Abr 01

Pressões, impressões, interesses e se falas livre e científico ainda levas com um processo nas trombas fora do dia das mentiras que afinal é sempre

Leio a conversa dos procuradores sobre as pressões e as impressões. Sofro mais um discurso do Primeiro sobre qualquer coisa. Recordo o que disse Juan Donoso Cortès: No estado normal das sociedade não existe o povo, só existem interesses que vencem e interesses que sucumbem, opiniões que lutam e opiniões que se amalgamam, partidos que se combatem e que se reconciliam. Por isso, transcrevo registo das minhas aulas sobre a matéria:

 

 

Um grupo de pressão é um grupo de interesse que exerce uma pressão, que passa do mero estádio da articulação e da agregação de interesses e trata de influenciar e pressionar o decisor político, saindo do âmbito do mero sistema social e passando a actuar no interior do sistema político.

 

A pressão pode ser aberta ou oculta, pode actuar directamente sobre o decisor ou, indirectamente, actuando sobre a opinião pública. Entre as pressões abertas, destaca-se a acção de informação, a de consulta, bem como a própria ameaça. As duas principais formas de pressão oculta, isto é, não publicitada, são as relações privadas e a corrupção. As relações privadas passam pelo clientelismo, pelo nepotismo e pela pantouflage. A corrupção, como processo de compra de poder, tanto pode ser individual como colectiva, nomeadamente pelo financiamento dos partidos. Entre as acções dos grupos de pressão sobre a opinião pública, temos tanto o constrangimento como a persuasão. Na primeira, temos a greve, as manifestações, os boicotes ou os cortes de vias de comunicação. A persuasão tem sobretudo a ver com a propaganda e a informação.

 

 

Um interesse é o que faz o homem actuar, o fim que o movimenta, a relação de um homem com uma coisa ou com outro homem que lhe permite satisfazer uma necessidade. Já Cícero definia a res publica como uma multidão unida pelo consenso do direito e pela utilidade comum, ou por uma pacto de justiça e uma comunidade de interesses, que implicaria a communio. Pufendorf fazia derivar a sociabildade dos próprios interesses, porque os homens, em virtude daquilo que considera a imbecilitas, isto é, o desamparo de cada um, quando entregues a si mesmo, encontram-se num estado de necessidade (naturalis indigentia), necessitando uns dos outros para poderem sobreviver.

 

 

Hegel, por seu lado, fala na sociedade civil como a imagem dos excessos e da miséria, onde se desenrola o combate dos interesses privados, da luta de todos contra todos. Seria uma espécie de Estado Exterior ( Aussererstaat), um Estado privado de eticidade, da consciência da sua unidade interna essencial, dado que na sociedade civil, apenas os indivíduos seus componentes se consideram governados pelos seus interesses particulares.

 

Jhering entende que a luta pelo direito abrange tanto a luta do homem pela realização dos respectivos interesses como a luta do Estado pela realização do interesse geral, chegando memso a considerar que os direitos subjectivos são interesses juridicamente protegidos

 

Já Max Weber substituiu a noção de bem comum pela de interesse, salientando que enquanto a pertença à sociedade, ou associação, assenta numa partilha de interesses, marcada por uma vontade orientada por motivos racionais, já a comunidade é entendida como um grupo a que se pertence por aceitação de valores afectivos, emotivos ou tradicionais, considerando que a acção comunitária refere‑se à acção que é orientada pelo sentimento dos agentes pertencerem a um todo. A acção societária, por sua vez, é orientada no sentido de um ajustamento de interesses racionalmente motivado. Mais do que isso: Weber estabelece uma graduação associativa que passa pelos graus de sociedade, grupo, empresa, instituição, Estado. Na sociedade os indivíduos calculam os interesses mútuos. E de uma sociedade pode passar‑se ao grupo quando esse entendimento de interesses passa a contrato explícito, acontecendo uma empresa quando o fim é determinado de forma racional. Um grau mais elevado de empresa é a instituição, quando a empresa é habilitada a impor aos respectivos membros o seu comportamento pela via do decreto ou de textos regulamentares.

 

Já os grupos de pressão exercem a chamada influência, essa forma atenuada de poder, de capacidade de actuar sobre o comportamento de um determinado actor, que não usa a força, a autoridade ou a função. O conceito de influência tem sido bastante desenvolvido pelos politólogos contemporâneos, principalmente por Lasswell e Dahl, principalmente pelas distinções feitas entre o mesmo e os conceitos de força e de poder.

 

A influência situa-se na zona de fronteira entre a manifestação do interesse e a pressão, situando-se antes da utilização da força. Para Harold Lasswell, é a capacidade de alguém poder impor, de forma coercitiva, determinados interesses numa determinada relação social. Se é menos do que poder, dado que este tanto implica uma participação na tomada de decisões, ligando-se a uma coerção mais severa, é, contudo, mais do que a força, dado que esta não passa de mera situação de facto. Tanto o poder como a influência constituem formas de relação entre pessoas, pela qual, uma delas, no lado activo, leva a que outra, situada no lado passivo, actua de forma diversa do que actuaria sem a pressão da primeira. Contudo, na relação de poder, um caso especial de influência, a sanção é mais forte do que no caso da influência.

 

Dahl faz uma distinção entre força, influência e poder. A força é entendida como mera situação de facto, enquanto a influência aparece como uma relação entre actores, onde um deles leva os outros a agir de modo diferente daquele em que teriam agido sem a presença do primeiro. Já o poder constitui um caso especial de influência que implica perdas severas para quem recusa conformar-se-lhe, significando a capacidade para alterar a probabilidade dos resultados a obter.

 

Já em 1867 o nosso Eça de Queirós indicava a influência como um género onde se incluíam várias espécies, se utilizavam como meios a compra pura e simples de votos, a pressão e ameaça. Daí o desencanto: doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o Poder, perdem o Poder, reconquistam o Poder, trocam o Poder. O Poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar num rumor de risos.

 

 

Na sociedade aberta e pluralista, há variados grupos que existem para a defesa de um interesse: “a existência de um conjunto articulado de objectivos mais ou menos parcelares que motiva grupos mais ou menos vastos a uma acção que pretende actrualizar ou reforçar a concretização desses objectivos”, conforme a definição de José Miguel Júdice, na enciclopédia “Polis”. Porque um interesse não tem que ser necessariamente material, podendo também ser de índole moral. Daí que haja grupos de interesse que apenas lutam por ideias, ao lado dos grupos de interesse que têm como objectivo a conquista de vantagens materiais, a defesa de situações adquiridas, ou o aumento do bem estar ou dos privilégios da categoria representada. Isto é, pode haver interesses utilitários e interesses desinteressados.

 

 

 

Outros grupos exercem pressão, que segundo Júdice é “a actividade ou o modo de actividade dos grupos que, por ameaças, sugestões, apoios , exigências, pretendem levar à mudança de forma de distribuição das consequências das decisões políticas, ou no sentido de aumentar o quinhão que compete ao grupo actuante, ou no sentido de contribuir para afastar o risco de diminuir esse quinhão”. Surge, portanto, um grupo de pressão, “uma organização permanente para a defesa dos interesses específicos através da realização de acções de variado tipo destinadas a influenciar o processo de decisão e, em concreto, o processo de decisão política, para que tal decisão seja conforme aos desejos e aos interesses dos membros do grupo”, para continuar a citar a juventude politológica do actual bastonário da Ordem dos Advogados. Por outras palavras, se um grupo de pressão é sempre um grupo de interesse, quase sempre um grupo de interesse tem tendência para exercer uma pressão.

 

 

Grupos de interesse são as organizações profissionais como a Ordem dos Advogados, as associações sindicais e patronais, as associações de consumidores, os grupos confessionais ou ideológicos ou os chamados grupos de condição. E todos eles passam, em certa altura, à pressão. Que pode ser oculta ou publicitada. Pode utilizar-se a via da informação, da consulta e da ameaça, de forma aberta, ou as relações privadas e a corrupção, sempre de forma clandestina. Aqui e agora, todos pressionam, das associações sindicais de magistrados ao Opus Dei, do presidente Vieira aos paroquianos madeirenses sobre os salesianos. Até o senhor Primeiro-Ministro, quando não pode actuar pela via decretina.

 

Soa, portanto, a ridículo que continuemos a gastar o dinheiro dos contribuintes, pondo magistrados, deputados ou membros de Altas Autoridades a fazerem um trabalho de campo que deveria caber a politólogos e sociólogos. Somos, definitivamente, um país de gargalhada e de hipocrisia legalista, onde até discutimos a relação de polícias com a sesta do Primeiro-Ministro. Apenas direi, como a recente pressão de Cavaco Silva, “rezemos para que o nosso poder político não lance Portugal em outra crise das finanças públicas”. Mas talvez fosse mais saudável libertar-nos dos complexos corporativos, dos tiques da hipocrisia revolucionária e falta de autenticidade pós-revolucionária. Democracia é cada vez mais poliarquia.