Jun 30

Anacronismos à Freitas, e Keynes que hoje não seria Keynesiano

Não, não vou falar do “Freeport” nem da “campanha negra”, prefiro recordar que ontem, sob o pretexto de uma conferência de fiscalistas, foi lançada a dissertação de doutoramento de João Ricardo Catarino, “Estado Social e Escolha Individual”, de que fui orientador, e a que tive a honra de me associar. Naquela sala da Câmara de Comércio, na Rua de Santo Antão, sob o retrato de D. Maria II, rodeado por todos dos patriarcas da revolução liberal e da institucionalização do Estado Moderno no século XIX, apenas recordei a memória de Mouzinho da Silveira e do seu sucessor José da Silva Carvalho. E de como Mouzinho se demitiu em 1832, quando os credores britânicos queriam o imediato confisco de 5 000 pipas de vinho. O reformador logo deixou a pasta a Carvalho, por ser contra a extorsão, sublinhando no testamento: se cuidas que a popularidade é coisa diferente da justiça e da moral austera te enganas.

Raros reparam que os verdadeiros fundadores do Estado racional-normativo em Portugal foram estes liberais, sobretudo quando acabaram com a pluralidade feudal de fiscos que fazia não chegar ao centro estadual mais de metade dos reais impostos. Porque a história da democracia é a história do imposto, como dizia Duverger, e a justiça social é aquele princípio fundamental do direito e da política que manda ao honeste vivere, ao lado do alterum non laedere, da justiça dos contratos, e do suum cuique tribuere, da justiça distributiva. Como se os velhos liberais, na senda da Adam Smith, o mestre recuperado pelo professor Gordon Brown, precisassem dos posteriores socialistas para conjugarem o norte da justiça e o próprio Estado.

Numa altura em que o discurso de justificação de muitos situacionismos invoca retroactivamente Keynes e os mecanismos de intervenção do velho Estado soberanista na moeda e na gestão da economia, é salutar notar que cerca de um século volvido, John Maynard, se regressasse, surpreenderia muitos porque, certamente, seria o primeiro a dizer que já não era keynesiano. Porque não alinharia neste conformismo dos prognósticos feitos depois do apito final que marcou a golpada da geofinança sobre a geoeconomia e não alinharia nos jogos florais do Fórum Social Mundial contra o grupo de Davos. Todas as frases das ideologias que pretendiam salvar a humanidade têm de reconhecer que a humanidade continua por salvar.

Qualquer conhecimento modesto sobre essa coisa suprema a que chamamos crise e recessão tem de ir mais fundo e compreender como o Estado a que chegámos (Salgueiro Maia dixit em 25.04.1974) é, ao mesmo tempo, pequeno demais para os grandes problemas do nosso tempo e grande demais quando nos asfixia individualmente, como acontece na presente extorsão fiscal sobre os pequenos e médios rendimentos do trabalho (para glosarmos Daniel Bell).

O tal Estado fundado por Mouzinho da Silveira está explodindo em infuncionalidade e precisamente naqueles elementos genéticos que, no fim da Idade Média, o fecundaram de modernidade. É a crise do Estado Segurança, dado que já não podemos gritar aqui d’el rei ou ó da guarda, face aos poderes fácticos e as bandocracias que o sitiaram por dentro. É a crise do Estado Justiça, onde faltam cada vez mais os magistrados de fora. É a crise do Estado Legislador, prenhe de traduções em calão. É também a crise do Estado Imposto, do imposto sem isenções categoriais de classes, geral e permanente, como foram as sisas de D. João I e das Cortes que o elegeram.

E não será a salazarenta ditadura das finanças que nos pode salvar. Só o regresso à ideia democrática do imposto como contribuição e o reconhecimento da pluralidade de Estados a que damos a pluralidade de pertenças da nossa cidadania. A democracia fiscal impõe que visionemos a nossa independência, não como o soberanismo perdido em que assentou o velho Keynes, mas antes como gestão de dependências e ousada navegação nas interdependências, da integração europeia, da vizinhança predadora do Estado espanhol, e das teias globalistas da geoeconomia e da geofinança.

O velho Keynes, se regressasse, poderia aconselhar os nossos governantes do Magalhães e do GPS, os tais que agora entraram em navegação à bolina, a que chamam orientação pelas estrelas, que vale mais o sextante e a descoberta, na cauda da ursa, da urgente estrela do Norte, como Aristóteles chamava à justiça. Até terão de reparar no que se passou na América do Norte, onde já nos finais do século XIX, havia leis “antitrust” e de defesa da concorrência, e onde o “New Deal” precedeu o “Welfare State”. Que não continuemos a atrasar-nos cinquenta anos, por causa dos preconceitos ideológicos. Por mim, continuo orgulhosamente defensor da regeneração do Estado, conforme as lições dos liberais clássicos. Revivam Mouzinho da Silveira e José da Silva Carvalho!

Jun 30

Depois de Gago não foi o dilúvio, foi a continuidade da “operation chaos”

A Cristina Montalvão Sarmento veio ontem entregar-me o livro dela. Uma tese de doutoramento que vem de meados da década de noventa e que foi defendida na Universidade Nova de Lisboa. Honra-me com um pequeno prefácio, como homenagem ao meu papel de orientador. Fiquei feliz por ela e pela escola que a acolheu. Continuo infeliz com a escola que a rejeitou, mas não irei hoje dissertar sobre isso, porque teria de lembrar-me de outro meu aluno do mestrado e de quem também fui orientador das dissertações de mestrado e doutoramento, o Luís Sá.

 

 

Também foi rejeitado numa votação formal. A maior parte dos doutos seleccionadores do “não” continuam oficiais seleccionadores magnos da mesma entidade, dona desta estratégia de derrota institucional. Até um deles, ministerial e tudo, no gaguismo antigago, terá dito um dia que não há nenhuma ciência política ou do direito. São actividades humanas nobres, que podem ser estudadas com rigor, mas esse estudo, tal como o da história ou o da literatura, não constitui uma ciência. E talvez nunca venha a constituir.

 

Expresso-o no prefácio deste livro, poderão encontrar o registo do autor neste blogue. É alto hierarca dos meus patrões. Já o vi indiciado para ministro do governo maneleiro, como o confirma a subida ao etéreo de outros emplastros. Não passa de mais um dos suicidários representantes do conceito durkheimiano de cientista, paragáudio de todos os professores pardais deste mundo que pretendem transformar Portugal num cemitério de insubstituíveis candidatos à colonização de alienígenas emissões de reformas pedagógicas do directório das potências que nos transformam em cobaias.

 

Por mim, apenas quero continuar a resistir e ajudar a sementeira da revolta contra as alternâncias do mais do mesmo. O gaguismo, nos seus frutos, apenas produziu como consequência a desinstitucionalização da universidade e jogos de poder onde o pior dos antigagueiros se manteve, adornado com Granadeiro e Teixeira Pinto, elevados a símbolos da Universidade Clássica de Lisboa, Balsemão, da Nova, e gentes de gerações ainda mais fora do tempo, em sítios que agora não nomeio. Depois de Gago não foi o dilúvio, foi a continuidade da “operation chaos”. Parabéns à Colibri pela coragem da edição. Lá estarei no dia 9 de Julho, 21 horas, para o lançamento do livro, na tertúlia do CNC.

Jun 30

Só é novo aquilo que se esqueceu, só é moda aquilo que passa de moda

As guerras retóricas de Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das universidades, com o presidente do conselho da Universidade de Lisboa, onde é vice-presidido por Paulo Teixeira Pinto, fazem-me recordar, por causa da universidade, evidentemente, a caricatura da universidade de Bordalo. Todos discutem pressões sobre jornais e televisões, mas todos calam sobre a abertura da velha senhora à sociedade dita civil, isto é, à PT e ao ex-BCP, com muitos ex-partidocratas à mistura, numa operação de institucionalização dos grupos de pressão, sobretudo os da banca e das grandes empresas do regime, à boa maneira dos partidos “catch all”. Esperemos que um dos principais candidatos à chefia do governo que vier a ser derrotado não apareça por aí numa das grandes universidades públicas. Julgo que em Lisboa, na principal das públicas, há uma diferença entre engenheiro e licenciado em engenharia.