Jul 01

O necessário remédio para os males pátrios

A “black box” do nosso sistema político entrou em sucessivos “activismos declaratórios” e a relação entre as duas fontes de legitimidade vindas do sufrágio universal passaram, da “coabitação”, a um certo estado de “out of control”, com o PS a procurar elevar Cavaco Silva a chefe da oposição e com o Presidente a cair nalgumas cascas de banana, vindos dos sermões semanais da televisão pública, proferidos pelos bispos da opinião do situacionismo, satisfeitos com a circunstância de a principal líder da oposição entrar em confronto com algumas das figuras humanas das presentes forças vivas que condicionam as relações do sistema social com o sistema político.

A aparente fragmentação da imagem do Estado, numa altura em que o ministerialismo parecia ter o monopólio declaratório e propagandístico do promontório dos séculos, apenas confirma a infuncionalidade das actuais canalizações do sistema representativo, onde os pontos de acesso do cidadão comum ao estadão parecem bloqueados por um concentracionarismo verticalista que disfarça a implosão dos centros de memória e de valores que sistemicamente sustentavam a autonomia nacional. Logo, a “black box” corre o risco de nos seus “outputs” decisionais produzir coisas estranhas ao ambiente que a sustenta cívica e fiscalmente. Nem a eventual refrescagem da legitimidade pela via eleitoral pode superar o impasse, dado que o fantasma da indiferença e do azedume pode volver-se em revolta abstencionista.
Foi pena que os nossos especialistas em engenharia constitucional não tivessem previsto o que sucede em instituições secularmente democráticas: o número de mandatos de parlamentares e de autarcas deveria ser directamente proporcional ao número de efectivos votantes; e a plenitude de direitos da cidadania deveria estar dependente do cumprimento dos deveres mínimos de contributo fiscal. Foi esta a velha proposta de Passos Manuel que, depois de jacobino, passou à moderação da Revolução de Setembro, em nome da moralidade e das efectivas reformas, contra o devorismo, advogando, depois, um sistema eleitoral a que chamam censitário, mas que, hoje, deveria ser o do modelo universal e directo desde que só pudesem escolher e ser escolhidos os que comunitariamente pagam. Julgo que tal sentido de reforma seria, conforme as palavras de um estudo de Pimenta de Castro, nos últimos anos da monarquia liberal, um excelente “remédio para os males pátrios”.

O defeito radical das nossas Constituições está na organização, e na base do sistema eleitoral.Todas elas conferem o direito de votar aos empregados assalariados pelo Tesouro. Este funesto artigo é a origem de todos os males. O funcionalismo está encarnado em todas as nossas Constituições…Nos outros países a palavra Parlamento significa a reunião dos Representantes da Nação; em Portugal não significa senão a reunião dos delegados do Executivo… O voto das contribuições deve pertencer a quem as paga e não a quem as recebe(Passos Manuel, em 18 de Outubro de 1844)
Jul 01

O estado da desinstitucionalização em curso

A versão portuguesa do americaníssimo “state of the nation” é mais uma das nossas “traduções em calão” do que poderá ser o canto de cisne deste ciclo do regime, quando este já proclama que a esperança é sinónimo de, muito estatisticamente, já termos batido no fundo. Foi pena que a quantidade de energia que gastámos com este ciclo político de nova oportunidade perdida tivesse ficado, para sempre, naquela zona do desperdício da entropia, a que os analistas de sistemas chamam lixo. Porque as proclamadas “boas intenções” do pretenso reformismo não passaram do “inferno” de uma navegação à bolina, de um verniz que recobriu a efectiva engrenagem de uma desinstitucionalização em curso, contra as autonomias de professores, magistrados, médicos, militares, igrejas e forças morais tradicionais. Enquanto isto, regressavam os permanecentes “compadres e comadres” do “país oficial”, dependentes da “mesa do orçamento”, com muitos “anjos”, antes da “queda”, procurando “tacho” entre os capatazes e os donos do poder. Porque a competência voltou a ser inferior ao patrimonialismo da compra de poder e da lealdade neofeudal, em nome de doutrinarismos e abstracções, permitindo que a mão longa do ministerialismo de Estado ocupasse a República. Se antes poderíamos dizer que estava em crise o Estado, mas não a Nação, corremos agora o risco de de perder a própria vontade de sermos independentes.