Mai 22

Entre a herança de Alexandre Herculano e as saudades de futuro de Fernando Pessoa, com alma mater como pano de fundo

Ontem, o João Gonçalves assinalou, em sentido postal, a morte, há onze anos, de Francisco Lucas Pires, comparando a efeméride com este tempo de nojo que precede a formal campanha eleitoral para mais umas eleições europeias, onde os dois principais competidores são marcados por um antigo companheirismo com o fundador do Grupo de Ofir. Um, com alguns sinais de discípulo distante, outro, como colega na velha “alma mater studiorum”. E vieram-me à memória os tristes momentos do funeral do Francisco e das emoções que muitos de nós viveram nos Gerais e no Pátio da Universidade, a que compareceu o colega e antigo adversário político de nós todos, Vital Moreira, num gesto de companheirismo e de nobreza universitária política que o honraram. Lado a lado, com o meu colega de turma Fernando Nogueira, lembro-me dessa viagem pelo tempo perdido com uma intensidade permanecente de encruzilhada criativa a que continuo leal.

 

Parte essencial da minha biografia intelectual nasceu em “rerum novarum”, “ratio studiorum”e “verdadeiro método de estudar” dessa Coimbra da primeira metade dos anos setenta do século XX, ainda sem “dedução cronológica e analítica”, quando Vital, apesar da disciplina de um partido estalinista, nos introduzia  na escadaria althusseriana e gramsciana daquele marxismo aberto que o conduziria ao presente pluralismo de pertenças. E quando Francisco Lucas Pires, não rimando com o grupo lisbonense da “Política” e das memórias situacionistas do “Movimento Jovem Portugal”,  fecundava os espaços da direita dos anos sessenta com um pouco menos de reaccionarismo, embora, na sombra, pairasse a mestria mental de Rogério Soares e até algumas condescendências do injustamente esquecido Afonso Rodrigues Queiró, que não se esquecia de ter sido discípulo de Luís Cabral de Moncada. Por outras palavras, os políticos que vieram dessa Coimbra, mesmo quando actores em Lisboa, no parlamento, na ministerialidade ou na partidocracia, nunca perderam a raiz de homens de pensamento e sempre se enquadraram, com alguma dificuldade, nos caixilhos das ideologias plastificadas a que o binário maniqueísta do combate político obriga.

 

Também ontem, mantive uma longa conversa com um jovem ligado a movimentos liberais europeus institucionalizados e ambos reconhecíamos como era difícil escolhermos um dos partidos que agora estão na corrida europeia, entalados que estamos entre o PPE e o PSE, dado que as margens comunistas e bloqueiras nenhuma coincidência têm com a identidade pluralista do ser liberal. Foi uma conversa entre um velho liberal, que terá sempre uma base conservadora, como eu, e um outro jovem, mais da esquerda das causas, que aceita o meu tradicionalismo anti-reaccionário, mais girondino do que jacobino e mais radical de um centro excêntrico do que gazua dos valores identitários de uma comunidade nacional esotérica, como é a portuguesa, onde me continuo a conjugar entre a herança de Alexandre Herculano e as saudades de futuro de Fernando Pessoa.

 

Por isso também recordo o esforço frustrado de Francisco Lucas Pires, quando pretendeu conjugar, num espaço partidário, as famílias da democracia-cristã, dos conservadores e dos liberais, ele que acabou mais democrata-cristão, mas sem deixar de misturar o conservador e o liberal, num certo estilo de nacionalismo liberal que foi capaz de conciliar com o europeísmo oficial do PPE. Nessa aventura que o levou ao PSD já não participei, embora tenha saudado expressa e categoricamente, em artigo aparecido num semanário da época, o respectivo pedido de demissão de um CDS que se enredava no tacticismo do “Independente”. Eu tinha-o precedido no abandono da instituição.

 

Reparo que esse verme indenpendenteiro, ainda hoje, embora com outros nomes, mas com a mesma farpela capitaleira e radical-chic de direita, está a limitar o espaço de criatividade que, nos primeiros momentos, pareceu manifestar Rangel, antes de se encasular no fato às riscas do “homo partidarius” que procura um empate no jogo entre Porto e Coimbra, para que o PSD não desça de divisão.

Mai 22

Do encerramento da Universidade Internacional ao rejuvenescimento da pátria, com Marinetti em antidantas

No crepúsculo desta legislatura, onde todos são campanha eleitoral, o consenso da ética republicana, os acordos do bloco central e o eventual bom senso do arco constitucional não rimam com a original ética republicana, mesmo que ela seja tão monárquica como a do fundador do conceito, um tal Kant. Daí, a novidade parlamentar de hoje: dos 222 deputados votantes, 113 escolheram Jorge Miranda (PS), 59 optaram por Maria da Glória Garcia (PSD), 15 apostaram em Guilherme da Fonseca (PCP) e 16 em Mário Brochado Coelho (BE). Outros 16 parlamentares preferiram votar em branco e três tornaram nulo o seu voto. Serão necessários 148 votos para se atingirem os dois terços necessários.

 

Isto é, o único queijo limiano que resta é ou uma traição dos deputados do PSD, ou  aquilo que o mesmo partido sempre exigiu: somos necessários para perfazermos dois terços! Logo, em termos de Pátria Portuguesa S. A. R. L., as acções laranjas, apesar de minoritárias, aumentaram de valor ou são falíveis. Mesmo que, fazendo as contas, tenhamos de concluir que os desviacionistas, os que indisciplinaram a ordem dos directórios partidários, vieram tanto do PS como do PSD. Entretanto, ficamos a saber que Francisco Pinto Balsemão, que daria também adequado candidato a Provedor,  tendo em vista o conceito geracional dominante, passou a representante da sociedade civil na liderança de  mais uma universidade pública portuguesa, emparelhando assim com outro antigo ministro, de quem foi colaborador no antigo regime, e com Henrique Granadeiro, antigo activista do grupo Expresso. Dois dos três desempenharam funções de relevo no decadente ensino superior universitário privado. Espero que não tragam esta última carga para as funções de regeneração e rejuvenescimento que as universidades públicas portuguesas precisam, especialmente quando o país tem, como chefe do governo, um dos bons exemplos criativos que o mesmo ensino universitário privado trouxe ao país.

 

P.S. 1. A imagem reproduzida não é pura coincidência, retrata o antigo Vice Presidente do Conselho de Planeamento da encerrada Universidade Internacional,  entidade precursora destas magníficas reformas de Gago, já depois de ter sido ministro, onde o  depois tem a ver com o cargo e não com a imagem junta. Depois do depois é Telecom, Santander, Siemens, Mello, etc. Daria um óptimo Provedor de Justiça, sem ironia.

 

P.S. 2. O rapaz da fotografia não é um dos estudantes da António Arroyo que hoje recebeu sem ovos, mas com muita algazarra de instalação, Sócrates, Teixeira e a Maria de Lurdes. Chamaram-lhes, com evidente ofensa para Mussolini, “governo fascista”, para rimarem com a reivindicação do artista, mas, num cartaz que a televisão emitiu, podia ler-se um grito de alma: “somos futuristas”, com um “viva Marinetti”. O tal do “promontório dos séculos” que ainda não havia sido varado pelo “magalhães”, mas que era fascista e tudo. Espero que o Ministério não mande mais um inspector  inquirir sobre esta campanha de camisinhas negras anticonstitucionais. Vale mais continuarmos o “manifesto antidantas” que esse era “futurista e tudo”. Porque quem semeia ventos de propaganda comicieira em cima da mesa do orçamento do estadão, depois de atirar pedradas pode passar por um pátio e achar as suas proas quebradas, colhendo as inevitáveis tempestades…

Mai 21

As saudades do avô tirano e os micro-autoritarismos dos mandarins, onde há mais papistas do que o papão

A liderança não é uma qualidade pessoal, mas antes a interacção do líder com determinadas situações sociais, pois as mesmas qualidades pessoais podem não servir para outras circunstâncias de tempo e de lugar. Barroso, um péssimo primeiro-ministro de Portugal, tornou-se num óptimo presidente da comissão europeia, tal como um bom autarca ou um bom professor podem dar uns péssimos ministro. Acresce que as lideranças políticas  pouco têm a ver com lideranças futebolíticas ou até com lideranças do mundo dos negócios e que confundir os plano pode levar ao desespero de comparações, onde quem busca homens providenciais pode provocar uma rifa donde nos sai um Valle e Azevedo ou um Zé dos Bigodes. Assim, nesta encruzilhada de decadência, quando insensivelmente andamos em busca dos tais homens providenciais e carismáticos, quando criticamos o vazio de líderes,  contribuímos para a eleição de Salazar num concurso televisivo ou criamos um saudosismo, onde voltam outras lideranças políticas fortes dos últimos trinta anos. Quase não reparamos que foi o pós-autoritarismo face ao avô tirano que gerou situações psicológicas de confiança face a outras personalidades, como foi a de Mário Soares, o pai bonacheirão da democracia que com as suas bochechas tranquilizantes nos livrou das tensões do PREC, sem recurso aos antidepressivos. E, em seguida, quando já estávamos mais calmos, procurámos uma liderança contraditória, a do tio Aníbal que, nos seus tempos áureos de construção do cavaquistão dos homens do sucesso, apareceu como o gestor implacável com alguns tiques de autoritário, típico de um tempo de “enrichez vous”, onde uma personalidade incorruptível não cuidava de escolher as mesmas qualidades nos seus ajudantes ministeriais, como agora se pode comprovar. De qualquer maneira, nesta sociedade, ainda com marcas pós-autoritárias, sobretudo face à manutenção dos subsistemas de medo,poucos compreendem que a ditadura foi um período de suspensão da política, onde o chefe governou a república como o pai governava a casa, como o patrão comanda a empresa, misturando a violência e a opressão com a coerção muda. Isto é, vivemos em paternalismo, essa forma de controlo de um país ou de um grupo, onde os que mandam tratam os dependentes como os pais tratam os filhos nos modelos de família tradicional. No plano político, equivale ao despotismo, quando o chefe político governa a república como o dono trata da casa. No caso concreto da gestão de empresas, quando o patrão trata os empregados apenas com piedade e condescendência, não admitindo a institucionalização dos conflitos nem o recurso à ideia de justiça, nomeadamente visando o estabelecimento de acordos e negociações entre empregadores e trabalhadores entendidos como categorias colocadas num plano de igualdade contratual.  É então que emerge o déspota que, etimologicamente, significa o chefe da casa, em grego (oikos despote). Equivale ao dominus grego (o chefe da domus), donde vem o nosso dono. O radical potes origina em latim potens, potentis, donde vem potentia. O despote é aquele que tem omnipotência, plenos poderes sobre os que dele estão dependentes. Tal como o seu sucessor, o paterfamilias romano, com direito de vida ou de morte (ius vitae necisque) sobre os membros da família extensa que comanda. Equivale à ideia de patrão omnipotente ou de pai tirano. E a ideia regressa sempre que o chefe político trata de gerir o espaço político como se este fosse uma casa ou uma empresa, onde desaparecem os cidadãos, participantes na decisão política, e todos se transformam em súbditos ou dependentes. Degenerescência da política que esquece aquele dito de Plínio, dirigindo-se a Trajano, segundo o qual inventámos o príncipe, a política, para deixarmos de ter um dono. É evidente que muitos chefezinhos políticos de hoje ainda procuram disfarçar-se com velho modelo do  despotisme éclairé, proposto pelos enciclopedistas e que tem como antecedente a ideia de governo da ciência de Francis Bacon. O tal modelo que foi também assumido pelos fisiocratas, quando estes distinguiam o desejáveldespotisme légale do mero despotisme arbitraire, conforme terminologia inventada por Mercier de la Rivière.

Mai 19

Contra a Europa dos emplastros, saudades do José Pacheco Pereira…

Entre Marinho Pinto e Nuno Melo, eis o espaço da presente dialéctica lusitana que passou a caber quase toda num desses cenários analíticos de Marcelo Rebelo de Sousa, com a angústia de termos de decidir entre Jorge Miranda e Maria da Glória. Sócrates responde com dez quilómetros de “cross” pelas novas oportunidades e o cardeal D. José Saraiva teoriza sobre o conceito bíblico de “rex”, enquanto as jotas discutem a distribuição gratuita de camisinhas nas escolas e Manuela Ferreira Leite fala na incompetência total de Jaime Silva e no país enxovalhado pela manutenção de Lopes da Mota num qualquer departamento de europolícia, de que o povo europeu nunca ouviu falar.

 

 

Vital Moreira pode ter razão quando fala dos fantasmas que ensombram as outras listas e, por mim, bem gostaria de um frente a frente entre Ana Gomes e certos emplastros que espreitam no ombro de Rangel, incluindo uma ilustríssima ex-ministra educativa do pior que teve o barrosismo, coisa que seria estimulante se viesse a ser glosada pelo movimento dos blogueiros meus amigos que fazem, dela, doutros e doutras, as pretensas andorinhas que anunciam a primavera da regeneração democrática. É que se fosse obrigado a votar entre as duas preferia naturalmente a Ana, sem ironia, lembrando-me de Timor e da boa acção que a levou justamente a nossa representante libertadora. Tenho divergências com o socratismo, mas não teria dúvidas em votar num PS liberto dessa tralha contra um PSD que nos trouxesse de regresso o anedotário do cavaquismo, do barrosismo e do santanismo. Estou convencido que ainda um dia voltarei a votar útil nesse PS.

 

 

É por isso que não me revejo em certa direita das classes A e B que tem muito do estilo “Independente”, mesmo que se vista do neoporteirismo do recente PSD que, infelizmente, parece ter enredado Rangel, depois das primeira aparições do mesmo, ainda marcadas pela autenticidade tripeira. Agora é só consultores de imagem para um novo penteado e marcadores de “agenda setting”, correndo assim o risco de se transformar em mais um dos plastificados agentes da seccção portuguesa dessa multinacional partidária chamada PPE, a tal que também já pintou de moderação aquele minhoto que “não queria brincar aos políticos”.

Por outras palavras, as eleições europeias ameaçam transformar-se num desses debates controlados à distância, onde talvez fosse mais curial fazerem uma espécie de lista única dos debatentes e comentadores que as agências de Bruxelas costumam remeter para as escolas no dia da Europa, onde Ana Gomes se poderia chamar Teresa de Sousa e o Paulo Rangel, Paulo mas Sande, enquanto Nuno Melo receberia discursos do professor Fausto Canuto. Por outras palavras, não será nesta campanha que vamos discutir política para além da retórica bismarckiana ou habsburguiana dos que nos tratam ao nível dos PIGS, onde deveria ler-se SIGP, ameaçando com heresia os eventuais maus-feitios dos que não se enquadram no molde. É por isso que tenho alguma saudade da rebeldia que, no PSD, demonstrou o José Pacheco Pereira…

Mai 19

Contra o federalismo neojacobino de uma assembleia única

Porque me acordo quase sempre nas vésperas antigas, entre as quatro e as seis da manhã, raramente consigo apanhar as televisivas ou internéticas emissões que aquecem por volta da meia noite. Não, não estou a referir-me às abstracções de Gianni Bertini, aparecidas em 2004, mas  talvez à tertúlia de ontem, com um ilustre candidato a deputado europeu que, muito à cabeça de lista, se disse federalista à maneira de Mário Soares, qualificando os dois como os únicos que assumem tal posição, mas justificando tal atitude pela defesa de uma constituição europeia, a emitir por uma assembleia europeia constituinte. O senhor candidato, que também ontem se assumiu como cristão progressista, por causa do apoio que dá a um sucedâneo de casamento para os homossexuais, não sabendo também se chegou a assinar a ficha de militante do CDS, por causa do apoio que prestou a Lobo Xavier, está no seu direito de entender a Europa dessa forma neojacobina de baptismo catolaico, mas talvez deva admitir que o mundo das ideias é bem maior do que o espaço do respectivo conhecimento paroquial. Chamo-lhe neojacobino não doloso, porque ele não se eximiu na adjectivação fácil de estalinista, para com um meu antigo professor.

 

 

 

Por outras palavras, pode haver um tertium genus europeísta, um pouco mais girondino do que os frequentadores do clube de Saint-Jacques: os que, não dormindo, como o frère, são federalistas e nacionalistas, repudiando o velho soberanismo e o mais antigo estatismo. E estes podem gostar mais de uma Europa como “nação de nações” e de “democracia de democracias”, não admitindo assembleias únicas de unidimensionalizado figurino, como nos é imposto por esta oligarquia partidocrática transnacional e quase apátrida, para recordar verbosidades certas de De Gaulle, quando procurava o “oui par le non”, em defesa da Europa Decadente. Apenas espero que os incautos, em nome do ódio a Vital Moreira e a José Sócrates, não passem um cheque em branco ao mesmo tipo programático de certo PS, não seguidor das teses de autodeterminação nacional, sempre perfilhadas por Manuel Alegre. Quando a música celestial da espuma dos dias nos faz elevar ao mais do mesmo, entre o PS e o PSD, prefiro continuar a ler Boris Vian. Espuma por espuma, prefiro a das ondas e, de tantas rasteiras de palavra solta, ainda nos vai sair a vitória do Vital. A Europa nunca se fará de um golpe, pai-fundador o disse, ou com a técnica da assembleia dos comprados por Bismarck…

Mai 19

Valha-nos Calvino que bem podia ser santo!

Por outras palavras, certos preconceitos de esquerda que marcam os nossos socialistas acabam por dizer que as coisas só são públicas se o patrão for o Estado, não reparando que o título pode não corresponder ao conteúdo. Não há meio de perceberem que não é o hábito que faz o monge, tal como não é o órgão que gera a função, quando o que interessa é ter o órgão ao serviço da função. Logo, não devemos continuara a julgar que só é público o que mede verticalmente, de cima para baixo, conforme a tradição absolutista do centralismo e do concentracionarismo. Porque, se viajarmos pelo fundamento da velha república romana, notaremos que o máximo da coisa pública estava na horizontalidade dos pactos, nomeadamente quanto à qualificação de uma lei, que só era verdadeiramente pública quando os magistrados a propunham num comício do povo. Com efeito, só é efectivamente público o que reside na horizontalidade dos consensos pactistas. Porque a comunidade é superior ao principado, dado que a república vale mais do que o aparelho de poder e a nação é superior ao Estado. Por outras palavras, não devemos trazer para a praça pública aquilo que, para ser eficaz, não deve sair do espaço da intimidade familiar e, muito menos, passar para o largo do pelourinho. Como jurista que continuo a ser, embora dessa ciência não faça modo de vida, até diria que a melhor sociedade é aquela onde todas as regras são espontaneamente cumpridas, nomeadamente aquela onde as tais questões de consciência não precisam do “casse tête” da guarda, dos manuais e códigos de processo penal e das grades prisionais… Os bons situacionistas encontram-se sempre no sindicato dos elogios mútuos. E a Razão de Estado sempre seguiu a máxima maquivélica, segundo a qual os fins superiores da governação permitem a literatura de justificação dos homens de sucesso. Tudo depende dos exércitos disponíveis e do desespero dominante. Apenas acrescento que em encruzilhadas onde não se vê luz ao fundo do túnel, o populismo é directamente proporcional aos sucedâneos messiânicos, mesmo que usem vestidos fora de moda, mas com muitos lacinhos de tecnocracia… Entretanto, alguns generais têm feito declarações muito críticas sobre o défice de democracia e liberdade no país. Parece que vão além da mera autodefesa corporativa, tendo algo de recado dos pais fundadores do regime face à presente decadência de um sistema que vai amarfanhando o regime. Mais grave parece ser a intenção governamental de lei da rolha, num processo de compressão da liberdade de expressão que também afecta certas secções universitárias, onde alguns conselhos directivos e certas inspecções parecem reduzir instituições marcadas pela honra e pela inteligência a dependerem dos discursos oficiosos da hierarquia verticalista de certo estilo “decretino” e quase hierocrático…

 

Mai 18

Sobre os caçadores de satânicos, demoníacos, maçónicos, pentescostalistas, bruxas e budistas

Como crente que vou sendo, e cada vez menos ateu e menos agnóstico, nada posso ter de anticatólico, antiprotestante, antijudaico, antibudista ou antimuçulmano, mesmo que me reconheça como não adepto da religião dominante em Portugal. Bem pelo contrário! As grandes religiões universais, sobretudo em momentos de cepticismo pouco entusiasmante, são fundamentais para que o fundamentalismo não nos faça tropeçar nas encruzilhadas da decadência. Daí que, ontem, tenha espreitado, com toda a naturalidade, a participação do nosso Fidelíssimo chefe de Estado nas comemorações, procissões e missas do símbolo escultório que o Cardeal Cerejeira colocou na outra banda, saudando, em especial, a postura de reconhecimento popular que a presidente comunista da autarquia almadense assumiu.  Reparei que o senhor duque de Bragança foi transformado por Fátima Campos Ferreira em comentador de assuntos religiosos, mas que o Bispo de Setúbal teve o diplomático cuidado de silenciar referências à relação da dinastia que lhe dá nome com o culto mariano, certamente para não irritar a comissão oficial das comemorações do 5 de Outubro de 1910.  Invocar a aliança do trono e do altar, anteriores a 15 de Maio de 1891 seria tão politicamente incorrecto como homenagear D. Manuel Gonçalves Cerejeira e o seu grande aliado António de Oliveira Salazar , até porque os organizadores das cerimónias de ontem e de anteontem, tão justamente transmitidas em directo pela televisão pública deste Estado laico, não quiseram correr esse risco. Seria quase tão ofensivo quanto montarem uma banca onde poderiam colocar o “Diccionario Enciclopédico de Sectas” organizado pelo dignitário espanhol do Opus Dei, Manuel Guerra Gómez, especialista na detecção da dita “versão maçónica da Ordem de Malta”, bem como no inventário das vinte mil seitas que inundam a ortodoxia, segundo o conceito da Universidade de Navarra, com os consequentes processos difamtórios em tribunais do Estado Espanhol de hoje.  Temo que, do reino da Casa de Áustria, nos voltem a exportar conceitos como este: “uma seita é a chave existencial, teórica e prática dos que pertencem a um grupo autónomo, não cristão, fanaticamente proselitista, exaltador do esforço pessoal e da expectativa de uma mudança maravilhosa, colectiva – da humanidade – do indivíduo ou do homem em uma espécie de super-homem”. Temo que os neotorquemadas aqui se estabeleçam com a respectiva Rede Ibero-Americana de Estudo das Seitas (RIES), para concluirmos guerraticamente que a “nossa época, não menos do que outras e talvez mais que outras, merece apelidar-se demoníaca”. Daí que possam aparecer os habituais caçadores de satânicos, demoníacos, maçónicos, cismáticos, heréticos, pentescostalistas, bruxas e budistas, em nome de um pretenso científico catedrático, assente num qualquer Doutor em Teologia patrística e em Filologia clássica, capaz de concluir pelas vias que nos levam à “busca desenfreada do prazer sexual” ou às “relações peculiares com o Demónio”, bem como à detecção dos praticantes de “el yoga, las artes marciales (aikido, reiki, taichi, etc.) y, sobre todo, el zen, han sido el caballo de Troya que ha facilitado la introducción camuflada del budismo en Occidente”.  Por mim, continuo a reler o processo do Padre António Vieira perante a Inquisição, a ser fiel a Damião de Góis e a preferir Erasmo a Lutero, embora subscreva Fernando Pessoa. Contudo, não deixo de reconhecer que o livro minhoto-coimbrão “A Igreja e o Pensamento Contemporâneo”, de 1924, precede, numa década, o “Caminho” de São Josemaria Escrivá. Para bom entendimento de certa ortodoxia editorial, estas palavras esotéricas devem bastar. Compreendo a causa profunda das vergastadas saneadoras que me dão no lombo certos vendedores de santinhos e sanbentinhos. Para mim, Manuel Guerra era o nome do meu reitor do liceu de Coimbra, o “pulga” de que todos temos saudades, mas que antes da guerra tinha santos de baptismo. Mas esse era professor de matemática e nunca foi editor-mor da ACTIC…

Mai 16

De como Alegre não quis ser vencido na estreiteza dos campos de Alfarrobeira. Os povos continuam disponíveis para a restauração da república

O socialismo social-democrata cá dos reinóis vai reconhecendo a verdade do meio milhão de desempregados, acrescentando que, apesar de se esquecer dos números na algibeira do casaco, a situação é menos má do que a média da União Europeia, onde, embora estejamos na cauda das igualdades sociais, sempre temos belas vistas, olhanenses, olhos à belenenses e boas vistas que perderam as estacas dos loureiros a dias. Vale-nos que os primos do primeiro já conseguem que o expresso volte a dar notícias, fingindo poses de kungfu, quando o sobrinho do tio foi semear magalhães para o jardim do colombo, sem levar vitais nem vitalinos. Por outras palavras, a encruzilhada continua, a situação resiste e a pátria inteira vai continuar a ouvir prédicas de marcelo ao domingo, reprédicas de vitorino à segunda e entrevistas pimba todos os dias, nesta gerontocracia onde manda quem gosta de passar as horas a substituir missinhas por visitas quotidianas aos ginásios de fisiatria, onde reformados, aposentados e pensionistas pensam que ainda podem subir a coqueiros, como se as águas do rio da vida passassem duas vezes no mesmo sítio e da mesma  maneira.

 

Por isso, importa saudar a coragem de Manuel Alegre que, contra muitas previsões, cumpriu a palavra. Primeiro, veio dizer-nos que o PS não se reduz ao Partido de Sócrates, mas que não está disposto a substituir Jaime Gama no parlamento nem António Vitorino na RTP, dado que não se vislumbra como equivalente a Marcelo Rebelo de Sousa e prefere missão mais metapolítica: a de vencer os aparentes ideias conjunturais das sondajocracias, passando para a eternidade do respeito e da confiança públicas. Daí que ele também não tenha optado pela via estreita de um novo partido que o encarcalharia em aparentes retóricas de uma qualquer ideologia de pacotilha. Por outras palavras, Alegre manteve a autenticidade do poeta, a confiança na palavra e a esperança numa eternidade, quando ousou continuar a viver como pensa, sem ter que pensar como depois vai viver.

 

Daqui a alguns anos, ninguém se lembrará das retóricas comicieiras ou comentaristas das nossas carpideiras frustradas que nos enredam em velhices do restelo, para uso de uma gerontocracia  que continua a brincar aos assassinatos morais, típicos da conspiração de avós e netos, onde os jotas são usados para o jogo sujo dos que continuam a rebentar com as bonecas, para verem a palha que elas têm dentro. Isto é, Manuel Alegre, que recentemente estudou o drama do Infante D. Pedro, não deixou que os devoristas que se escondem atrás dos netos de D. João I, o levassem para o desastre de Alfarrobeira, dado que compreendeu que nesse campo ele perderia a natural aliança com as tropas populares do partido dos concelhos, conforme continua a ser exigido pela lei fundamental do reino, contante do discurso de João das Regras nas Cortes de Coimbra de 1385, essa constituição originária que nos deu 1640 e 1820, mas que os contitucionalistas de hoje esqueceram.

 

Em tempos de regafobe, é bom que os devoristas se devorem uns aos outros, para que os resistentes do “polla ley” e “polla grey”, conservem o projecto armilar de passagem do Cabo das Tormentas, mesmo que venham a morrer tentando. Os que têm a fibra multissecular de uma palavra que continuamos a passar, de segredo em segredo, sabem que a espera tanto é esperança como é esfera. Basta que a estratégia volte a dar força ao poder-ser.

 

É evidente que não iria com Alegre para Alfarrobeira, donde aliás poderia sair com a aparente vitória de uma corte reforçada de quinze ou vinte deputados que hoje estão certamente tristíssimos. Alegre é republicano e muitos como eu continuam realistas. Alegre é da esquerda socialista e muitos como eu não são socialistas e, face a esta esquerda, até continuam a dizer-se de direita, embora estejam muito à esquerda da direita cavaqueira e marcelosa, bem como da própria esquerda vitorina ou vitalina. Contudo, os que não vêem, na esquerda contra a direita, uma mera forma de hemiplegia mental, podem superar a estreiteza de horizonte dos sectários e preferem a autoridade ao poder, e a ideia às ideologias. Sabem que vencer pode significar o mero ser vencido, porque nem sempre tem razão quem vence, quando importa ganhar saudades de futuro. Obrigado, Manuel Alegre. Ainda há povo que pode restaurar a República. “Alfarrobeira é uma batalha que não acaba nunca”.

Mai 15

CPLP falha na afirmação da lusofonia, dizem especialistas


Lisboa, 15 mai (Lusa) – A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) está falhando na afirmação conjunta das nações lusófonas no Atlântico Sul, área de crescente importância estratégica, num hemisfério onde o português é a língua mais falada, alertaram especialistas ouvidos pela Agência Lusa.

Para José Adelino Maltez, professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), o primeiro problema é a falta de meios da CPLP, mas Portugal também tem um papel em alimentar uma “nova visão do Brasil sobre a África”.

Segundo ele, os portugueses devem aceitar a dar primazia aos brasileiros, “colocando-se no seu devido lugar para poder melhor servir um projeto maior”.

“Somando 200 milhões de brasileiros, com os futuros 50 milhões de angolanos e os futuros 20 milhões de moçambicanos, nós [Portugal] somos um “entrepostozinho” do sul na Europa”, afirmou o professor.

Além disso, Maltez acrescentou que “temos de rever toda a nossa maneira de pensar, como foi expresso de maneira lamentável por todas as reticências em relação ao acordo ortográfico”.

“Parece que não se percebe que [a CPLP] não são os Estados Unidos da Saudade. É a pilotagem do futuro no balanço da globalização. Basta perguntar quanto gasta cada país da CPLP no orçamento”, afirmou o acadêmico.

Apesar das dificuldades, “estamos condenados ao regresso de algum triângulo estratégico Luanda-Lisboa-Bahia/Rio de Janeiro/São Paulo” e o Brasil “tem um papel de destaque” na cena internacional, até porque quando “fala forte nos palcos internacionais está a representar-nos a todos”, afirmou.

Mai 15

O que pode-ser tem muita força, quando, depois do querer de Deus, o homem sonha e a obra vai nascendo

Ontem, ao fim da tarde, na Estrada das Laranjeiras, no auditório da Embaixada do Brasil, tive a honra de poder expressar o meu amor lusíada e de dissertar, um pouco provocatoriamente, sobre essas pluralidades de pertenças que podem pilotar o futuro dos povos que pensam, amam e falam na língua de Camões, Pepetela, Mia Couto e Manuel Bandeira. Aliás, comecei por invocar o facto de meu nome fenício, de um avoengo oriundo da ilha dita refúgio, Melita ou Malta, provindo de uma emigração do século XVIII, onde a maioria da família nem se estabeleceu na Lusitânia, dado que logo passou para o que era então a América Portuguesa. Confesso que sou pouco dado a colóquios, seminários e conferências, sobretudo as que servem de tacos para “papers” e outras miudezas que enchouriçam os “curricula”. Gosto mais de dizer que residi, para além da fase turística do “veni, vidi, vinci”, aprendi e ensinei em universidades e centros de estudo luso-chineses, angolanos, Timorenses, brasilienses, moçambicanos e guineenses, sentindo a terra e o infinito dessas noites lusotropicais, isto é, experimentando aquilo que apenas alguns julgam na super-estrutura do livresco ou do seminaresco. Abraço armilar é do navegar é preciso… Por isso, recordei os velhos projectos de um triângulo estratégico de um Atlântico maior, de um Índico de saudade e de um Pacífico armilar, em íntima aliança com os nossos irmãos hispânicos, da UE ao Mercosul, tentando reprimir certos discursos de justificação do situacionismo lusitano, mistos de neocolonialismo de preconceito e de verbosidades retóricas gerontocolonialistas. Por isso, advogo o eixo que vai de São Paulo do Piratininga a São Paulo de Luanda, como base de poderio para uma CPLP que, além dos afectos dos eternos Estados Unidos da Saudade, tem de ter estratégia, isto é, tem de evitar que as potencialidades se transformem em vulnerabilidades e que as vulnerabilidades se volvam em potencialidades. Daí que a prova de vida de futuro passe pela resposta que todos os CPLPs devem dar a Timor Lorosae, essa pátria de poder-ser que nos voltou a dar sonho, quando o David dos cem guerrilheiros teve um povo aliado em aliança de libertação, contra o Golias de um Exército invasor e ocupante que ocupou o nome de um povo amigo e aliado. Logo, todos os CPLPs têm de fazer com que o Brasil não se esqueça da sua função liderante desta comunidade de sonhos. Porque o que pode-ser tem muita força, quando, depois do querer de Deus, o homem sonha e a obra via nascendo. O telegrama da Lusa sobre o colóquio, apesar de injustamente me destacar, revela apenas um dos ramos da árvore daquela floresta por onde ontem peregrinámos Segundo a Lusa, terei dito que o primeiro problema é a falta de meios da CPLP, mas Portugal também tem um papel em alimentar uma “nova visão do Brasil sobre a África”.  Porque os portugueses devem aceitar a dar primazia aos brasileiros, “colocando-se no seu devido lugar para poder melhor servir um projeto maior”. “Somando 200 milhões de brasileiros, com os futuros 50 milhões de angolanos e os futuros 20 milhões de moçambicanos, nós somos um “entrepostozinho” do sul na Europa”. Além disso, acrescentou que “temos de rever toda a nossa maneira de pensar, como foi expresso de maneira lamentável por todas as reticências em relação ao acordo ortográfico”. “Parece que não se percebe que [a CPLP] não são os Estados Unidos da Saudade. É a pilotagem do futuro no balanço da globalização. Basta perguntar quanto gasta cada país da CPLP no orçamento”. Apesar das dificuldades, “estamos condenados ao regresso de algum triângulo estratégico Luanda-Lisboa-Bahia/Rio de Janeiro/São Paulo” e o Brasil “tem um papel de destaque” na cena internacional, até porque quando “fala forte nos palcos internacionais está a representar-nos a todos”.