Jun 30

Anacronismos à Freitas, e Keynes que hoje não seria Keynesiano

Não, não vou falar do “Freeport” nem da “campanha negra”, prefiro recordar que ontem, sob o pretexto de uma conferência de fiscalistas, foi lançada a dissertação de doutoramento de João Ricardo Catarino, “Estado Social e Escolha Individual”, de que fui orientador, e a que tive a honra de me associar. Naquela sala da Câmara de Comércio, na Rua de Santo Antão, sob o retrato de D. Maria II, rodeado por todos dos patriarcas da revolução liberal e da institucionalização do Estado Moderno no século XIX, apenas recordei a memória de Mouzinho da Silveira e do seu sucessor José da Silva Carvalho. E de como Mouzinho se demitiu em 1832, quando os credores britânicos queriam o imediato confisco de 5 000 pipas de vinho. O reformador logo deixou a pasta a Carvalho, por ser contra a extorsão, sublinhando no testamento: se cuidas que a popularidade é coisa diferente da justiça e da moral austera te enganas.

Raros reparam que os verdadeiros fundadores do Estado racional-normativo em Portugal foram estes liberais, sobretudo quando acabaram com a pluralidade feudal de fiscos que fazia não chegar ao centro estadual mais de metade dos reais impostos. Porque a história da democracia é a história do imposto, como dizia Duverger, e a justiça social é aquele princípio fundamental do direito e da política que manda ao honeste vivere, ao lado do alterum non laedere, da justiça dos contratos, e do suum cuique tribuere, da justiça distributiva. Como se os velhos liberais, na senda da Adam Smith, o mestre recuperado pelo professor Gordon Brown, precisassem dos posteriores socialistas para conjugarem o norte da justiça e o próprio Estado.

Numa altura em que o discurso de justificação de muitos situacionismos invoca retroactivamente Keynes e os mecanismos de intervenção do velho Estado soberanista na moeda e na gestão da economia, é salutar notar que cerca de um século volvido, John Maynard, se regressasse, surpreenderia muitos porque, certamente, seria o primeiro a dizer que já não era keynesiano. Porque não alinharia neste conformismo dos prognósticos feitos depois do apito final que marcou a golpada da geofinança sobre a geoeconomia e não alinharia nos jogos florais do Fórum Social Mundial contra o grupo de Davos. Todas as frases das ideologias que pretendiam salvar a humanidade têm de reconhecer que a humanidade continua por salvar.

Qualquer conhecimento modesto sobre essa coisa suprema a que chamamos crise e recessão tem de ir mais fundo e compreender como o Estado a que chegámos (Salgueiro Maia dixit em 25.04.1974) é, ao mesmo tempo, pequeno demais para os grandes problemas do nosso tempo e grande demais quando nos asfixia individualmente, como acontece na presente extorsão fiscal sobre os pequenos e médios rendimentos do trabalho (para glosarmos Daniel Bell).

O tal Estado fundado por Mouzinho da Silveira está explodindo em infuncionalidade e precisamente naqueles elementos genéticos que, no fim da Idade Média, o fecundaram de modernidade. É a crise do Estado Segurança, dado que já não podemos gritar aqui d’el rei ou ó da guarda, face aos poderes fácticos e as bandocracias que o sitiaram por dentro. É a crise do Estado Justiça, onde faltam cada vez mais os magistrados de fora. É a crise do Estado Legislador, prenhe de traduções em calão. É também a crise do Estado Imposto, do imposto sem isenções categoriais de classes, geral e permanente, como foram as sisas de D. João I e das Cortes que o elegeram.

E não será a salazarenta ditadura das finanças que nos pode salvar. Só o regresso à ideia democrática do imposto como contribuição e o reconhecimento da pluralidade de Estados a que damos a pluralidade de pertenças da nossa cidadania. A democracia fiscal impõe que visionemos a nossa independência, não como o soberanismo perdido em que assentou o velho Keynes, mas antes como gestão de dependências e ousada navegação nas interdependências, da integração europeia, da vizinhança predadora do Estado espanhol, e das teias globalistas da geoeconomia e da geofinança.

O velho Keynes, se regressasse, poderia aconselhar os nossos governantes do Magalhães e do GPS, os tais que agora entraram em navegação à bolina, a que chamam orientação pelas estrelas, que vale mais o sextante e a descoberta, na cauda da ursa, da urgente estrela do Norte, como Aristóteles chamava à justiça. Até terão de reparar no que se passou na América do Norte, onde já nos finais do século XIX, havia leis “antitrust” e de defesa da concorrência, e onde o “New Deal” precedeu o “Welfare State”. Que não continuemos a atrasar-nos cinquenta anos, por causa dos preconceitos ideológicos. Por mim, continuo orgulhosamente defensor da regeneração do Estado, conforme as lições dos liberais clássicos. Revivam Mouzinho da Silveira e José da Silva Carvalho!

Jun 30

Depois de Gago não foi o dilúvio, foi a continuidade da “operation chaos”

A Cristina Montalvão Sarmento veio ontem entregar-me o livro dela. Uma tese de doutoramento que vem de meados da década de noventa e que foi defendida na Universidade Nova de Lisboa. Honra-me com um pequeno prefácio, como homenagem ao meu papel de orientador. Fiquei feliz por ela e pela escola que a acolheu. Continuo infeliz com a escola que a rejeitou, mas não irei hoje dissertar sobre isso, porque teria de lembrar-me de outro meu aluno do mestrado e de quem também fui orientador das dissertações de mestrado e doutoramento, o Luís Sá.

 

 

Também foi rejeitado numa votação formal. A maior parte dos doutos seleccionadores do “não” continuam oficiais seleccionadores magnos da mesma entidade, dona desta estratégia de derrota institucional. Até um deles, ministerial e tudo, no gaguismo antigago, terá dito um dia que não há nenhuma ciência política ou do direito. São actividades humanas nobres, que podem ser estudadas com rigor, mas esse estudo, tal como o da história ou o da literatura, não constitui uma ciência. E talvez nunca venha a constituir.

 

Expresso-o no prefácio deste livro, poderão encontrar o registo do autor neste blogue. É alto hierarca dos meus patrões. Já o vi indiciado para ministro do governo maneleiro, como o confirma a subida ao etéreo de outros emplastros. Não passa de mais um dos suicidários representantes do conceito durkheimiano de cientista, paragáudio de todos os professores pardais deste mundo que pretendem transformar Portugal num cemitério de insubstituíveis candidatos à colonização de alienígenas emissões de reformas pedagógicas do directório das potências que nos transformam em cobaias.

 

Por mim, apenas quero continuar a resistir e ajudar a sementeira da revolta contra as alternâncias do mais do mesmo. O gaguismo, nos seus frutos, apenas produziu como consequência a desinstitucionalização da universidade e jogos de poder onde o pior dos antigagueiros se manteve, adornado com Granadeiro e Teixeira Pinto, elevados a símbolos da Universidade Clássica de Lisboa, Balsemão, da Nova, e gentes de gerações ainda mais fora do tempo, em sítios que agora não nomeio. Depois de Gago não foi o dilúvio, foi a continuidade da “operation chaos”. Parabéns à Colibri pela coragem da edição. Lá estarei no dia 9 de Julho, 21 horas, para o lançamento do livro, na tertúlia do CNC.

Jun 30

Só é novo aquilo que se esqueceu, só é moda aquilo que passa de moda

As guerras retóricas de Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das universidades, com o presidente do conselho da Universidade de Lisboa, onde é vice-presidido por Paulo Teixeira Pinto, fazem-me recordar, por causa da universidade, evidentemente, a caricatura da universidade de Bordalo. Todos discutem pressões sobre jornais e televisões, mas todos calam sobre a abertura da velha senhora à sociedade dita civil, isto é, à PT e ao ex-BCP, com muitos ex-partidocratas à mistura, numa operação de institucionalização dos grupos de pressão, sobretudo os da banca e das grandes empresas do regime, à boa maneira dos partidos “catch all”. Esperemos que um dos principais candidatos à chefia do governo que vier a ser derrotado não apareça por aí numa das grandes universidades públicas. Julgo que em Lisboa, na principal das públicas, há uma diferença entre engenheiro e licenciado em engenharia.

Jun 29

Contra os caçadores furtivos deste sinal de esperança

29.6.09

 

 

Depois de ter sido vítima anónima destas reformas do estadão a nível do serviço nacional de saúde durante os dois últimos dias da semana que passou, tenho de aturar mais uma conversata do ex-ministro da reforma do dito, bem como nova invocação de outra qualquer fotocópia dita reformista, que um rato de gabinete traduziu em calão do universitarês tecnocrático. Prefiro referir as nebulosas que nos vêm de um país político que vive na balbúrdia do interregno, entre o tudo e o seu nada. Prefiro dizer que não confundo o PS com Sócrates (o partido ainda é melhor), nem Manuela com o PSD (os emplastros do partido são bem piores). Logo, todos os que não estão disponíveis para que lhes torçam a espinha no amolecimento neofeudal que nos enreda e querem assumir a rebeldia de viverem como pensam correm o risco de ostracismo. Porque somos cada vez um pequeno Irão onde até há universidades que se prostram em assembleia diante de um qualquer revisionista da história que se assuma, pelo decretino, como santificado.

 

 

Já temos possibilidade de um novo Provedor, já temos eleições legislativas e autárquicas bem marcadinhas, já nos anunciam nova queda do PIB, nova revisão em baixa, novos encerramentos de empresas. As receitas fiscais baixam, muitas despesas públicas são em vão e o falso D. Sebastião volta a querer montar num elefante branco para que se dissipem, com discursos, os nevoeiros negros da recessão. Os discursos oficiosos são tão mórbidos que até se alegram com sinais de já termos batido no fundo e de nos compararem com uma qualquer média da comparação estatística dos outros, em certos segmentos onde não estaremos na cauda do bicho.

 

 

Os desvarios das várias licensiosidades governativas que vamos tendo e os crescentes eleitoralismos e populismos da campanha permanente a que estamos condenados continuam a deixar-nos uma pesada factura que todos os vivos e nascituros terão de pagar, porque apenas continuamos a ter os governos que merecemos e os falsos sebastianismos que sufragamos. Quem for essencialmente contra este sistema, em defesa do regime, não pode cair na esparrela de passar um cheque em branco aos que agora mandam no situacionismo, ou aparecem como alternância do mais do mesmo, mas fingindo-se alternativa.

 

 

Importa continuar a subverter o sistema em defesa dos princípios fundacionais do regime e da própria nação. Ai da democracia se, nos próximos actos eleitorais, se conservar o que está e não se fizer o necessário golpe de Estado sem qualquer efusão de sangue , ou de outra qualquer violência, incluindo a revolucionária. Caso as eleições não apontem para uma efectiva mudança e porque um 5 de Outubro, um 28 de Maio ou um 25 de Abril já são impossibilidades técnicas, eis que um novo regime, uma nova ditadura nacional ou um novo processo revolucionário podem ter como sucedâneo um mero acto de anexação dos nossos centros de decisão por protectorados supranacionais, seja da geofinança, seja de um qualquer directório da hierarquia das potências, colocando-nos sob estrita vigilância, a fim de pagarmos o que internacionalmente devemos.

 

 

Não me comovem, portanto, as viúvas destas partidocracia com os seus discursos de justificação memorialista. Dentro de algumas crises, eles serão a insignificância das notas de rodapé da história. Poucos reparam que os ditos nasceram de cima para baixo, a partir da respectiva colocação na hieraquia do estadualismo que os decretou como pensadores oficiosos e vacas sagradas. Prefiro colocá-los definitivamente na minha zona de desprezo, lado a lado com outros protagonistas da suprema burocracia inquisitorial. Os “betos” estão à espreita destes cadáveres adiados que procriam retórica, os “jotas”, sedentos de uma aliança com os mesmos, e os controladores sociais das forças vivas julgando que, afinal, vai virar o disco para que a máquina que nos destruiu continue a tocar o mesmo.

PS: A imagem que reproduzo foi tirada neste meu permanente lugar de exílio. É de uma selvagem e terna criatura, nascida há dias por entre o mato das redondezas. Espero que este sinal de esperança não seja caçado nos começos do Outono.

Jun 25

As energias pouco renovadas, a PT, o BCP, Moniz e as eleições do Benfica. O tempo mudou e ela já voltou

Os dois principais líderes do sistema partidocrático vigente, ontem, quase monopolizaram o espaço mediático. Usaram e abusaram da palavra e conformaram silenciosamente as opções que irão ser depositadas na urna em Setembo/Outubro. E todos os que os viram e ouviram ficaram assim plenos daquela hiperinformação que tanto pode gerar a confiança no situacionismo, como uma alternância dentro da mesma betesga.

 

 

Ouvi e vi Sócrates no parlamento e, de tanto o presenciar, fui conseguindo perceber, pelo estilo, os argumentos da respectiva promoção e venda do presente produto governamental. “Oh! Senhor Deputado, como eu o percebo… Pois, não querem ouvir, mas o senhor não pode falar porque foi secretário de Estado do governo anterior ao meu… O Estado não se mete em negócios privados da PT”, mesmo que esta tenha uma “golden share” do Estado! Todos perceberam que o primeiro-ministro tem uma particular vingança a fazer com a linha editorial da TVI, não controla fundações-fantasmas e é capaz de decidir por ministros, como o da agricultura, colocando-o em imediata contradição.

 

 

Passei, depois, para a entrevista de Manuela Ferreira Leite à SIC. E o único comentário que posso imediatamente esboçar tem a ver com o não desgaste da sua imagem, porque tive que ouvir, palavra a palavra, e fiquei surpreendido com a garra que ainda demonstra. Sem ainda me ter convencido, compreendi que se trata de uma respeitável senhora que foi agravada na sua honra de ministra das finanças do primeiro governo PSD pós-Guterres. Preocupou-me a descrição que fez do Portugal económico, totalmente enredado no endividamento e julgo que foi esmagadora na credibilidade que, ontem, reganhou junto dos operadores económicos que ainda acreditam nas actuais circunstâncias. Porque, com este discurso, um confronto directo com Sócrates levaria a KO técnico do secretário-geral do PS.

 

 

As sucessivas notícias sobre casos como o Freeport, o BPP e o BCP, o modo como vai decorrer o inquérito sobre o BCP, as notícias vindas da Procuradoria-Geral da República e os muitos outros casos de polícia poderão tornar esta época estival uma sucessão de parangonas, confirmando um “out of control” que marcam a presente encruzilhada estratégica. Claro que a PT não deve ter contactado formalmente com o Governo, mas ninguém desmentiu os contactos dos decisores da mesma empresa com pessoas, directa ou indirectamente, ligadas ao governo e ao Partido Socialista. Nem o novo porta-voz do PS, com o seu estilo beto, ao repetir o mote do negócio entre privados, nos descansou. Muito menos, a comunicação de Henrique Granadeiro, da PT, repetindo que essa entidade estadualizada em forma de empresa privada “não falou com o Estado”.

 

 

 

Por outras palavras, ninguém desmentiu que uma qualquer pessoa privada da PT terá falado com um qualquer actor, ou intermediador, do socratismo, por causa da linha editorial da TVI. Coisa que, aliás, não poderia naturalmente ser revelada, porque, a ocorrer, se desenrolou naturalmente na face invisível da política. Logo, Sócrates, no recente congresso do PS, nunca deveria ter tido como “leit motiv” o ataque ao telejornal de sexta-feira da TVI. E, muito menos, ter invocado o “povo é quem mais ordena”, quanto a matéria, como a da Freeport, que continua sob a alçada do Ministério Público e das polícias.

 

 

Manuela Ferreira Leite, assentando a sua argumentação na postura analítica do Presidente da República e no demolidor diagnóstico dos 28 economistas, conseguiu insinuar que Sócrates está ao lado de certas grandes empresas, contra as pequenas e médias empresas que representam cerca de noventa por cento da produção portuguesa. Resta colocar-se agora ao lado das instituições de solidariedade social e de todos os sectores sociais que foram perseguidos pelo actual governo, como os funcionários públicos, os professores, os médicos, os magistrados ou os polícias. Com a oposição laranja a tentar federar todos estes “clusters” e com a oposição de esquerda a assumir-se como voz tribunícia de outros marginalizados, não esquecendo o próprio modelo de navegação do CDS, Sócrates corre o risco de semear palavras, gastas pelo uso e prostituídas pelo abuso, em pleno deserto de ideias, com muitas fundações privadas em sítios públicos de muitos milhões de todos que se gerem fora do controlo público.

 

 

Infelizmente já nem Vitalino lhe pode valer, com muitas palavras que nunca disseram nada, mas que tinham a sublime arte de embalar. O jovem Tiago ainda pensa que pode dizer alguma coisa e até conseguiu dizer que, contra Moniz e Manuela Moura Guedes, valia mais a aposta do governo nas energias renováveis. Essa síntese dos ministeriais Costa, o António e o Alberto, talvez por exagero de papa Maizena com Linux, não é Paulo Rangel, apesar de também ser secretário de Estado da área da justiça. Resta saber como conseguirá Manuela Ferreira Leite livrar-se do “lixo tóxico” de uma história partidária que vai mostrando as garras discursivas e pode ser destronada por uma eventual campanha negra que os amigos do PS podem lançar em desespero de causa. O tempo mudou, ela já voltou, acabou, por hoje, o sol a mais e o azul intenso de um horizonte liberto pela esperança cósmica.

Jun 25

Governança sem governo

Os “jamais” de Mário Lino não são causa, mas mero sintoma deste interregno. Porque o estado a que chegámos, pequeno demais para os grandes problemas do nosso tempo e grande demais para para os pequenos problemas do homem comum, tem muita banha, pouca flexibilidade muscular, ossos descalcificados e nervos esfrangalhados, dado que se multiplicou em muitos monstrozinhos, como os do “outsourcing”, da avença, da parecerística e da consultadoria, de acordo com o ritmo daqueles que gostam de nacionalizar os prejuízos e privatizar os lucros… Os recentes adiamentos das obras pouco mestras, que serviram de literatura de justificação para um governo que confunde o crescimento do aparelho de administrativo com o bem comum, servem apenas para ocultar que a maior parte dos factores de poder já não são domésticos e que o principado que asfixia a república é, talvez, o menos eficaz de muitos variados intervencionismos que actuam neste território já sem fronteiras. Assim se confirma que há uma espécie de governança sem governo, bem como um piloto automático cujo “software” é fornecido por forças vivas que temem as decisões do povão e já concluíram que entrámos numa era de risco, não comandável pelo tradicional Bloco Central de interesses, como o demonstrou o silêncio da maioria absoluta do eleitorado, que não quis confundir a democracia com a sondajocracia. Já não manda quem o podia e pode desobedecer quem o merece.

 

Jun 23

Não é um partido de raça pura, mas antes uma entidade marcada pela complexidade mestiça…

Ontem foi dia de reunião PSD. Dessa federação de militantes, grupos de interesse e grupos de pressão que talvez constitua o primeiro dos partidos do actual sistema político. Já se quis inscrever na Internacional Socialista, mas o PS não deixou. Já foi do Grupo dos Liberais e Reformistas. É actualmente do Partido Popular Europeu. Não é um partido de raça pura, mas antes uma entidade marcada pela complexidade mestiça, no que tem o melhor e o pior da respectiva natureza. Tanto aparenta ser conservador do que está, nos valores, quando transacciona convicções com o bloco tradicional católico, como assume a vestimenta reformista, para, na essência, ser fundamentalmente predador, quando se trata da conquista e manutenção do poder.

 

 

Hoje é Manuela Ferreira Leite e considera que, tal como os sindicatos estavam para o PCP, assim estão as autarquias e um governo regional para o PSD. Aguentou bem a pressão dos barões internos e contornou os caciques. Não cedeu ao eleitoralismo de uma imagem que não se cola com o seu aspecto de respeitável senhora e até não seguiu os conselhos de Marcelo Rebelo de Sousa e as provocações de Luís Filipe Menezes. Contudo, manteve alguns dos emplastros dos “jobs for the boys and girls” nas suas primeiras listas. Exagera na pose ministerialista e até se recorda muitas vezes que foi uma exclente directora-geral da contabilidade pública. Sobretudo, está dependente das transferências de expectativas que os povos depositam em Cavaco, vendo nele o verdadeiro líder da oposição.

 

 

Acresce que tem má imprensa e, às vezes, quando desce as escadas e contacta com os homens do microfone e do “zoom”, saem-lhe metáforas que os adversários deglutem e glosam em insulto. Não me refiro à pensada crítica ao casamento dos homossexuais, que teve o apoio dos convictos católicos e foi ponderada, mas à colocação fora do contexto da suspensão da democracia por seis meses. Deveria ter dito governo alemão de grande coligação ou suspensão das hostilidades partidocráticas, pelo menos entre os irmãos-inimigos do bloco central. É evidente que os adversários, como os socrateiros, elevaram o texto sem contexto a críticas que foram pior emenda do que o mau soneto, mas, de qualquer maneira, a líder do PSD tem de treinar mais estas aparições palavrosas.

 

 

Precisa, sobretudo, de fazer um ataque mais frontal à corrupção, mostrando arrependimento de um partido que tem a imagem real de dar cobertura aos piores negocismos do bloco central de interesses. Como deveria ter um programa ousado de reforma do sistema partidocrático, porque ninguém vai passar um cheque em branco a uma máquina que também internamente é predadora e já tem dezenas e dezenas de ocupantes do oposicionismo, mas que são substancialmente situacionistas de memória futura reclamando contrapartidas. Eu conheço alguns que, até há pouco, fizeram as mais vergonhosas cedências ao PS, até na persiganga, juntando-se a todo um naipe de assaltantes da máquina do Estado, onde, em nome do poder pelo poder, agregaram salazarentos, estalinistas e fascistas cobardes. E desconfio que tenham reclamado o estatuto de mministeriável. Pelo menos, já reparei que algumas das suas viúvas aparecem na televisão como emplastros da vitória de Pirro de Rangel.

Jun 23

As desventuras das pequenas confrarias endogâmicas em dia de sol a mais e mar azul

Relativizemos o caso, mas não deixemos de assinalar que o presidente de Portugal aceitou ser colocado, no mesmo tempo, local e nível que honorificou o grão-mestre da ordem do uísque. O que é bom para os escoceses pode não ser o melhor para a promoção de Portugal, quando Ronaldo atinge o esplendor de ser o mais bem pago do mundo na sua arte. Na Heriot-Watt University, não foi apenas a Mary Portas a ser doutora honoris causa, mas também o músico Steve King e o Chairman da Scotch Whisky Association (em letra miúda e no fim do texto, a lista completa).

 

É evidente que as reportagens nacionais sobre a questão apenas seleccionaram a feira das vaidades das honrarias, a fim de adocicarem o registo mensal da quebra das receitas fiscais e o crescimento avassalador do desemprego, enquanto o discurso oficial deste interregno governamentalista continua todo ele Magalhães-mais-choque- tecnológico, mas já sem barraquinhas de inaugurações que o vento teimava em levar, esquecendo-se todos, como ontem também recordou o chefe Costa, da autarquia lisbonense, que as obras não são de quem as inaugura, mas de quem as paga. Queria insinuar que ele, Costa, é que pagou o túnel de Santana, tal como este disse que pagou o derrube do Casal Ventoso soprado por Soares. Esqueceram-se os dois que quem efectivamente paga é o Zé, porque o Estado não são eles, mas nós todos, incluindo a maioria absoluta dos que não votaram nas anteriores eleições gerais.

 

Ai das instituições quando caem nas garras da vindicta e da persiganga dos micro-autoritarismos sub-estatais, com a inevitável adulação e do consequente sindicato das citações mútuas. Que venham novos pretensos porta-vozes, com os seus beatos discursos sobre a pretensa ética da responsabilidade, a que chamam segredo de Estado, mas onde o privado do grande chefe parece superior ao público. Julgo que importa conservar a serenidade dos que não subscrevem as teorias do homem de sucesso, considerando que a longo prazo estamos todos mortos, na tal paz do cemitério dos insubstituíveis.

 

Há quem não se rebaixe elevando os chefezinhos das modas que passam de moda à categoria de inimigos. Quem prefira continuar a procurar a eternidade e a dialogar com o universal talvez tenha outros fins bem mais ambiciosos e não deve perder-se nas miudezas viscerais dos vermes, na contabilidade merceeira e nas arcas endogâmicas dos corredores dos pequenos poderes domésticos. Desses jogos de soma zero, onde o chefezinho, cantarolando para os seus botões, manda entoar aos serviçais que quem não está com ele não está no mundo. Não nos deixemos asfixiar por esta clausura autoreprodutiva dos pequenos quintais capitaleiros, com as suas notas oficiosas decretinas. O mundo tanto é maior quanto pode ser melhor.

 

Ainda hoje bastou-me ver a mãe rola conduzindo os seus filhotes pelo caminho da fonte, os perdigotos fazendo algazarra por entre as ervas do monte, enquanto a passarada vai trinando. O dia está pleno de sol e de azul. Os micro-autoritários e os ajudantes do papão, podem ir de vitória em vitória até ao esquecimento final, pensando que a essência do poder é procurar manter-se. Apenas perdem as instituições que eles transformaram em bonecas que escarfuncham para procurarem, por entre a palha, uma simples agulha que pensam ser a chave da arca do segredo, quando o segredo é apenas não haver segredo.

 

Insisto: terramotos destes apenas levam ao vazio da ideia de obra, à destruição das manifestações de comunhão entre os formais detentores da cidadania e à flagrante violação do mínimo das regras que permitem a continuidade das coisas seculares. Porque deixa de haver direito quando as regras apenas são o que o príncipe diz e quando este não está sujeito às próprias regras que pode fazer, favorecendo os amigalhaços e punindo os dissidentes. E iguais em indignidade são os Pilatos que pensam poder lavar as mãos, libertando Barrabás e pensando que serão ministros na próxima legislatura. Voltemos ao mar, esse “hiper-cluster”, o dia está azul demais para vermes…

 

Mary Portas, Creative Director of Yellow Door, will be awarded a Doctorate of Letters in recognition of her distinguished career and her outstanding and creative contribution to the advancement of marketing and brand communications within the retail sector. (Ceremony 11.00am, Friday 19 June, Galashiels)His Excellency Professor Anibal Cavaco Silva, President of the Republic of Portugal, will be awarded a Doctorate of Letters in recognition of his distinction in the discipline of Economics and in public service in the Republic of Portugal. (Ceremony 10.00am Tuesday 23 June, Edinburgh Campus)Mr Steve King, Musician and Musician-in-Residence at Heriot-Watt University, will be awarded a Doctorate of Letters in recognition of his distinction in the field of music and his outstanding contribution, through music, to the cultural and educational life of Heriot-Watt University and the wider Scottish community. (Ceremony 10.00am Tuesday 23 June, Edinburgh Campus)Mr Ian Marchant, Chief Executive of Scottish and Southern Energy, will be awarded a Doctorate of Engineering in recognition of his distinguished career and outstanding contribution to sustainable development of the Scottish energy industry. (Ceremony 1.30pm Tuesday 23 June, Edinburgh Campus)Mr Robert Graham, Chairman of Graham’s Dairy, will be awarded a Doctorate of the University in recognition of his outstanding contribution to Scotland’s dairy industry and for his demonstrated leadership in the context of small and family owned businesses. (Ceremony 10.00am Wednesday 24 June, Edinburgh Campus)Mr Gavin Gemmell, ex-Chair of Heriot-Watt University Court and Chair of Archangel Informal Investments Ltd., will be awarded a Doctorate of the University in recognition of his contribution to the governance and progress of Heriot-Watt University and of his outstanding career and leadership in the financial sector. (Ceremony 1.30pm Wednesday 24 June, Edinburgh Campus)Ms Carol Ann Duffy, Poet Laureate, will be awarded a Doctorate of Letters in recognition of her artistic achievements as poet, playwright and promoter of creative writing. (Ceremony 1.30pm Wednesday 24 June, Edinburgh Campus)Dr Ben Goldacre, writer, broadcaster and medical doctor, will be awarded a Doctorate of Science in recognition of his outstanding contribution to scientific journalism and in the promotion of public engagement with and greater understanding of science. (Ceremony 10.0am Thursday 25 June, Edinburgh Campus)Mr Paul Walsh, CEO of Diageo and Chairman of the Scotch Whisky Association, will be awarded a Doctorate of Letters in recognition of his distinguished career and, through his leadership, an outstanding contribution to sustained development and economic success within the global drinks industry. (Ceremony 1.30pm Thursday 25 June, Edinburgh Campus)Mr Alan Shaw, Chartered Engineer, will be awarded a Doctorate of Engineering in recognition of his services to the energy generation industry and of his many years of support and advocacy of Heriot-Watt University. (Ceremony 10.00am Friday 26 June, Edinburgh Campus)

Jun 22

Pantouflage, attrape tout, mandarins e caciques

Porque a música não deixe de ser outra, os inaugurativos discursos de palanque continuam riscados, pelo uso e abuso da mesma placa giratória que faz a ligação entre o mundo dos negócios e as genialidades do centrão partidocrático, para que, entre o Estado e o Mercado, a “pantouflage” continue, entre a nebulosa das forças vivas e a ascensão e queda dos emplastros da avença, da parecerística, da articulação de interesses, da consultadoria, do agenciamento de favores e da gestão de influências, coisas que não rimam com o civismo daquela ética republicana que não se confunde com a comemoração do 5 de Outubro de 1910 nem com a militância num qualquer grupo de extrema-esquerda quando se tinha dezasseis anos. Porque é esta nebulosa da passagem de certo privado para alguns cargos públicos e, pior do que isso, a passagem de certos ministros e “boys for the jobs”, para certas funções privadas, ou para cargos empresariais de nomeação pública, que cria um ambiente onde a palavra corrupção transforma em fantasmas uma série de actos que não cabem na restrita compra de poder, agravando a desconfiança pública face ao Bloco Central político e o seu irmão gémeo, o Bloco Central de interesses. Quando os “lobbies” não podem uivar institucionalmente, isto é, registar-se e manifestar-se publicamente como formais grupos de interesse e, consequentemente, como inevitáveis grupos de pressão, gera-se este ambiente de desconfiança pública. E não há democracia de sociedade aberta que não assente na poliarquia, com forças vivas predadoras navegando no pluralismo e promovendo a defesa dos interesses instalados, cristalizando-se em “establishment”, com a consequente tentativa de criação de um “status” dentro do Estado. Também não há democracia sem caciques, sem influentes, com a sua personalização do poder pela prestação de serviços que vão além da mera representação política. Do mesmo modo, não constitui pecado que os grandes partidos que navegam nestas águas que, de alterosas, podem volver-se em pantanosas, se transformem em grandes federações de grupos de interesse e de pressão, interclassistas, sem o domínio dos militantes e dos notáveis. Surgem assim os partidos “catch all”, “attrape tout”, dotados de um programa “omnibus”, como são o PS, o PSD e o próprio CDS. Logo, os ministros podem cair por uma qualquer negligência fiscal que a vindicta de um antigo aliado deixou escorregar para o sensacionalismo de um qualquer semanário da má-língua. Os candidatos a presidentes da comissão europeia podem ter sido vítimas da falta de diálogo do albergue espanhol. Mas, a partir de Outubro, podemos ter que recorrer a esse tipo de personalidades para a chefia ou a subchefia do eventual governo de acordo interpartidário, se nenhuma das presentes forças políticas atingir o cheque em branco da maioria absoluta. Só que o excesso de ética da responsabilidade, de segredo de Estado e de sigilo judiciário pode fazer com que tudo volte a morrer à vista de costa e que continue a falhar o modelo anímico da ética da convicção. E há políticos que são mais importantes do que ministros, como os presidentes das autarquias de Lisboa e do Porto, donde costumam sair candidatos a presidentes da república, como um que tivemos em Belém, que nunca atingiu nenhuma cadeira ministerial. Ou como o actual presidente do município portuense, que já venceu eleições a Pinto da Costa e que, apesar de ser o primeiro vice-presidente do principal partido da oposição, só sairá da estação de Campanhã para o sul, a caminho do cargo de governador do Banco de Portugal ou de presidente do parlamento. Ministro vem de “servus ministerialis”, isto é, de “escravo da função”, do ministério, do encargo público para que foi investido pelo povo.

Jun 18

O delegado de informação médica… e a violação das massas pela propaganda

Observei ontem, em directo, na SIC, que a intervenção de José Sócrates corresponde a um encenado terceiro heterónimo, como homem de poder. Se, num primeiro ciclo, o do estado de graça, ele foi o animal feroz com pele de gajo porreiro, e, num segundo tempo, até às eleições europeias, exagerou como delegado de propaganda médica, eis que, perante Ana Lourenço, se volveu em mero delegado de informação médica, com um ar de explicador de província das aspirinas do reformismo. Mais acrescentei que, no subconsciente, estava uma espécie de salazarismo democrático, desde a invocação do economista que se impôs nos anos trinta, “kaines”, ao quase plano das escolinhas dos centenários, não faltando o paradigma de obra do regime, onde o TGV aparece como a vermelha ponte sobre o Tejo, já que Cavaco tem a Vasco da Gama, da feijoada. Até me recordei da estatização pela CGD salazarista das caixas de crédito agrícola múto do Brito Camacho e do D. Luís de Castro. A esquerda ficou ontem reduzida ao crescimento do intervencionismo dos aparelhos de Estado na economia e na sociedade, à boa maneira do velho mercantilismo de Estado do pombalismo.

 

O primeiro-ministro estava quase tão perdido como os próprios comentadores, por não terem todos suficientes estudos de opinião que lhe permitam descobrir para onde pendem os sessenta e tal por cento de abstencionistas e votos em branco. É evidente que irritei dolososamente tanto os situacionistas como os oposicionistas. Esses que agora pensam poder dialogar directamente com essa abstracção dita dos portugueses, sobretudo dos eleitores que calaram, que não consentiram, que nada disseram. E ninguém pode com ciência certa, mesmo que com poder absoluto, determinar esse silêncio. Não chega o lume da razão. Há muitos bruxos e adivinhos, mais ainda vendedores de charlatanismo. Poucos sabem manejar aquela intuição da essência que se desenvolve pelo lume da profecia.

 

Se a tivesse poderia ser um bom político. Nunca o serei. Apenas sou dono da minha opinião e da subjectiva interpretação que faço das circunstâncias, onde, inevitavelmente, derramo as minhas concepções do mundo e da vida, bem como as minhas naturais simpatias e antipatias. Contudo, porque as expresso sem qualquer restrição de fingimento, tento praticar a independência da minha aproximação à verdade, sem qualquer disfarce de autoritarismo catedrático, em nome de uma pretensa ideologia científica. Mais: não estou arregimentado ou iludido pelas actuais canalizações partidocráticas de situacionistas e oposicionistas e nunca estarei satisfeito comigo mesmo…

 

Sócrates ensaiou o homem novo, procurando a “legitimidade refrescada”. Reconheceu “fracasso”, “derrota” e “desgaste”. Notou o afastamento de sectores sociais como os dos professores, dos juízes e dos funcionários públicos. Mas disse resistir a cem mil na rua, orgulha-se dos resultados e teve alguns lapsos de língua quando exagerou na crítica “àquela comissão parlamentar de inquérito”, dita “chocante”, e usou a palavra falência para os casos do BPN e do BPP, além de outros termos como os de “mentira”, “vigarices” e “indecorosidades”. Por outras palavras, foi não apenas liberal quanto ao divórcio e á IGV, como também sobre certa eutanásia bancária da “morte controlada”. Nada disse de Dias Loureiro nem do BCP.

 

Não lhe saltou a tampa como durante a tarde, onde o animal feroz, de supremo opositor da oposição, malhou à esquerda e à direita. Preferiu ser tão hipercentrão quanto o discurso que mandou fazer a Luís Amado, embora continuasse a fingir que estava num comício do Bloco de Esquerda contra o Bush, ao lado de Diogo Freitas do Amaral e de Mário Soares, para se candidatar a chefe do Bloco Social de Esquerda, contra o Bloco Social de Direita, que gostava de ver comandado por Paulo Portas e Santana Lopes.

 

Isto é, continuaram as disputas retóricas, típicas da endogamia de um sistema quase em autoclausura pouco reprodutiva. Isto é, o avançado de centro do situacionismo, sem a táctica de Mourinho, quis disfarçar a circunstância de as canalizações representativas do actual sistema terem entrado em completa disfunção. Nem se lembrou que quebrou a tradição federativa do velho PS soarista, com os seus “challengers”. É que Cavaco tinha Dias Loureiro e Fernando Nogueira, como ministros do mesmo governo. Guterres tinha Sócrates. E Sócrates continua a ter Santos Silva…