Os engenheiros da sondajocracia não costumam captar quantitativamente aquelas decisões individuais que surgem em estados de excepção e raramente vislumbram que a unha negra da aritmética de uns escassos dois ou três por cento pode levar Manuel Vilarinho a derrrubar Valle e Azevedo, ou Aznar a ser substituído por um qualquer Zapatero.
Os sinais do tempo confirmam que o situacionismo socrático não revela sinais de ter entrado no tal quarto de hora do “encore vivant” de Monsieur de la Palisse. Aliás, o governamentalismo, acirrando o mau gosto de alguns palanques propagandísticos, parece temer menos Manuela Ferreira Leite e muito mais o telejornal de Manuela Moura Guedes, dado que este é o único pé de barro na máquina populista que enreda a presente teledemocracia. E tudo poderá decidir-se com uma viragem na simpatia expressa pelo populismo “radical chic” de Louçã ou pelo eventual anúncio da coligação entre Sócrates e Alegre, dado que a coligação pós-eleitoral entre o PS e o PCP entre em ritmo de 1º de Maio p. p..
A grande surpresa pode vir de um crescimento lento, mas constante, do PSD que, com paciência contabilista, tenta usar a persuasão intimista da imagem dramática da respectiva líder, mas que tem contra ela tanto a imagem degradada dos respectivos círculos partidocráticos, como o efeito eucalipto de Cavaco, que acaba por impedir que as expectativas dos revoltados contra o governamentalismo se canalizem para o principal partido da oposição.
A unha negra que Sócrates joga não depende apenas da crise internacional, da agressão a Vital Moreira ou da gripe porcina. Depende das contabilidades que ele faz quanto ao processo de desinstitucionalização em curso, naquilo que o PS qualifica como luta contra as corporações. Porque, segundo cálculos do respectivo “staff”, os cem mil professores que foram para a rua podem ser menos valiosos em termos eleitorais do que o mei milhão de mobilizáveis pelo populismo pimba da luta contra as corporações, na lógica que foi desencadeada contra as forças armadas, os médicos, os polícias ou os magistrados.
Por outras palavras, a democracia consociativa que vivíamos e a poliarquia que praticávamos foi substituída pelo verticalismo jacobino do ministerialismo e dos seus adjuntos distritais, à boa maneira do cabralismo. E o povão que gosta do Marquês de Pombal e de Oliveira Salazar pode até não se incomodar com estas tretas da autonomia da sociedade civil e dos grandes corpos do Estado que não estão dependentes da administração directa dos secretários de Estado, os directores-gerais e os directores-regionais. Não tarda que qualquer juiz ou professor agragado não esteja a preencher a ficha do SIADAP, dependente de um qualquer director de nomeação administrativa, isto é, dependente de um “boss” e cercado de muitos “boys for the jobs”, para que, depois do Estado da Rosa, vole o Estado Laranja, ou se casem os dois na cor parda do Bloco Central, juntando o jacobinismo de esquerda com o jacobinismo de direita.
E se o povo sufragar a coisa, temos o Estado que merecemos, como profetizou o General Eanes…