Mai 12

Conjugando o abraço armilar, ao ritmo da heresia, contra o intervencionismo do estadão

Observo o Papa em visita à Jordânia e a Israel e noto como um homem de filosofia não consegue ser um homem de teatro e púlpito, embora o compreenda como homem das verdades absolutas da religião, mesmo que seja de uma religião que é mais do que minha, porque, indo por Roma dentro, cheguei aos estóicos, como me recordou Albert Camus. E prefiro entender os sinais do tempo que nos permitem o diálogo entre homens de boa vontade, que isto da metafísica vai lá mais com esforço próprio do conhecimento modesto sobre verdades supremas e bem menos com sentenças, blogues e sermões mediáticos. Europeísmo, por europeísmo, prefiro a bandeira do Padre Vieira e estou a preparar uma intervenção que farei na embaixada do Brasil daqui a poucos dias sobre a minha perspectiva lusitana sobre a teoria do Brasil. Por isso, me passeei sobre a viagem de mil e quinhentos, quando a armada de Pedro Álvares Cabral carimbou o registo visível da descoberta, antes de rumar ao subcontinente indiano e de deixar o estabelecimento dos portugueses na antiga feitoria chinesa. Porque, na altura, com os flexíveis navios que tínhamos recebido de um verdadeiro choque tecnológico sem QREN nem Gago, conseguimos o “abraço armilar”, permitindo que o rei de Portugal e dos Algarves fosse senhor do comércio e da navegação e não dono do estadão, seus domínios e conquistas, contra a geometria habsburguiana da monarquia única de Carlos V que, em 1580, nos apoucou e abocanhou. Foi assim que a descoberta do caminho marítimo para todos os cantos do mundo teve prioridade sobre a eventual descoberta, por juncos chineses, da ponta de Sagres. obrigando-os a optar pelas lojas dos trezentos, o contrabando do tabaco e a grande “hackerie”. E recordo as aulas que dei sobre o tempo de Maquiavel, que também foi o tempo de Thomas More e da Utopia, de Erasmo e de Lutero, de D. Jerónimo Osório e de Bodin, dos Jerónimos e de Luís de Camões, onde a Utopia lusitana tinha as sensações do aqui e agora da Ilha dos Amores, desse vale mais experimentá-lo do que julgá-lo, embora continue admitir o julgamento dos que não podem, ou não querem, experimentá-lo. E lá passei de Maquiavel para Bodin, para o fim da “respublica christiana”, essa elipse que tinha dois focos (o Papa e o Imperador) e que foi destruída quando o florentino baptizou o Stato e o francês da soberania inventou a teoria conveniente para Henrique IV, libertando-o da dependência de Roma e dos Habsburgos. Depressa concluí que tanto o Estado como a Soberania foram os dois principais inimigos do sonho português. E recordei como os “greatpowers” da história nunca tiveram essas algemas: o imperialismo democrático ateniense de Péricles; a “respublica” romana; os projectos de Alexandre executados por portugueses e britânicos; ou o mais recente regresso da república imperial norte-americana aos modelos dos senhorios manuelinos do comércio e da navegação. Porque todos eles foram anti-absolutistas, contra os absolutismos de monarcas, de partidos ou do próprio povo, resistindo em poliarquia. Porque absolutismos sempre foram os poderes em soluto, à solta, mesmo que seja a diarreia dos autoritarismos subestatais em que se enredaram estes pigmeus, sempre mais papistas do que o pretenso papão. E penso-o, principalmente, nesta loucura teórica do desespero do estadão, dito de esquerda ou de direita, quando elas se transformam em mera hemiplegias mentais, para citar Ortega y Gasset, esse espanholito que residiu oficialmente na Avenida 5 de Outubro e que Sócrates tentou há dias balbuciar em comiciês, mas sem garra de autenticidade. Os grandes poderes do mundo, que sempre souberam rimar com democracia e consensualismo, nunca caíram nos vícios deste crescente salazarismo dito democrático que o nosso situacionismo vai conjugando, ao exaltar as lendas do estadão e do crescimento governamentalizado do respectivo intervencionismo maizena. Por isso, mantenho-me como cidadão do Reino Unido da esfera armilar e quase me apetece voltar a pedir a integração da república portuguesa nos Estados Unidos do Atlântico Moreno, com Cabo Verde e Angola, mas com a capital no Rio de Janeiro. Porque me recordo que foram os brasileiros que fizeram regressar Luanda a este triângulo estratégico. Porque me apetece saudar José Bonifácio, o Padre António Vieira e D. Pedro I, que foi o nosso D. Pedro IV, e que aos dois deu a mesma constituição da democracia da sociedade civil. E para homenagear Cavaco, até poderia recordar que o mais fiel amigo dos turquinhos foi o segundo imperador, o D. Pedro II, embora prefira salientar que gosto mais do fazer e estou muito orgulhoso com o curso de turco cujo nascimento influenciei numa secção da universidade pública portuguesa. Estes analistas dos prognósticos depois do apito final das crises, ditos, algumas vezes politólogos das relações internacionais, não há meio de compreenderem que só pela compreensão (Verstehen) podemos voltar a abraçar o armilar. Estão fora do tempo que passa porque não sabem conjugar o no princípio era o verbo do animal de discurso que tem ritmo de eternidade. Até nem sabem que a história, a do processo histórico das utopias e das ideologias, é bem menos verdadeira, no sentido de menos filosófica, do que a poesia. Precisam de ler mais sermões de Bento XVI, embora eu prefira os do Padre António Vieira, de avó mulata, em pleno Maranhão, porque assim me recordo que 1640 teve no Brasil a primeira das consequências, como me ensinou mestre Agostinho.