Confesso que sou céptico demais para me bastarem as explicações universais de alguma literatura de justificação, a que muitos dão o nome de teorias da conspiração. Vivo num aqui e agora de quatrocentos anos de inquisição, com persigangas, fogueiras, bufos e dissimulações, restauradas por sucessivas viradeiras, a última das quais se vestiu de salazarismo, soma de inquisidores de gabinete e sacristia com o policiesco torturador de Pina Manique, onde dezenas de milhares de moscas viviam da denúncia anónima, em nome da luta de invejas, a mesma que o PREC restaurou sob a forma de saneamentos, pedindo ao aparelho de poder para excluir da cidadania o vizinho, o colega ou o parente. Hoje, vestidos com a verniz da democracia, mudámos o aspecto do bufo e instrumentalizámos o aparelho de poder, sobretudo a nível da espionite e da processualização.
É evidente que acredito em conspirações e que posso identificar algumas do Portugal Contemporâneo. A de 24 de Agosto de 1820, promovida pelo Sinédrio. A da Maria da Fonte e da Patuleia que só frutificaram com a Regeneração de 1851. A de 1910, com base nos Jovens Turcos e na Carbonária. A do dezembrismo sidonista de 1917, com os subsídios do latifundiário alentejano do Partido Unionista, avô de um antigo deputado europeu da actualidade. A do 28 de Maio de 1926 que meteu um conspirador de 1910, acabando usurpada pela ditadura das finanças e das forças vivas. A do 25 de Abril de 1974 que foi mobilizada pelo movimento dos chamados capitães.
É evidente que, para cada conspiração triunfante, houve, em média, cerca de cinco conspirações falhadas por década. E que alguns desses movimentos levaram a magnicídios, transformando-nos num dos países do mundo que, no século XX, mais matou figuras cimeiras do Estado: o regicídio de 1908; o presidenticídio de 1918; a Noite Sangrenta de 1921; o assassinato do chefe da oposição, Delgado; o acidente/atentado de Camarate. Para não falarmos do envenenamento de D. João VI em 1826.
Em quase todos estes casos, sabemos quem matou, mas, no fim dos processos, nunca as polícias e os magistrados determinaram quem mandou matar. Por outras palavras, fica um vasto espaço para cada um elaborar a teoria da conspiração conveniente, sempre que as polícias e os tribunais se mostram impotentes para a descoberta da verdade. Podemos escolher o fantasma ou preconceito que melhor se adequa à nossa crença, atirando para cima de maçons, jesuítas, comunistas ou fascistas, ao estilo daquilo que se diz da morte de D. João VI em 1826, onde foi confirmado o enevenamento mais de um século depois. Os liberais dizem que foi o cozinheiro, miguelista; os reaccionários, que foi o médico, maçon e liberal. O resto é sinarquia, campanhas negras, cabala, hidras disto e daquilo, não faltando os que voltam a ler a conspiração dos sábios do Sião ou a manobra do capitalismo internacional.
Hoje, é Freeport, Casa Pia e Apito, o prefeito emérito da Congregação da Causa dos Santos, o grupo de pressão LGT e, sobretudo, o sindicato eterno do elogio mútuo. Fica a explicação conveniente para cada um: a campanha negra contra Sócrates; a cabala contra o PS; o anticomunismo primário; a doença infantil do esquerdismo; a antinação; os revisas; os fachos; as pinoquídas dos jotas e dos jornais partidários; as denúncias da espionite pidesca com periscópio de fora. Por mim, só sei que nada sei. Mas que a hidra da corrupção leva a que o crime compense, não tenho dúvidas. Não acredito em teorias da conspiração, mas que as há, as há. O mundo da razão de Estado e da compra do poder continua a mover-se. E sorrio com estas volutas de uma crise mental. Diz-me que inimigo escolhes e eu dir-te-ei quem és…
PS: São recordações escritas de uma intervenção minha no Rádio Clube Português, ontem.