Ontem, o João Gonçalves assinalou, em sentido postal, a morte, há onze anos, de Francisco Lucas Pires, comparando a efeméride com este tempo de nojo que precede a formal campanha eleitoral para mais umas eleições europeias, onde os dois principais competidores são marcados por um antigo companheirismo com o fundador do Grupo de Ofir. Um, com alguns sinais de discípulo distante, outro, como colega na velha “alma mater studiorum”. E vieram-me à memória os tristes momentos do funeral do Francisco e das emoções que muitos de nós viveram nos Gerais e no Pátio da Universidade, a que compareceu o colega e antigo adversário político de nós todos, Vital Moreira, num gesto de companheirismo e de nobreza universitária política que o honraram. Lado a lado, com o meu colega de turma Fernando Nogueira, lembro-me dessa viagem pelo tempo perdido com uma intensidade permanecente de encruzilhada criativa a que continuo leal.
Parte essencial da minha biografia intelectual nasceu em “rerum novarum”, “ratio studiorum”e “verdadeiro método de estudar” dessa Coimbra da primeira metade dos anos setenta do século XX, ainda sem “dedução cronológica e analítica”, quando Vital, apesar da disciplina de um partido estalinista, nos introduzia na escadaria althusseriana e gramsciana daquele marxismo aberto que o conduziria ao presente pluralismo de pertenças. E quando Francisco Lucas Pires, não rimando com o grupo lisbonense da “Política” e das memórias situacionistas do “Movimento Jovem Portugal”, fecundava os espaços da direita dos anos sessenta com um pouco menos de reaccionarismo, embora, na sombra, pairasse a mestria mental de Rogério Soares e até algumas condescendências do injustamente esquecido Afonso Rodrigues Queiró, que não se esquecia de ter sido discípulo de Luís Cabral de Moncada. Por outras palavras, os políticos que vieram dessa Coimbra, mesmo quando actores em Lisboa, no parlamento, na ministerialidade ou na partidocracia, nunca perderam a raiz de homens de pensamento e sempre se enquadraram, com alguma dificuldade, nos caixilhos das ideologias plastificadas a que o binário maniqueísta do combate político obriga.
Também ontem, mantive uma longa conversa com um jovem ligado a movimentos liberais europeus institucionalizados e ambos reconhecíamos como era difícil escolhermos um dos partidos que agora estão na corrida europeia, entalados que estamos entre o PPE e o PSE, dado que as margens comunistas e bloqueiras nenhuma coincidência têm com a identidade pluralista do ser liberal. Foi uma conversa entre um velho liberal, que terá sempre uma base conservadora, como eu, e um outro jovem, mais da esquerda das causas, que aceita o meu tradicionalismo anti-reaccionário, mais girondino do que jacobino e mais radical de um centro excêntrico do que gazua dos valores identitários de uma comunidade nacional esotérica, como é a portuguesa, onde me continuo a conjugar entre a herança de Alexandre Herculano e as saudades de futuro de Fernando Pessoa.
Por isso também recordo o esforço frustrado de Francisco Lucas Pires, quando pretendeu conjugar, num espaço partidário, as famílias da democracia-cristã, dos conservadores e dos liberais, ele que acabou mais democrata-cristão, mas sem deixar de misturar o conservador e o liberal, num certo estilo de nacionalismo liberal que foi capaz de conciliar com o europeísmo oficial do PPE. Nessa aventura que o levou ao PSD já não participei, embora tenha saudado expressa e categoricamente, em artigo aparecido num semanário da época, o respectivo pedido de demissão de um CDS que se enredava no tacticismo do “Independente”. Eu tinha-o precedido no abandono da instituição.
Reparo que esse verme indenpendenteiro, ainda hoje, embora com outros nomes, mas com a mesma farpela capitaleira e radical-chic de direita, está a limitar o espaço de criatividade que, nos primeiros momentos, pareceu manifestar Rangel, antes de se encasular no fato às riscas do “homo partidarius” que procura um empate no jogo entre Porto e Coimbra, para que o PSD não desça de divisão.