Tal como previamente o escrevi, todos podem, agora, comentar as inúmeras vitórias eleitorais de Pirro. E Fernando Pessoa tinha razão quando observou que, em muitos casos, vencer equivale a ser vencido. Porque se todos ganharam, todos fomos vencidos, porque ainda não há um novo ciclo de clarificação. Democracia não é sondajocracia. A sondagem mostra a vontade de todos conjugada no pretérito. A democracia foi a vontade geral. Cada um decidiu como se fosse a própria república, abdicando do respectivo interesse. As sondagens foram fotografias do passado. O povo em voto foi projecção cinematográfica, a não sei quantas dimensões. E a intuição dos grandes políticos continua a ser hierarquicamente superior às análises. Eles podem e devem ter o lume da profecia, se tiverem saudades de futuro. Hoje já não há céu nem inferno. Entrámos todos no limbo. Temos resultados tão de encruzilhada como os alemães, porque a Europa a que chegámos, como dizia Delors, são dois terços de remediados e aposentados que, de forma egoísta, assentam num terço de socialmente excluídos e no endividamento das gerações futuras.
Monthly Archives: Setembro 2009
Guizot era pessoalmente incorruptível, mas governava pela corrupção… Sucedeu-lhe a esquizofrenia de João Franco
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Isto aqueceu e ainda bem. Coitados dos maneleiros que não aguentam o ritmo de excelentes animais políticos que há no actual PSD como é o caso, sem ironia, de um José Pacheco Pereira. Ele bem deve ter avisado que isto não seria um passeio à Paulo Rangel. E coitado de Cavaco Silva a quem bem apeteceria falar para todos os pratos serem limpos. O problema é que ia borda fora a água suja, mas com as criancinhas dentro.
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Tenho a certeza que, mesmo no Palácio de Belém, há, entre os conselheiros, das melhores cabeças, mais velhas e mais jovens, da nossa praça. Só que a política é a arte do possível. Mas anteontem bem gostaria de assistir à conversa que dois deles tiveram com o presidente. Apenas os vi sentados na Chique, aqui da esquina, e também não sou bufo para revelar quem eles eram
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Temo isso das escutas… Como tenho passado mais tempo aqui nas vizinhanças do palácio e porque sei como as ditas funcionam, já também devo ter entrado na liça. Mas como tudo o que digo no micro-ondas também o escrevo e emito, estou-me borrifando até para as indirectas dos pseudo-bem-informatados deste quintal de bufos…
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Lello, Braga, Pretos, Brancos, Bingos e Medalhas Infante D. Henrique…. Ai Guizot! Guizot! Entre neocabralismos e neofontismos, assim vai nosso rotativismo, com a infra-estrutura devorista e inquisitorial anunciando que, de boas intenções, continua a estar o inferno cheio. O problema é de quem paga e passa cheques em branco a quem não confiaria a carteira…
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Os que julgam que a solução eleitoral resolve o problema moral, ainda não perceberam qual o verdadeiro sentido do manda quem pode, obedece quem deve. Quem pede explicações a Cavaco, devia era pedi-las sobre o tabu que o levou ao abandono depois de mais uma estrondosa maioria absoluta. Os gigantes com pés de barro autoderrubam-se. Nem sequer é precisa a funda de David. Claro que quem maneja os cordelinhos progressistas volta a ser o Zé Luciano que é a coisa mais parecida com os sócrates que vamos tendo, tal como me parece que o PSD caiu nas garras da pulsão hintzácea. Espero que ambos não caiam na esparrela esquizofrénica do franquismo… Mas há por aí muitos salvadores com a mesma sintomatologia!
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O PSD teve um banho de multidão. O PS teve um banho de multidão. O PCP é só banhos de multidão. O BE é comícios a rebentar pelas costuras. O CDS, feiras,jantaradas e comícios como jamais. Vão todos ganhar. Ainda bem! João Franco foi o verdadeiro criador de Afonso Costa e, consequentemente, da viradeira de Salazar.
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Preferi jantar no tempo de antena dos gatos, para não perder o confronto Marcelo/Vitorino. É mais aquilo que os une do que aquilo que os divide. Demonstraram ser o máximo de teatro no apelo ao voto útil. Ambos são o rosto deste regime tutilitário. Não disse totalitário, disse todo+utilitário. E essa do fura-vidas que subiu porque o Vitorino não exerceu o direito de primazia foi mesmo à Marcelo…
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Vi depois a Maria José em enlatado. Feliz o Portas que dela se viu livre. Feliz a Manela que acolheu essa mais valia espiritual, política e eleitoral. Deve ter subido em dez por cento e já estar em maioria absoluta. Pena é não ter graça nenhuma. Citando-a: só é salazar quem pode e não quem quer. Eu também ainda tenho um na gaveta da cozinha e uso-o de vez em quando, quando tento imitar o Teixeira dos Santos nas suas contas à moda do Porto.
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Só falei do nome Lello porque respeito uma família tripeira que editou Basílio e tem o espaço de livraria mais bonito do mundo. O outro merece referência depois do último discurso que fez na comissão permanente da AR sobre as trapalhadas de um candidato a deputado do PSD, com problemas com a administração da justiça alemã. Agora, reparou que ainda tem vidraças, embora saiba dos escudos invisíveis dos habituais efeitos Rui Mateus.
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Daqui a dois dias todos estarão a comentar as sucessivas vitórias de Pirro de cada um dos concorrentes. Fernando Pessoa tinha razão quando observou que em muitos casos vencer equivale a ser vencido. Porque se todos ganharem, todos seremos vencidos. Eu preferia que entrássemos num novo ciclo de clarificação. E se o povo quiser mesmo uma maioria de esquerda, julgo que se tem de respeitar a vontade de quem mais ordena. Por mim, estarei no primeiro lugar da trincheira e continuarei frontalmente do contra, mas jamais votarei útil. Votarei em quem contratualizar a gestão da minha carteira pessoal. Isto é, no menos corrupto.
Democracia não é sondajocracia, o Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado
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Esta incerteza, estas sucessivas fintas à Eusébio nos últimos dias de campanha são o mais excitante de uma democracia que já está fora do controlo dos “agenda setters”. O que as sondagens acabadinhas de fazer, ou ainda em curso, vão fotografar estaticamente, eis o grande abalo. Eu só sei que nada sei, sou indeciso.
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Até ao lavar dos cestos, ainda é vindima, mesmo depois de se colherem os cachos. E depois ainda há que espremer. Que nos espremer.
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PS em sondagem passou o número mítico dos 40%. Sócrates sobe. Portas salta. O resto, o previsível. O cavaquismo ensarilhado. O cavaquismo sem Cavaco preso nas teias dos propagandistas maneleiros.
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Parece que o modelo delorsiano de dois terços de remediadinhos que vivem melhor, que não sentiram menos dinheiro na carteira, considera que isso do endividamento é discurso de Medina Carreira. Até a direita prefere o voluntarismo estético de Portas. Porque o eixo da decisão é a disputa entre o PS e o Bloco. O povo é aquele que temos e é este quem mais ordena.
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As sondagens são fotografias do passado. O povo em voto pode ser projecção cinematográfica, a não sei quantas dimensões. E a intuição dos grandes políticos é hierarquicamente superior às análises de “politólogos”, como eu, e dos sondageiros, como eles próprios reconhecem. Os políticos podem e devem ter o lume da profecia, se tiverem saudades de futuro.
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Democracia não é sondajocracia. Ou pelo menos, não deve ser. A sondagem mostra a vontade de todos conjugada no pretérito. A democracia é a vontade geral. Quando cada um decide como se fosse a própria república, abdicando do respectivo interesse. Rousseau o disse, Kant o teorizou, pelo imperativo categórico. António Sérgio o recordou. Parece que muitos nunca o compreenderam.
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Dreyfus foi injustamente condenado num determinado dia. Só três anos depois é que Zola conseguiu começar a virar a opinião pública, pondo a consciência humana acima do respeitinho por um Estado que se portou mal. Dreyfus continua a ser aqui e agora.
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Dreyfus é quando um homem quiser. Qando quiser resistir, em nome da consciência humana contra o aparelhismo de Estado, quando este pretende assumir o monopólio do patriotismo e inventa bodes expiatórios. Mesmo quando volta Pilatos e fingindo a justiça daquele Salomão que cortou a criança reivindicada ao meio. Também houve inventonas e espiões em autogestão, cheios de boas intenções.
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“A posteriori”, depois do apito final, todos farão as habituais interpretações retroactivas da história, com a consequente literatura de justificação dos revisionistas, mesmo que o crime acabe por triunfar. Mas no caso Dreyfus, toda a república se portou mal. Foi de 1895 a 1898-99 e ainda não aprendemos.
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O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado. Fernando Pessoa sintetizou tudo neste lema.
Antes de sermos da esquerda ou da direita, somos da pátria
Qualquer Sebastião José, qualquer António de Oliveira Salazar e outros quejandos, de déspotas iluminados a mais rascas césares de multidões, rever-se-iam nas muitas sementes de micro-autoritarismo subestatal que por aí vão medrando debaixo da mesa do orçamento.
Só quem for cego, surdo e mudo é que não consegue vislumbrar segmentos coligativos de asfixias sociais, ditas democráticas, mesmo em coligações expressas ou tácitas de chefões que se dizem do PS com chefões que se dizem do PSD. Já os senti várias vezes no lombo. Isto é, sei de experiência vivida que pode haver uma democracia sem povo e até contra o povo, a tal democratura que é gerada pela doença da partidocracia.
Uns recobriam-se de esquerda revolucionária, mas amadurecerem como ministros da direita. Outros aderiram ao capitalismo pela corrupção negocista. Outros ainda invocaram a benção da sacristia, mesmo sem conversão. A opressão não é platónica. Faz sangrar.
Não sei se, nos recentes episódios, houve belenzada ou se tudo não passa de um pretexto para setembrizadas da viradeira. Umas das abriladas é que não é, com toda a certeza.
Preferia que tudo se resolvesse como em 9 de Setembro de 1836. Os deputados incorruptíveis desembarcavam no Cais das Colunas. O povo recebia-os com vivório e foguetório e, em procissão, com bandas filarmónicas, íamos aos paços da rainha, esta despachava os espiões da rainha Vitória que ensarilhavam a Corte e fazia-se uma governança de moralidade.
Neste reino por cumprir, temos que começar por restaurar a república. Porque, como dizia o Passos (Manuel): antes de sermos da direita ou da esquerda, somos da pátria. Viva a Revolução de Setembro! Abaixo o devorismo!
Entrevista ao Jornal de Negócios
De que forma é que os recentes desenvolvimentos deste caso – revelação do e-mail em que Fernando Lima teria agido alegadamente “a mando do Presidente” e afastamento agora do assessor a poucos dias das eleições – mancham a reputação política de Cavaco Silva?
Cavaco não é Deus nem Nixon. Os recortes do mais recente enredo apenas devem ser a ponta visível de um mais profundo “iceberg”. Aquilo que agora analisamos é apenas uma procissão que não saiu ainda para a praça pública, até porque deve repugnar a alguns actores politicos a mistura do público e do privado … As confrarias apenas assomaram, em procissão, aos passos perdidos do Pátio dos Bichos…
Lembra-se de outras alturas no passado (enquanto líder do PSD, primeiro-ministro, candidato presidencial ou Presidente da República) em que a imagem de seriedade de Cavaco Silva tenha sido posta em causa desta maneira? Ou é uma situação nova, uma primeira queda?
Na campanha eleitoral de Fernando Nogueira, Cavaco desmentiu-o publicamente. Nogueira foi derrotado, abandonou a vida política e optou pela actividade bancária.
Já há analistas a falar num processo de ‘impeachment’ (impugnação de mandato). É exagerado ou uma possibilidade em aberto?
Cavaco, até agora, é de uma grande coerência. Um dos políticos mais experimentados que continua a insinuar discursos contra os políticos, mantendo aquela boa propaganda que é a de fazer propaganda, mas fingindo que não faz propaganda.
Este episódio, em que ainda faltará pelo menos uma explicação pública do Presidente no pós-eleições, pode levar Cavaco Silva a não avançar para um segundo mandato em Belém?
Antes dos cenários das recandidaturas, importa saber que governos vamos ter nos próximos dois anos, porque as circunstâncias de crise não permitem que a história se repita. Seria tragédia, antes de ser uma comédia.
Caso resolva candidatar-se às próximas Presidenciais – onde eventualmente poderá enfrentar um candidato consensual à Esquerda – a reeleição de Cavaco Silva fica mais difícil após este caso?
Julgo que as anteriores clivagens de esquerda e de direita irão ser alteradas dramaticamente, a partir do próximo dia 27 de Setembro. Se, em termos eleitorais, se reproduzirem as divisões sociais eurocêntricas de dois terços de uma classe média de remediados (a do Bloco Central) e um terço de excluídos (correspondentes ao BE, PCP e CDS), conforme o dito de Jacques Delors, o equilíbrio do situacionismo entrará em “out of control” e teremos um ciclo de criatividade, com a verdadeira imaginação no poder.
Relativamente ao período eleitoral, o Presidente era apontado até há pouco tempo como um possível garante da estabilidade política, face à fragmentação que as sondagens apontam. Na sequência deste episódio, de que modo é que essa tarefa pode ficar dificultada?
O Presidente não é Deus. Pode pecar e arrepender-se, cair e levantar-se. E precisamos de um bom guardião da Constituição.
Caso se concretizem as estimativas das sondagens – e no cenário do PS ser o partido mais votado mas rejeitar uma coligação com o Bloco; PSD e CDS/PP se entendam e juntos tenham uma percentagem superior aos socialistas – o que fará o Presidente? Essa opção poderá ser agora diferente do que seria antes deste episódio?
Pode não haver coligação entre PS e os partidos não-PSD do hemiciclo. Basta um governo minoritário PS, mesmo que seja sem Sócrates, com dois acordos de entendimento parlamentar com o BE e o PCP em certas questõese muitas cláusulas de salvaguarda. Basta recordar que mesmo o democrata-cristão Andreotti teve um governo apoiado parlamentarmente pelo PCI em plena guerra fria, embora o imediato assassinato de Aldo Moro tenha executado o plano de fundo da “operation chaos”. Aliás, o PSD e o CDS, como secções nacionais da multinacional PPE, estão sem autonomia e teriam de apoiar o PS contra o BE e o PCP em matérias europeias e de segurança global.
O que esperar da relação entre Cavaco Silva e José Sócrates, caso este seja convidado a formar governo? Novamente cooperação institucional no discurso oficial e conflitualidade latente na prática e nas entrelinhas?
Não tarda que voltem ao estado de graça de cooperação estratégica que foi o normal anormal deste ciclo presidencial cavaquista. É mais aquilo que os une do que aquilo que os divide. Temo que o PSD continue a ser espaço de sementeira de eucaliptos providenciais.
A lucidez de ser ingénuo
Cavaco Silva não é Deus nem Nixon. Pode errar e deve levantar-se, para poder continuar a ser o guardião da Constituição. E no palácio da república em figura humana, vale a pena termos bons exemplos. Mas a procissão ainda não saiu do Pátio dos Bichos. A liberdade de imprensa é, de facto, um bem superior ao respeitinho. E a liberdade de expressão de pensamento, uma necessidade, para podermos denunciar publicamente os erros dos chefes do estadão. As minas e armadilhas fragmentaram-se todas, em sucessivas desfragmentações e importa ter cuidado com as campanhas negras: as vidraças são de todos e todas podem ser quebradas pelo efeito boomerang. Aguardemos o estádio superior de luta de uma campanha que já ultrapassou o nível do belo interregno d’os Gatos, aliás bem menos fedorentos que certas teorias da conspiração e que muitos espiões em autogestão, esses ocultistas que contribuíram para esta remacaízação serôdia da democracia. Porque importa seguir o conselho presidencial, sobre não sermos ingénuos, sobretudo, neste tempo de homens tão lúcidos, onde é imperioso termos a lucidez de continuarmos ingénuos. Julgo que deve terminar o ciclo dos familiares, moscas e bufos que querem manter o emprego de caça-fascistas, caça-comunas, caça-pedreiros e caça-jesuítas, esses resíduos sólidos de extrema-esquerda e extrema-direita que nos continuam a poluir!
Que venha o indisciplinador colectivo que nos traga a urgente regeneração!
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O Watergate dos pastéis já deu uns passinhos na Calçada da Ajuda. Mas ainda não se assentou nos bancos de pedra da Praça Afonso de Albuquerque. Remeto para os dois artigos que publiquei no Diário de Notícias. O de hoje, e o que saiu logo que rebentou o petardo. Prefiro ir ao fundo da questão. Para a vagalhota de vulgatas de “intelligence” mal digerida com que pretendem explicar de forma pretensamente científica os chamados mistérios do poder e que nos enredam no mais paranóico dos enredos.
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Estes ditos omniscientes das sebentas da teoria da conspiração, afinal, apenas sucedem à era dos juridicismos que marcaram a mentirosa razão de Estado da última fase do regime derrubado em 25 de Abril de 1974, já dominada pela cultura do Estado de Segurança Nacional, onde se traduzia em calão a NATO, conforme os manuais de planejamento estratégico de Golbery do Couto e Silva, Augusto Pinochet e Kaúlza de Arriaga.
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Os fantasmas securitários ameaçam continuar a despolitizar o Estado. Mesmo quando invocam protecções místicas de sacristia ou de loja, não têm técnica nem teoria que lhes dê a categoria de monopolistas da alta política e muito menos podem chegar ao entendimento da nebulosa do chamado interesse nacional.
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Os mais recentes episódios de histeria aconselham prudência a estadistas e líderes políticos e académicos sobre o uso que fazem de tais pretensos ocupantes dos interstícios do poder. Porque alguns deles não passam de míseros e mesquinhos carreiristas e capangas que a inquisição e a bufaria nos deixaram. Podem servir para alimentar sensacionalismos jornalísticos ou paraganonas, com fugas aos segredos de justiça e são o mais sórdido que deixámos crescer em democracia e pluralismo. Logo, há que separar o trigo do joio, antes que apodreçamos todos.
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Juro que continuo romântico e radical, mas que detesto a revolução e a reacção. E reconheço perfeitamente os irmãos-inimigos que assumiram o situacionismo e nos vão instrumentalizando. Logo, não deixarei de denunciar as duas faces da mesma moeda má que nos vai desvalorizando a todos.
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Não se iludam: nem a Dra. Manela é um Salazar de saias, nem Sócrates, um qualquer Hugo Chávez. Eles não passam de meros espelhos da nação que somos. De um povão a quem obrigaram a torcer em cobardia, porque lhe adormeceram a honra da coragem, dizendo que, mesmo sem espinha, vale mais um pássaro na mão do que dois a voar.
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O mal já vem de longe, dessa bolorenta hipocrisia com que a Inquisição nos eliminou a fibra de Quinhentos, quando ainda vivíamos como pensávamos. Das moscas do Intendente que nos deram as Viradeiras, a última das quais durou quase cinquenta anos, em pleno século XX.
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Mais recentemente, tudo se agravou quando arranjámos colectivismos de seitas que nos deram a ilusão dos PRECs. Quando muitos confundiram os amanhãs que cantam com a varinha de condão do viracasaquismo saneador, da luta de invejas. Ou com o socialismo de consumo dos hipermercados e do betão, de vez em quando embrulhados com o folclore das campanhas eleitorais.
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Não me deixo enrolar pelos sermões de Marcelo e de Vitorino, ou pelas frases pretensamente assassinas de Mário Soares. Quero ser um bocadinho mais exigente. Não quero ser governado por aposentados e não vejo, nos políticos profissionais alternativos, aquela altura de fins políticos que nos possam conduzir à regeneração.
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Gostaria que as próximas eleições fossem o necessário golpe de Estado sem efusão de sangue e que a próxima encruzilhada gerasse o urgente indisciplinador colectivo que pusesse fim a esta decadência neocabralista e neofontista, onde políticos honestísismos se deixaram rodear de gente com o perfil exactamente contrário. O Estado de Direito só resiste se as respectivas raízes se revivificarem na confiança pública e, consequentemente, na simples fé do homem comum, nos homens e mulheres de sangue, suor e sonho.
A lucidez de ser ingénuo
A lucidez de ser ingénuo
Por José Adelino Maltez
Cavaco Silva não é Deus nem Nixon. Pode errar e deve levantar-se, para poder continuar a ser o guardião da Constituição. E no palácio da república em figura humana, vale a pena termos bons exemplos. Mas a procissão ainda não saiu do Pátio dos Bichos. A liberdade de imprensa é, de facto, um bem superior ao respeitinho. E a liberdade de expressão de pensamento, uma necessidade, para podermos denunciar publicamente os erros dos chefes do estadão. As minas e armadilhas fragmentaram-se todas, em sucessivas desfragmentações e importa ter cuidado com as campanhas negras: as vidraças são de todos e todas podem ser quebradas pelo efeito boomerang. Aguardemos o estádio superior de luta de uma campanha que já ultrapassou o nível do belo interregno d’os Gatos, aliás bem menos fedorentos que certas teorias da conspiração e que muitos espiões em autogestão, esses ocultistas que contribuíram para esta remacaízação serôdia da democracia. Porque importa seguir o conselho presidencial, sobre não sermos ingénuos, sobretudo, neste tempo de homens tão lúcidos, onde é imperioso termos a lucidez de continuarmos ingénuos. Julgo que deve terminar o ciclo dos familiares, moscas e bufos que querem manter o emprego de caça-fascistas, caça-comunas, caça-pedreiros e caça-jesuítas, esses resíduos sólidos de extrema-esquerda e extrema-direita que nos continuam a poluir!
Retalhos da vida de fim de semana de um eleitor que ainda não sabe onde vai votar
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Dizem-me que me dizem que alguém disse aquilo que não convinha, a quem queria que eu dissesse o que eles queriam que eu dissesse. Desprezo bufos. Com eles no poder já tinha ardido há muito. Digo, disse e direi, para quem quis, quer ou há-de querer ouvir. O que penso.
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Vou seguir o conselho presidencial, sobre não ser ingénuo. Infelizmente, neste tempo de homens e presidentes tão lúcidos, eu sou dos que prefere a lucidez de continuar ingénuo, notando como a geração da imaginação ao poder caiu nas mais rascas teias da antiquíssima teoria da conspiração, com caceteiros intelectuais à mistura e espiões em autogestão…
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Há um velho aforismo que tudo resume: Nec Proditur, Nec Proditor, Innocens Ferens (Nem o traidor nem o traído se presume inocente)…
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Está um excelente dia de sol. Vou passear à beira do Tejo, diante do Palácio de Belém, vou caminhar em direcção à barra e olhar a Torre que está à esquerda, para, em silêncio, mandar bugiar os familiares, moscas e bufos que querem manter o emprego de caça-fascistas, caça-comunas, caça-pedreiros e caça-jesuítas, esses resíduos sólidos de extrema-esquerda e extrema-direita que nos continuam a poluir!
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Lá volto à casinha, depois de ler o Expresso. Pouco me interessa que os altos dirigentes do Bloco subscrevam na prática o capitalismo accionista e obrigacionista. As sondagens já os elevam a quase-ministros, de acordo com a informadíssima bandeira daeurodeputada Ana Gomes que, tão garbosamente, enterra a estratégia do partido que lhe dá causa. Luís Amado que se cuide..
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Cavaco e Sócrates podem colocar no respectivo balanço político esta via original de transformarem o Bloco de Esquerda naquilo que outrora foi o partido eanista. Sempre podem dizer que assim evitaram a via berlusconiana do pós-fascismo, ou a criação de uma qualquer frente lepenista. Lerei com atenção as análises dos persistentes intelectuais da esquerda endireitada que deram pensamento ao cavaquismo, com e sem Cavaco.
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O que é a social-democracia deste nosso pensamento dominante? “Materialismo do caracol (flácido, vagaroso, escondido, mostrando-se apenas ao Sol e com duas antenas para evitar os ‘maus’ terrenos ou não perder o ‘contacto’)”. Francisco Lucas Pires, “Uma Constituição para Portugal”, Coimbra, 1975, p. 12.
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Gostei imenso daquelas cenas de ontem da RTP Memória, no programa do Museu da Democracia que ontem invadiu Coimbra. Alegre em verso épico de filho pródigo. Marcelo a ler papelinho escrito. Alegre podia ter ido ao comício de Manela e Marcelo, ao de Sócrates, dizendo para todos votarmos apenas no situacionismo. Mas a coisa está felizmente preta para o mais do mesmo, com Louçã, Jerónimo e Portas a resistirem
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O sol continua a brilhar. Assisto da varanda à liturgia belenense do render da guarda. A GNR continua garbosa, com homens e mulheres, controlando a charanga, montando os cavalos e orientando os cães. A GNR passa, outros cães ladram, outras cavalgaduras andam aos coices, estes soldados continuam alinhados e firmes. Apeteceu-me içar a bandeira azul e branca para coroar privadamente a bela cerimónia.
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A GNR já regressou ao quartel. Noutras gamelas da Ajuda, alguns donos do poder arreganham a dentuça. Mas ela não passa de dentadura postiça e estamos à beira de a deitar barra fora. Basta que não passemos novo cheque em branco aos situacionismos. A próxima encruzilhada pode ser estimulante se reforçarmos o pluralismo e ameaçarmos os donos do poder. Devagar, devagarinho, a música pode começar a ser outra!
PS: No canto superior direito da foto, ainda se vê a janela do quarto donde vos estou escrevendo. Não emito as fotos que tirei a membros da casa civil presidencial neste fim de semana. Um deles estava sem gravata, serenamente sentado na esplanada da esquina. Julgo que era ofender o “zen” privado de uma figura pública.
Dez conselhos para homens livres
Há dias em que se acorda marcado pela agenda das parangonas dos jornais, entre os efeitos da bomba de ontem da pretensa compra de votos na laranjada, aos meandros das escutas presidenciais e limianas, árvores que quase ocultaram a sonoridade das sondagens. Neste país, onde ninguém a ninguém admira e todos a determinados idolatram (citação, de memória, do Almada), apenas observo, hermeticamente: há quem diga que o foi, mesmo sem nunca o ter sido, para que, quando o for conveniente, dizer, então, que já o deixou de ser. Porque todos querem flutuar como rolhas, nas ondas do pensamento dominante. Pior ainda: nas fachadas institucionais que deveriam ser de homens livres, mesmo que em aulas livres, quando aquelas se enredam nos diccionários dos mestres-de-seita, sobretudo das seitas que se carimbam com o monopólio da racionalidade.
E depois disto tudo, lá tenho que escolher entre os seguintes cabeçudos de lista: Jaime Gama, Manuela Leite, Francisco Louçã, Teresa Caeiro e Jerónimo de Sousa, com muitos outros à ilharga, entre os quais o departamento de benzeduras de um colégio ligado a Josemaría Escrivá e que não é bem aqueles que passando os olhos por esta frase julgarão, porque está mais ligado ao ramo da restauração e dos pastéis. Se for votar, o que será sempre contra o situacionismo, juro que prefiro um dos que pensam como vivem e que vivem como pensam, mesmo que, aparentemente, possa situar-se no lado oposto ao que me é indicado pela bússola eleitoral. Prefiro a honra à inteligência.
E recordo:
1. A versão constitucional que nos rege não a do tempo de Eanes, nem dos três governos presidenciais que constituiu, dos quais tive a honra de ser adjunto, com mais saudades de Nobre da Costa que de Maria de Lurdes Pintasilgo, mas com muito respeito pela utopia desta grande senhora.
2. Quem eliminou esse anterior presidencialismo foi a campanha civilista de Sá Carneiro, quando isso era espinha dorsal do PPD/PSD, a que aderiu Soares e o PS.
3. Este presidente, apesar de Fernando Lima e João Espada, vai cumprir o contrato de guardião da Constituição.
4. Foi Sampaio que usou a bomba atómica da dissolução, contra um governo de maioria absoluta, o de Santana/ Portas.
5. Soares não favoreceu um governo de Constâncio (PS), Eanes (PRD) e Adriano (CDS), contra a semente de cavaquismo, durante o 1º governo do cavaquistão. Apesar de, depois, clamar contra a ditadura da maioria e apelar ao direito à indignação.
6. Pode haver um governo de maioria absolutamente relativa, mesmo que um dos partidos não obtenha maioria absoluta. Por exemplo, do PS, com acordos parlamentares de apoio, com o BE e o PCP, onde estes partidos enumerem cláusulas de salvaguarda ideológica. O PS fica confortável porque sabe que as seccções portuguesas do PPE o terão de apoiar em matérias europeias que são mais de metade dos actuais factores de poder vigentes.
7. Se for necessário, Sócrates vai fazer um interregno como presidente do PS, substituindo Almeida Santos. E a drª Manela, idem. Os partidos e lideranças que temos sabem das potencialidades da democracia e são responsáveis. E Cavaco vai cumprir os contratos. Basta notar que Jerónimo só entrou para o PCP depois do 25 de Abril de 1974. Que Sócrates e Paulo Portas começaram na JSD. Que Louçã só começou em comícios depois da mesma data e que antes andava encostado aos cristãos progressistas. Todos têm raízes. Até Manela no bisavô e na crise estudantil dos anos sessenta e não do lado salazarento.
8. A democracia recomenda-se e os partidos precisam de desafios. Por exemplo, o da luta contra a corrupção, de acordo com os critérios globais da “Transparency International”. É uma vergonha estarmos ao lado de Malta e da Islândia, como os únicos três da nossa Europa, sem institucionais representantes da luta global contra a corrupção. Ainda pensamos que a coisa tem a ver com leis, polícias, magistrados e organismos carrimbados com esse nome, quando o impulso tem de vir daquilo que ainda não existe: a sociedade civil.
9. O problema da democracia é esta ilusão absolutista e salazarenta do decretino. E os partidos que temos são cada vez mais estadão e, logo, mais decretinos, num momento em que também faltam empresários na economia, professores na escola e sindicatos no trabalho.
10. Não precisamos de menos Estado. Precisamos de mais república, de mais comunidade, de uma democracia que não se volte contra o povo e que as autarquias locais e regionais não sejam direcções-gerais ou governos civis. O máximo de público sempre foi o contrato das horizontalidades. O que vem de baixo para cima. E de dentro para fora. Contra a hipocrisia inquisitorial que nos transforma em mentira generalizada, com mais cobardes do que corajosos. Dos que são antes de quebrar que torcer, porque vivem como pensam.