Com o PS a aprovar a proposta do Bloco de Esquerda sobre alguns aspectos do sigilo bancário, eis que o Conselho de Ministros decidiu repetir o esquema do cavaquismo crepuscular, sobre o rendimento dos políticos, ensaiando uma precipitada fuga para a frente. Não faltou sequer o presidente Cavaco a quebrar o silêncio, dizendo que sempre foi, de há muitos anos, contra o segredo bancário, embora ninguém se lembre de ele o ter dito quando era Primeiro-Ministro, porque, como dizia Camões, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Gostei particularmente das intervenções televisivas de Diogo Leite Campos e de Paulo Rangel, especialmente deste último, com uma agilidade e um sentido de resistência que o marcam como uma saudável novidade, por entre tanta ferrugem de politicamente correcto.
Subscrevo quase tudo o que este último disse: o Governo quer que a administração fiscal possa «de imediato pedir e solicitar de forma fundamentada o acesso às contas bancárias sem prévia autorização judicial e do contribuinte», segundo explicou o ministro de Estado e das Finanças, Teixeira dos Santos. Trata-se de um dos mais graves ataques contra o Estado de Direito e a separação de poderes que este Governo alguma vez cometeu». «É totalmente inconstitucional, pela violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da separação de poderes. Aplica uma pena sem que haja um processo criminal adequado, contra as garantias dos cidadãos». «O próprio Governo reconhece que se trata de uma pena fiscal, fala em penalização fiscal, numa taxa de 60 por cento», porque «uma pena fiscal é uma coisa completamente nova, que não tem sentido nenhum».
«Uma pena é o natural correspondente de um crime, só que este é um crime sem processo. Criminaliza-se uma conduta clandestinamente, é um crime sem que se lhe chame crime. A administração fiscal é que vai investigar, julgar, acusar e aplicar a pena». Trata-se de «da criação de um crime fora do direito criminal, sem garantias de defesa, uma espécie de confisco, sem intervenção do Ministério Público, sem juiz de instrução, sem tribunal».
Recordo-me de, certo dia, ter sido desafiado por um jovem líder do PSD, então meu colega na universidade, para o acompanhar a um almoço com altos dirigentes da banca, porque ele era favorável ao levantamento do sigilo bancário, tal como eu. Recordo-me muito bem dessa peripécia, que foi uma das parcas colaborações políticas com o actual presidente da comissão de Bruxelas, antes de o mesmo se enredar entre o ministro Isaltino, o ex-ministro Dias Loureiro e o aliado Paulo Portas. Porque, então, as boas intenções radicais de Barroso foram imediatamente removidas pelas invocações bem realistas de um ilustre dirigente da nossa finança que, com números, o alertou para a fuga de capitais para vizinhos europeus. Disse hoje o mesmo, no “Diário Económico”, mas de forma adocicada.
Reparo que, agora, tanto Cavaco como parte do PSD mudaram, e bem, de programa, enquanto vão assistindo ao duelo que Ricardo do BES tenta travar com Louçã do BE, com inequívoca vantagem retórica para este último, que não desceu à baixeza de qualificar o adversário argumentativo como um caso patológico. Apenas estranho que este seja o mesmo PS que impediu as tentativas de superação do impasse, propostas pelo deputado Cravinho. E desconfio que estamos perante uma alteração de cosmética, de marca eleitoralista, onde se finge mudar para que tudo fique na mesma quanto aos fenómenos da corrupção e da evasão fiscal, embora tudo se venha a agravar quanto ao estadualismo farisaico dos novos cobradores e pesquisadores das vidas individuais, num país onde a luta de invejas, os moscas e os bufos, sempre foram bem superiores à luta de classes, mas com consciência de classe. Apenas digo que estou triste. Nem o Professor Doutor Fausto de Quadros ontem me fez rir, como de costume. Por isso vos deixo a metáfora da imagem, como sempre “inqualificável”…