Mai 22

Entre a herança de Alexandre Herculano e as saudades de futuro de Fernando Pessoa, com alma mater como pano de fundo

Ontem, o João Gonçalves assinalou, em sentido postal, a morte, há onze anos, de Francisco Lucas Pires, comparando a efeméride com este tempo de nojo que precede a formal campanha eleitoral para mais umas eleições europeias, onde os dois principais competidores são marcados por um antigo companheirismo com o fundador do Grupo de Ofir. Um, com alguns sinais de discípulo distante, outro, como colega na velha “alma mater studiorum”. E vieram-me à memória os tristes momentos do funeral do Francisco e das emoções que muitos de nós viveram nos Gerais e no Pátio da Universidade, a que compareceu o colega e antigo adversário político de nós todos, Vital Moreira, num gesto de companheirismo e de nobreza universitária política que o honraram. Lado a lado, com o meu colega de turma Fernando Nogueira, lembro-me dessa viagem pelo tempo perdido com uma intensidade permanecente de encruzilhada criativa a que continuo leal.

 

Parte essencial da minha biografia intelectual nasceu em “rerum novarum”, “ratio studiorum”e “verdadeiro método de estudar” dessa Coimbra da primeira metade dos anos setenta do século XX, ainda sem “dedução cronológica e analítica”, quando Vital, apesar da disciplina de um partido estalinista, nos introduzia  na escadaria althusseriana e gramsciana daquele marxismo aberto que o conduziria ao presente pluralismo de pertenças. E quando Francisco Lucas Pires, não rimando com o grupo lisbonense da “Política” e das memórias situacionistas do “Movimento Jovem Portugal”,  fecundava os espaços da direita dos anos sessenta com um pouco menos de reaccionarismo, embora, na sombra, pairasse a mestria mental de Rogério Soares e até algumas condescendências do injustamente esquecido Afonso Rodrigues Queiró, que não se esquecia de ter sido discípulo de Luís Cabral de Moncada. Por outras palavras, os políticos que vieram dessa Coimbra, mesmo quando actores em Lisboa, no parlamento, na ministerialidade ou na partidocracia, nunca perderam a raiz de homens de pensamento e sempre se enquadraram, com alguma dificuldade, nos caixilhos das ideologias plastificadas a que o binário maniqueísta do combate político obriga.

 

Também ontem, mantive uma longa conversa com um jovem ligado a movimentos liberais europeus institucionalizados e ambos reconhecíamos como era difícil escolhermos um dos partidos que agora estão na corrida europeia, entalados que estamos entre o PPE e o PSE, dado que as margens comunistas e bloqueiras nenhuma coincidência têm com a identidade pluralista do ser liberal. Foi uma conversa entre um velho liberal, que terá sempre uma base conservadora, como eu, e um outro jovem, mais da esquerda das causas, que aceita o meu tradicionalismo anti-reaccionário, mais girondino do que jacobino e mais radical de um centro excêntrico do que gazua dos valores identitários de uma comunidade nacional esotérica, como é a portuguesa, onde me continuo a conjugar entre a herança de Alexandre Herculano e as saudades de futuro de Fernando Pessoa.

 

Por isso também recordo o esforço frustrado de Francisco Lucas Pires, quando pretendeu conjugar, num espaço partidário, as famílias da democracia-cristã, dos conservadores e dos liberais, ele que acabou mais democrata-cristão, mas sem deixar de misturar o conservador e o liberal, num certo estilo de nacionalismo liberal que foi capaz de conciliar com o europeísmo oficial do PPE. Nessa aventura que o levou ao PSD já não participei, embora tenha saudado expressa e categoricamente, em artigo aparecido num semanário da época, o respectivo pedido de demissão de um CDS que se enredava no tacticismo do “Independente”. Eu tinha-o precedido no abandono da instituição.

 

Reparo que esse verme indenpendenteiro, ainda hoje, embora com outros nomes, mas com a mesma farpela capitaleira e radical-chic de direita, está a limitar o espaço de criatividade que, nos primeiros momentos, pareceu manifestar Rangel, antes de se encasular no fato às riscas do “homo partidarius” que procura um empate no jogo entre Porto e Coimbra, para que o PSD não desça de divisão.

Mai 22

Do encerramento da Universidade Internacional ao rejuvenescimento da pátria, com Marinetti em antidantas

No crepúsculo desta legislatura, onde todos são campanha eleitoral, o consenso da ética republicana, os acordos do bloco central e o eventual bom senso do arco constitucional não rimam com a original ética republicana, mesmo que ela seja tão monárquica como a do fundador do conceito, um tal Kant. Daí, a novidade parlamentar de hoje: dos 222 deputados votantes, 113 escolheram Jorge Miranda (PS), 59 optaram por Maria da Glória Garcia (PSD), 15 apostaram em Guilherme da Fonseca (PCP) e 16 em Mário Brochado Coelho (BE). Outros 16 parlamentares preferiram votar em branco e três tornaram nulo o seu voto. Serão necessários 148 votos para se atingirem os dois terços necessários.

 

Isto é, o único queijo limiano que resta é ou uma traição dos deputados do PSD, ou  aquilo que o mesmo partido sempre exigiu: somos necessários para perfazermos dois terços! Logo, em termos de Pátria Portuguesa S. A. R. L., as acções laranjas, apesar de minoritárias, aumentaram de valor ou são falíveis. Mesmo que, fazendo as contas, tenhamos de concluir que os desviacionistas, os que indisciplinaram a ordem dos directórios partidários, vieram tanto do PS como do PSD. Entretanto, ficamos a saber que Francisco Pinto Balsemão, que daria também adequado candidato a Provedor,  tendo em vista o conceito geracional dominante, passou a representante da sociedade civil na liderança de  mais uma universidade pública portuguesa, emparelhando assim com outro antigo ministro, de quem foi colaborador no antigo regime, e com Henrique Granadeiro, antigo activista do grupo Expresso. Dois dos três desempenharam funções de relevo no decadente ensino superior universitário privado. Espero que não tragam esta última carga para as funções de regeneração e rejuvenescimento que as universidades públicas portuguesas precisam, especialmente quando o país tem, como chefe do governo, um dos bons exemplos criativos que o mesmo ensino universitário privado trouxe ao país.

 

P.S. 1. A imagem reproduzida não é pura coincidência, retrata o antigo Vice Presidente do Conselho de Planeamento da encerrada Universidade Internacional,  entidade precursora destas magníficas reformas de Gago, já depois de ter sido ministro, onde o  depois tem a ver com o cargo e não com a imagem junta. Depois do depois é Telecom, Santander, Siemens, Mello, etc. Daria um óptimo Provedor de Justiça, sem ironia.

 

P.S. 2. O rapaz da fotografia não é um dos estudantes da António Arroyo que hoje recebeu sem ovos, mas com muita algazarra de instalação, Sócrates, Teixeira e a Maria de Lurdes. Chamaram-lhes, com evidente ofensa para Mussolini, “governo fascista”, para rimarem com a reivindicação do artista, mas, num cartaz que a televisão emitiu, podia ler-se um grito de alma: “somos futuristas”, com um “viva Marinetti”. O tal do “promontório dos séculos” que ainda não havia sido varado pelo “magalhães”, mas que era fascista e tudo. Espero que o Ministério não mande mais um inspector  inquirir sobre esta campanha de camisinhas negras anticonstitucionais. Vale mais continuarmos o “manifesto antidantas” que esse era “futurista e tudo”. Porque quem semeia ventos de propaganda comicieira em cima da mesa do orçamento do estadão, depois de atirar pedradas pode passar por um pátio e achar as suas proas quebradas, colhendo as inevitáveis tempestades…