Nas presentes circunstâncias legais e prescritivas, os chamados praticantes da compra e venda de poder e influência não podem ser apanhados pelas malhas condenatórias do sistema jurídico que a actual classe política engenheirou. Daí que o sistema judicial corra o risco de se transformar no bode expiatório e que assim se pratique uma espécie de suicídio do regime. Não bastam estes prognósticos depois do apito final e seria estúpido culparmos apenas alguns actores magistrais da administração da justiça em nome do povo que tão mau serviço têm prestado ao Estado de Direito. As normas vigentes sobre a corrupção não conseguem enxergar um boi diante de um dos muitos palacetes das volutas prescritas. Porque tudo sempre foi lícito demais para estas consciências tranquilas de um devorismo desavergonhado que se vangloria em comícios quase permanentes às portas dos julgamentos que as absolvem. Porque, enquanto os ditos devoristas apresentam alegações de campanha eleitoral, importa observar que bastava aos actuais partidos e empresários passarem à ofensiva, constituindo uma espécie de auto-regulação anticorruptiva que libertasse o poder judicial deste quotidiano desprestígio. Por outras palavras, os partidos tinham que definir, à boa maneira das pessoas honradas, com quem é que não querem sentar-se à mesa, ou a quem é que não querem confiar as carteiras, ou de quem é que não querem receber empréstimos e donativos. A velha atitude de Pôncio Pilatos, bem expressa por alguns altos hierarcas do regime na sua passagem pela comissão de inquérito parlamentar sobre um escândalo bancário, deveria levar a que ousássemos criticar algumas das pretensas vacas sagradas, por muito que nos custe perdermos algumas protecções e favores. Infelizmente, continuam a qualificar como doidinhos, os corajosos radicais livres que não subscrevem a carta de conduta a que a cobardia dominante dá o nome de moderação. Chegou a hora dos altos hierarcas e partidocratas manifestarem sincero arrependimento pelo sistema que os tramou e nos continua a tramar. Chegou a hora de pedirem, com toda a humildade, perdão ao povo e à democracia. De outro modo, poderemos entrar no desespero de quem clama pela nacionalização da banca, como se a estadualização fosse o remédio, esquecendo-nos que os países menos corruptos e mais eficazes no combate à corrupção são aqueles onde há mais priovatizações. Entre nós, as pretensas solidariedades ocultas, que até instrumentalizam o bom nome de instituições morais e congregações, levaram a que alastrasse este situacionismo difuso e suspeitoso, onde uma das principais chaves de acesso ao poder, além da troca de favores, é o silêncio entre os habituais irmãos-inimigos do Bloco Central de interesses das privatizações soarentas e cavaqueiras, onde as amizades banco-burocráticas são patentes. A honestidade não vem de cima para baixo, não vem deste enrodilhante manda quem pode, obedece quem deve, marcado pelo hierarquismo reverencial do estadualismo. Basta recordarmos como foi tanta a corrupção salazarenta quanto as das prévias sociedades abertas demoliberais da monarquia constitucional e da Primeira República. Essa ilusão de estadualismo antineoliberal não passa de mais um desses discursos de justificação que nos atira para a hipocrisia de certos colectivismos morais quase inquisitoriais, onde se julga que, por alguém se afirmar de esquerda é mais impoluto do que um adepto do liberalismo capitalista, esquecendo-nos que o mercantilismo estadualista do capitalismo de Estado e do comunismo burocrático do domínio de ninguém, onde a culpa morre sempre solteira, produziu resultados tão imorais quanto o capitalismo selvagem dos novos ricos, de faca na liga e almas de corsários, apesar dos colarinhos brancos.
Abr
05