Memória 1
O Brasil não é só presidente, mas uma realidade federal, onde tanto contam os Estados como os cinco mil municípios que, numa originalidade constitucional face ao modelo norte-americano, fazem parte da própria federação. E nesta mistura entre federalismo municipalista com poder moderador, surge um oceano político federalista, onde a imaginação continua a ser um elemento que além faz alguma diferença. Até o presidencialismo tem muito a ver com a velha herança imperial, da democracia coroada ou da monarquia republicana, onde os presidentes tentam reassumir esse sentido de pai dos pobres, à imagem e semelhança do Senhor D. Pedro II.
Memória 2
Isto é, para chegar à alma do Brasil, mesmo um português tem que fazer um esforço de conversão interior que o tente compreender, não como terra estranha e estrangeira, mas como algo que, provindo da mesma raiz se reproduziu noutras direcções e com outras gentes, mas a que nos continua a prender uma irmandade de afectos que gera esta profunda comunidade de significações partilhadas que, em paralelo, nos pode permitir caminhar, de nação em nação, para a super-nação futura.
Memória 3
Além, Silvestre Pinheiro Ferreira é mestre, José Bonifácio, um estandarte e até se conta a história de Avelar Brotero, o jurista, não o botânico, o tal que para aqui veio em 1825, depois de uma actividade de magistrado na pátria de origem, e que se transforma no primeiro lente da Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi secretário durante quatro décadas.Será que nos esquecemos dele, só porque pediu a nacionalidade brasileira em 1833.Mas mestre Agostinho da Silva sempre exibiu, até morrer, o seu passaporte da terra de Vera Cruz…
Memória 4
É por via destes paradoxos que poucos repararam na reunião cimeira do Brasil, Índia e África do Sul, aqui ocorrida há dias. Este símbolo de uma emergente realidade que pode levar ao estabelecimento de um novo processo de relações entre o Norte e o Sul, com estas três grandes potências a mobilizarem o tertium genumreunido em torno dop grupo dos vinte. Todos querem esquecer as Tormentas e assumir a Boa Esperança.
O Brasil tem a vantagem de se assumir como uma espécie de espelho do mundo inteiro, este cadinho de povos entre o Velho e o Novo Mundo, onde a fome de justiça que se manifesta pode ser o sinal de um amanhã pós-ideológico, sem os falsos messianismos que mercaram o sectarismo do século XX.
Memória 5
Todos os dias quando acordo, aqui na residência universitária, vejo da janela uma família que habita sob um oleado, encostado ao parque de estacionamento do “campus”. Mais adiante, vai chagando carroça com um desses saloios dos arredores que vem à cidade vender verduras e fruta. Reparo como o povão destas grandes massas ainda vive em regime de “docta ignorantia”, não entendendo o discurso da elite politiqueira, mesmo a que vai cantarolando a causa operária. Também aqui este zé povinho não entende o exotismo de quem faz desta terra sítio de episódico turismo tropical que procura manconha, espiritismo ou sexo abrasador, quando burgueses e “yuppies” do mundo WASP se embedam de hedonismo terceiromundista, apagando, com dólares, euros e cartões de crédito a ética do puritanismo protesto que os fazem produtores austeros e cidadãos pacatamente silenciosos no dia a dia dos seus cinzentos nórdicos.
Porque o grande espaço deste Estado Continental, sem perspectivas hegemónicas ou expansionistas, apenas está condenado a crescer por dentro, transformando o povão em baixa classe média, mas correndo o risco de se fechar sobre si mesmo, sem assumir a missão que lhe cabe no mundo, que é a de contribuir para a mobilização da comunidade lusíada e, a mesmo tempo, sustentar a solidariedade com o mundo dos hispanos, para que valores universais como a democracia e o pluralismo, não continuem a ser traduzidos pelos calão, do anglo-americano.
Memória 6
Muitos esquecem que a mudança da capital de Lisboa para o Rio de Janeiro não ocorreu por pressão de Junot, dado que a mesma era uma alternativa estratégica desde 16140, várias vezes acalentada por D. Pedro II e aparecendo até no Testamento de D. Luís da Cunha como objectivo nacional.
Porque nesta banda lusíada do Atlântico Sul, naquilo que foi a América Portuguesa, sempre se publicaram obras de exílio da Europa Portuguesa. Desde os trabalhos do miguelista José da Gama e Castro, ao primeiro volume dos Ensaios de António Sérgio. Por aqui peregrinaram ilustres nacionalistas místicos de estirpe maçónica, como Jaime Cortesão e Agostinho da Silva ou densencantados do 28 de Maio como Fidelino de Figueiredo. E por cá até morreu Marcello Caetano, semeando discípulos como Ubiratan Borges de Macedo, por acaso ligado familiarmente ao próprio Fidelino.
À esquerda e à direita, entre os sonhos do progresso ou as nostalgias da reacção, o Brasil sempre foi espaço, não de exílio, mas de refúgio e alento para transfigurações e redescobertas da arte de ser português. Sem este espaço de alento, conforto e reconciliação, com doçura tropical, muito do que melhor se produziu entre certos portugueses tinha ficado no limbo das boas intenções. Espero que a vida continue. Navegar é preciso. Viver também.
É que por cá se não cravaram fundas as garras inquisitoriais, ou o clericalismo anticlericalista dos que proíbiram vestes talares ou o toque de sinos. A tolerância é condição ontológica do Brasil. O novo mundo só existiu para que os europeus nele pudessem fugir a perseguições de dogmatismos e fundamentalismos,.
Não consta que nesta banda do mundo tenham emergido os totalitarismos, nem por cá se contabilizam democídios, como os que mataram cerca de 200 milhões de seres humanos no século XX, para que as doutrinas se pudessem martelar.
Memória 7
Bem tenho pensado nesta emergência de um novo mundo lusíada do político e ainda ontem meditava na circunstância da formação do Brasil ter acompanhado a própria emergência do modelo pós-medieva, com Estado e Soberania, coisas que não existiam quando Pedro Álvares Cabral aqui desembarcou, antes de Maquiavel ser ditado postumamente e de Bodin ter teorizado a soberania. Aliás, no âmbito das revoluções demo-liberais do espaço ocidental, as revoluções sul-americanas, ficam situadas depois da inglesa, da norte-americana e da francesa, mas antes da primavera dos povos da Europa Central e Oriental, tendo o Brasil até exportado para Lisboa uma cópia constitucional que, entre nós, durou mais de meio século, nestas trocas e baldrocas políticas que nos fazem irmandade efectiva.
Mandaram-nos para a Lusitânia a Carta Constitucional, o partido dos brasileiros, ou chamorros, vencedor da guerra civil de 1828-1834, e a nossa querida D. Maria II, bem como, depois nos atiraram o positivismo republicano, com os brasileiros Sebastião Magalhães Lima e Bernardino Machado, tal como nós mandámos o Imperador, o Estado Novo e os constitucionalistas de 1976, talvez para compensar a circunstância de os últimos tempos do regime derrubado em 1974, ter sido pautado ideologicamente pelos modelos do Estado de Segurança Nacional de Golbery, para não falarmos nas relações de Gilberto Freyre com o almirante Sarmento Rodrigues, no lusotropicalismo. Está na hora de continuarmos este esforço, agora em conjunto com a própria CPLP. Basta relermos o Padre António Vieira, o José Bonifácio ou o Agostinho da Silva, para percebermos a urgência de superarmos a velha retórica dos Estados Unidos da Saudade, dado que os mesmo deixarão de existir se não fizermos investimentos culturais de povo a povo.
Memória 8
Volto a sublinhar como por estas paragens sempre se deu grande destaque à produção internacional de sociologia e de politologia, talve por causa da República Positivista que transformou em lema nacional a divisa de Comte e pôs na bandeira o verde que ele propunha para a salvação da humanidade. Mas talvez tenha sido por causa disso que o lado antipositivista aqui também floresceu, nomeadamente o neotomismo maritainista, bem represemtado pelo fulgor de Alceu Amoroso Lima. Nesta terra de contrastes, a sobrevivência impõe que se pratique o pluralismo e impede a unidimensionalidade, mesmo quando o Estado tem uma doutrina e se transforma numa força que a difunde a partir do vértice.
Confissão
Sou, infelizmente, daqueles que não sabem o que querem nem para onde vão, porque julgo que vale mais a autenticidade da procura, mesmo quando não se acha. Não sou dos que lamentam já não haver doutrinas que tenham força, nessas linhas que davam racionalidade ao pretenso processo histórico que não tinha previsto o fim da URSS e uma globalização com neoliberais e fundamentalistas islâmicos. Chamar caos ao que tem sido o presente baralhar do construtivismo de certas concepções do mundo e da vida talvez seja uma caricatura.
Na principal potência metafísica da Terra, com um abraço armilar
Reparo como o Brasil é, ao mesmo tempo, a principal potência católica do mundo e o sítio onde há mais espíritas, à Kardec, com direito a banca de divulgação nas universidades ou nos “shoppings”. E também não é por acaso que, por cá, as actividades da maçonaria são tão naturais como o ar que se respira, ao memso tempo que os canais evangélicos nos entram pela casa dentro.
Por outras palavras, esta mistura do português sonhador, à procura do paraíso, com a nostalgia das nações índias, dos afro-descendentes e dos muitos e variados povos das outras partes do mundo, gerou esta complexidade crescente, cada vez mais metafísica. Uma entidade espiritual que, começando por ser o mero mundo que o português criou, se tornou, felizmente, uma criatura liberta do criador que foi e continua a dar novos mundos ao mundo, cumprindo seu destino como comunidade nacional ao serviço do universal, como sítio de passagem para a super-nação futura.
E eu, português antigo, refeito nestas paragens como português à solta, conforme a definição de brasileiro dada por Manuel Bandeira, me revigoro de cosmopolis, sendo quem sempre fui, mas procurando diluir-me em todos os outros, de acordo com o conselho de mestre Gilberto Freyre.
Como heterodoxo lusitano, passível de condenação por heresia, é com uma cumplicidade de afectos plurissecular que assisto a este cadinho de explosões metafísicas que é o Brasil.
Apenas espero que o Brasil sonho tornar-se na principal potência espiritual do mundo. Porque assim o nosso compatriota comum, o Padre António Vieira pode voltar a ter razão.
E que viva o Reino Unido!
Além que é aqui continuo neste grande mar do sertão, onde os bandeirantes deram aos locais deste novíssimo mundo os nomes dos ventos de Atlântico Sul, aqui onde navegar é preciso para que viver possa continuar a ser possível, através de uma inevitável submissão para a sobrevivência, através de uma gestão das redes de influência em que se vão fragmentando as teias dos donos do poder. Onde quanto mais localmente feudal se situa o senhorio mais este tem de disfarçar-se de estadão.
Muitos esquecem que a mudança da capital de Lisboa para o Rio de Janeiro não ocorreu por pressão de Junot, dado que a mesma era uma alternativa estratégica desde 16140, várias vezes acalentada por D. Pedro II e aparecendo até no Testamento de D. Luís da Cunha como objectivo nacional.
Porque nessa banda lusíada do Atlântico Sul, naquilo que foi a América Portuguesa, sempre se publicaram obras de exílio da Europa Portuguesa. Desde os trabalhos do miguelista José da Gama e Castro, ao primeiro volume dos Ensaios de António Sérgio. Por lá peregrinaram ilustres nacionalistas místicos de estirpe maçónica, como Jaime Cortesão e Agostinho da Silva ou densencantados do 28 de Maio como Fidelino de Figueiredo. E por lá até morreu Marcello Caetano, semeando discípulos como Ubiratan Borges de Macedo, por acaso ligado familiarmente ao próprio Fidelino.
À esquerda e à direita, entre os sonhos do progresso ou as nostalgias da reacção, o Brasil sempre foi espaço, não de exílio, mas de refúgio e alento para transfigurações e redescobertas da arte de ser português. Sem esse espaço de alento, conforto e reconciliação, com doçura tropical, muito do que melhor se produziu entre certos portugueses tinha ficado no limbo das boas intenções. Espero que a vida continue. Navegar é preciso. Viver também.
É que por lá se não cravaram fundas as garras inquisitoriais, ou o clericalismo anticlericalista dos que proíbiram vestes talares ou o toque de sinos. A tolerância é condição ontológica do Brasil. O novo mundo só existiu para que os europeus nele pudessem fugir a perseguições de dogmatismos e fundamentalismos,.
Não consta que nesta banda do mundo tenham emergido os totalitarismos, nem por cá se contabilizam democídios, como os que mataram cerca de 200 milhões de seres humanos no século XX, para que as doutrinas se pudessem martelar.
Por isso, o sonho construtivista de cidades voando para o paraíso, onde Brasília tem algo do sonho de Norton de Matos no Huambo, à procura de uma Nova Lisboa, para se transformar num eventual Rio de Janeiro e que algumas vozes da actual Luanda querem continuar, com a edificação de uma Angólia. Porque a terra que tem por capital uma cidade com nome de São Paulo alimenta algumas das sementes deste desejo de novo mundo e de novo grande espaço para o sonho dos que gostam de navegar no sertão. Viva o Reino Unido!
Foi numa viagem à Índia que Pedro Álvares Cabral descobriu oficialmente a terra brasil, foi por causa do triângulo Portugal, Brasil, Índia que demos novos mundos ao mundo, escapando-nos da tenaz das cruzadas que marcava Roma e a Europa do Norte. Decidimos ir além, baralhando e dando de novo, fugindo, então, à tradicional crise do Médio Oriente. Hoje, entramos na fila dos que costuma tratar os assuntos do Levante com os pés.
1. Quando dizemos que Portugal tem oito séculos e meio, estamos a fazer uma interpretação retroactiva da história, estamos a contar uma história que tem mais a ver com a literatura de justificação do presente e com certa saudade de futuro do que a dizer verdade.
2. Portugal foi não apenas uma fundação, mas uma sucessão de refundações, porque a continuidade nos segredou que valia a pena assumirmos aquilo que Alexandre Herculano qualificou como a vontade de sermos independentes.
3. Eu que, neste meio século, assisti ao Portugal que alguns diziam dos anos do fim, foi-me dado concluir que, apesar de tudo, nos reinventámos, tal como em 1822, depois do traumatismo do fim do Reino Unido, conseguimos navegar na balança da Europa, gerindo dependências e aproveitando marés das interdependências, mas contando, no final do século XIX com a geração do heróis do mar e da reconstrução de mais um ciclo imperial, depois do marroquino, depois do indiano e depois do brasiliense.
4. Dizer o que vai ser Portugal daqui a vinte e cinco anos, com algum lume da razão, é muito menos do que vislumbramos do que, sobre Portugal, pode ser dito com algum lume da profecia.
5. Por mim, apenas digo que vai continuar a ser reinventado e reidentificado, desde que a geração dos inactivos e enjoados do situacionismo possa dar lugar aos indisciplinadores da nossa tradicional criatividade do abraço armilar.
6. Neste sentido, faço parte do partido dos velhos crentes e continuo a defender o quinto-império, o do poder dos sem poder, em que voltarão a reinar as crianças, podendo cumprir-se o máximo do sonho de Portugal que é o diluir-nos em todos os outros, sendo brasileiros, angolanos, moçambicanos ou timorenses.
Foi com emoção que, ontem, tive a honra de conferenciar num dos templos da pátria e da liberdade, no Rio de Janeiro, o Real Gabinete Português de Leitura, fundado há 170 anos por exilados liberais portugueses, agora instalado num edifício neomanuelino, inaugurado em 1887, onde se guarda uma primeira edição d “Os Lusíadas” de 1572, ou o manuscrito do “Amor de Perdição”, que o presidente António Gomes da Costa me permitiu consultar. Porque esta instituição, de matriz azul e branca, isto é, liberal e liberdadeira, ainda vive como pensa, como um pedaço de Portugal à solta, tentando cumprir a ideia maior do abraço armilar, fiel à matriz dos homens livres que a fundaram e sucessivamente recriaram (aqui deixo algumas imagens do espaço e das pinturas que nela se guardam, de Camilo a um quadro de Malhoa sobre a descoberta do Brasil). E não foi por acaso que esta instituição teve a coragem de recordar alguém que, no ano de 1980, teve o seu corpo em câmara ardente nesse local.
Prefiro entender os sinais do tempo que nos permitem o diálogo entre homens de boa vontade, que isto da metafísica vai lá mais com esforço próprio do conhecimento modesto sobre verdades supremas e bem menos com sentenças, blogues e sermões mediáticos.
Por isso, me apetece passear sobre a viagem de mil e quinhentos, quando a armada de Pedro Álvares Cabral carimbou o registo visível da descoberta, antes de rumar ao subcontinente indiano e de deixar o estabelecimento dos portugueses na antiga feitoria chinesa. Porque, na altura, com os flexíveis navios que tínhamos recebido de um verdadeiro choque tecnológico, conseguimos o “abraço armilar”, permitindo que o rei de Portugal e dos Algarves fosse senhor do comércio e da navegação e não dono do estadão, seus domínios e conquistas, contra a geometria habsburguiana da monarquia única de Carlos V que, em 1580, nos apoucou e abocanhou.
Foi assim que a descoberta do caminho marítimo para todos os cantos do mundo teve prioridade sobre a eventual descoberta, por juncos chineses, da ponta de Sagres. obrigando-os a optar pelas lojas dos trezentos, o contrabando do tabaco e a grande “hackerie”. Porque vivíamos o tempo de Maquiavel, que também foi o tempo de Thomas More e da Utopia, de Erasmo e de Lutero, de D. Jerónimo Osório e de Bodin, dos Jerónimos e de Luís de Camões, onde a Utopia lusitana tinha as sensações do aqui e agora da Ilha dos Amores, desse vale mais experimentá-lo do que julgá-lo, embora continue admitir o julgamento dos que não podem, ou não querem, experimentá-lo. E lá me passeei de Maquiavel para Bodin, para o fim da “respublica christiana”, essa elipse que tinha dois focos (o Papa e o Imperador) e que foi destruída quando o florentino baptizou o Stato e o francês da soberania inventou a teoria conveniente para Henrique IV, libertando-o da dependência de Roma e dos Habsburgos.
Depressa concluí que tanto o Estado como a Soberania foram os dois principais inimigos do sonho português. E recordo como os “greatpowers” da história nunca tiveram essas algemas: o imperialismo democrático ateniense de Péricles; a “respublica” romana; os projectos de Alexandre executados por portugueses e britânicos; ou o mais recente regresso da república imperial norte-americana aos modelos dos senhorios manuelinos do comércio e da navegação. Porque todos eles foram anti-absolutistas, contra os absolutismos de monarcas, de partidos ou do próprio povo, resistindo em poliarquia. Porque absolutismos sempre foram os poderes em soluto, à solta, mesmo que seja a diarreia dos autoritarismos subestatais em que se enredaram estes pigmeus que invocam Sócrates, sempre mais papistas do que o pretenso papão.
Os grandes poderes do mundo, que sempre souberam rimar com democracia e consensualismo, nunca caíram nos vícios deste crescente salazarismo dito democrático que o nosso situacionismo vai conjugando, ao exaltar as lendas do estadão e do crescimento governamentalizado do respectivo intervencionismo maizena.
Por isso, mantenho-me como cidadão do Reino Unido da esfera armilar e quase me apetece voltar a pedir a integração da república portuguesa nos Estados Unidos do Atlântico Moreno, com Cabo Verde e Angola, mas com a capital no Rio de Janeiro. Porque me recordo que foram os brasileiros que fizeram regressar Luanda a este triângulo estratégico. Porque me apetece saudar José Bonifácio, o Padre António Vieira e D. Pedro I, que foi o nosso D. Pedro IV, e que aos dois deu a mesma constituição da democracia da sociedade civil.
Estes analistas dos prognósticos depois do apito final das crises, ditos, algumas vezes politólogos das relações internacionais, não há meio de compreenderem que só pela compreensão (Verstehen) podemos voltar a abraçar o armilar. Estão fora do tempo que passa porque não sabem conjugar o no princípio era o verbo do animal de discurso que tem ritmo de eternidade. Até nem sabem que a história, a do processo histórico das utopias e das ideologias, é bem menos verdadeira, no sentido de menos filosófica, do que a poesia. Precisam de ler mais sermões de Bento XVI, embora eu prefira os do Padre António Vieira, de avó mulata, em pleno Maranhão, porque assim me recordo que 1640 teve no Brasil a primeira das consequências, como me ensinou mestre Agostinho.
Nos próximos cinquenta anos continuaremos as escrever muitas frases que hão-de salvar a humanidade, mas a humanidade continuará por salvar. Porque continuaremos a chamar política a certas degerescências que não concebem que o Estado está acima do cidadão, mas que o homem está sempre acima do Estado.
Imaginei que, nos próximos cinquenta anos, voltarão os velhos cavaleiros do Apocalipse, como a fome, a peste e a guerra, mas que o homem de sempre, depois da queda, levantar-se-á e continuará a ler Platão, Buda, Confúcio, Cristo, Maomé e Rousseau, não tanto nas letras que matam o espírito, mas nos livros de folhas brancas que foram escritos pela eternidade, por aquele conceito que nos deve fazer reconhecer que a poesia é mais verdadeira do que a história.
Quisemos ser anjos, em nome das utopias, mas acabámos por incrementar as bestas.Temo que as utopias nos trarão novos autoritarismos e novos totalitarismos, mas que a força do bem, a beleza de sempre e a eterna sabedoria nos continuarão a mobilizar. Mesmo em tempo de crise, haverá sempre a “spera”, a “sphera” e a “sperança”, conforme a divida da armilar que D. João II deu ao futuro D. Manuel. Tentei apenas exprimir as minhas crenças e as minhas concepções do mundo e da vida, dessa procura do universal pela diferença. Esquecemos os homens como eles são e caímos na estreita perspectiva das ideologias, dos cientismos e da utopias, porque só a partir da humildade de nos reconhecermos como imperfeitos é que poderemos caminhar para a perfeição, atendendo mais às acções dos homens do que às rescpectivas intenções, construtivistas ou planeamentistas.
Todos temos, humildemente, que aprender com a ditadura dos factos. As tais realidades que quebraram todos os caixilhos ideológicos que nos tentavam explicar o processo histórico, onde alguns pensavam que a história é que moldava o homem. Todos temos de reconhecer que pode ser o homem a fazer a história, mesmo sem saber que história vai fazendo. Por mim, apenas confio. E, como liberal à Kant, mantenho a esperança dos desesperados. Prefiro assistir a estas reuniões cimeiras, onde dois dos vinte actores falam português e outros dois, castelhano, com seis anglo-saxónicos e apenas um em francês. Julgo que a nova língua universal da aliança de civilizações pode entrar no ritmo da justiça, se a política continuar superior à economia, mas sem que nos esqueçamos que os problemas económicos e financeiros se resolvem com medidas económicas e financeiras, mas não apenas com medidas económicas e financeiras. Acho que, apesar de tudo, depois de amanhã, o mundo vai ficar melhor. Sinto.-me da pátria do Padre António Vieira do Maranhão e do Zé Bonifácio do meu Conselho Conservador.
Contudo, se perspectivarmos o Portugal universal, poderíamos dizer, como ensinava Agostinho da Silva, que 1640 teve outra mais importante consequência: permitiu a criação do Brasil, permitiu que as principais energias do independentismo lusíada assentassem no lado de baixo do Equador e que se preparasse a mudança da capital do reino para o Rio de Janeiro, conforme uma estratégia nacional que estava amplamente delineada por D. Pedro II, bem antes de D. João VI. E foi do Brasil que saiu Salvador Correia de Sá para fundar outra cidade de São Paulo, a de Luanda, assim se dando corpo ao novo triângulo estratégico atlântico do oceano lusíada, entre o Rio, Luanda e Lisboa.
Quando a capital de Portugal foi de barco para a América do Sul e desembarcou no Brasil (1808), nessa operação inédita que nos tornou no único país da Europa que já teve a cabeça noutro continente, há duzentos anos. Na altura, a integração europeia obedecia ao ritmo imperialista de Paris, com um italiano afrancesado chamado Napoleone que, só por acaso, não estava casado com a Carla Bruni, embora também já tivesse a intenção de se assumir, pelas parangonas, rei do continente.