Mai 19

Contra a Europa dos emplastros, saudades do José Pacheco Pereira…

Entre Marinho Pinto e Nuno Melo, eis o espaço da presente dialéctica lusitana que passou a caber quase toda num desses cenários analíticos de Marcelo Rebelo de Sousa, com a angústia de termos de decidir entre Jorge Miranda e Maria da Glória. Sócrates responde com dez quilómetros de “cross” pelas novas oportunidades e o cardeal D. José Saraiva teoriza sobre o conceito bíblico de “rex”, enquanto as jotas discutem a distribuição gratuita de camisinhas nas escolas e Manuela Ferreira Leite fala na incompetência total de Jaime Silva e no país enxovalhado pela manutenção de Lopes da Mota num qualquer departamento de europolícia, de que o povo europeu nunca ouviu falar.

 

 

Vital Moreira pode ter razão quando fala dos fantasmas que ensombram as outras listas e, por mim, bem gostaria de um frente a frente entre Ana Gomes e certos emplastros que espreitam no ombro de Rangel, incluindo uma ilustríssima ex-ministra educativa do pior que teve o barrosismo, coisa que seria estimulante se viesse a ser glosada pelo movimento dos blogueiros meus amigos que fazem, dela, doutros e doutras, as pretensas andorinhas que anunciam a primavera da regeneração democrática. É que se fosse obrigado a votar entre as duas preferia naturalmente a Ana, sem ironia, lembrando-me de Timor e da boa acção que a levou justamente a nossa representante libertadora. Tenho divergências com o socratismo, mas não teria dúvidas em votar num PS liberto dessa tralha contra um PSD que nos trouxesse de regresso o anedotário do cavaquismo, do barrosismo e do santanismo. Estou convencido que ainda um dia voltarei a votar útil nesse PS.

 

 

É por isso que não me revejo em certa direita das classes A e B que tem muito do estilo “Independente”, mesmo que se vista do neoporteirismo do recente PSD que, infelizmente, parece ter enredado Rangel, depois das primeira aparições do mesmo, ainda marcadas pela autenticidade tripeira. Agora é só consultores de imagem para um novo penteado e marcadores de “agenda setting”, correndo assim o risco de se transformar em mais um dos plastificados agentes da seccção portuguesa dessa multinacional partidária chamada PPE, a tal que também já pintou de moderação aquele minhoto que “não queria brincar aos políticos”.

Por outras palavras, as eleições europeias ameaçam transformar-se num desses debates controlados à distância, onde talvez fosse mais curial fazerem uma espécie de lista única dos debatentes e comentadores que as agências de Bruxelas costumam remeter para as escolas no dia da Europa, onde Ana Gomes se poderia chamar Teresa de Sousa e o Paulo Rangel, Paulo mas Sande, enquanto Nuno Melo receberia discursos do professor Fausto Canuto. Por outras palavras, não será nesta campanha que vamos discutir política para além da retórica bismarckiana ou habsburguiana dos que nos tratam ao nível dos PIGS, onde deveria ler-se SIGP, ameaçando com heresia os eventuais maus-feitios dos que não se enquadram no molde. É por isso que tenho alguma saudade da rebeldia que, no PSD, demonstrou o José Pacheco Pereira…

Mai 19

Contra o federalismo neojacobino de uma assembleia única

Porque me acordo quase sempre nas vésperas antigas, entre as quatro e as seis da manhã, raramente consigo apanhar as televisivas ou internéticas emissões que aquecem por volta da meia noite. Não, não estou a referir-me às abstracções de Gianni Bertini, aparecidas em 2004, mas  talvez à tertúlia de ontem, com um ilustre candidato a deputado europeu que, muito à cabeça de lista, se disse federalista à maneira de Mário Soares, qualificando os dois como os únicos que assumem tal posição, mas justificando tal atitude pela defesa de uma constituição europeia, a emitir por uma assembleia europeia constituinte. O senhor candidato, que também ontem se assumiu como cristão progressista, por causa do apoio que dá a um sucedâneo de casamento para os homossexuais, não sabendo também se chegou a assinar a ficha de militante do CDS, por causa do apoio que prestou a Lobo Xavier, está no seu direito de entender a Europa dessa forma neojacobina de baptismo catolaico, mas talvez deva admitir que o mundo das ideias é bem maior do que o espaço do respectivo conhecimento paroquial. Chamo-lhe neojacobino não doloso, porque ele não se eximiu na adjectivação fácil de estalinista, para com um meu antigo professor.

 

 

 

Por outras palavras, pode haver um tertium genus europeísta, um pouco mais girondino do que os frequentadores do clube de Saint-Jacques: os que, não dormindo, como o frère, são federalistas e nacionalistas, repudiando o velho soberanismo e o mais antigo estatismo. E estes podem gostar mais de uma Europa como “nação de nações” e de “democracia de democracias”, não admitindo assembleias únicas de unidimensionalizado figurino, como nos é imposto por esta oligarquia partidocrática transnacional e quase apátrida, para recordar verbosidades certas de De Gaulle, quando procurava o “oui par le non”, em defesa da Europa Decadente. Apenas espero que os incautos, em nome do ódio a Vital Moreira e a José Sócrates, não passem um cheque em branco ao mesmo tipo programático de certo PS, não seguidor das teses de autodeterminação nacional, sempre perfilhadas por Manuel Alegre. Quando a música celestial da espuma dos dias nos faz elevar ao mais do mesmo, entre o PS e o PSD, prefiro continuar a ler Boris Vian. Espuma por espuma, prefiro a das ondas e, de tantas rasteiras de palavra solta, ainda nos vai sair a vitória do Vital. A Europa nunca se fará de um golpe, pai-fundador o disse, ou com a técnica da assembleia dos comprados por Bismarck…

Mai 19

Valha-nos Calvino que bem podia ser santo!

Por outras palavras, certos preconceitos de esquerda que marcam os nossos socialistas acabam por dizer que as coisas só são públicas se o patrão for o Estado, não reparando que o título pode não corresponder ao conteúdo. Não há meio de perceberem que não é o hábito que faz o monge, tal como não é o órgão que gera a função, quando o que interessa é ter o órgão ao serviço da função. Logo, não devemos continuara a julgar que só é público o que mede verticalmente, de cima para baixo, conforme a tradição absolutista do centralismo e do concentracionarismo. Porque, se viajarmos pelo fundamento da velha república romana, notaremos que o máximo da coisa pública estava na horizontalidade dos pactos, nomeadamente quanto à qualificação de uma lei, que só era verdadeiramente pública quando os magistrados a propunham num comício do povo. Com efeito, só é efectivamente público o que reside na horizontalidade dos consensos pactistas. Porque a comunidade é superior ao principado, dado que a república vale mais do que o aparelho de poder e a nação é superior ao Estado. Por outras palavras, não devemos trazer para a praça pública aquilo que, para ser eficaz, não deve sair do espaço da intimidade familiar e, muito menos, passar para o largo do pelourinho. Como jurista que continuo a ser, embora dessa ciência não faça modo de vida, até diria que a melhor sociedade é aquela onde todas as regras são espontaneamente cumpridas, nomeadamente aquela onde as tais questões de consciência não precisam do “casse tête” da guarda, dos manuais e códigos de processo penal e das grades prisionais… Os bons situacionistas encontram-se sempre no sindicato dos elogios mútuos. E a Razão de Estado sempre seguiu a máxima maquivélica, segundo a qual os fins superiores da governação permitem a literatura de justificação dos homens de sucesso. Tudo depende dos exércitos disponíveis e do desespero dominante. Apenas acrescento que em encruzilhadas onde não se vê luz ao fundo do túnel, o populismo é directamente proporcional aos sucedâneos messiânicos, mesmo que usem vestidos fora de moda, mas com muitos lacinhos de tecnocracia… Entretanto, alguns generais têm feito declarações muito críticas sobre o défice de democracia e liberdade no país. Parece que vão além da mera autodefesa corporativa, tendo algo de recado dos pais fundadores do regime face à presente decadência de um sistema que vai amarfanhando o regime. Mais grave parece ser a intenção governamental de lei da rolha, num processo de compressão da liberdade de expressão que também afecta certas secções universitárias, onde alguns conselhos directivos e certas inspecções parecem reduzir instituições marcadas pela honra e pela inteligência a dependerem dos discursos oficiosos da hierarquia verticalista de certo estilo “decretino” e quase hierocrático…