A pátria está de tenda montada diante da Torre e vai dormir em miragem, com muito Colombo, mas sem furo no ovo nem bons selvagens. Até ao desmontar da feira da imagem, até batem leve, levemente. Não é apenas chuva, nem apenas gente. A neve vai caindo e o degelo não vem. Prefiro comemorar a Restauração, porque sem 1640 não haveria Brasil, como assinalava Agostinho da Silva, na sua eterna metapolítica. Estes longos directos, vindos da cimeira, se confirmam Portugal como excelente mestre de cerimónias, contrastam com a putrefacção institucional interna, mas fazem-me recordar que, em termos de política externa, vale a pena o consenso nacional, em ritmo de fado com saudades de futuro… Contudo, não podemos esquecer que Assembleia da República demonstrou que o governo tem apoio apenas minoritário. Nosso primeiro qualificou este activismo da coligação negativa como “governo de assembleia”. Apenas veio confirmar que até agora vivemos emassembleia de governo. Ou melhor, tivemos governos e parlamentos de directório partidário, em regime de chanceler, ou de presidencialismo de secretário-geral absoluto, odiando forças de bloqueio… Porque absoluto quer dizer “ab” mais “solutus”, isto é, solto, em soltura, sem controlo pelos contrapoderes da velha engenharia de Montesquieu. “Checks and balance” é o velho e eterno nome da democracia pluralista, o exacto contrário do centralismo democrático, herdeiro do jacobinismo… Poder em soltura, sem controlo, é governança livre das leis que ela próprio pode fazer, bem como governança onde tudo quanto ela diz é lei, mesmo que o diga em propaganda de corredor ou de átrio, como “slogan” de telejornal. Sócrates II não é Sócrates I e o queijo limianoda barganha subiu de preço: já custa qualquer coisa que se situa entre o Bloco Central e o portas do dito, dado que Dimitrov já era… A não ser que as oposições que temos deixem o governo governar, como aqueles jogos onde o vencedor resulta da mera falta de comparência do adversário. Em todos os casos, quem perde é o povo, assim dependente de uma coligação negativa e da consequente hierarquia daquelas potências a que chamavam forças vivas e que, em muitos casos, coincidem com os chamados “empresários do regime”. Mas vamos esquecer o défice, o endividamento e os governadores civis que ascender ao Olimpo por perderem as eleições. A comarca experimental do Baixo Vouga continua a mobilizar recursos em cauções para o erário público, naquilo que os do costume chamam divertimentos… O Estado a que chegámos é cada vez mais um Estado Novo que afinal é Velho. Quer, pelo decretino, rever a história e, enredado na literatura de justificação, junta salazarismo e estalinismo, sem reparar que só é novo aquilo que se esqueceu, que só é moda aquilo que passa de moda. Tem a cara dos governadores civis, vive das posses e das eméritas medalhas de homenagem… Há salazarentos que odeiam Salazar só porque ele era mais inteligente e mais honrado do que muitos dos ministros de tal regime. Infelizmente, até hoje só conheci, entre os insignes ficantes do dito, patifes inteligentes, honrados burrinhos e emproados de província, com gravata e restos de brilhantina, todos cheios de rebentos da ultra-esquerda, chamando fascistas aos dissidentes face ao obediencialismo, só porque conseguiram enrodilhar os situacionismos posteriores e odeiam as lealdades básicas que seguem as ideias de obra ou de empresa…
Monthly Archives: Novembro 2009
As redes em rede, ou de como, sem “glasnot”, a “perestroika” é uma farsa
No dia em que saem novas sobre a acusação ao grupo BPN, e continuam as do sucateiro, classifiquemo-las apenas como o normal anormal da sociedade aberta e pluralista, federada pela partidocracia, que começa a transformar a democracia numa democratura, que, entre nós, vive do devorismo, do rotativismo, dos salazarentos e do bloqueio central dos partidos ditos do arco da governabilidade, que, atendendo a recentes exemplos do Bloco de Esquerda (sic, não é gralha, tem nomes, datas e alinhamentos), em redes mais difusas, parece alargar-se. Há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto. Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos “mass media”, dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder. Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais. Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões. Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação. O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados. Quem ontem tivesse espreitado a bela e caríssima revista que era distribuída gratuitamente com um quotidiano dito económico, compreenderia a anarquia ordenada onde vivemos e deveria poder consultar um qualquer manual de grupos de pressão e grupos de interesse: a revista era um golpe promocional das redes ditas escritórios de advogados, com fotografias aliciantes dos casamentos que as originaram. Por mim, pouco dado à inveja, até porque fui convidado, ainda menino e moço, para uma delas e nem sequer sou consultor de nenhuma, apenas me apetecia fazer parte de uma qualquer escola de ciência política que fizesse mesmo ciência política, isto é, medição da falata de autenticidade do poder, e tratasse de inventariar as redes em causa, nomeadamente na ligação à partidocracia e à estrutura banco-burocrática… Apesar de tal grupo de investigação poder receber não sei quantos processos, seria fácil fazer a ligação dos patrões de cada uma aos principais partidos, do PS e PSD ao próprio CDS, isto é, aos partidos de ministros, às universidades, privadas e públicas, e aos principais clubes de futebol. E não me afligiria que fosse útil para o povo conhecer as avenças e as consultadorias das mesmas, sobretudo no tocante a clientes ditos públicos, semipúblicos e participados, com muito “outsourcing” até na feitura de leis. Depois de me actualizar com as belas fotografias promocionais, fui capaz de ter visto concentradamente todos os que movem campanhas contra o discurso de Marinho e Pinto, esse elefante da palavra nesta bela loja de loiça. Por mim, apenas preferia legalizar os grupos de pressão e os grupos de interesse, evitando a concorrência desleal. Sugiro que a Autoridade da Concorrência cumpra a lei e promova um adequado inventário das eventuais posições dominantes. Nesta época de globalização, é absurdo manter-se um tipo de estatuto que nasceu para os profissionais liberais da “belle époque”… A mesma técnica de transparência poderia ser aplicada aos júris universitários, às eleições de reitores, às indicações de deputados e a todas as efectivas redes de poderes que andam por aí a fazer discursos de “perestroika” quando nem sequer lançaram a “glasnot”. Eu vou transformando em fichas esse galgar destrutivo de estruturas que, até há pouco, estavam ainda marcadas por certos restos de justiça e meritocracia. Precisamos urgentemente de um pequeno livro equivalente ao que Maria Belmira Martins emitiu pouco antes de 1974 sobre “Sociedades e Grupos em Portugal”, aplicado à banca, à burocracia, aos advogados, aos partidos e às redes empresariais místicas, isto é, às que nacionalizam os prejuízos e privatizam os lucros. A sucata gira e até pode revestir a forma armilar da imagem, assim em ritmo de lusotropicalismo…
As redes em rede, ou de como, sem “glasnot”, a “perestroika” é uma farsa
No dia em que saem novas sobre a acusação ao grupo BPN, e continuam as do sucateiro, classifiquemo-las apenas como o normal anormal da sociedade aberta e pluralista, federada pela partidocracia, que começa a transformar a democracia numa democratura, que, entre nós, vive do devorismo, do rotativismo, dos salazarentos e do bloqueio central dos partidos ditos do arco da governabilidade, que, atendendo a recentes exemplos do Bloco de Esquerda (sic, não é gralha, tem nomes, datas e alinhamentos), em redes mais difusas, parece alargar-se.
Há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.
Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos “mass media”, dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder.
Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais.
Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões. Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação.
O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados.
Quem ontem tivesse espreitado a bela e caríssima revista que era distribuída gratuitamente com um quotidiano dito económico, compreenderia a anarquia ordenada onde vivemos e deveria poder consultar um qualquer manual de grupos de pressão e grupos de interesse: a revista era um golpe promocional das redes ditas escritórios de advogados, com fotografias aliciantes dos casamentos que as originaram.
Por mim, pouco dado à inveja, até porque fui convidado, ainda menino e moço, para uma delas e nem sequer sou consultor de nenhuma, apenas me apetecia fazer parte de uma qualquer escola de ciência política que fizesse mesmo ciência política, isto é, medição da falata de autenticidade do poder, e tratasse de inventariar as redes em causa, nomeadamente na ligação à partidocracia e à estrutura banco-burocrática…
Apesar de tal grupo de investigação poder receber não sei quantos processos, seria fácil fazer a ligação dos patrões de cada uma aos principais partidos, do PS e PSD ao próprio CDS, isto é, aos partidos de ministros, às universidades, privadas e públicas, e aos principais clubes de futebol. E não me afligiria que fosse útil para o povo conhecer as avenças e as consultadorias das mesmas, sobretudo no tocante a clientes ditos públicos, semipúblicos e participados, com muito “outsourcing” até na feitura de leis.
Depois de me actualizar com as belas fotografias promocionais, fui capaz de ter visto concentradamente todos os que movem campanhas contra o discurso de Marinho e Pinto, esse elefante da palavra nesta bela loja de loiça. Por mim, apenas preferia legalizar os grupos de pressão e os grupos de interesse, evitando a concorrência desleal.
Sugiro que a Autoridade da Concorrência cumpra a lei e promova um adequado inventário das eventuais posições dominantes. Nesta época de globalização, é absurdo manter-se um tipo de estatuto que nasceu para os profissionais liberais da “belle époque”…
A mesma técnica de transparência poderia ser aplicada aos júris universitários, às eleições de reitores, às indicações de deputados e a todas as efectivas redes de poderes que andam por aí a fazer discursos de “perestroika” quando nem sequer lançaram a “glasnot”. Eu vou transformando em fichas esse galgar destrutivo de estruturas que, até há pouco, estavam ainda marcadas por certos restos de justiça e meritocracia. Um dia, breve, abrirei o livro. Pode até ser quando estiver em público com um dos agentes vérmicos ao lado.
Precisamos urgentemente de um pequeno livro equivalente ao que Maria Belmira Martins emitiu pouco antes de 1974 sobre “Sociedades e Grupos em Portugal”, aplicado à banca, à burocracia, aos advogados, aos partidos e às redes empresariais místicas, isto é, às que nacionalizam os prejuízos e privatizam os lucros. A sucata gira e até pode revestir a forma armilar da imagem, assim em ritmo de lusotropicalismo…
Começamos a ser todos coveiros do regime, porque obedece quem não deve e manda quem não pode
Disse, há dias, que hoje não ia à procissão da homenagem, segundo aquele novo catecismo que é tão velho quanto as coisas velhas que sempre foram antiquadas. Prefiro respirar neste verbalismo de símbolos que, tendo um motivo existencial de revolta, pretende apenas ascender ao categorial, para que cada um fixe a metáfora num dos muitos lados que nos vão pesando em servidão. Nem tenho que dizer das razões deste permanecente concentracionarismo, feito feira de vaidades. Basta notar que há uma natureza das coisas e, por dentro das coisas, é que as coisas realmente são. Ponto final. Com parágrafos seguintes.
Até podemos peregrinar por outros sítios do mesmo “pagus”. Basta notarmos como presidente Cavaco está a recuperar: o assessor de imprensa subiu na escala hierarca das honrarias de Estado, as sondagens já lhe dão recuperação, o sorriso do enigma já venceu o ritual do tabu. Também o processo Casa Pia comemora o quinto aniversário da sua dilatória e legalíssima falta de leitura de um conjunto de estudos editados em meados do século XX pela Ordem dos Advogados, do tempo dos Adelino da Palma Carlos, quando se fazia o cruento retrato do tempo que afinal seria prospectivo… Uma tal de administração da justiça anterior à chegada à pasta de Manuel Rodrigues e que agora é de quem continua sem dizer nada…
E depois há sempre parelhas que se passeiam em música celestial. Um e o outro, como o Dupont e Dupond. Os tais que vieram do mesmo sítio mental e sociológico, mesmo que as arestas do quadrado pareçam fazê-los em não coincidência. Que se cruzaram, em memórias, numa casinha da Rua de D. Pedro V, onde o colega de gabinete de um deles dava repastos espirituosamente vivos aos seus colegas de menos posses, e mais poses, quando já havia imagem, sondagem e sacanagem. Como todo o agora deste pantanal. Uma parelha que é paradigma de muitos mais uns e outros, que nada tiveram a ver com a libertação ocorrida em 25 de Novembro de 1975. Que um estava bem longe, por ter sido dignitário da coisa que felizmente já não há, desfeita em apodrecimento, por durar e durar em provisório. Que outro, mero familiar da mesma coisa, não tinha seguido o recuo de Cunhal e estava na vanguarda do golpe contra a democracia pluralista, simbolizada por Ramalho Eanes e Melo Antunes.
A parelha em causa, sem ser em ficção, pode ter o monopólio da palavra e, em certas secções do aparelho do poder, até o monopólio do poder, só porque uns e os outros fingem que são irmãos-inimigos, quando efectivamente sempre estiveram aliados na intolerância, no fanatismo e na persiganga. Nunca direi seus nomes inteirinhos, até porque não interessa, a não ser no simbólico. Até nem os direi quando voltar a haver vergonha, mesmo que não venha a justiça. Prefiro que os idiotas úteis não percebam a finta em que caíram, só porque puxa por eles aquela pretensão de honrarias, as tais que duram tanto como o bafo de vindicta.
Ainda há verdadeiros exemplos do século do dogma. Que um silenciou assassinatos políticos de adversários e ainda continua a invocar as teorias bafientas da razão de Estado, dos segredos do dito, e do realismo que o pariu, com milhares de mortos nas encruzilhadas da ditadura dos factos. O outro, pensando que o não subscreve, apenas pensa que é a história que faz o homem, em sucessivos revisionismos do pretenso sucesso de vencedores, mesmo que pareçam o que não são, um quarto de hora antes do vazio infinito, do infinito que nunca procuraram. Ambos poderiam ser as duas faces de Jano, neste comemorativismo coveiro do regime. Aquele que continua a dizer que manda quem pode, obedece quem deve. Ele, o senhor ninguém, é que manda mesmo. O súbdito que o quer ser, apenas obedece e agradece, unidimensionalmente.
Entre um jacobino dito de esquerda e um jacobino dito de direita, a revolta dos que são fiéis aos mortos do 25 de Novembro de 1975. Que não são apenas mero dano emergente, mero efeito colateral, para que, depois de esquecidos, se continuem os desmandos dos regicidas de praça públicas, ou dos silenciosos democidas de alcatifa. São todos daquela velha classe hegemónica capitaleira que quer continuar o genocídio social da injustiça. E todos eles somos nós. Cadáveres adiados que não procriamos nem nos vemos ao espelho.
Partidocracia, democratura, salazarentos e maneleirismo socrático
Não! Não digo o que fiz ontem, anteontem, ou hoje, que o tirador de fotocópias já mandou quem aviava bicas pedir ao sôtor engenheiro que pedisse ao magalhães do filho que pusesse logo na pen o que aquele escreveu contra cá a gente, cá gente é que é a única que trabalha, porque é a única que processa e o processa, isto é, a única gente que vai ocupando o vazio de poder das grandes e gloriosas reformas de Estado… Mais foi bom estar ontem com mais velhos. Até aprendi sobre os meandros do negócio universitário e da grande academia e do grande e enorme ex-ausente que está presente, com um mercedes preto, uma secretária de pau preto, um assessor de imprensa de carne e osso, e muitos e muitos e muitos operadores de reprografia dos dito serviços, entre os quais os tradicionais abóboras do alimirantado, do almoxarifado, do escutadorizado… Digo antes alimentarado, almofadado, ou a esquizofrenia passadista de uma pretensa glória pretensamente monopolizadora de um ideal onde, na prática, a teoria é outra, sobretudo quando impera o dogmatismo maniqueísta que pelo bolor da patifaria quer fazer pão das rosas… Basta que à pretensa verdade se junte a gula devorista do poder pelo poder, só porque tem a mania de confundir o monopólio da palavra com o monopólio do poder… Quem assim pensa que vence através do estrondo da solidão, depressa vai aperceber-se do desastre, onde vencer é pior do que ser vencido, neste mais do mesmo que nos enreda e degenera. A única esperança, capaz de mobilizar este animal de discurso, é a urgente racionalidade complexa, que dê valores ao delírio finalístico dos pretensos homens de sucesso, com amigalhaços, clientes, coleguinhas, espiões e toda a fileira de serviçais que nos embaciam a capacidade de avaliação do mérito… A besta continua impune, sem remorso. Também vi o Prós e os Contras de ontem, como, antes, assisti cuidadosamente ao testemunho de Saldanha Sanches na SICN. Gostei do juiz Ricardo e do ex-juiz Albuquerque. Já conheço os argumentos do Bastonário. Apenas concluo que a solução está em partes do problema dizerem que têm solução. Basta um furinho no Ovo de Colombo. Mas não mandem assassinar Cícero. Continuo a detestar César e a mulher de César. Aconselho-o a desconfiar de Brutus. Prefiro Cícero, especialmente quando cresce a pulsão do despotismo de Césares de Multidões. A partidocracia dominante, porque o sacristão perdeu o sentido dos gestos, acabou ontem a distribuir mais uns “jobs for the boys… and girls”, depois de mais um acordo criando mais “olds” na mesa do orçamento. Como dizia o juiz Ricardo, tudo começou nas viagens-fantasmas dos nossos novos “sanbenitos”. Tudo começou com uma questão de economato e almotaçaria, por causa da permanecente questão das subsistências, onde o pão político já não é o regime cerealífero, mas os sucessivos nomes dos fundos estruturais, do betão negro ao verde da entropia… Entropia é a quantidade de energia gasta numa mudança que fica para sempre na zona do desperdício. É linguagem de Clausius que era físico e tudo. Aprendi com o Fernando Carvalho Rodrigues… Uma década antes de ascender à ditadura das finanças, o futuro filósofo-ditador do novo despotismo esclarecido, escreveu duas obras de acesso à carreira docente, onde nunca se doutorou, sobre questões concretas de regime: as subsistências e o pão político. Pintou de beato o pombalismo e continua a iluminar alguns dos pretensos teóricos daquilo que para eles sempre foi uma democratura… Por outras palavras, é a chamada falta de autenticidade dos freis tomás, olha para o que ele diz e não para o que ele faz. Logo, a moral desta decadência é a do sapateiro de Braga: como não há moralidade querem todos comer os restos do tacho. O Bloco Central já não é o do PS-PSD é o dos salazarentos de todos os regimes que se unem em música celestial e revisionismo de literatura de justificação. O ovo de Colombo é só um furinho na engrenagem: fazer com que a dona inteligência, disfarçada pela engenharia de conceitos do decretino, volte a juntar-se em união de facto, com a dona honra, dos que vivem como pensam sem pensarem como depois disso irão viver.
Eu li, Jorge. E fui lá cima, à raiz do mais além. Obrigado!
Morreu como viveu, combatendo. Morreu, vivendo, até ao último grão de esperança da sua existência. Quem diz que não em nome de princípios é quem não renuncia, mesmo que resista em dissidência. Jorge Ferreira, venceu a lei da morte, em nome da lealdade básica.
Estive por estes dias a centenas de quilómetros da Igreja da Penha de França e do cemitério de Oeiras, e mais me doeu a memória da última visita que lhe fiz ao hospital. Na cama, em sofrimento, mas sempre em sorriso, de portátil e ligação à Net, com a televisão em permanência, o Jorge continuava a lutar como todos íamos lendo no seu Tomar Partido e no Facebook.
Não o conheci em coincidências facciosas. Bem pelo contrário. Conheci-o fazendo faísca de divergência de barricadas e, na última fase em que fizemos política juntos, continuámos em divergência de táctica. Por duas vezes renunciei a uma formal militância graças à força que ele fazia do outro lado. Por isso, tenho a legitimidade de reconhecer-lhe aquele profundo companheirismo dos que têm sentido de luta.
Inteligente e honrado, duríssimo na argumentação, rápido no discurso e certeiro na palavra escrita, aliando, a todo o movimento, um profundo sentido informativo, foi capaz de ascender ao estrelato político e de, com honra e inteligência, abandonar tudo, em nome da lealdade e da coerência. Não era homem de poder, porque mesmo quando estava no poder era a plenitude do antipoder. E o mesmo ardor que me fez divergir dele, também me obriga, agora, a reconhecer que sempre mantivemos uma íntima aliança de grande estratégia e uma profunda comunhão de princípios, especialmente quando nos encontrámos brevemente num projecto que um qualquer realista, como éramos, qualificaria como impotente. Mas respondemos à chamada, sujando as mãos nos compromissos…
Ficará por fazer a história de um homem de Abril, da direita de Abril, do militante e do deputado, daquele que foi precursor de incómodas comissões de inquérito ao poder bancoburocrático, mesmo contra os interesses do financiamento do respectivo partido. Porque nunca foi feitor de nenhum interesse, mesmo quando os papéis da verdade desapareciam dos arquivos do Estado. É preciso contar toda a história, em nome da verdade, da efectiva perseguição que sofreu, em nome das causas e dos compromissos com a verdade que sempre o marcaram. Um resistente, ternamente amargo, mas que foi capaz de ascender à mais humana das metafísicas, diante da noite que lhe dará eternidade.
Falemos de outros sítios, Jorge. Nos últimos dias de Outubro, lia o seguinte no teu blogue: “Depois de notícias inesperadas de fim noite, de uma vagas, mesmo vagas leituras de fim de noite, de uns quantos devaneios de absurdo silêncio pelas fraquezas da vida e pelos sortilégios de umas sirenes anónimas algures entre sinistros longínquos e para mim anónimos – curioso como um sinistro que não vemos é para nós um sinistro anónimo que não existe portanto – reencontro, lento, seguro, progressivo, com o alastrante silêncio da noite que nenhuma palavra derrota, nenhum som contamina, apenas um pombo aqui à entrada da janela do meu quarto vem perguntar de mim. Pisco-lhe o olho. Ele, impávido, fita-me. Nem uma inesperada migalha de pão parece ter força para afastar o olhar fito desta criatura do meu olhar fito no olhar fito nele. Ou será o breu que lhe furta a migalha? A noite, há-de, pois resolver. Ele não resistirá à migalha. Eu sei, é a natureza. Eu, sucumbirei a contra-gosto à força irresistível da pálpebra que quebra. Eu sei, é a natureza.”
Imediatamente te fiz um comentário que, dessa, ficou solitário: Eu li, Jorge. E fui lá cima, à raiz do mais além. Obrigado.
Voltei a ler o teu último texto, da passada quarta-feira, um dos 7 904 postais que editaste: Não está escrito em lado nenhum que o biorritmo só cresce. Também desce. Hoje é o caso. Pronto. É questão de esperar. E recomeçar. Com a fotografia nova que recebi no telemóvel e que apaguei com o meu providencial jeito para as tecnologias. Vem outra a caminho, para a montanha russa recomeçar a subida até aos céus infinitos da eternidade.
Redigo para sempre: Eu li, Jorge. E fui lá cima, à raiz do mais além. Obrigado. O Jorge recomeça em cada um dos que nele acreditaram e confiaram. Eu sou um deles. E para sempre.
Entre a mestria da mátria e a memória do elefante
Nos interstícios da vontade de poder, lá vão subindo os híbridos, especialistas na face oculta do realismo do poder. Levam e trazem, trazem e levam. E dizem sempre que não há justiça porque ninguém deve dizer o que pensa. Muito menos nos jornais, nas televisões, nas rádios, nos blogues e no “facebook”. Hão-de todos mandar no deserto. Ou na paz dos cemitérios. Antes de serem escravos já são súbditos, no sobe e desce das sobras da mesa do orçamento. E olham-nos com ar de pena pelo desaproveitado da sua inteligência. Esquecem que vale mais a honra. Porque esta é a que deixamos em herança. Ninguém de boa educação, homem livre e de bons costumes, diz aos filhos para eles serem como aquele senhor político ou aquele senhor sucateiro… Se ocorresse um acidente nuclear na raia do Tejo, não sei como a informação chegava em rapidez aos palácios do poder capitaleiro. Talvez fosse melhor telefonar, ao mesmo tempo, a um qualquer jornalismo de investigação… O centro continua inundado de problemas secundários e pode ser que o Bin Laden trate de aterrar de avioneta na face oculta do Terreiro do Paço… Quanto mais democracia, menos corrupção e mais variedade de partidos, entre socialistas, liberais e conservadores. Uns, desde os finais do século XVII, outros, desde a moderação demoliberal da primeira metade do século XIX. Todos com a mesma ideia que vem de Newton e inversamente proporcionais à utopia revolucionária, com mais sociedade e melhor Estado. Liberais e espirituais. Em tradição.
O presidente primeiro
20.11.09
Herman van Rompuy, com blogue e “facebook” (donde vem a foto)
posted by JAM | 11/20/2009 07:01:00 PM
Entre a mestria da mátria e a memória do elefante
Dizia anteontem, em “mail” privado, uma importante figura da literatura nacional (Lídia Jorge) sobre um texto aparecido num blogue: os seus textos “não são apologéticos mas incitam a uma harmonia que caiu em desuso desejar em público”. Fiquei com tanta inveja de tal pensamento da escrita em forma de blogue (M. Teresa R. Bracinha)… Claro que sei reconhecer a leveza da metafísica e a mestria da mátria.
Por contraste, ouço que um alto paradigma da administração deste guterrismo socratino emite constantemente esta ameaça: “o gajo vai pagar-mas todas e com juros!”. Apenas concluo que o crime continua a compensar. Excluo das escutas o brejeiro modelar com que se emite o assédio… É o estado a que chegámos, ao rebaixarmos os fins do político.
E nos interstícios da vontade de poder, lá vão subindo os híbridos, especialistas na face oculta do realismo do poder. Levam e trazem, trazem e levam. E dizem sempre que não há justiça porque ninguém deve dizer o que pensa. Muito menos nos jornais, nas televisões, nas rádios, nos blogues e no “facebook”. Hão-de todos mandar no deserto. Ou na paz dos cemitérios.
Antes de serem escravos já são súbditos, no sobe e desce das sobras da mesa do orçamento. E olham-nos com ar de pena pelo desaproveitado da sua inteligência. Esquecem que vale mais a honra. Porque esta é a que deixamos em herança. Ninguém de boa educação, homem livre e de bons costumes, diz aos filhos para eles serem como aquele senhor político ou aquele senhor sucateiro…
Se ocorresse um acidente nuclear na raia do Tejo, não sei como a informação chegava em rapidez aos palácios do poder capitaleiro. Talvez fosse melhor telefonar, ao mesmo tempo, a um qualquer jornalismo de investigação… O centro continua inundado de problemas secundários e pode ser que o Bin Laden trate de aterrar de avioneta na face oculta do Terreiro do Paço…
A rainha Isabel II tem a sua Nova Zelândia como o país menos corrupto do mundo. O futuro presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, é do rei dos belgas. A alta representante para a Política Externa da União Europeia é Catherine Ashton, cidadã da mesma Isabel II. Monarquias democráticas que, sem ser por acaso, são paradigma. Parlamento e rei fundaram a democracia ocidental. Valete, valete, valete!
Quanto mais democracia, quanto mais monarquia, menos corrupção e mais variedade de partidos, entre socialistas, liberais e conservadores. Uns, desde os finais do século XVII, outros, desde a moderação demoliberal da primeira metade do século XIX. Todos com a mesma ideia que vem de Newton e inversamente proporcionais à utopia revolucionária, com mais sociedade e melhor Estado. Liberais e espirituais. Em tradição.
Infelizmente leio: “Uma pessoa que até há cerca de um mês foi secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Ou seja, um membro do Governo muito ligado ao primeiro-ministro. As pessoas podem dizer que isto não tem problema de maior, afinal todos os dias o Governo nomeia pessoas para empresas públicas”. Concordo com estas frases, vindas de um ex-ministro de Cavaco e ex-presidente do PSD. Mas acrescento: Isaltino de Morais não devia ter posto quem agora escreve tal contra Sócrates naquilo que era a Universidade Atlântica. Apenas qualifico tais frases como parcela do autoretrato de quem, nisso, já deve ter pedido o estatuto de arrependido. Não lhe ponho o nome de autoria. Os perseguidos da Fábrica da Pólvora reconhecem-no em tal.
Se tudo ficar no congelador do silêncio, daqui a meses é só calhau e bonecada
Rodrigo Santiago, advogado da minha pequena pátria com quem ainda me cruzei nos Gerais, confirma que sucateiro de Esmoriz “é apenas a ponta de um iceberg” de um complexo processo que pode “envolver figuras da hierarquia do Estado” (Jornal I). Infelizmente, o tempo está frio demais para que a neve derreta. Se tudo ficar no congelador do silêncio, daqui a meses é só calhau e bonecada. Outros jornais falam de processo bastante complexo, como se algum processo que envolvesse compra e venda do poder fosse simples e bastasse um manual de direito constitucional ou os conceitos de Martins Afonso da disciplina de “Organização Política e Administrativa da Nação”.
É por isso que caímos na partidocracia, la cancrena dello Stato. Não por causa dos partidos, mas pelo vício leninista do centralismo democrático que os infecta. A culpa da falta de alternativas está no grupo de kingmakers do PS que, num restaurante da Curia, deu procuração a José Sócrates Pinto de Sousa. Apenas deu alento a Marcelo Rebelo de Sousa para dizer que, em vez de um Conselho Nacional, deveria haver no PSD um conselho de guardiões gerontocrático. Aquilo a que alguns chamam padrinhos e barões. Acontece que eles já não são os melhores, apenas são fidalgotes de segunda em coronelismo, ao serviço dos ausentes-presentes, especialistas em legados testamentários. Até as pobres universidades gaguejantes já caíram nessa brincadeira de conspiração de avós e netos, com muitos ursos à deriva, depois do degelo.
Apenas recordo algumas coisas politológicas que, há décadas, transmito. O Estado tem de ser perspectivado como um sistema aberto, como uma instituição de instituições, isto é, como um sistema que troca matéria com o exterior e que integra vários subsistemas sociais, com entradas reivindicativas (input) e saídas prestativas (output), e onde a política é mera actividade de harmonização de contrários, obtida pelo consentimento e pela persuasão.
Governar torna-se assim num processo de ajustamento entre grupos, num processo de negociação e de troca, num modo dinâmico de gerir crises, através da articulação de interesses. Porque o Estado é o lugar onde a sociedade se mediatiza, se pensa, tornando-se na instância onde devem regular-se as crises e tensões da sociedade (Rials).
Neste sentido, o Estado aparece como simples parcela de uma mais ampla sociedade política, admitindo-se um político supra-estadual, infra-estadual e a latere do próprio Estado, pelo que será possível conceber tanto a poliarquia de uma repartição originária do poder político por vários corpos sociais, como também a própria possibilidade de uma ordem universal, de uma civitas maxima, de uma sociedade do género humano.
Há, portanto, muito à maneira foucaultiana, uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.
Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos “mass media”, dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder.
Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais.
Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões.
Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação.
O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados.
Uma fotografia da justiça que nada tem a ver com o texto de outras injustiças que estão fora destes passos perdidos
Houve um tempo em que tive a ilusão de saber direito, incluindo o penal, a melhor das notas que tive no meu curso, e o processual penal, quase na mesma, por causa do entusiasmo que os meus queridos professores Eduardo Correia e Figueiredo Dias me incutiram, em nome da deontologia do Estado de Direito que ainda não havia. O tal que não chegou sequer em 1976, porque o PS cedeu ao PCP, então de Vital Moreira, e todos nos obrigaram a esperar pela primeira revisão constitucional, um lustro depois, enquanto os magistrados, que hoje estão no topo, faziam sua carreirinha no PREC da negra era do pré-Estado de Direito. Houve um tempo em que fui um deslumbrado jurista, quando pensava haver sentido de missão e deontologia de justiça, de transcendente situado, de dever-ser que é, de “intenção axiológico-normativa” que, além de vigente em licitude, deve ser eficaz comunitariamente e nortear-se por uma validade que esteja além do texto e chegue à raiz do mais além do “Estado-Razão”, que é o preciso contrário da “Razão de Estado”. E reforcei a convicção, no estágio que fiz como advogado, com o meu querido e falecido patrono Manuel Fernandes Oliveira, bem como com todos os magistrados e colegas de barra na tertúlia de mestres do café Império e da rua Manuel Rodrigues, sem esquecer as cartas que me eram respondidas pelo bastonário Ângelo Almeida Ribeiro, quando, com a ajuda da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem e do Dr. Contente Ribeiro, se praticava o “huzza, huzza, huzza” que, em inglês, quer dizer “viva o rei”, enquanto sinónimo de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Os presos políticos de então bem receberam a força dessa energia e um deles até foi bastonário. Continuou a haver esse tempo, quando aprendi a ser docente na Faculdade de Direito de Lisboa, na altura em que o saudoso Professor João Castro Mendes espalhava por todos os aprendizes de professor o programa clássico do “alterum non laedere”, do “suum cuique tribuere” e do “honeste vivere”. Levei a profissão a sério e nunca fiz dela posto de vencimento, nem com cunhas do gabinete do primeiro para ser assessor numa qualquer empresa de economia mística que pesquisasse petróleo no Beato ou no Berardo. Levei-a tão a sério que ainda tenho o sonho de a voltar a exercer como missão. Para poder viver como penso, sem pensar muito como depois irei viver. Até entrei na corrente e ajudei à sementeira. E orgulham-me muitos dos alunos que hoje já são catedráticos de direito, magistrados e advogados, e até outros que, apesar de juristas, são doutores de outras áreas. Anteontem e ontem fui mobilizado por dois jovens grupos de doutorados e doutorandos e outros pós-doutorais, em dois sucessivos ágapes de trabalho universitário, onde recebi, deles, com honrosas dedicatórias, as obras-primas das respectivas dissertações e dos trabalhos académicos pós-doutorais. Em todas as sessões, fizemos resistência universitária e exprimimos a nossa revolta face à presente decadência da encruzilhada com muitas conspirações de avós e netos dando tiros nos pés pela basófia dos fracos de que não vai rezar a história. Descansem que não vos nomeio, porque ainda seriam lixados pela oligarquia instalada, tanto do situacioniosmo como do outro situacionismo ainda pior que se opõe ao que agora nos dita em branda, com duras no micro-autoritarismo. Cheguei à conclusão que, uma vez jurista, jurista toda a vida. Porque obedeço intimamente às tais “leis inscritas no coração dos homens”, conforme o discurso de Antígona e os escritos de Marco Túlio, pelos quais os donos do poder tiraram a vida a este último. Por mim, apenas me congratulo, porque o ostracismo ainda não me cortou o pio, nem a língua, apesar de Octávio já ter feito um pacto com o Marco António, apesar de haver Cesário, ou porque Cleópatra tem serpentes. Contudo, na minha história, como o nosso César, que não se chama Júlio, acabou por não ser assassinado por Brutus, ei-lo que se transfigurou em Nero e, em vindicta contra outro magistrado da República, que não se chama Marcelo, mas onde também coincidem as duas primeiras letras, lá vai continuando a dedilhar a harpa aos bochechos, enquanto incendeia controladamente pedaços de Roma, não por causa dos poemas, mas pelos discursos de música celestial em que vai criando notas-pé-de-página para as suas memórias de justificação. Como dizia o verdadeiro César, o tal que apenas caiu na banheira Dona Maria, ou na cadeira de realizador, o dito continua a fazer maravilhas no espatifar das bonecas que diz Hobbesianamente criar, para que, depois de, um quarto de hora antes, ter a ilusão de ressuscitar, vir a desfazer, “methodice digesta”, o que outros, depois dele, fizeram, e acabe por suceder o inevitável dilúvio pós-absolutista, conforme o seu lema, “l’institution c’est moi”, “eu cá sou institucio-na-lista e ai dos que não estão na dita…” Dizem que até o Sertório, afinal, não morreu e vai a Roma ser condecorado e pagar tributo ministerial, diante do monumento dos combatentes, recebendo, como prémio, as últimas obras completas de Astérix e mais um penduricalho com transmissão no telejornal sem prós nem contras. Porque Marco Aurélio, e o seu viver cada dia como se fosse o último, não constam da intodução que Talleyrand Kissinger podia ter feito, na revista “Gerarchia”, ao “Il Principe”, do candidato a adjunto do filho do Papa Claro que todo este postal é indecifrável para os que não sabem descodificar um hermetismo jus-historiográfico com pitadinhas de resistente anti-Salazar quia. Finge que é tão romano quanto as aulas que, da matéria, recebeu de Sebastião Cruz. Mas cada uma das metáforas corresponde a uma coincidência com a realidade do tempo que passa, infelizmente. E haverá os tradicionais fotocopiadores de serviço, esse misto de jagunço e de bufo, que levarão a coisa, em papel sublinhado pelo lápis azul da profissão de fé do actual chefe formal, bem junto do grande manitu, que é o chefe real. Para que todos os clientes e fiéis continuem a espumar a baba de ódio com que as mãos papudas do realismo morgenthauniano têm brindado aos que dizem não à procissão que nos vai levar ao desastre. Eu aguento até me assassinarem. Mas, peço: deixem em paz os que pensam ser do exército que não tenho. Só eu sou o meu exército e não tenho cartões de visita nem papel timbrado. Deixem-nos em paz. Os nossos encontros são clandestinos e deles não posso fazer reportagem íntima.