fim dos processos, nunca as polícias e os magistrados determinaram quem mandou matar. Por outras palavras, fica um vasto espaço para cada um elaborar a teoria da conspiração conveniente, sempre que as polícias e os tribunais se mostram impotentes para a descoberta da verdade. Podemos escolher o fantasma ou preconceito que melhor se adequa à nossa crença, atirando para cima de maçons, jesuítas, comunistas ou fascistas, ao estilo daquilo que se diz da morte de D. João VI em 1826, onde foi confirmado o enevenamento mais de um século depois. Os liberais dizem que foi o cozinheiro, miguelista; os reaccionários, que foi o médico, maçon e liberal. O resto é sinarquia, campanhas negras, cabala, hidras disto e daquilo, não faltando os que voltam a ler a conspiração dos sábios do Sião ou a manobra do capitalismo internacional.

 

Hoje, é Freeport, Casa Pia e Apito, o prefeito emérito da Congregação da Causa dos Santos, o grupo de pressão LGT e, sobretudo, o sindicato eterno do elogio mútuo. Fica a explicação conveniente para cada um: a campanha negra contra Sócrates; a cabala contra o PS; o anticomunismo primário; a doença infantil do esquerdismo; a antinação; os revisas; os fachos;  as pinoquídas dos jotas e dos jornais partidários; as denúncias da espionite pidesca com periscópio de fora. Por mim, só sei que nada sei. Mas que a hidra da corrupção leva a que o crime compense, não tenho dúvidas. Não acredito em teorias da conspiração, mas que as há, as há. O mundo da razão de Estado e da compra do poder continua a mover-se. E sorrio com estas volutas de uma crise mental. Diz-me que inimigo escolhes e eu dir-te-ei quem és…

 

PS: São recordações escritas de uma intervenção minha no Rádio Clube Português, ontem.

Fev 19

Contra o Leviathan soberanista, pela necessidade de um Estado de Direito Universal

Uma das mais curiosas teorias da conspiração tem a ver com a literatura de certo socialismo, verbalmente anticapitalista, quando reduz o respectivo sonho ao aumento quantitativo do intervencionismo estadualista, dos Estados a que chegámos, esses que são pequenos demais para os presentes grandes problemas do mundo, mas que continuam a ser grandes demais para asfixiarem a imaginação e a criatividade das pessoas concretas e das autonomias grupais que estas podem gerar pelo princípio da simpatia, teorizado por mestre Adam Smith. Nem sequer repara que o Estado e o Mercado são filhos da mesma encruzilhada teórica, essa alavanca da chamada modernidade que foi expressa pelo “Leviathan” de Thomas Hobbes, o filósofo que preparou a conquista do poder por uma burguesia que precisava de tal ideologia para romper com a anterior sacralização do poder, pondo numa mão o báculo e na outra, a espada, mas confundindo os dois braços no cacete do proibicionismo.

 

É evidente que, aqui e agora, mesmo em plena crise, eu continuo adepto do capitalismo e da ética demoliberal que lhe está na base, não encontrando nas palavras do cardeal D. Saraiva Martins a razão que leva o presente modelo de socialismo menos, no poder em Portugal, a assumir o essencial da herança antiliberal de Salazar, dessa economia privada de cunhas neofeudais, à espera do proteccionismo, que não quer uma real economia de mercado. Por outras palavras, continuo a subscrever Hayek e a querer denunciar a presente cedência ao caminho para a servidão, nomeadamente pelo regresso a formas de legitimidade anti-racionais-normativas, nomeadamente ao patrimonialismo dos donos do poder.

 

Só com melhor política e mais autonomia da sociedade e dos indivíduos é que poderemos superar a presente crise. Porque não foram os socialistas que venceram os desafios da velha questão social, que lançaram os fundamentos do “New Deal”, ou do “Welfare State”. Foram os neoliberais, os neo-democristãos e os neo-socialistas desses tempos dos pós-guerras que passaram, os tais que lançaram os modelos do capitalismo democrático que nos deu mais riqueza e mais justiça.

 

Só que não é o velho Estado soberanista de Hobbes, ou a macromonetarice de Keynes e Cavaco que poderão apontar rumos para a presente falência de justiça e de liberdade. A presente crise, se é global, exige a instauração de um político que também seja global. Por outras palavras, só a emergência de um Estado de Direito universal, daquilo que Kant chamava direito cosmopolítico e república universal, poderá evitar o regresso ao proteccionismo dos Estados lobos dos Estados, desses Estados-bolas-de-bilhar, em perpétuo movimento. Só a emergência de formas de “civitas maxima”, “civitas humana” ou de “sociedade das nações” nos poderão fazer renascer a esperança.

 

Confesso que continuo liberal e adepto do capitalismo. Em nome da experiência e da esperança. O que tem falhado é uma Europa activa, supranacional e supra-estatal, e não esta colectânea de falhadas cimeiras que não conseguem acompanhar o desafio lançado pelo neo-isolacionismo em que podem cair as medidas proteccionistas de Obama. O que não existe é uma efectiva Organização Mundial de Comércio Justo e reais regras universais, com segmentos de intervencionismo global. Restaurar o Estado salazarista em nome do socialismo é uma tolice de pequeno Estado que quer ser Estado Secundário, numa balança da Europa comandada por restauradas potências de Talleyrand, num neofeudalismo que beneficiará os grandes, mas condenará os pequenos e médios Estados ao falhanço do inviável, ou à mão estendida.

 

Um verdadeiro liberal tem que voltar a defender Kant, Ropke (na imagem) ou Rawls e assumir o projecto dos pais-fundadores do projecto europeu, subscrevendo o sonho de Wilson de um capitalismo universal e de um demoliberalismo com regras e segmentos de justiça, através de pequenos passos para uma efectiva República Universal que não seja utopia de amanhãs que cantam. É este o regresso ao Estado que advogamos, sem a megalomania socialista do Portugal dos pequenitos com a mania das grandezas, esse que vai acabar por ser governado pela pilotagem automática dos agentes do FMI, do Banco Mundial ou do “spread”… Por outras palavras, se a geoeconomia não puser a especulação da geofinança na ordem, não há trabalho e procura da riqueza para um mundo melhor que resistam em igualdade de oportunidades e meritocracia!

Fev 19

Contra o Leviathan soberanista, pela necessidade de um Estado de Direito Universal

Uma das mais curiosas teorias da conspiração tem a ver com a literatura de certo socialismo, verbalmente anticapitalista, quando reduz o respectivo sonho ao aumento quantitativo do intervencionismo estadualista, dos Estados a que chegámos, esses que são pequenos demais para os presentes grandes problemas do mundo, mas que continuam a ser grandes demais para asfixiarem a imaginação e a criatividade das pessoas concretas e das autonomias grupais que estas podem gerar pelo princípio da simpatia, teorizado por mestre Adam Smith. Nem sequer repara que o Estado e o Mercado são filhos da mesma encruzilhada teórica, essa alavanca da chamada modernidade que foi expressa pelo “Leviathan” de Thomas Hobbes, o filósofo que preparou a conquista do poder por uma burguesia que precisava de tal ideologia para romper com a anterior sacralização do poder, pondo numa mão o báculo e na outra, a espada, mas confundindo os dois braços no cacete do proibicionismo. É evidente que, aqui e agora, mesmo em plena crise, eu continuo adepto do capitalismo e da ética demoliberal que lhe está na base, não encontrando nas palavras do cardeal D. Saraiva Martins a razão que leva o presente modelo de socialismo menos, no poder em Portugal, a assumir o essencial da herança antiliberal de Salazar , dessa economia privada de cunhas neofeudais, à espera do proteccionismo, que não quer uma real economia de mercado. Por outras palavras, continuo a subscrever Hayek e a querer denunciar a presente cedência ao caminho para a servidão, nomeadamente pelo regresso a formas de legitimidade anti-racionais-normativas, nomeadamente ao patrimonialismo dos donos do poder. Só com melhor política e mais autonomia da sociedade e dos indivíduos é que poderemos superar a presente crise. Porque não foram os socialistas que venceram os desafios da velha questão social, que lançaram os fundamentos do “New Deal”, ou do “Welfare State”. Foram os neoliberais, os neo-democristãos e os neo-socialistas desses tempos dos pós-guerras que passaram, os tais que lançaram os modelos do capitalismo democrático que nos deu mais riqueza e mais justiça. Só que não é o velho Estado soberanista de Hobbes, ou a macromonetarice de Keynes e Cavaco que poderão apontar rumos para a presente falência de justiça e de liberdade. A presente crise, se é global, exige a instauração de um político que também seja global. Por outras palavras, só a emergência de um Estado de Direito universal, daquilo que Kant chamava direito cosmopolítico e república universal, poderá evitar o regresso ao proteccionismo dos Estados lobos dos Estados, desses Estados-bolas-de-bilhar, em perpétuo movimento. Só a emergência de formas de “civitas maxima”, “civitas humana” ou de “sociedade das nações” nos poderão fazer renascer a esperança. Confesso que continuo liberal e adepto do capitalismo. Em nome da experiência e da esperança. O que tem falhado é uma Europa activa, supranacional e supra-estatal, e não esta colectânea de falhadas cimeiras que não conseguem acompanhar o desafio lançado pelo neo-isolacionismo em que podem cair as medidas proteccionistas de Obama. O que não existe é uma efectiva Organização Mundial de Comércio Justo e reais regras universais, com segmentos de intervencionismo global. Restaurar o Estado salazarista em nome do socialismo é uma tolice de pequeno Estado que quer ser Estado Secundário, numa balança da Europacomandada por restauradas potências de Talleyrand, num neofeudalismo que beneficiará os grandes, mas condenará os pequenos e médios Estados ao falhanço do inviável, ou à mão estendida. Um verdadeiro liberal tem que voltar a defender Kant, Ropke (na imagem) ou Rawls e assumir o projecto dos pais-fundadores do projecto europeu, subscrevendo o sonho de Wilson de um capitalismo universal e de um demoliberalismo com regras e segmentos de justiça, através de pequenos passos para uma efectiva República Universal que não seja utopia de amanhãs que cantam. É este o regresso ao Estado que advogamos, sem a megalomania socialista do Portugal dos pequenitos com a mania das grandezas, esse que vai acabar por ser governado pela pilotagem automática dos agentes do FMI, do Banco Mundial ou do “spread”… Por outras palavras, se a geoeconomia não puser a especulação da geofinança na ordem, não há trabalho e procura da riqueza para um mundo melhor que resistam em igualdade de oportunidades e meritocracia!