Alcácer-Quibir ainda nos mata. Depois do “sebastianismo científico”, o do esquerdismo marxiano ou fascitóide, e do sebastianismo merceeiro, o da ditadura das finanças, há muitos que anseiam por um qualquer invasor suave que nos traga “a bela ordem”, sobretudo se ele chamar “libertação” à efectiva ocupação heterónoma das coisas e das mentes. Sim! Tudo anda irascível, sempre à procura do adjectivo demoníaco que dê uma desculpa para ninguém dialogar com o adversário. Todos parecem carecer daquela ciência certa do ideologismo e daquele poder absoluto que adora pisar o opositor com um insulto. Será que o novo D. Sebastião não passa de um contabilista que se assuma como disciplinador externo? Aqui, o essencial no poder conquistado (o estadão a que se chegou) é o dito procurar manter-se, com muita música celestial disfarçando o “apartheid”. Quem diz organização, diz necessariamente oligarquia, isto é, a degenerescência da aristocracia, e na véspera do cesarismo, como é típico de todas as ditaduras da incompetência, plenas de bonzos, endireitas e canhotos.
Monthly Archives: Dezembro 2009
Do poder nu aos anjos decaídos
Hoje, concluirei este habitual ciclo de intervenções públicas em actos de extensão universitária, desde arguição de dissertações e lançamento de livros a outros discursos que nunca divulgo, no “facebook” ou no blogue. Pelo menos, fico mais livre para outras intervenções, sobretudo para fazer a reportagem íntima de certas actividades daquele sacristão que perdeu o sentido dos gestos e a que chamamos regime.
Ainda por estes dias, em vários passos perdidos dos palácios da estadualidade, confirmava esta degenerescência íntima do regime, naquilo que qualifico como privatização clandestina de um antigo serviço público, pela sublimação da velha engenharia feudal da cunha, destruidora da meritocracia.
Os exemplos sagrados e profanos dos recentes episódios, de anjos que, depois da queda, se renomearam, metem ministeriais sumidades dos tempos crepusculares do antigo e do recente regime. O tempo está cinzento e gélido, com muitos cadáveres adiados que, mantendo a categoria do sacristão, se assumem como cardeais desta rede de micropoderes em que nos fragmentámos.
Bertrand Russell falava no mero poder nu, naquele que exprime uma forma de poder pré-político ou não político. Trata-se do poder que se exerce sem aquiescência dos submetidos, durante a conquista, por ocasião da colonização ou através do totalitarismo. Outros referem o poder totalitário, o que é marcado pela “Wille zur Macht”, o poder pelo poder, uma vontade que se fecha sobre si mesma, quando o poder deixa de ter um fim que lhe seja superior, dado que o fim do poder deixa de lhe ser exterior.
Prefiro recorrer ao conceito de anjo decaído, desse que, anteriormente, era um anjo bom. Porque o pecado é uma queda, consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram o Reino. E como invocava São João Damasceno: não há arrependimento para eles depois da queda. Continuo a preferir Albert Camus: o espírito revolucionário recusa o pecado original. E assim se atola nele. O espírito grego não pensa nisso. E deste modo lhe escapa.
Esta degenerescência íntima do regime
Ainda por estes dias, em vários passos perdidos dos palácios da estadualidade, confirmava esta degenerescência íntima do regime, naquilo que qualifico como privatização clandestina de um antigo serviço público, pela sublimação da velha engenharia feudal da cunha , destruidora da meritocracia. Os exemplos sagrados e profanos dos recentes episódios, de anjos que, depois da queda, se renomearam, metem ministeriais sumidades dos tempos crepusculares do antigo e do recente regime. O tempo está cinzento e gélido, com muitos cadáveres adiados que, mantendo a categoria do sacristão, se assumem como cardeais desta rede de micropoderes em que nos fragmentámos. Bertrand Russell falava no mero poder nu, naquele que exprime uma forma de poder pré-político ou não político. Trata-se do poder que se exerce sem aquiescência dos submetidos, durante a conquista, por ocasião da colonização ou através do totalitarismo. Outros referem o poder totalitário, o que é marcado pela “Wille zur Macht”, o poder pelo poder, uma vontade que se fecha sobre si mesma, quando o poder deixa de ter um fim que lhe seja superior, dado que o fim do poder deixa de lhe ser exterior. Prefiro recorrer ao conceito de anjo decaído, desse que, anteriormente, era um anjo bom. Porque o pecado é uma queda, consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram o Reino. E como invocava São João Damasceno: não há arrependimento para eles depois da queda. Continuo a preferir Albert Camus: o espírito revolucionário recusa o pecado original. E assim se atola nele. O espírito grego não pensa nisso. E deste modo lhe escapa.
O vazio de metafísica e a falta de bom senso, ou a democracia apoiada pelo défice democrático…
Leio a sondagem Aximage no Correio da Manhã: PS tem 32,5% e PSD 24,4%. CDS já vai nos 12% das intenções de voto. Cavaco volta a subir. Compreendo a propaganda do TGV. Entendo Almeida Santos quando reconhece a falta de bom senso de todos. Até do próprio reconhecedor do óbvio.
O sinal dado pelo bolinho de mel do jardim madeirense em São Bento, se é menos do que um queijo limiano, pode ameaçar a funcionalidade da confraria do azeite porteira. Até o PS já concluiu que a democracia pode funcionar com o apoio do que apodava como défice democrático. A velha raposa de Alberto João tornou-se lebre. Não tardará que todos tenham de engolir mais sapos vivos. Para o bem comum.
Se outro tivesse sido agredido como Berlusconi, o coro de solidariedade contra a violência seria uníssono, incluindo do nosso Bloco de Esquerda e dos habituais caça-fascistas da nossa praça. Desta feita, tudo se explica como uma espécie de vingança da mão divina através de um simples louco. Por outras palavras, a violência é sempre relativa, porque um bom revolucionário não pode ser humanista…
Os regicidas praticaram uma violência boa. O Júlio Costa, que assassinou Sidónio era louco. O massacre da Noite Sangrenta de 1921 foi a consequência deste paralelograma de forças. E o assassinato de Humberto Delgado, mero excesso de zelo de um funcionário que, graças à tolerância salazarenta, nem sequer recebeu uma maquiavélica reprimenda. Ficou protegida pelo segredo da Razão de Estado. Já não havia bom senso.
Todas as ordens normativas humanas, da moral ao direito, mantêm uma espécie de ligação primordial à pré-filosofia espontânea do senso comum, porque, por mais intelectual que seja o respectivo desenvolvimento, elas nunca conseguem quebrar as amarras que o ligam ao instinto. E ai do conhecimento, incluindo o científico, que deixe de ser um facto íntimo e próprio do espírito, para utilizarmos palavras de Antero de Quental. Aliás, o conhecimento científico, segundo o mesmo autor, constitui apenas a região média do conhecimento, entre o senso comum e o conhecimento metafísico.
Esta é a minha polícia
I
Por outras palavras, o direito não é a vida. São relações jurídicas, isto é, uma minoria das relações sociais, as que são legislativamente seleccionadas e coactivamente protegidas pelo monopólio da violência legítima a que se chama Estado. Logo, nem tudo o que é lícito é honesto e a licitude nem sequer corresponde ao tal mínimo ético, dessa ilusão de deixarmos para os detentores do poder a definição de códigos de conduta que devem caber apenas às autonomias individuais e grupais e são insusceptíveis de captura pelo decretino, pelo que vêm do vértice para a planície dos súbditos. Moral e direito não são círculos concêntricos, apenas coincidem nalguns segmentos. Aqui e agora foram totalmente confundidos pela teledemocracia. E às vezes até continuam a ser medidos pelos preconceitos do racismo social e castífero que nos encarquilha.
Quando os jornais, no século XIX, substituíram o púlpito, dizia-se que conquistar o poder era conquistar a palavra. Desde Kennedy que entrámos em mediacracia mais videopoderosa. Política já não é apenas o que parece, mas a percepção do homem comum sobre o que aparece e que pode não ser o que é previamente ensaiado pelas agências de comunicação. E quando falha a confiança no aparelhismo público, as comunidades tendem a regressar aos esquemas da vingança privada, nesse jogo perigoso dos tribunais da opinião pública, onde, pela simples imagem, o justo pode pagar pelo pecador e acabar como “inimigo público”.
Aqui e agora, o situacionismo dos vários estados a que chegámos, sobretudo o dos micro-autoritarismos sub-estatais, já não teme os opositores rotativistas, os tais que podem tornar-se convivas da alternância na gamela. Apenas odeia os dissidentes que não se transformam na oposição que lhes convém e que não se confundem com os tradicionais inimigos da democracia.
II
O povo, o povo soberano, que naquele dia tinha nas mãos o ceptro da sua soberania, não é menos dócil do que os irracionais que recordamos. O dia que devia mostrar-se orgulhoso, é quando mais se humilhava; quando podia dispor dos destinos dos seus senhores, é quando mais vergava a cabeça sob o peso que estes lhe assentavam. Não é semelhante esta força inconsciente do povo à do boi robusto e válido, que uma criança dirige e subjuga? Forte como ele, como ele dócil, como ele laborioso, como ele útil, não vê que a mesma força que emprega no trabalho lhe poderia servir para repelir o jugo. Ou, quando vê, é quando o desespero e a fúria, o cegam e impelem a revoltas tremendas (Júlio Dinis, ou um liberal à antiga descrevendo um acto eleitoral do rotativismo devorista).
III
Porque a força da inércia é mesmo a força maior destas forças vivas que nos enredam, dessas volutas de quem, olhando para o próprio umbigo, agrava a trindade da “imagem, sondagem e sacanagem”. Todos esses que só vislumbram, diante do olhos, ramos e ramos que nos embaciam a compreensão do todo. Porque só se “com-preende” quando se “prende com”, isto é, coisa com coisa, através de uma adequada intuição da essência.
Aliás, toda a luminária retórica, de todos os regimes em decadência, vive da laudatória ideologista, perdendo-se em estupidificantes discursos de conformismo, com muito texto sem contexto, com muito movimento, gestual e verbal, sem ensimesmamento nem maturidade, onde, na prática, todas as teorias passam a ser outra coisa, mas sem natureza da coisas, porque, por dentro delas, as coisas já realmente não são, não passando de meros restos moldados pela música celestial de um falso politicamente correcto.
Porque, afinal, já há tortura, espionagem política, coscuvilhice, suspeitas, já entrámos, disse o primeiro, em verdadeiro totalitarismo. Ai de quem perde o sentido dos gestos. Pode passar a mero sacristão. Quando precisávamos de mais. Isto é, de mais além. De decisões em tempo de excepção.
IV
Há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.
Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos “mass media”, dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder.
Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais.
Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões. Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação.
O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados.
V
Claro que nunca sou capaz de desenhar, numa folha de papel em branco, uma linha recta perfeita. Claro que, por isso, recorro a instrumentos de aperfeiçoamento, como as réguas (regras, em sentido etimológico) e os esquadros (normas). Claro que sei que tanto o Estado como o Direito são meros normativos. Especialmente quando o Estado deixou de ser Razão de Estado e passou a ser Estado-Razão e o Direito passou do Decreto do vertical absolutismo à Lei vinda do Povo. Até porque também nunca houve Povo e, conquentemente, Democracia. Não houve nem vai haver. Ontem e hoje. Aqui e em qualquer lado, onde haja o dever-ser que é e esse transcendente situado, a chamamos justiça e que não se confunde com o burocrata que diz ser ele esse serviço em figura humana.
Mas o aparecimento do Estado resultou de uma operação de juridificação da política, quando deu direito a uma sociedade senhorial e civilizou uma comunidade guerreira, assumindo-se como o direito contra o poder, a paz contra a guerra. É um pouco de filosofia política, para enriquecimento cultural de sociólogos-ministros.
O Estado de Direito resultou de uma dupla operação : – juridificação da política – e constitucionalização do poder. Deu direito a uma sociedade senhorial; civilizou uma comunidade guerreira citações de minha mestra Blandine, que é francesa, judia e tudo).
O Estado de Direito equivale à velha expressão de Plínio, dirigindo-se a Trajano, quando aquele proclamava que inventámos um Príncipe para deixarmos de ter um dono. Para, em vez de continuarmos a obedecer a outro homem, podermos passar a obedecer a uma abstracção, utilizando as categorias de Georges Burdeau.
O Estado de Direito não é o império da lei, de acordo com essa tradução em calão que muitos fazem de “rule of law”. Porque “law” não é direito, nem “rule” é império. Acima da lei está o direito. Acima do direito está a justiça. E nem sequer a lei é ordem ditada de cima para baixo. Nem por uma maioria absoluta.
Descendo à terra ensopada pela necessária chuva de Novembro, vi outra coisa no plano do normativo. As declarações de Vieira da Silva sobre espionagem política são pior emenda que o soneto. Tenham calma, governantes! Ai de nós se os processos mais mediáticos em curso transformarem o Primeiro-Ministro num dilatório de apitos dourados e campanhas negras. Atingiremos o grau zero da futebolítica!
Aqui não há Mafia como na Itália. Nem terrorismo como em Espanha. É tudo um problema de competência, ou de falta dela… Não foi aqui que o processo das FP teve a mesma polícia, a mesma magistratura, o mesmo governo e a mesma presidência, como instituições? O juiz mais em evidência até não era simpatizante do principal arguido? Que raio de vírus afectou os aparelhos?
VI
O direito não é a vida, são relações jurídicas, uma simples minoria das relações sociais. E os processos não são o mundo. São metalinguagem de um teatro de formalismos, onde até se tinge o paradoxo de proclamar-se que “quod non est in actis non est in mundo”. É hipócrita pedir a polícias e magistrados que façam moral ou que façam política. Como é igualmente hipócrita que políticos finjam que aquilo que é lícito equivale a um certificado de honestidade.
Em vez do hipócrita Frei Tomás, desse que vai pregando sem o fazer, prefiro mesmo o São Tomás que foi sempre teólogo e papista. Estou farto dos Tomásios que não são Américos só porque não foram Reverendos. O estado a que chegámos são eles. Os mexilhões são os mesmos.
Glosando Camus, podemos dizer que, depois da era dos filosófos, poderá ter desaparecido a filosofia, apesar de tantos professores de filosofia, desses que apenas ficham o pensamento pensado, sem qualquer resto de pensar, e até do pensamento pensante. Agora chegou a vez dos gestores que não sabem gerir, esses maus exemplos que saltitam entre públicos e privados, privatizando o público e falindo os privados, mas enfilosofando-nos em sermões que os amigalhaços têm que afixar na vitrina.
Sócrates, político, só poder ser politicamente defendido e atacado. Não deve ser atacado através de uma fuga ao segredo de justiça. Não se pode defender, proclamando que o povo votou e que o povo é quem mais ordena. Há uma teoria pura da política. A que lhe dá o valor justiça como estrela do norte.
Justiça não se confunde com a constitucional administração da justiça. Que é tão política quanto o poder executivo, ou o legislativo. Aquela tem que aplicar a lei e não é ela que a faz. E acima da lei está o direito, tal como acima do direito está a justiça que, em cada momento, se expressa através dos programas ideológicos dos ideais conjunturais de sociedade, sem encontros imediatos de primeiro grau com a dita.
O justicialismo está para a administração da justiça, tal como a politiqueirice está para a actividade política, ou o pretenso moralismo para os fariseus. A medida está naquilo que nos falta: uma moral social, comunitariamente assumida pela autonomia da sociedade civil e pelos seus filhos mais queridos, a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento.
A medida ou o padrão da torta vida que temos é a régua (de “regula”, isto é, de “régua”), tal como norma vem de esquadro, e tal como a ideia que nos deve reger é a recta que traçamos numa folha em branco e que se aproxima do paradigma de recta que todos devemos trazer dentro de nós. Até o “ius”, o latino “direito”, veio da expressão “ius de rectum”, porque ele normalmente fica torto, quando os pratos da balança se desequilibram pelas desigualdades que a vida traz, ao gritarmos “isto é meu”.
Direito de “de rectum” é o que põe direito o “ius” torto pelos interesses da luta pela vida e da luta pelo poder, onde quem mais tem poderes mais faz pender para o seu lado o prato, o “lanx”, da “bi lancia”. E a deusa que a sustenta, com espadalhão maior e mais potente, ao colocar a venda nos olhos continua a ser a única que a endireita. Juiz é aquele que escreve direito por tantas linhas tortas…
Obama
Hoje, voltei a ouvir o velho Wilson. Chama-se Obama e disse: There will be times when nations – acting individually or in concert – will find the use of force not only necessary but morally justified. E acrescentou: instruments of war do have a role to play in preserving the peace. Porque, a non-violent movement could not have halted Hitler’s armies. Negotiations cannot convince al-Qaeda’s leaders to lay down their arms. Logo, os Estados Unidos must remain a standard bearer in the conduct of war para se diferenciarem from a vicious adversary that abides by no rules.
Estou pelo bem, contra o mal. Pelo direito contra os interesses. Pela paz com justiça. Viva o regresso ao idealismo, com força!
A linguagem do realismo político continua a mandar ler o idealismo pelo mero jogo das palavras demonizantes do pensamento binário que diz, da ideia pura de paz perpétua de Kant, o que muitos dizem do contrato social ou da vontade geralde Rousseau. Não percebem que nenhuma destas categorias quis representar uma concreta situação histórica que efectivamente tenha existido ou que venha a realizar-se, enquanto os homens forem homens e não bestas ou anjinhos.
Estas categorias sempre foram entendidas como elementos normativos, como exigências dirigidas à realidade, tal como a democracia ou o direito. Em nenhum tempo e em nenhum lugar houve ou haverá democracia ou Estado de Direito, mas isso não significa que eles não mobilizem as concretas realidades humanas num sentido da perfeição. Ai de nós, se não houvesse esse dever-ser, esse padrão que nos permite desenvolver para cima e para dentro (a estátua do menino parece que foi hoje inaugurada na … Indonésia).
Porque sendo a ciência, conforme o clássico conceito de episteme, a humilde procura do verdadeiro conhecimento, do conhecimento das causas que são necessariamente verdadeiras, ela talvez não passe do tal esforço da razão para substituir a mera opinião (doxa), esse conhecimento tão contingente quanto o contingente de que faz parte. Ela talvez não passe até do consenso estabelecido entre os que, pela via da sabedoria, alcançam a maturidade da teoria, daqueles que pensam de forma racional e justa e que enquadram, pela autoridade do exemplo, o colégio invisível de cientistas (Karl Deutsch), a comunidade científica de um determinado ramo do saber.
Método, com efeito, sempre quis dizer caminho, sempre foi um meio, um instrumento para se atingir o fim da verdadeira ciência: a inteligibilidade do real. Logo, se os fins não devem ser postos ao serviço dos meios, talvez o primeiro dos vícios científicos esteja naqueles que acabam por transformá-lo numa ideologia, dando prevalência ao método sobre o objecto.
Quando dizemos que no princípio de cada ciência está o método, não podemos esquecer que o logos é anterior e superior ao método, que a ontologia é superior à metodologia, que a verdade, deve, em qualquer caso, prevalecer, como assinala Gadamer. As eternas perguntas sobre o como se caminha para a verdade (know how), essa ilusão teórica do conhecer o conhecimento, podem desviar-nos do próprio objecto que pretendemos analisar e, de tanto pensarmos o pensamento, pode atingir-se o ridículo de nem sequer pensarmos. Se dermos preponderância à pergunta do como, do knowing how, insistindo nas prescrições metodológicas, podemos desviar-nos das próprias coisas, esquecendo o knowing that, ao não respondermos à pergunta fundamental sobre o quê.
Com efeito, no nosso tempo, as ciências sociais estão cercadas por um excesso de metodologismo, onde abundam as engenharias conceituais com muitos manuais cheios de instruções sobre a descoberta da verdade, que, muitas vezes, têm levado a que se coisifique o pensamento. Ora, a partir do momento em que se transforma o próprio pensamento numa simples coisa, está aberta a senda para a objectivização do sujeito e para a subjectivização do objecto.
Porque, no fundo, tal diversidade depende sempre do ponto de vista, a partir do qual perspectivamos um todo, que ninguém consegue captar integralmente. Porque cada vida é um ponto de vista sobre o universo. Porque yo soy yo y mis circunstancias…Porque se os homens olham a mesma paisagem de vários lugares e não vêem o mesmo, não tem sentido que cada um declare falsa a paisagem alheia. Cada um apenas pode olhar o mundo, através da sua época, das suas circunstâncias e do seu discurso científico.
Poderíamos também dizer que vivemos entre aquilo que hoje são ditas as posturas cosmopolitistas e comunitaristas, rejeitando radicalmente o conformismo realista ou neo-realista, mesmo aquele que impregna certos entusiastas cépticos que não conseguem quebrar as algemas que os ligam ao legado maquiavélico e hobbesiano. Apesar de certos deles dizerem aceitar algumas das invocações da escola peninsular de direito natural e do consequente modo português de estar no mundo, bem como das convocações kantianas para um Estado de Direito universal, através da peace through law, que outros nem sequer assumem como o exacto contrário da peace throug strength.
Talvez não seja possível superarmos sinteticamente as nossas inevitáveis contradições e dizermos qual o caminho e qual a verdade. Talvez até nem haja a necessidade de um qualquer hegeliano fim da história, para quem não reconhece a existência do processo histórico, dessa pretensa viagem do espírito do mundo (Weltgeist), pelas teias da tese, da antítese e da síntese. Porque, nas relações internacionais, as várias percepções denotam a luta do individualismo contra o colectivismo, do materialismo contra o espiritualismo, da modernização contra o tradicionalismo, ou da centralização contra a descentralização, para não falarmos na própria luta pela democracia e pelo Estado de Direito, contra o absolutismo, o autoritarismo e o totalitarismo.
Mas presos a certa perspectiva neo-romântica, também julgamos que não há pensamento sem pátria, que ninguém pode olhar o mundo sem ter os pés assentes no chão físico e no chão moral de um espaço vivido e de uma história assumida, com saudades de futuro.
Porque, como reconhece Gustav Radbruch, o indivíduo só dentro de uma comunidade nacional pode ser criador de cultura. Porque, continuando a seguir o mesmo filósofo do direito, nunca a consciência nacional dos povos é mais forte do que quando eles agem na convicção de desempenharem uma missão universal … a consciência de um povo que se sente, ele próprio, o portador de valores humanos universais, de um povo que traz em si e nos seus flancos a própria humanidade (Filosofia do Direito, II, pp. 165 e 166). Rousseau quando, em 1762, proclamava que a força externa de um grande povo pode combinar-se com o governo livre e a boa ordem de um pequeno Estado.
Acontece que os actuais modelos de internacionalização da economia(integração económica através de zonas de comércio livre ou de mercados comuns, quando não de projectos de mercados únicos, bem como a existência de empresas multinacionais e todas as restantes formas de divisão internacional do trabalho) ao acentuarem o livrecambismo contra o proteccionismo, que pretendia nações economicamente auto-suficientes e Estados viáveis no mesmo plano, levou a que as dependências económicas tornassem dependentes não apenas os pequenos Estados(insusceptíveis de autarcia económica, isto é, de produzirem aquilo que consomem), mas também as próprias médias potências (estas, especialmente incapazes de independência em termos de política de defesa).
Isto é, o pequeno Estado, que parecia condenado pelos mais recentes ventos da história e que, para subsistir, tinha que recorrer a uma sábia gestão de dependências, aproveitando a rivalidade das grandes potências ou acentuando a insularidade e a periferia, tornou-se viável atravésde uma integrada gestão num grande espaço económico ou numa ampla aliança militar.
Acontece, inclusive, que um pequeno ou médio Estado pode transformar-se num perturbador do próprio equilíbrio entre as grandes potências ou os blocos liderados por superpotências e assumir um poder funcional mais eficaz que a resultante abstracta das habituais somas estatísticas do chamado poder nacional. Com efeito, como habitualmente referem os estrategistas, podem os Estados fazer das fraquezas forças e, vice-versa, isto é, as chamadas potencialidades podem transformar-se em vulnerabilidades. Com efeito, os jogos de poder entre as potências podem enfraquecer os fortes e fortalecer os fracos.
De facto, porque o poder internacional é sempre uma relação, há quem tenha poder e não tenha capacidades. Se as maiores capacidades não implicam necessariamente um maior poder, o inverso também é verdadeiro, porque nalguns casos pode ocorrer uma correlação invertida entre poder e capacidade.
Aliás, num pequeno Estado como o português, a matéria começou a ser estudada de forma empírica atendendo ao peso de certos negócios na nossa política externa. Por isso é que a abordagem científica das relações internacionais foi iniciada na escoal que se dedicava ao estudo da política e do direito coloniais, ou ultramarinos. Pela mesma razão, quando, depois. explodiram as questões da política e do direito da integração europeia e do comunitarismo consequente, foram os cultores destes ramos que desenvolveram tais processos. Os recursos científicos portugueses sempre foram bens escassos e nunca se desperdiçaram em divagações doutrinárias por domínios etéreos, onde deixamos que continuem a pontificar os grandes deste mundo.
Kant entendia como potentia, com o poder do Estado na sua relação com outros Estados, esquecendo que o mesmo Estado também é res publica, quando tem por liame o interesse que todos têm em viver no estado jurídico, e gens, quando se pensa numa hereditariedade, seja da origem nacional, seja da própria união hereditária, pré-política, como acontecia na Grécia, com a genos a preceder a polis.
O Estado é algo mais do que aqueles que lêem Morgenthau, sem compreenderem a diferença que Weber estabeleceu entre Macht e Herrschaft. O Estado talvez seja ao mesmo tempo comunidade, soberania e nação, isto é, república, para o Estado-Comunidade, principado, para o Estado-Aparelho, e comunidade de gerações, quando se pensa em Nação.
Seguindo Denis de Rougemont, é perigosa essa confusão. Porque se se misturam pátria, Estado e nação, ou espiritual, cultural e político, nos limites de uma dada fronteira, chegamos precisamente ao fim que se pretende evitar – o Estado totalitário. Na mesma senda, Wilhelm Röpke vem defender que a pátria pode rimar com o mundo, mas sem simpatizar com aquilo que considera o elemento intermediário, a nação, a pátria pode soar em harmonia com o mundo … o verdadeiro sentimento da pátria exige que não se exclua o maior, nem o menos.
Talvez nos tenhamos esquecido dos sinais semeados por Kant, ainda tão incompreendidos, dessa república universal entendida como uma exigência ética, no sentido de levar cada Estado a comportar-se como se todos os Estados existentes, formassem um Estado Mundial, uma civitas humana, a fim de poderem limitar-se os poderes do Estado-Leviathan. Exigência que só pode ser realizada se entendermos a graduação da procura da república maior, no contexto daquilo a que se chama princípio da subsidiariedade, onde cada república apenas terá os poderes necessários para a respectiva função, não interferindo as maiores na autonomia das menores, porque todas, e cada uma delas, têm de ser perfeitas e integrais, conforme a natureza das coisas para que foram inventadas. Uma geometria variável adequada à pluralidade de pertenças, aos focos quase excêntricos de cada onda elíptica, onde é hipócrita proclamar-se o não soberanismo da entidade política menor, apenas para se acirrar, muito piramidalmente o soberanismo do centro.
Acreditamos que a via subsidiária e pluralista é a que melhor poderá defender aquilo que somos e sonhamos ser. Essa aplicação dos princípios do Estado de Direito à ordem internacional. De maneira que a mesma possa deixar de viver no estado de natureza da vingança privada, onde cada Estado é lobo de outro Estado e onde os que se assumem como bons selvagens são devorados pela predadora lei da selva. E neste tempo realista de lúcidos analistas, talvez importe a lucidez de nos sabermos ingénuos, reconhecendo que cada Estado deve submeter-se para sobreviver, desde que saiba lutar para continuar a viver. Pois cada Estado deve reconhecer que a respectiva independência não deixará de o ser, se a inevitável gestão das dependências e das interdependências for norteada pela vontade de querer ser mesmo independente.
Talvez a sabedoria plurissecular nos possa segredar que a Nação libertadora não está em crise e que o mundo pode unificar-se pela divisão. Que dividir, em nome da autodeterminação nacional, pode ser unificar, em nome do abraço armilar, politizando os Estados pelas libertações nacionais, onde a separação, enraizada no cidadanismo democrático, pode servir de viagem para a descoberta da pluralidade de pertenças de cada polis. Os todos, mesmo o todo universal, apenas são unidades de ordem e não todos contínuos e homogéneos. E mesmo numa polis, simples forma dada à matéria humana, apenas podem existir essências colectivas relacionais, porque a única essência indivisa e substancial da política é a dignidade da pessoa humana.
Porque o poder tem de voltar a ser rede, articulações laterais e verticais, sem o exclusivismo das pirâmides, numa política entendida como estratégia, onde o poder é mais relação entre indivíduos e comunidades, perfeitas e imperfeitas, privadas e públicas.
Mas onde, como dizia Francisco de Vitória, cada república tem de ser perfeita e integral. Por conseguinte, não está submetida a nenhum poder exterior, pois, neste caso, não seria integral. Por esta razão, pode dispor de um príncipe que, de maneira nenhuma, esteja sujeito a outro em questões seculares. Até porque a sociedade perfeita é precisamente aquela que não é parcela de outra república, mas que dispões de leis próprias, de um Conselho próprio e de autoridades suas.
Importa, pois, que cada Estado, mesmo o mais pequeno, possa esperar a sua segurança e os seus direitos, não do seu próprio poder ou do seu próprio juízo jurídico, mas apenas dessa grande sociedade das nações, entendida como uma força unida e da decisão da vontade comum fundamentada em leis, como proclamava Kant. Importa, pois, dar ao mundo um princípio regulativo, um imperativo categórico. O mesmo imperativo que, no interior dos Estados, impõe um Estado-razão, enquanto exigência para se superar o estado de natureza, visando estabelecer o reinado do direito na sociedade das nações. E isto porque a paz pelo direito não é uma quimera, mas um problema a resolver, consequência do reinado do direito, que o progresso um dia estabelecerá. Até porque o maior problema da espécie humana, a cuja solução a natureza força o homem, é o estabelecimento de uma sociedade civil, que administre universalmente o direito, isto é, a criação de uma sociedade, em que a liberdade, submetida a leis externas, se encontre ligada, o mais estreitamente possível, a um poder irresistível, isto é, à criação duma constituição civil e perfeitamente justa. Ora este problema é simultaneamente o mais difícil e o que mais tardiamente é resolvido pela espécie humana, porque o problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema das relações legais entre os Estados, e não pode ser resolvido sem se encontrar a solução deste segundo. E por visionária que esta ideia possa parecer … ela é todavia a inevitável saída do estado de miséria em que os homens se põem uns aos outros, miséria essa que há-de forçar os Estados (por muito que lhes custe) exactamente à resolução a que foi forçado, embora contra a sua vontade, o homem selvagem: a de renunciar à sua brutal liberdade e procurar tranquilidade e segurança numa constituição legalmente estabelecida.
Entre redes banco-burocráticas e intelectuários, com esquecidas cunhas e dourados poleiros
O direito não é a vida. Cobre apenas o espaço das relações jurídicas, isto é, de uma minoria das relações sociais, as que são legislativamente seleccionadas e coactivamente protegidas pelo monopólio da violência legítima a que se chama Estado. Logo, nem tudo o que é lícito é honesto e a licitude nem sequer corresponde ao tal mínimo ético, dessa ilusão de deixarmos para os detentores do poder a definição de códigos de conduta que devem caber apenas às autonomias individuais e grupais e são insusceptíveis de captura pelo decretino, pelo que vêm do vértice para a planície dos súbditos. Moral e direito não são círculos concêntricos, apenas coincidem nalguns segmentos. Aqui e agora foram totalmente confundidos pela teledemocracia. E às vezes até continuam a ser medidos pelos preconceitos do racismo social e castífero que nos encarquilha. Quando os jornais, no século XIX, substituíram o púlpito, dizia-se que conquistar o poder era conquistar a palavra. Desde Kennedy que entrámos em mediacracia mais videopoderosa. Política já não é apenas o que parece, mas a percepção do homem comum sobre o que aparece e que pode não ser o que é previamente ensaiado pelas agências de comunicação. E quando falha a confiança no aparelhismo público, as comunidades tendem a regressar aos esquemas da vingança privada, nesse jogo perigoso dos tribunais da opinião pública, onde, pela simples imagem, o justo pode pagar pelo pecador e acabar como “inimigo público”. Aqui e agora, o situacionismo dos vários estados a que chegámos, sobretudo o dos micro-autoritarismos sub-estatais, já não teme os opositores rotativistas, os tais que podem tornar-se convivas da alternância na gamela. Apenas odeia os dissidentes que não se transformam na oposição que lhes convém e que não se confundem com os tradicionais inimigos da democracia. O importante, em Portugal, não é ser ministro, é tê-lo sido. Sobretudo, quando ainda se tem colegas no poleiro. Ou na impunidade. Sempre podem ser um importante elemento de consultadoria e pressão, por causa dos meandros da mesa do orçamento. E, entre um grupo empresarial de obras públicas e um estabelecimento de ensino, pouca é a diferença de pecado, na privatização já não clandestina do que deveria ser público.
Brandos costumes, bois amansados pelo jugo, balbúrdia dos insultos e o(a)s mizés em telhado de província
Apesar de chata, gostei da aula do Professor Aníbal. Mas gostaria bem mais de transmissão em directo da reunião que ele, depois, teve com o Sócrates, onde certamente foi tratada a situação grega de endividamento com a eventual inclusão da nossa seleccção nacional no futuro torneio dos PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Spaniazapatero), para efeitos de “ranking” negativo e de decisão em momentos excepcionais de desvario, sujeitos a contratos à força por ordem da comunidade internacional, através da circunspecta UE, com FMI por trás da cortina. Desde que houvesse relato radiofónico à antiga, com posteriores comentários do Rui Santos, sempre pela verdade desportiva dos meios electrónicos, contra os tipos do apito e das agências de taxas de juro, com liberdade de insulto, a partir da bancada e muito direito à indignação dos que pagam o bilhete…
Infelizmente, são outros os relatos da Câmara dos Deputados e ex-Ministros que são abaixo de Lordes e já não passam férias no Dubai: inimputável, palhaço, vendida a qualquer preço, esquizofrénico, aldrabice, trafulhice, tropa-fandanga, burrice. É tudo entre eles, o Estado são eles. Pensam eles. Praticam eles. Vale-nos que temos um povo com brandos costumes de bois mansos e em fila, a caminho do subsídio de reintegração, por acaso, o que mais assassinou figuras cimeiras do Estado no século XX. Temam a revolta dos mansos, dado que as respectivas armaduras começam a entrar em pontas surdas de indignação!
Contrapartidas, BPN, afundações, BCP, sucatas, escutas. Que, grão a grão, se vai enchendo o papo. Não o da revolta. Não o da indiferença. O do desprezo. Política não é Mizé contra o professor de filosofia do rito bracarense. Valia mais terem uma jantarada na Churrasqueira do Campo Grande, com bacalhau à moda de Terras do Bouro, que é província e paisagem para os capitaleiros.
Claro que em latim de Roma, o grande centro de conquista, a tal província, queria dizer “pro” mais “vincere”, coisa para vencer, ocupar, dirigir, incluindo com governadores-civis…
1908 (Rei e P. Real); 1918 (Presidente da República); 1921 (chefe do governo e fundador da República, mais outros); 1965 (chefe da oposição). Não somo à lista Camarate. Ainda por enquanto porque só provámos o assassinato de D. João VI, mais de um século depois. Não há outro país com mais “magnícidios” na Europa, nem com o ciclotímico consequente de quarenta e oito anos de paz dos cemitérios, mas com um ritmo quase anual de intentonas e golpes de reviralho, transformados em comunicados oficiais de suas excelências do estadão, sobre o ter sido evitada ontem mais uma alteração à ordem pública. Claro que não contei com Amílcar Cabral nem com Eduardo Mondlane…
Apenas somei factos. A passagem do laxismo dos brandos costumes para a “balbúrdia sanguinolenta” é como atravessar no século XIX o Pinhal da Azambuja. Remexido, Zé do Telhado e João Brandão são mais recentes que o Robin Hood…
O povo, o povo soberano, que naquele dia tinha nas mãos o ceptro da sua soberania, não é menos dócil do que os irracionais que recordamos. O dia que devia mostrar-se orgulhoso, é quando mais se humilhava; quando podia dispor dos destinos dos seus senhores, é quando mais vergava a cabeça sob o peso que estes lhe assentavam. Não é semelhante esta força inconsciente do povo à do boi robusto e válido, que uma criança dirige e subjuga? Forte como ele, como ele dócil, como ele laborioso, como ele útil, não vê que a mesma força que emprega no trabalho lhe poderia servir para repelir o jugo. Ou, quando vê, é quando o desespero e a fúria, o cegam e impelem a revoltas tremendas (Júlio Dinis, ou um liberal à antiga descrevendo um acto eleitoral do rotativismo devorista).
Bela estátua ao menino Obama. Obrigado, senhor presidente Wilson!
Thomas Woodrow Wilson (1856-1924) foi um presidente norte-americano que queria acabar com o velho hábito das diplomacias de guerra as quais, segundo as suas próprias palavras, faziam dos povos e das províncias mercadorias de troca ou peões do tabuleiro de xadrez. Ele que, na campanha presidencial de 1912, se opusera à política intervencionista dos anteriores presidentes republicanos, desde o big stick de Theodore Roosevelt à dollar diplomacy de William Howard Taft, voltou a vencer as eleições de 1916, em nome da não intervenção norte-americana na Grande Guerra. Contudo, logo em 2 de Abril de 1917, declarou guerra a uma Alemanha de Weltpolitik, Realpolitik e Interessenpolitik, proclamando a necessidade do mundo ser safe for democracy. Depois da vitória dos republicanos nas eleições para o Congresso e apesar de ter sido nomeado prémio Nobel da paz em 1919, eis que não conseguiu que o Senado ratificasse os acordos de paz. Nestes termos, endereçou uma mensagem pessoal às duas Câmaras do Congresso em 8 de Janeiro de 1918
1º Tratados de paz após negociações à luz do dia, a fim de acabar com a diplomacia secreta;
2º Livre navegação em todos os oceanos, em tempo de paz e em tempo de guerra;
3ºTanto quanto possível, supressão de todas as barreiras alfandegárias;
4º Desarmamento, sempre que possível, sem ameaçar a ordem interna;
…
14ºCriação de uma Sociedade das Nações que assegure a independência política e a integridade dos Estados grandes e pequenos
Assumindo alguns dos legados do modelo kantiano de Paz Perpétua, influenciou, de forma decisiva o Pacto da Sociedade das Nações e o posterior modelo da carta das Nações Unidas, sendo precursor de algumas iniciativas do internacionalismo liberal da década que marcou o primeiro pós-guerra, nomeadamente do chamado Pacto Briand-Kellog, de 27 de Agosto de 1928. Gerou-se uma corrente que o maior jurista do século XX, Hans Kelsen, qualificou como Peace through Law. Dela me considero militante, tentando não consumir o charlatanismo de certas traduções em calão lusitano, celestializadas por discípulos de Morgenthau e pálidos imitadores de Kissinger e Talleyrand. Os que costumam mandar assassinar e depois lamentam o sucedido junto dos familiares das vítimas, justificando a pirataria em nome da gestão de penduricalhos…
Hoje, voltei a ouvir o velho Wilson. Chama-se Obama e disse: There will be times when nations – acting individually or in concert – will find the use of force not only necessary but morally justified. E acrescentou: instruments of war do have a role to play in preserving the peace. Porque, a non-violent movement could not have halted Hitler’s armies. Negotiations cannot convince al-Qaeda’s leaders to lay down their arms. Logo, os Estados Unidos must remain a standard bearer in the conduct of war para se diferenciarem from a vicious adversary that abides by no rules.
Estou pelo bem, contra o mal. Pelo direito contra os interesses. Pela paz com justiça. Viva o regresso ao idealismo, com força!
A linguagem do realismo político continua a mandar ler o idealismo pelo mero jogo das palavras demonizantes do pensamento binário que diz, da ideia pura de paz perpétua de Kant, o que muitos dizem do contrato social ou da vontade geralde Rousseau. Não percebem que nenhuma destas categorias quis representar uma concreta situação histórica que efectivamente tenha existido ou que venha a realizar-se, enquanto os homens forem homens e não bestas ou anjinhos.
Estas categorias sempre foram entendidas como elementos normativos, como exigências dirigidas à realidade, tal como a democracia ou o direito. Em nenhum tempo e em nenhum lugar houve ou haverá democracia ou Estado de Direito, mas isso não significa que eles não mobilizem as concretas realidades humanas num sentido da perfeição. Ai de nós, se não houvesse esse dever-ser, esse padrão que nos permite desenvolver para cima e para dentro (a estátua do menino parece que foi hoje inaugurada na … Indonésia).
A linguagem do realismo político
A linguagem do realismo político continua a mandar ler o idealismo pelo mero jogo das palavras demonizantes do pensamento binário que diz, da ideia pura de paz perpétua de Kant, o que muitos dizem do contrato social ou da vontade geralde Rousseau. Não percebem que nenhuma destas categorias quis representar uma concreta situação histórica que efectivamente tenha existido ou que venha a realizar-se, enquanto os homens forem homens e não bestas ou anjinhos. Estas categorias sempre foram entendidas como elementos normativos, como exigências dirigidas à realidade, tal como a democracia ou o direito. Em nenhum tempo e em nenhum lugar houve ou haverá democracia ou Estado de Direito, mas isso não significa que eles não mobilizem as concretas realidades humanas num sentido da perfeição. Ai de nós, se não houvesse esse dever-ser, esse padrão que nos permite desenvolver para cima e para dentro.