Na passada sexta-feira, tive mais uma intervenção comentarista na TSF, a pretexto da chamada reforma do sistema político. Porque, depois do PS ter levantado a bandeira da reforma do parlamento, o PSD, usando a técnica da melhor defesa ser o ataque, decidiu seguir o conselho de Jaime Gama e tratou de lançar mais uma das eternas apostas de reforma do sistema político, dando este nome aos velhos e desgastados projectos de reforma do sistema eleitoral.
Por outras palavras, os partidocratas dominantes continuam a sua antiquada táctica dos jogos florais, fingindo que chamam a sociedade civil a debater o que apenas está dependente de um acordo neofeudal entre os dois partidos-sistema. Basta, aliás, recordar que as próprias revisões constitucionais vieram de acordos de salão entre o PS e o PSD, como o poderão atestar Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Nogueira ou António Vitorino, quando funcionaram como notários do regime.
Trata-se do habitual bailado da oligarquia dona do poder, desse clube fechado, de rigoroso direito de admissão, e seria tolo pedirmos aos que usam e abusam dessa posição dominante para se auto-subverterem, através das habituais reformas vindas de cima para baixo, onde quem está em cima nunca deixará que se gere uma subversão vinda de baixo, ou do lado.
Porque, tal como na União Europeia, também no plano doméstico vigora o princípio da hierarquia das potências, com dois partidos directores, o PS e o PSD, e vários poderes secundários, onde os primários não querem a subida dos secundários e os secundários se unem aos primários, na exclusão dos marginais que se colocam à porta do sistema.
Basta recordar que a lei eleitoral vigente ainda vem de um grupo de trabalho criado pelo I Governo Provisório, da era pré-PREC, assim confirmando como, em Portugal, duram especialmente as reformas emitidas em ditaduras revolucionárias e reformistas.
Como as que foram lançadas pela ditadura das finanças salazarista, com o 28 de Maio; pelo laicismo afonsista do governo provisório da república, em 1910-1911; pela liquidação das alcavalas do “ancien régime” semeadas por Mouzinho da Silveira na regência do Duque de Bragança, ex-rei D. Pedro IV; ou pela arquitectura de Estado do despotismo ministerial do Carvalhão.
Cada esquerda tem a direita que merece e vice-versa. Vale mais pôr os pés no chão deste portugalório e confirmar a esquizofrenia. Até dos que dizem que pensam, ditando…
Só há esquerda se houver direita e direita se houver esquerda. Aqui voltámos à decadência. Há uma maioria de bonzos e uns acompanhantes da procissão, ora endireitas, ora canhotos, para que vire o disco e toque o mesmo… Já Maritain dizia que os governos mais fracos são os governos ditos de esquerda com temperamento de direita, tal como os mais fanfarrões são o vice-versa. Por isso é que também caminhámos ao contrário, de Barroso/Santana/Portas para Sócrates/Freitas do Amaral…
Estou farto de complexos de esquerda e fantasmas de direita! Continuo de direita, liberal e tudo, nomeadamente azul e branco. Até parto dessa parcialidade para aceder ao universal, como a coroa aberta do manuelino assumiu o abraço armilar. Nunca quis ser da direita que convém à esquerda…sobretudo ao centrão mole e difuso do situacionismo. Mas porque sou de direita, assumo a atitude clássica do radical do centro excêntrico…
Porque vontade geral nunca foi vontade de todos (Rousseau). Esta é sondajocracia… Vontade geral é quando cada um decide, desprezando os próprios interesses. Porque, se todos, quando escolhem, pensam apenas nos seus interesses, não há democracia. Vontade geral é quando cada um actua de modo tão exemplar que, dessa conduta, se pode extrair lei universal
Só juntando Rousseau a Kant se pode fugir da guilhotina de Robespierre e do despotismo de todos. Ensinam a coisa, que agora repito, um António Sérgio ou um Karl Deutsch. Sondajocracia não é democracia e corrida ao “share” partidocrático também. Teatrocracia também não é comunicação, podemos comer gato por lebre!
Porque é esta nebulosa da passagem de certo privado para alguns cargos públicos e, pior do que isso, a passagem de certos ministros e “boys for the jobs”, para certas funções privadas, ou para cargos empresariais de nomeação pública, que cria um ambiente onde a palavra corrupção transforma em fantasmas uma série de actos que não cabem na restrita compra do poder, agravando a desconfiança pública face ao bloco central político e o seu irmão gémeo, o bloco central de interesses. Quando os “lobbies” não podem uivar institucionalmente, isto é, registar-se e manifestar-se publicamente como formais grupos de interesse e, consequentemente, como inevitáveis grupos de pressão, gera-se este ambiente de desconfiança pública.
E não há democracia de sociedade aberta que não assente na poliarquia, com forças vivas predadoras navegando no pluralismo e promovendo a defesa dos interesses instalados, cristalizando-se em “establishment”, com a consequente tentativa de criação de um “status” dentro do Estado. Também não há democracia sem caciques, sem influentes, com a sua personalização do poder pela prestação de serviços que vão além da mera representação política.
Do mesmo modo, não constitui pecado que os grandes partidos que navegam nestas águas que, de alterosas, podem volver-se em pantanosas, se transformem em grandes federações de grupos de interesse e de pressão, interclassistas, sem o domínio dos militantes e dos notáveis. Surgem assim os partidos “catch all”, “attrape tout”, dotados de um programa “omnibus”, como são o PS, o PSD e o próprio CDS.
Logo, os ministros podem cair por uma qualquer negligência fiscal que a vindicta de um antigo aliado deixou escorregar para o sensacionalismo de um qualquer semanário da má-língua. Os candidatos a presidentes da comissão europeia podem ter sido vítimas da falta de diálogo do albergue espanhol. Mas, a partir de Outubro, podemos ter que recorrer a esse tipo de personalidades para a chefia ou a subchefia do eventual governo de acordo interpartidário, se nenhuma das presentes forças políticas atingir o cheque em branco da maioria absoluta. Só que o excesso de ética da responsabilidade, de segredo de Estado e de sigilo judiciário pode fazer com que tudo volte a morrer à vista de costa e que continue a falhar o modelo anímico da ética da convicção.
O plano B das forças vivas que pretendia continuar a controlar os incautos, ao ritmo do lançamento das crónicas pimbas do “menino de oiro”, foi chão que deu demissões do Conselho de Estado. E o presente plano C, pelo recurso aos porta-vozes das homilias da televisão estatal e estatizada, pode também não servir para dar voz àquele azedume que levou a mais sessenta por cento de abstenções. Há ministros, como Mário Lino, que já anunciaram o respectivo abandono, mas desses guardamos saudades, porque souberam defender com o mesmo vigor a Ota e Alcochete, o TGV e o respectivo adiamento, entre o “jamais” e o seu contrário, mas sempre sem a pose do estadão e com essa qualidade rara dos que mantiveram o sentido do humor e não perderam o sentido do homem comum. Devemos, pelo menos, respeitá-los.
E há políticos que são mais importantes do que ministros, como os presidentes das autarquias de Lisboa e do Porto, donde costumam sair candidatos a presidentes da república, como um que tivemos em Belém, que nunca atingiu nenhuma cadeira ministerial. Ou como o actual presidente do município portuense, que já venceu eleições a Pinto da Costa e que, apesar de ser o primeiro vice-presidente do principal partido da oposição, só sairá da estação de Campanhã para o sul, a caminho do cargo de governador do Banco de Portugal ou de presidente do parlamento. Ministro vem de “servus ministerialis”, isto é, de “escravo da função”, do ministério, do encargo público para que foi investido pelo povo.
Talvez seja melhor notarmos que o actual sistema político, com a sua partidocracia controleira, não passa, hoje, de um simples subsistema, onde a maioria dos factores de poder já não são nacionais. E onde até o próprio poder político está fortemente condicionado pela união dos interesses económicos.
Aliás, tanto a integração europeia como a globalização transformaram o PS e o PSD em meras secções de multinacionais europeias que nem sequer têm autonomia programática, principalmente em matérias de projecto europeu, porque partido integrado, deles, se pisar o risco leva expulsão.
Pior do que isso: face a este concentracionarismo capitaleiro e castífero, a partidocracia nem sequer tem força para fingir que não é dominada pelos grupos de pressão patronais, como é bem patente na saga aeroportuária.
A CIP, que nem sequer vai a votos, como a sua antecessora da I República, até se permite patentear guerras de patrões como os seus colegas nortenhos.
Mesmo velhas heranças da democracia da sociedade civil, como eram os liberais clubes de futebol, acabam por poder ser comprados por singulares capitalistas, através de uma simples OPA.
Isto para não falarmos da reforma do ensino superior, impulsionada pela cláusula geral do espírito de Bolonha, onde corremos o risco de não nacionalizarmos a racionalidade importada, e tendo como ideia matricial o mesmo relatório da OCDE exportado para a Coreia.
Por isso é que não me admiriria que pedissem à secção de engenharia da delegação indiana do MIT para, em nome do salto tecnológico, escrevinharem umas linhas matriciais para a reforma do nosso pronto-a-vestir eleitoral, mesmo que seja um simples plágio do relatório emitido para o reino do Butão.
Até poderiam chegar à conclusão que a melhor solução para Portugal passa pela extinção do governo e da governação, pondo a concurso público internacional a gestão da coisa por uma qualquer firma de consultadoria da Patagónia. Eu até já vi um estudo estratégico-económico de um ilustre cipense pondo a hipótese de encerramento da Ilha do Corvo, tal como poderei ver outro, vindo dos vizinhos de Harvard, confirmando a inviabilidade da autonomia portuguesa, com esta classe política a que chegámos.
Entretanto, seria bem mais aconselhável que os lusitanos que restam tivessem um reforço da autonomia das suas autarquias locais e regionais, entre zonas livres e zonas estipendiárias, que se federariam numa segunda câmara, a instalar no Porto, enquanto se continuariam a realizar eleições directas por sufrágio universal apenas para um parlamento partidocrático de listas nacionais e para um presidente que bem poderia ser um rei eleito.
Julgo que o dinheiro dos portugueses poderia ser melhor gerido, evitando assim a nossa provável expulsão da zona euro, caso se mantenha esta confusão entre o mundo dos negócios, do futebol e da política, com lobistas, que são mais ratos do que lobos do homem, a não terem que se refugiar sob os honrados nomes de advogado e de deputado.
Até não teríamos que levar outros lobísticos dirigentes partidários, a acumularem direcções de clubes de futebol e de associações patronais, com intervalos deputáveis cheios de muita barganha e requerimentos, em nome do realismo económico e ao serviço de quem lhe paga. Lobi há, oligarquia o põe. Em choco. Com gripe das aves a ameaçar, para que volte a Passarola.
Alguns dos meus amigos e companheiros de estrada vivem ainda entre o sonho perdido da revolução e da sua irmã-inimiga, a contra-revolução, seja o contrário de uma revolução, seja uma revolução ao contrário, mesmo que seja a revolução nacional. Uns colocam como marco a Revolução Francesa, interpretando-a “a posteriori” como 1848 e, depois, como a Comuna, para se assumirem como socialistas, chegando a dizer que foi para isso que fizeram o 5 de Outubro, ou o 25 de Abril. Outros são o exacto inverso, seguindo a viradeira do intendente, José Agostinho de Macedo e o ti António dos galinheiros no jardim de São Bento. Por mim, continuo a preferir as revoluções evitadas, como foram a inglesa e a norte-americana, e, quando muito, tenho simpatias pelo modelo girondino, embora julgue que o cartismo pós-revolucionário dos franceses acabou por se aproximar dos primeiros impulsos das duas anteriores revoluções atlânticas, produzindo este “mare magnum” do demoliberalismo que nos deu a democracia como poliarquia. Vivam Constant, Herculano, Tocqueville, Silvestre Pinheiro Ferreira, José Estêvão e Passos Manuel, porque era com estes que estaria Manuel Fernandes Tomás, dado que Costa Cabral andava pelo Clube dos Camilos, nesse arremedo de Saint Jacques que até no nome é fradesco…
Reconheço, contudo, que o pensamento dominante que tem marcado algumas das defesas da democracia em Portugal ainda está preso a algumas formas jacobinas, muito convenientes para a adesão de adeptos recentes do sovietismo, do trotskismo e do maoísmo. Isto é, para muitos retardatários aderentes à concepção pluralista e de sociedade aberta. Porque muitos demoraram a abandonar o terror revolucionário, usando ainda hoje argumentos que servem para a dialéctica com muitos talassas e reacças neoconservadores e neocatólicos que, como irmãos-inimigos, preferem combater esta visão redutora da democracia.
Há um velho jacobinismo, ainda toldado pelos resquícios do sovietismo, russo, albanês ou chinês, que ainda marca alguns subsolos filosóficos de tardios aderentes ao abrilismo do 25 de Abril de 1975, das eleições para a constituinte, e do 25 de Novembro, que as concretizou em poder contra os vigilantes da legalidade revolucionária. Isto é, há muitos que conservam, muito reaccionariamente, uma certa pulsão totalitária e que continuam a enredar-se no terror sistémico do doutrinarismo abstracto. E Portugal tem de libertar-se dessa teia do complexo revolucionário passadista. Por mim, pouco dado ao republicanismo afonsista, não deixo de reconhecer que, mesmo entre 1910 e 1926, houve Basílio Teles, Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro, Raul Brandão, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e até Álvaro de Castro, Machado Santos, António José de Almeida e Raul Proença. Mas nem por isso, deixo de reconhecer que esse ambiente produziu alguns otelos, como o ex-radical Gomes da Costa, apesar de deixar obra de grande militar na Índia ou no CEP. Tal como a personalização do poder gerou as ilusões sidonistas, directamente proporcionais à esquizofrenia franquista, que acabou por ser a coveira da monarquia.
Quando o revolucionarismo se coloca ao serviço do velho despotismo pretensamente esclarecido e tira direito de voto ao povão, regressando ao censitário dos que já se consideram bem educados pelo novo pensamento dominante de certas elites, é a democracia que se volta contra o povo e contra o necessário gradualismo. Julgo que são estas concepções de democracia que precisavam de ser compensadas por mais pluralismo, mais autonomia da sociedade civil e menos estadão. Por outras palavras, o democratismo continua a precisar de uma correcção liberal, bem menos hipócrita. Por exemplo, pela recriação de um novo espaço parlamentar que admita o pluralismo societário, para evitarmos esta ficção da segundas câmaras clandestinas, marcadas pelos grupos de interesse e pelos grupos de pressão. Porque seria pior emenda do que soneto cairmos na esparrela presidencialista, mesmo que seja o presidencialismo de primeiro-ministro, com uma câmara única como entidade que bate palmas ao chefe do directório partidocrático.
Democracia, o que é?
A expressão democracia surge bastante tarde no vocabulário grego, substituindo a anterior ideia de isonomia, conforme a defesa feita por Heródoto. Se em 468 a.C. é utilizada por Ésquilo, juntando demos e kratos, só em finais do século V, é que, com Tucídedes, entra na linguagem comum.
Se, para o sofista ateniense Protágoras, significa que todos os homens têm capacidade para fazer um juízo político, eis que, a partir do discurso de Péricles, se transforma em aspiração universal, ao assentar nos princípios da igualdade e da maioria, numa altura em que o modelo ateniense ainda era uma democracia mais directa do que representativa, por dominar a metodologia do uso da palavra, com a preponderância do debate oral no processo de formação das decisões e com um efectivo diálogo directo entre os governantes e os governados.
Actualmente, a democracia não é o governo directo do povo, mas o governo de todos através de representantes escolhidos por todos, assentando nos mecanismos da igualdade de direito, da liberdade de expressão e do fair trial. Em termos sintéticos, podemos, pois, dizer que a democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo, de acordo com a regra da maioria, mas tolerando a oposição das minorias.
Tanto exige a participação política da massa popular nas decisões, como impõe que a regra da maioria se submeta ao processo de separação dos poderes e ao regime de controlo do poder, impedindo o esmagamento das minorias. Assenta na liberdade de expressão de pensamento e de associação e tem como fundamentalismo a autonomia e a dignidade da pessoa humana, bem como a noção de indivíduo, tendendo a consagrar, como meta justicialista, a igualdade de oportunidades.
Subscrevemos a definição de democracia de João Paulo II, como aquele sistema que assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se trone oportuno.
Repetimos o que dela disse o sexto presidente norte-americano, John Quincy Adams: a democracia é o autogoverno da comunidade pela vontade conjunta da maioria dos seus membros.
Podemos até caracterizá-la, de acordo com a perspectiva de Robert Dahl, em Democracy and its Critics, de 1989, como uma ordem política que exige sete condições: cargos electivos para o controlo das decisões políticas (elected officials); eleições livres, periódicas e imparciais (free and fair elections); sufrágio universal (inclusive suffrage); direito a ocupar cargos públicos (right to run for office); liberdade de expressão (freedom of expression); existência e protecção, dada por lei, da variedade de fontes de informação (alternative information); direito a constituir associações e organizações autónomas, partidos e grupos de interesse (associational autonomy).
Sabemos, contudo, que há sempre degenerescência, essa mudança pela qual uma coisa perde as qualidades que tinha na sua origem, desviando-se da sua natureza, abastardando-se e mudando de sentido, pelo que entra em disfunção.
Os clássicos do pensar a polis já salientavam que todo o poder político está sujeito a corromper-se, salientando que movimento da degenerescência é provocado pela desagregação do múltiplo a partir do uno, quando o uno não consegue a harmonia. Quando cada cidade não é uma, mas muitas, como salienta Platão. Quando são pelo menos duas, inimigas uma da outra, uma dos pobres e outra dos ricos. Quando a cidade não consegue aumentar, permanecendo unida. Quando a cidade cresce na multiplicidade e não na unidade e não se alarga como um círculo.
Partido, o que é?
Na polis grega, a palavra correspondente era stasis, que começando por corresponder à nossa conotação de partido, depressa passou a corresponder a uma denominação pejorativa, entendida como facção e depois como sedição. Como o sinal de uma guerra interior, de uma guerra civil, um estado doentio, uma degenerescência da política.
Aliás, num dos primeiros inventários funcionalistas sobre as características dos partidos políticos, de Joseph La Palombara e Myron Weiner, são enumeradas as seguintes características dos mesmos: durabilidade, estrutura complexa, vontade de implantação popular, vontade deliberada de exercer directamente o poder).
Porque os partidos organizam a opinião pública, comunicam as reivindicações aos centros de decisão; articulam para os seus seguidores o conceito e o significado de uma comunidade em geral; estão intimimanete ligados ao recrutamento político.
Deles, pode dizer-se o que vem em qualquer manual de estasiologia do princípio do século. Por exemplo, seguindo Ostrogorski, de 1902, podemos dizer que os nossos partidos também são meros instrumentos de elites escondidas por trás daquilo que designava por programas omnibus (programas que oferecem soluções universais que nunca se realizam, programas tipo pai natal que oferecem tudo a todos). Que quanto mais cresce o elitismo dos organizadores dos partidos, mais cresce o indiferentismo das massas (o não vale a pena).
Acrescentemos o que deles disse Robert Michels, em 1911. Que todos eles estão sujeito à lei de ferro da oligarquia; que a democracaia desemboca naturalmente numa oligarquia, marcada pela vontade de poder, porque quanto mais massificação mais organização. Que quanto mais divisão de trabalho, mais necessidade de uma classe de políticos profissionais e de peritos. Até porque todo o partido político, para ganhar votos, tem de perder a sua virgindade política e entra em relação de promiscuidade com os elementos políticos mais heterógéneos;
Robert Michels analisando o SPD, o principal partido de organização de massas na viragem do século XIX para o século XX, vem falar na lei de ferro da oligarquia, segundo a qual quem diz organização diz necessariamente oligarquia, na emergência dentro destes novos grupos, de uma nova minoria organizada, que se eleva à categoria de classe dirigente.
Com efeito, o que escreviam Ostrogorski em 1902 e Michels em 1911, analisando os recentes partidos de militantes, agrava-se quando enfrentamos os novos modelos de partidos do pós-guerra, os partidos catch all, attrape tout ou pigliatutto, especialmente em tempo de teledemocracia e de sondajocracia.
Já no começo da década de cinquenta Maurice Duverger, na sua classificação tripartida do unipartidarismo, bipartidarismo e multipartidarismo, relacionando-a com o regime eleitoral salientava que um modelo de escrutínio maioritário a uma volta apontaria para o bipartidarismo.
Neumann veio, entretanto, acrescentar que o bipartidarismo seria acirrado por uma série de circunstâncias como a homogeneidade social e a continuidade política. Isto porque, em tal modelo, os partidos procuram ganhar votos ao centro, a fim de conquistarem uma maioria. Pelo contrário, o sistema multipartidarista seria marcado pelas tendências centrífugas dos diversos grupos políticos, sendo típico de sociedades multiformes e pouco conexas.
Contudo, Arend Lijphart salientou a existência de modelos de estabilidade política com multipartidarismo, como nos países escandinavos, contrariando o pressuposto de que o modelo bipartidário seria o único existente em sociedades politicamente estáveis, como aconteceria nos países anglo-saxónicos. Assim, distinguiu um multipartidarismo integral de um multipartidarismo moderado ou temperado pela existência de alianças estáveis e coerentes, porque grandes coligações, que apresentassem aos eleitores uma plataforma comum e que actuassem concertadamente no parlamento, modificariam profundamente o multipartidarismo. E quando se desse o dualismo das alianças até poderia cair-se num modelo quase bipolarista, a chamada bipolarização.
Utilizando a terminologia de Lapolombara e Weiner, diremos que, em Portugal, vivemos em regime de sistema político relativamente competitivo para os dois partidos dominantes do sistema, que têm tido ciclos de hegemonia, findos os quais se geram situações de alternância. Contudo, ultrapassando o espaço desta bipolarização dentro do grande centro, o sistema é claramente não competitivo, dado que os grandes partidos marginais não podem aspirar autonomamente à governação.
Saltando agora para o modelo de Giovanni Sartori, diremos que interessa considerar, para além do número de partidos, a multiplicidade da dinâmica política, procurando saber em que medida o poder político está fragmentado ou não fragmentado, disperso ou concentrado. Assim, podemos dizer que, entre nós, existe um pluralismo limitado, dado que é polarizado por dois grandes partidos com pouca fragmentação e alguma competição.