Jul 03

Não comento a figura de pinho em que caiu o estadão

Na véspera do episódio dos corninhos ao sol dos holofotes parlamentares, tinha emitido, para o Diário de Notícias um prévio comentário sobre o estado de desinstitucionalização em curso, dito “canto do cisne”, que, aqui anexo. Não comento a figura de pinho em que caiu o estadão, está ao mesmo nível do engasgamento judiciário das eleições do benfica, onde a justiça quase desceu ao nível de vieira. É tudo minúsculo. No mesmo momento em que ocorria a cena para lamentar, eu estava no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a comandar tertúlia sobre os novos horizontes do direito, com uma conferência sobre o meu tema favorito: acima do direito, está a justiça; acima da lei, está o direito. Isto é, sem o saber, tinha colocado, no primeiro caso, o lume da profecia antes do lume da razão e, no segundo, confrontado a racionalidade útil com a racionalidade ética. Algumas das observações doestudo da Sedes, hoje divulgado, foram amplamente referidas pelas lentes de contacto que usei sobre a matéria.

A versão portuguesa do americaníssimo “state of the nation” é mais uma das nossas “traduções em calão” de um politicamente correcto que poderá ser o canto de cisne do socratismo, quando este já proclama que a esperança é sinónimo de, muito estatisticamente, já termos batido no fundo.

Foi pena que a quantidade de energia que gastámos com este ciclo político de nova oportunidade perdida tivesse ficado, para sempre, naquela zona do desperdício da entropia, a que os analistas de sistemas chamam lixo.

Porque as proclamadas “boas intenções” do pretenso reformismo não passaram do “inferno” de uma navegação à bolina, de um verniz que recobriu a efectiva engrenagem de uma desinstitucionalização em curso, contra as autonomias de professores, magistrados, médicos, militares , igrejas e forças morais tradicionais.

Enquanto isto, regressavam os permanecentes “compadres e comadres” do “país oficial”, dependentes da “mesa do orçamento”, com muitos “anjos”, antes da “queda”, procurando “tacho” entre os capatazes e os donos do poder.

Porque a competência voltou a ser inferior ao patrimonialismo da compra do poder e da lealdade neofeudal, em nome de doutrinarismos e abstracções, permitindo que a mão longa do ministerialismo de Estado ocupasse a República.

Se antes de Sócrates, poderíamos dizer que estava em crise o Estado, mas não a Nação, corremos agora o risco de de perder a própria vontade de sermos independentes.

Jul 03

Constituição

Todas as frases que eu podia ter escrito sobre a Constituição que nos rege já as escrevi quase todas. Sempre considerei que a melhor forma de cumprirmos a ideia de constituição passa por não termos a mania das grandezas de pormos em código rígido o próprio dever-ser comunitário, muito à maneira britânica. Hayekianamente falando, sou um frontal adversário dos construtivismos, especialmente daqueles falsos progressistas que se consideram como o promontório dos séculos e amarram o futuro ao respectivo pensar baixinho. Claro que deve haver leis fundamentais do pacto de constituição. Mas este deve ser inferior ao pacto de união, a matriz de qualquer contrato social. E não ter a ver com o poder, mas antes com a autoridade e só tem autoridade quem é autor…Ai do povo se se deixar prender pelos constitucionalistas, por mais geniais que estes sejam. Aliás, mesmos as leis fundamentais nem deviam ser escritas por engenheiros de conceitos, como normalmente são os juristas formados por estes seminários do regime que vamos tendo. Deveriam ser os poetas a escrever as sucessivas actas das cortes de Lamego que deveríamos reassumir…Insisto, muito à maneira dos clássicos defensores do contrato social: o pacto de governo ou de sujeição deve estar sujeito a um pacto de constituição, mas este é inferior ao pacto de união, ao “original compact” de Locke, e este último só os poetas da pátria o conseguem decifrar… Porque a primeira palavra da nossa Constituição é “Portugal” e esta coisa essencial é normalmente indecifrável pelos hermeneutas que se assumem como os primeiros sacerdotes da república. Por mim, sempre disse que mesmo a lei fundamental de 1976 deveria ter sido passada a palavras por Sophia de Melo Breyner, Natália Correia e Manuel Alegre, com a ajuda de António Manuel Couto Viana e música de Adriano C. de Oliveira..