No dia em que saem novas sobre a acusação ao grupo BPN, e continuam as do sucateiro, classifiquemo-las apenas como o normal anormal da sociedade aberta e pluralista, federada pela partidocracia, que começa a transformar a democracia numa democratura, que, entre nós, vive do devorismo, do rotativismo, dos salazarentos e do bloqueio central dos partidos ditos do arco da governabilidade, que, atendendo a recentes exemplos do Bloco de Esquerda (sic, não é gralha, tem nomes, datas e alinhamentos), em redes mais difusas, parece alargar-se. Há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto. Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos “mass media”, dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder. Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais. Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões. Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação. O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados. Quem ontem tivesse espreitado a bela e caríssima revista que era distribuída gratuitamente com um quotidiano dito económico, compreenderia a anarquia ordenada onde vivemos e deveria poder consultar um qualquer manual de grupos de pressão e grupos de interesse: a revista era um golpe promocional das redes ditas escritórios de advogados, com fotografias aliciantes dos casamentos que as originaram. Por mim, pouco dado à inveja, até porque fui convidado, ainda menino e moço, para uma delas e nem sequer sou consultor de nenhuma, apenas me apetecia fazer parte de uma qualquer escola de ciência política que fizesse mesmo ciência política, isto é, medição da falata de autenticidade do poder, e tratasse de inventariar as redes em causa, nomeadamente na ligação à partidocracia e à estrutura banco-burocrática… Apesar de tal grupo de investigação poder receber não sei quantos processos, seria fácil fazer a ligação dos patrões de cada uma aos principais partidos, do PS e PSD ao próprio CDS, isto é, aos partidos de ministros, às universidades, privadas e públicas, e aos principais clubes de futebol. E não me afligiria que fosse útil para o povo conhecer as avenças e as consultadorias das mesmas, sobretudo no tocante a clientes ditos públicos, semipúblicos e participados, com muito “outsourcing” até na feitura de leis. Depois de me actualizar com as belas fotografias promocionais, fui capaz de ter visto concentradamente todos os que movem campanhas contra o discurso de Marinho e Pinto, esse elefante da palavra nesta bela loja de loiça. Por mim, apenas preferia legalizar os grupos de pressão e os grupos de interesse, evitando a concorrência desleal. Sugiro que a Autoridade da Concorrência cumpra a lei e promova um adequado inventário das eventuais posições dominantes. Nesta época de globalização, é absurdo manter-se um tipo de estatuto que nasceu para os profissionais liberais da “belle époque”… A mesma técnica de transparência poderia ser aplicada aos júris universitários, às eleições de reitores, às indicações de deputados e a todas as efectivas redes de poderes que andam por aí a fazer discursos de “perestroika” quando nem sequer lançaram a “glasnot”. Eu vou transformando em fichas esse galgar destrutivo de estruturas que, até há pouco, estavam ainda marcadas por certos restos de justiça e meritocracia. Precisamos urgentemente de um pequeno livro equivalente ao que Maria Belmira Martins emitiu pouco antes de 1974 sobre “Sociedades e Grupos em Portugal”, aplicado à banca, à burocracia, aos advogados, aos partidos e às redes empresariais místicas, isto é, às que nacionalizam os prejuízos e privatizam os lucros. A sucata gira e até pode revestir a forma armilar da imagem, assim em ritmo de lusotropicalismo…