Jun 17

Alguns princípios de política, em dia de tédio e de revolta

Dizem que, daqui a minutos, o parlamento vai discutir uma qualquer moção de censura face ao poder estabelecido e que, mais logo, o primeiro-ministro, usando o seu heterónimo de líder do PS vai ser entrevistado em directo. Passei a manhã e o coemço da tarde num hospital público, em apoio directo a um descendente e fiz a adequada hierarquia de valores. Nem sequer tenho acompanhado, ao pormenor, a acção da polícia e dos magistrados à procura de provas, em empresas de sucesso e em autarquias de primeira. Uma democracia não se mede por aquilo que proclama o vértice do hierarquismo nem pelo sistema eleitoral que o eleva ao estadão, mas antes pela qualidade da cidadania e pela principal expressão desta que é o controlo do poder Pobre jacobinismo, herdeiro dos pombalismos, que continua a querer destruir as autonomias e o pluralismo, perseguindo a sociedade de ordens, sempre em luta contra Távoras, Jesuítas e Povos, como o da Trafaria que Sebastião José tentou extinguir, levando a que o rolo unidimensionalizador das revoluções erigisse as estátuas aos déspotas que cortam o horizonte das nossas Avenidas da Liberdade. Não há democracia pluralista, nem sequer república, no sentido Kantiano, se o pacto de associação não for assumido como superior ao pacto de sujeição e ao pacto de governo, incluindo o da via eleitoral. Não há república se não soubermos praticar o sistema de controlo de poder dos que mandam, se não soubermos olear as relações entre o sistema social e o sistema político. Porque só há democracia no Estado se antes se praticar a democracia da sociedade civil, através de uma exigente poliarquia. A abstenção pode significar uma atitude de superior desprezo, em protesto contra a usurpação da democracia por um “l’État c’est lui” de uma qualquer oligarquia. Porque quem cala (eleitoralmente) tanto pode consentir como nada dizer. De qualquer maneira, há movimentos e partidos que podem assumir-se como vozes tribunícias, promovendo um esforço de integração no sistema dos marginais ou excluídos. No entanto, importa reconhecer que esta nossa democracia abrileira conseguiu ser a mais inclusiva das três que tivemos, desde que, em finais de 1979, os potenciais marginais da direita conquistaram o poder evitando o sonho de mexicanização do soarismo. Superou-se o modelo de clausura do partido sistema (o PRP de Afonso Costa, quase contemporâneo do PRI mexicano), ou do rotativismo devorista (equivalente ao Bloco Central, onde o PSD se assemelha aos regeneradores e o PS, aos progressistas). A presente democracia representativa tem as canalizações representativas enferrujadas. Mesmo que assente na vontade de todos, não assume a vontade geral, porque cada um decide pensando nos seus próprios interesses (sondajocracia) e não assumindo-se como o soberano pensando no interesse do todo. Porque as democracias representativas políticas costumam ser compensadas pela democracia da sociedade civil, do consociativismo. O que não é possível num país submetido ao rolo unidimensionalizador do verticalismo ministerialista, centralizado, concentracionário e capitaleiro, onde vigora o quase monopólio da política pelo aparelho de poder. Onde o principado ao construir, ou reformar, o Estado e ao querere reconstruir a nação, passou a desprezar o horizontalismo da república ou comunidade, onde o Estado somos nós. Num modelo centralista e concentracionário, esse estatismo, herdeiro do absolutismo (tanto o do despotismo ministerial como o povo absoluto) gerou a compressão da autonomia da sociedade civil. Logo, os Girondinos foram guilhotinados pelos Jacobinos, só porque este lhes dão o cognome de Vendeianos, promovendo a estúpida clivagem da cidade contra as serras, da capital contra a província. Onde Portugal é Lisboa e o resto é paisagem, neste exagero capitaleiro da sociedade de Corte. Quando uma república maior é mera consociação mista, de consociações privadas, comunitárias e públicas. Onde a sociedade perfeita é federação de sociedades imperfeitas. Onde a política é superior à economia.

 

Jun 16

Um pouco de Montesquieu, se faz favor..

Com mais umas longas horas de Constâncio contra os deputados-inquiridores, a que, pacientemente, assisti em directo, foi-me dado reparar que pode haver e há deputados de qualidade, bem como um governador do banco central que não pertence à esquadria dos unidimensionalizados, confirmando que tudo aconteceu porque o mesmo governador e a respectiva equipa se revelaram ingénuos face a um perfil errado que traçaram sobre um antigo director da supervisão do mesmo banco central, por acaso, antigo secretário de Estado financeiro do primeiro-ministro que é actualmente presidente da república. Julgo que esta confissão de Constâncio, reiterada e sincera, poderá ser repetida por Cavaco e também confesso que, para mim, Constâncio e Cavaco estão acima de qualquer suspeita como homens públicos, dos tais que colocam o valor do bem comum, isto é, a síntese de ordem e de justiça, como diria São Tomás de Aquino, no vértice dos respectivos princípios e crenças. Reparei também como tudo poderia ter sido superável se funcionasse, de forma flexível, um telefone directo entre este governador do Banco de Portugal e idêntico aparelho receptor de informação do anterior Procurador-Geral da República. Porque nenhum deles deve ser ingénuo quanto à possibilidade do temor reverencial ou do respeitinho perante alguém que vestiu certos hábitos de monge, mas que por mais farpelas que usem, não se fazem por isso mesmo, monges. Oliveira e Costa e a dúzia de colaboradores do BPN, referida por Vítor Constâncio, até podem ter sofrido daquela habitual doença do poder referida pelo francês Montesquieu, o pai da democracia norte-americana quando quis imitar a revolução inglesa: qualquer pessoa virtuosa, quando conquista o poder, tende a abusar do poder que tem e única forma conhecida pela história de o controlar, está na fixação dos limites do contrapoder, pelo que, para cada acelerador, se deve estabelecer um travão, para cada faculdade de estatuir, deve existir outra faculdade de vetar. A qualidade da democracia mede-se, menos pelo saber quem manda, e mais pelo estabelecimento de um adequado sistema de controlo do poder daqueles que mandam. Ontem não foi Constâncio que ganhou ou perdeu. Do mesmo modo, também não foram os deputados inquiridores que atingiram o exacto inverso do perder ou do ganhar. Perdemos todos, porque todos estamos a pagar, quer os prejuízos, quer, sobretudo, a confiança pública nas instituições dos políticos profissionais, dos banqueiros e dos magistrados, dado que, a certa altura, colocamos ao mesmo nível um polícia e um ladrão, porque julgamos que basta um golpe de retórica para atravessarmos a fronteira da salvação. E os auditores e telespectadores, transformados em massa, perante tais malabarismos, podem entrar em desespero e optar pela clássica rebelião das mesmas massas. E ela já pode medir-se pelo nível da abstenção face ao sufrágio universal e até pela quantidade dos votos brancos e nulos. Isto é, quem não continuar ingénuo, já pode medir a evidência: passámos do indiferentismo ao azedume e há que ser cirúrgico e evitar a explosão. Ainda ontem, conversando com o meu filho, recentemente regressado de um ano lectivo numa universidade norte-americana, dentro de um programa de intercâmbio com uma universidade pública portuguesa, confirmei meia dúzia de verdades comparativas entre a principal potência do mundo e este quintal à beira-mar plantado, feito reino cadaveroso. Lá, uma das coisas menores da política e da cidadania são as eleições, porque os eleitos permanecem em contacto directo com os respectivos eleitores e respondem aos “inputs” destes, livres da disciplina partidária e, principalmente, livres da disciplina que lhes é imposta pelos directórios partidários. Lá, há comparativismo de medidas, entres os diversos membros da federação, e não comparações entre os pequeninos que somos e os grandes que nunca seremos, fazendo caricaturas e gerando megalomanias. Lá, é de pequenino que se torce o pepino, desde os bancos das universidades, onde os estudante que efectivamente pagam, escolhem responsavelmente os respectivos currículos e estão sujeitos à efectiva expulsão da universidade, ao fim de três condenações, coisa que entrou na rotina, desde a simples bebedeira ao mero acto de copianço, plágio ou outra desonestidade académica. Porque há liberdade, responsabilidade e, acima de tudo, regras que se cumprem porque são comunitariamente assumidas. Cá, há Bolonha que, em nome do carreirismo da empregomania, logo aumentou as especializações em pormenores de engenharia curricular, impedindo a livre escolha… Lá, não são os constitucionalistas e os legisladores da fotocópia das abstracções que fazem as regras, porque elas vêm da experimentação, da natureza das coisas e da vontade de gradualismo perfeccionista. Lá, todos são educados para a república pelo civismo e todos sabem distinguir perfeitamente o programa de um republicano ou de um democrata.

Jun 15

Ensaio de um manifesto contra os padrinhos a que chegámos…

Por causa de Montaigne e em vésperas de exames nacionais, sob signo de nossa senhora de Lurdes, julgo que vale a pena enumerar os dois principais defeitos do nosso verticalizado sistema de ensino: a falta de tradição encicopledista e o exagero de sectarismo, onde abunda o “index librorum prohibitorum”, mas falta a “ratio studiorum”. Em primeiro lugar, falha o sistema de pesquisa no acesso ao todo e a tudo, mas abundam as selectas e as antologias que engordam as editoras escolares, dando pouco nervo ao estudante. Em segundo lugar, permanece o sectarismo tanto da censura eclesiástica anti-herética, como das laicas mesas censórias do estadualismo anti-dissidentes. Por outras palavras, padecemos, como dizia Orwell, de dois tradicionais colectivismos morais que nos lançaram em sucessivos ostracismos: o catolicismo inquisitorial, feito direita pura, e o comunismo estalinista, feito esquerdismo. Ambos tendem a transformar-se em pensamentos controleiros dos aparelhos ideológicos, sobretudo quando os conquistaram nos crepúsculos de regimes medrosos que exageraram nos aparelhos de repressão, sobretudo quando lhes faltava o censentimento e a persuasão da comunidade. Dessa ausência de capacidade de reflexão sobre o todo da floresta, resultou o dogmatismo do compêndio único, com as vulgatas catequísticas a substituirem o “nosce te ipsum” e o “je pense, donc je suis”, gerando-se uma sucessão de modas que passam de moda, onde apenas vai sendo novo aquilo que se esqueceu. Daí vigorar o tal sectarismo que tratou de ocupar serodiamente os programas escolares, pelo que os professores passaram a ser avôs de si mesmos, não faltando a catedrática e emérita conspiração de avós mortos-vivos que se transformam em padrinhos do carreirismo de muitos netos, bisnetos, sobrinhos, clientes e demais familiares. Mesmo na política educativa, assiste-se a este neofeudalismo de fidalgotes capitaleiros, perpetuando uma sociedade de Corte que nos provincializou a todos. Lisboa, que é Portugal, onde o resto é paisagem, transformou-se assim numa esponja que absorve todas as vagas colonizadoras da globalização, pelo que é possível detectar um qualquer intelectual desempregado de uma das grandes culturas nacionais da Europa ser para cá despachado como adido alienígena. E assim posto em reforma dourada, com o sossego da Caparica a cinco minutos de bólide, consegue, pela diplomacia do croquete e a consequente adulação dos instalados e do geminado sindicato dos elogios mútuos, controlar o que chamam páginas literárias e livrar-se do necessário manifesto antidantas, mas ajudando a reforçar esta carapaça de neodogmatismo antidogmático que nos afasta das grandes correntes do nosso e de todos os tempos. É inevitável que um jovem formado por estes aparelhos atinja o começo da maturidade com enormes buracões informativos, com católicos a banirem Kant e laicíssimas criaturas sem acesso a São Tomás de Aquino, não faltando a hemiplegia mental de direitistas que saneiam esquerdistas e de esquerdistas censurando direitistas. Daí que um desses autores de galeria se esqueça dos seus tempos de ruptura juvenil e aspire, um quarto de hora antes de estar com os pés para a cova do caixote de lixo da história, com comenda ao peito, a emprenhar nossos ouvidos com plágios requentados que a planície dos súbditos mentais acha genial, quando bastaria o recurso a uma qualquer edição de bolso de um dicionário de citações. Esta hiperinformação que nos esmaga, acompanhada por um excesso de universidades, editoras, jornais e telejornais, este abuso do quantitativo não rima com o qualitativo da imaginação e da criatividade. Não porque a massificação seja pior que o elitismo clubista da sociedade fechada, mas antes porque a meritocracia não consegue conformar a democracia. Não há assim seleccionadores nacionais que nos saibam dar espírito de equipa , faltam organizadores do trabalho nacional que nos consigam mobilizar para o bem comum e deixa de considerar-se a justiça como estrela do norte da república. Fragmentados por conflituosidades sectárias, passou a ser dominante a ideia de poder pelo poder, onde os jogadores em cena pensam que ganham quando os concorrentes perdem, porque confundem a unidade com a unicidade centralista e concentracionária e transformam a diferença em dissidência que se condena como ostracismo, rifgorosamente vigiada pelos bufos ao serviço do centro. Não havendo as convergências e divergências, torna-se impossível a evolução espontânea da complexidade crescente, o “e pluribus unum”, da unidade na variedade e do universal pela diferença. Somos definitivamente rebanho à espera de bordão, sem o substantivo do pluralismo e sem o verbo do controlo do poder. Federação é pecado. Descentralização, um risco. É natural que os caquéticos da persiganga dissertem sobre o futuro, depois de terem condenado, com estrelas amarelas, simples resistentes. E não faltam catedráticos louvando a padrinhagem que sempre foi inimiga da criatividade. Logo, resta o silêncio da revolta e a procura do exílio interno, mesmo que continuemos, todos os dias, a semear as urgentes palavras de subversão face a esta desordem instalada a que chamam progresso. As vacas sagradas da decadência, que continuam a marcar esta claustrofobia e a provocarem a endogamia, estão pujantes, sem pérolas mas com muitos suínos da respectiva criadagem. O reino da quantidade, habilmente controlado pelo despotismo pretensamente iluminado deste ministerialismo irremodelável, continua a fingir, com palavrosas tecnocracias e muitas traduções em calão, que bastam observatórios, avaliadores e provedores, reverendos, obedientes e obrigados, mas já nem são eles que dominam o manda quem pode, obedece quem deve. Mandam mais os que pensam baixinho e nos inundam com as vulgatas oficiosas do português suave que nos unidimensionaliza em colonizados. Assim, cansam as falsas alternâncias do viciado jogo eleitoral, a que chamam mudança, quando não passam do mais do mesmo. As lebres trazem sempre consigo os emplastros e os implantes de silicone mental, os tais que saltaram para a garupa do cavalo do poder quando este assumiu pose de burrico à procura de cenoura, quando os rabejadores permitiram a pega de cernelha e as chocas asininas o endoideceram. A sucessão de frustrações que nos transformou em deserto de pensamento e de entusiasmo vai continuar. Pedimos desculpa por estas campanhas e actos eleitorais, o programa de divórcio entre a inteligência e a honra usurpou a democracia.

Jun 14

Sabe tão bem reler com o prazer da descoberta

As eleições já foram, novas eleições e novas campanhas nos irão enredar, dentro de três meses, para que os profissionais da política não tenham férias e para que mais me apeteça uma permanecente vontade de exílio. Daí que tenha voltado a Montaigne, um tal Lopes que invoca muitos exemplos portugueses, que foi educado por André de Gouveia, que cita D. Jerónimo Osório. O amigo de La Boétie que navega por Séneca e pelo que lhe foi dado ler de Platão e Aristóteles, retomando o essencial do panteísmo da herança estóica greco-latina, vertebrando o partido de Henrique IV e daquilo que há-se ser a grandeza daquela França que ainda conserva o seu pretérito perfeito. Sabe tão bem redescobrir este segredo que já existe há cinco séculos, sentir-me próximo destas reflexões que nos dão o essencial da casa comum. Este contemporâneo de Luís de Camões e tal como ele militante do jusnaturalismo renascentista do partido de Erasmo. Sabe tão bem reler com o prazer da descoberta. Sabe tão bem ser arrastado por esta corrente profunda, onde está ancorada a minha identidade. A mesma maneira de sentir o diálogo platónico e a dúvida criativa, ou o cepticismo entusiasta daquele humanismo silencioso da procura da perfeição, com os pés livremente presos nos torrões das pátrias. Porque podemos encontrar o universal nessa viagem que, dentro de nós, nos dá o mais além.

Jun 11

O interregno, para continuarmos a procurar Portugal fora de Portugal e sermos verdadeiramente universais

Ontem, foi doloroso dia de discursos metapolíticos para rasteiras interpretações politiqueiras. Mais uma vez se confirmou que, aos portugueses, falta Portugal, ideia de obra que não pode receber adequadas manifestações de comunhão por parte dos chamados portugueses. Porque os únicos portugueses que restam, mesmo estando cá, já não são de cá, dado que, atingindo o universal pela diferença, não correspondem ao paradigma sociológico dominante. São tão do contra que nem pela oposição conseguem ser mobilizados, achando absolutamente desinteressante qualquer preocupção quanto ao destino dos actuais depositantes dos poderes públicos. Quem passou os olhos sobre a cerimónia dos penduricalhos, com que se fizeram ontem as viagens na minha terra ao ritmo pimba, compreendeu que os portugueses oficiais estão entalados entre a comenda dada a um ministro educativo de Cavaco e a outro de Guterres, esses sinais da presente luminosidade reformista, cuja sínteses estava batendo palmas na primeira fila. Isto é, Rui Belo, Jorge de Sena, Almeida Garrett e Fernando Pessoa, depois de mortos, foram instrumentalizados no mau sentido. E o discurso inconformista de António Barreto soou a falsete, porque, na prática, a teoria foi outra. Se calhar, os melhores portugueses não podem ser mesmo portugueses. Têm que ser reconhecidos no exílio, externo ou interno, quando decidiram mesmo ser Portugal e tiveram que procurar Portugal fora daquele Portugal que elevou a primeiro condecorado um ex-ministro dito o petroleiro, porque o cacilheiro já deve ter recebido a sua carica. O discurso presidencial viaja pela super-estrutura da metapolítica, com exercícios de retórica sobre o dever-ser, apenas confirmou que há uma espécie de suspensão da confiança pública nos actuais donos do poder. Porque, se os mecanismos dos aparelhos governamentais e parlamentares continuam em plena legalidade, têm apenas legitimidade de título, mas já não a de exercício. Porque a legitimidade é algo que não se decreta, dado que vem de baixo para cima. Aliás, um governo legítimo é aquele que, além de deixar de inspirar medo aos súbditos, actua predominantemente pela persuasão, não recorrendo aos espaços do autoritarismo ministerialista, do ideologismo, da propaganda e da manha.

Jun 10

O discurso presidencial confirma que entrámos em interregno

O discurso presidencial confirma que entrámos em interregno, até à eleição de uma nova governação.  Viajando pela super-estrutura da metapolítica, com exercícios de retórica sobre o dever-ser, apenas confirmou que há uma espécie de suspensão da confiança pública nos actuais donos do poder. Porque, se os mecanismos dos aparelhos governamentais e parlamentares continuam em plena legalidade, têm apenas legitimidade de título, mas já não a de exercício. Porque a legitimidade é algo que não se decreta, dado que vem de baixo para cima.  Aliás, um governo legítimo é aquele que, além de deixar de inspirar medo aos súbditos, actua predominantemente pela persuasão, não recorrendo aos espaços do autoritarismo ministerialista, do ideologismo, da propaganda e da manha. O presidente, no dia seguinte ao veto da lei do financiamento partidário, apenas avisou que também é um dos fundamentos do sufrágio universal do regime  e que, já sem precisar de usar a bomba da dissolução, será o garante do funcionamento leal da concorrencialidade neste nosso tempo de vésperas. Porque, nas últimas eleições europeias, a maioria do povo calou e, sem consentir com o estado a que chegámos, apenas nada disse. E Cavaco, hábil gestor de silêncios, apenas prometeu que estaria vigilante contra os manipuladores da resignação!  


Jun 09

De novo, D. Manuel Martins, o anti-Bloco Central

A crise que vamos vivendo assume recortes inéditos, dado que, depois dos pescadores, os transportadores rodoviários, apenas replicam nesta praia ocidental, um movimento geral europeu. Por outras palavras, estamos a viver uma crise importada pela globalização e pela integração europeia, mas, em termos estratégicos, apenas se confirma que as nossas vulnerabilidades são maiores e que não as conseguimos transformar em potencialidades. O problema continua a estar em não sabermos, com alguma criatividade, fazer uma pega de cernelha a um touro de quem quisemos ser apenas bons alunos, com muitas traduções em calão tecnocrático. Continua a faltar política de sonho e muita imaginação, assente em criatividade. O Bloco Central já não clama o “porreiro, pá”. Só Scolari nos compensa, com trabalho de equipa, agora que chegaram as greves selvagens dos patrões e empregados da camionagem, com transmissão em directo desses “crimes” que se esquecem das leis da manifestação, da convocação de greves e da liberdade de circulação, um pouco como no “buzinão” contra Cavaco, apoiado pelo PS, ou nas manifes europeístas dos pescadores e camionistas, em França e em Espanha.

Jun 09

Regresso da política.

Julgo que estas eleições marcaram o regresso da política, da política como coisa complexa, não da política com os assessores todos previsíveis, a pensar que as campanhas e os resultados são uma espécie de passeio, voltámos ao risco, à aventura, à vontade, à possibilidade da criatividade desempenhar algum papel». Contudo, a grande lição tem a ver com o silêncio maioritário do eleitorado. O nível da abstenção e do voto em branco confirma que o povo calou. Ora, quem cala nada diz (quis tacet nihil dixit), o que é bem diferente do “quem cala consente”, apesar de podermos também acrescentar que os silenciosos, em parte, consentiram no regime e na opção europeia, e, noutra parte, calaram quanto ao modelo de governação. A maioria do povo foi além do indiferentismo, pisou as raias do azedume, mas ainda não entrou em explosão e em revolta. A maioria puniu a partidocracia e a maioria dos que expressaram o voto reagiu contra este sistema de economia privada sem economia de mercado. Porque não estão apenas desprestigiados os partidocratas, mas também os empresários e os homens de negócios, onde a tradicional Dona Maria da Cunha  parece ter-se enredado nas teias da percepção da corrupção, embora o que parece talvez seja inferior àquilo que naverdade é. E aqui a classe política tem culpas no cartório, não por ser maioritariamente desonesta, mas por não conseguir dar uma adequada imagem de regeneração e de arrependimento, livrando-se efectivamente dos mecanismos degenerados típicos do Bloco Central de interesses e da sua técnica corrosiva e devorista da nacionalização dos prejuízos e da privatização dos lucros, através do clientelismo, do nepotismo e das minúcias dos jobs for the boys, com o prévio estabelecimento de leis orgânicas de reforma do Estado feitas segundo o modelo dos boys for the jobs. O Banco Portugal resistiu ao 5 de Outubro e os próprios carbonários mandaram brigadas para o proteger. O 28 de Maio nunca lhe tocou, apesar do caso Alves dos Reis e o governador Inocêncio Camacho, um republicano histórico, foi mantido pelo primitivo salazarismo, tal como o 25 de Abril não deixou que o PREC o contaminasse. Seria trocarmos de rumo darmos mais razão a certos arguidos do que optarmos pela continuidade institucional de uma entidade cada vez mais necessária à república.

Jun 08

O verdadeiro vencedor de ontem

A democracia foi derrotada pela falta de comparência. Sitiada pela corrupção e pelo indiferentismo, caso não volte a confiança pública, podemos encenar uma democracia sem povo, mas com muita partidocracia, onde vencer poder equivaler ao ser vencido. A abstenção não é uma causa da futura crise. Foi apenas um sintoma, quando a indiferença já é azedume e pode volver-se em explosão, se se confirmarem os sinais do “out of control”.

Jun 08

O país da mesa do orçamento

Os principais aliados da CDU e do Bloco de Esquerda são os feitores da direita dos interesses e os capatazes desta economia privada sem economia de mercado, com lenta administração da justiça e um Estado com muita adiposidade de aparelhos, pouco músculo e quase nenhum nervo. A política passa a viver ao ritmo de comissões parlamentares de inquérito e de buscas do MP e da Judiciária. Como é difícil ser liberal em Portugal e assumir o ritmo da restante Europa…