Jun 01

Memória de José Falcão

POVO

 

5 423 123 habitantes em 1910

78,6% de analfabetos

3 178 665 nos trabalhos agrícolas

1 186 842 nas diversas indústrias

357 000 no comérico

198 171 nos transportes e comunicações

105 000 nas profissões liberais e no sacerdácio

190 814 vivem dos rendimentos

48 174 nos trabalhos domésticos

800 000 burgueses, com um terço em Lisboa e no Porto

Pais de pequenos e médios proprietários…pátria dos donos de tendas e fabriquetas, que proliferam por toda a parte (Oliveira Marques)

De 1910 a 1914 há 300 000 pessoas que passam para o Brasil. Isto é, 10% da população dos distritos a norte de Coimbra.

Em 1900, apenas 15 000 funcionários públicos. Serão 30 000 em 1930.

Em 1909, 10 640 estudantes do liceu. Serão 12 000 em 1925.

Apenas 1 212 estudantes universitários em 1912. 3 073 em 1915. $ 117 em 1925…

 

Em 1908 estavam recenseadas 693 424 pessoas. Votaram 450 260.

Na República, os voatantes variam entre 282 387 e 407 960…. para um máximo de 574 260 recenseados. Loge dos 900 00 recenseados e ds 500 000 votantes em Sidónio. E dos 750 000 votantes em Carmona.

Todos bem longe do 6 231 372 recenseados em 1975, com 30% de analfabetos. Contra os 1 800 000 recenseados em 1973.

 

 

 

 

1875

Fundação do Partido Socialista e da Sociedade de Geografia. Invenção do Zé Povinho

 

 

Em Espanha surge a República Federativa e Antero defende uma federação republicana-democrática. Surge A Teoria do Socialismo (1872) e Portugal e o Socialismo (1873) de Oliveira Martins. Criado um Centro Eleitoral Republicano Democrático (1876).

 

1876

Fundação do Partido Republicano e da Caixa Geral de Depósitos, antes do Pacto da Granja

 

A antiga fascinação exercida nos espíritos pelo poder dos reis e poder dos exércitos tem sido igualmente atenuada pelo poder superior que modernamente se reconhece ter essa coisa impessoal chamada dinheiro (Ramalho Ortigão)

 

Há entre el-rei e o povo/Por certo um acordo eterno:/Forma el-rei governo novo/ Logo o povo é do governo/ Por aquele acordo eterno/Que há entre el-rei e o povo./Graças a esta harmonia/ Que é realmente um mistério,/Havendo tantas facções,/O governo, o ministério/ Ganha sempre as eleições/ Por enorme maioria!/ Havendo tantas facções,/É realmente um mistério! (João  de Deus)

 

 

Funda-se o Partido Republicano. Eleito o directório do partido republicano, com 33 membros. Neste dia, primeira eleição na Sociedade de Geografia de Lisboa, leva à presidência Januário Correia de Almeida, o Visconde de São Januário (3 de Abril).

Directório do Partido Republicano declara querer o desenvolvimento gradual e pacífico das ideias democráticas nas instituições do país (Junho).

 

 

Inaugurado o primeiro centro republicano. Entre os participantes, António de Oliveira Marreca, Latino Coelho, Bernardino Pinheiro, Francisco Maria de Sousa brandão, Gilberto António Rola, João Bonança, José Carrilho Videira, José Elias Garcia, José Jacinto Nunes, Zófimo Consiglieri Pedroso (20 de Julho).

Pacto da Granja (7 de Setembro). Unificação de históricos e reformistas. Instalação solene do novo Partido Progressista (17 de Dezembro).

Nesse pacto, subscrito, entre outros, por Anselmo José Braamcamp, Alves Martins, José Luciano, Mariano de Carvalho e Tomás António de Oliveira Lobo, previu-se uma larga descentralização administrativa anulando a intervenção do poder central nos actos eleitorais e a ampliação do sufrágio e representação das minorias.

O programa do partido foi aprovado na primeira assembleia geral do mesmo, que se reuniu em 16 de Dezembro de 1876, onde se emitiu a promessa de reforma eleitoral, ampliando o sufrágio, alterando os actuais círculos, admitindo a representação das minorias, regulando as incompatibilidades eleitorais e parlamentares  e assegurando, por meio de providências preventivas e repressivas a liberdade do eleitor e a genuína expressão do voto.

 

1877

A camarilha do Paço eleva Ávila ao poder, depois da queda de Fontes

O monarca lavrou então o decerto mandando o seu antigo ministério bochechar e encarregou o senhor marquês de Ávila e Bolama de reunir com os seus amigos o número de dentes necessários para formar uma gerência duradoura e firme (Ramalho Ortigão).

Em Portugal em vez da lógica conservadores/ revolucionários havia uma maioria parlamentar e uma oposição composta de vários grupos dissidentes. Estes grupos são fragmentos dispersos do único partido existente – o partido conservador – fragmentos cuja gravitação constitui o organismo do poder legislativo. Estes partidos, todos conservadores, não tendo princípios próprios nem ideias fundamentais que os distingam uns dos outros, sendo absolutamente indiferente para a ordem e o progresso que governe um deles ou que governe qualquer dos outros, conchavaram-se todos e resolveram de comum acordo revesarem-se no poder e governarem alternadamente segundo o lado para que as despesas da retórica nos debates ou a força da corrupção na urna faça pesar a balança da régia escolha. Tal é o espectáculo recreativo que há vinte anos nos está dando a representação nacional. Porque em todas as revoluções vitoriosas há uma parte que vinga para a posteridade e uma parte que se desconta nas restaurações subsequentes. O que vinga é o fruto da razão ou a forçadas coisas. O que se desconta num retrocesso proporcional é a obra da paixão, do sacrifício, do entusiasmo partidário (Ramalho Ortigão).

 

Carta de Alexandre Herculano a Oliveira Martins, agradecendo a remessa por este do folheto A Reorganização do Banco de Portugal. Herculano, na véspera de morrer, declara-se um liberdadeiro impedernido no pecado, considerando que o socialista vê no indivíduo a cousa da sociedade; o liberal vê na sociedade a cousa do indivíduo. Fim para o socialista, ela não é para o liberal senão um meio, criação do indivíduo que a precedeu, que lhe estampou o seu selo…a liberdade limita-se apenas pela liberdade, o direito pelo direito, considerando-se entalado entre a tirania em nome do céu e a tirania em nome do algarismo e rejeitando a solução do socialismo chamada monopólio, preferindo contra os abusos da liberdade mandar patrulhar a região do crédito por dois agentes de polícia chamados da prisão celular e presídio d’África, porque esses banquistas daí são uma alcateia de tratantes e burlões e que o Governo quer o monopólio da coisa para uns amigos seus de Lisboa que vão tratando da vida (Fevereiro).

 

1878

Novo governo de Fontes

 

Depois da queda do governo de Ávila, sucede-lhe Fontes, quando os progressistas começam a falar na camarilha do paço. O novo governo, que mantém uma certa continuidade face ao gabinete anterior, emite o código administrativa do Rodrigues Sampaio, que será retomado pela I República, e uma nova lei eleitoral, que alargou o colégio eleitoral e que havia sido lançada por Ávila. Começa a questão do registo civil, que até então era apenas obrigatório para os não católicos e Vaz Preto entra na oposição ao fontismo. Os regeneradores vencem as eleições de Novembro, quando é eleito o primeiro deputado republicano, Rodrigues de Freitas, pelo Porto. Os republicanos ainda são considerados tão inofensivos que Fontes chega mesmo a apoiar a candidatura de José Elias Garcia por Lisboa, contra a candidatura dos progressistas. Aliás, Fontes procura conciliar-se com eles, utilizando Barjona de Freitas, até porque então os mesmos estão divididos entre a facção de Elias Garcia e o modelo radical-federalista de Teófilo Braga.

 

1879

O primeiro governo progressista. Braamcamp: moralidade e liberdade

O constitucionalismo monárquico é uma transigência provisória entre o absolutismo e a revolução, e que esse estado provisório era explorado por uma família, muito além do legítimo momento histórico, onde dominam partidos médios que quando têm força, intimidam, como vimos nos Cabrais ou, quando se sentem fracos, corrompem, como fez Rodrigo da Fonseca. Critica a geração dos republicanos de 1848 por não terem entendido  o oportunismo de Gambetta na II República Francesa, que conciliou a burguesia com a república, sem alienar a simpatia dos democratas mais avançados (Teófilo Braga, em Soluções Positivas da Política Portuguesa)

 

1880

A procura da Vida Nova. Do centenário de Camões à chegada dos telefones

Em vez de se fazerem caudilhos para o conflito inevitável, fazem-se pares como quem atira uns cepos ao prato da balança para equilibrar as forças hostis. Pares e viscondes a rodo. Os primeiros dão o voto nas contendas da câmara alta em harmonia com as votações da câmara baixa. Os segundos dão dinheiro; são uns sujeitos que mudam de nome, e sustentam em carnaval perpétuo a ficção da velha aristocracia aluída (Camilo Castelo Branco).

Nas eleições deste ano, nos círculos onde a oposição não fez pressão na liberdade das consciências, os eleitores eram brindados com uma pipa de vinho e balaios de rosca à porta da igreja. Cada eleitor comia um pão, levava três nas algibeiras, e um no espaço vazio da consciência que ficava na urna…Padres cheios de ideias e de bifes de cebolada, fazem discursos com largos gestos, aquecendo as imagens com os cigarros que sorvem engolindo o fumo e a gramática num grande desprezo da moral e da sintaxe. São futuros abades e conegos…O povo das feiras escuta-os com atenção palerma, e parece que os acredita tanto nas estalagens como nos púlpitos. A religião e a política deste povo, pelo que respeita à consciência, é tudo o mesmo (Camilo Castelo Branco)

 

1881

No ano da publicação da primeira edição do Portugal Contemporâneo de Oliveira Martins, enquanto prossegue a acção do governo de Braamcamp, continua em ascensão o patriotismo imperial, levantando-se uma onda de fundo contra o Tratado de Lourenço Marques, assinado pelo governo de Fontes e assumido pelo governo de Braamcamp. Em Março já voltam ao poder os regeneradores, que aí permanecerão durante cerca de cinco anos, configurando-se novo situacionismo, marcado por aquilo que Salazar definirá ao proclamar que a essência do poder é alguém procurar manter-se. Naturalmente, o fontismo reforça-se nas eleições de Agosto, com uns esmagadores 89%.

 

1882

Centenário do marquês de Pombal e anticlericlaismo do ministro Júlio de Vilhena

O meu ódio, grande, entranhado e único na minha via, ao Marquês de Pombal não procede do afecto ao padre nem do desagravo da religião: é por amor ao homem. Reconhece que a realidade dos factos foi sacrificada a uma bandeira que lhe emprestaram, porque a Democracia…repele o meu livro da sua estante de história, e não lhe dará sequer a importância de o ler. Quanto a refutá-lo, a Democracia não gosta de ilaquear as suas teorias abstractas na rede da pequena história, feita das malhas dos argumentos sediços. Ela tem uma ideia, um simbolismo a que chamou – Marquês de Pombal, adulterando-o até às condições fabulosas do mitose os ultra-liberais de 1882 estão com o Marquês de Pombal, quem nos afirma que as confederações republicanas e ateístas de 1982 não hão-de estar com os jesuítas? As situações parecem-me equivalentes nas paralelas do absurdo (Camilo Castelo Branco, ao fazer o perfil do Marquês de Pombal).

1883

Entrada dos constituintes no governo fontista, consolidando-se o rotativismo

Estou cansado de ser explorado e bigodeado por este mercantilismo canalha que domina tudo (Camilo Castelo Branco).

 

Papa recusa receber em audiência D. Carlos e D. Maria Pia (Junho).

Congresso do Partido Republicano, sendo eleitos os seguintes membros para o directório: Elias Garcia, Manuel de Arriaga, Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso, Bernardino Pinheiro, Teixeira de Queirós, Magalhães Lima, Sabino de Sousa, Silva Lisboa e João Castelo Branco Saraiva. Considera-se que a missão do partido é uma missão transformadora (Julho).

Na altura começam as missões de propaganda republicana pelas províncias e é ridicularizado o governador civil de Lisboa, Arrobas que, na sua luta contra a hidra revolucionária, até apreendeu pianos em casas particulares onde se ouviam os acordes de A Marselhesa.

 

1884

 

Talvez seja conveniente recordar, como salientava Ortega y Gasset, que todas as revoluções são pós-revolucionárias, porque uma revolução inteira é um processo dialéctico, em que a tese é dada por uma certa situação histórica, a antítese por uma ideologia que procura antepôr‑se‑lhe, e, finalmente, a síntese, pela revolução em sentido restrito, em que se fundem numa unidade nova os elementos anteriores.

 

 

O medo do povo

Podemos até dizer que os regimes demoliberais tradicionais, apesar de invocarem a soberania nacional, sempre temeram a voz directa dos povos e o sufrágio universal, ao atribuírem, à minoria do activismo urbano, que conquistou o poder, a missão de controlo construtivista da nação, visando a educação daquilo menosprezavam como a ralé. Porque o activista não passa de mero agente de um dado movimento desencadeado por uma minoria intelectual, cumprindo-lhe fazer a ligação entre as cúpulas e as bases, difundir a mensagem transmitida pelo centro e assumir o proselitismo, de maneira que é sempre qualificado pelo situacionismo em perigo como um lunático, um sonhador, um radical ou um extremista.

Assim, uma das mais explícitas propostas de instauração do sufrágio universal surgiu do populismo miguelista durante a Patuleia que, paradoxalmente, continuava o sonho de certo vintismo. Aliás, a experiência massificada dos sufrágios directos teve início com os autoritarismos do século XX, do sidonismo ao 28 de Maio pré-salazarista.

Saliente-se a este respeito que o colégio eleitoral da I República, excluindo as eleições de 1911, variou entre um mínimo de 471 557 eleitores e um máximo de 574 260, entre os recenseados, e um mínimo de 282 387 e um máximo de 407 960, entre os votantes. Com efeito, tal regime não pode vangloriar-se de sufragismo, comparativamente à monarquia constitucional, ao sidonismo e ao 28 de Maio. Na monarquia constitucional, segundo a legislação de 1884, os potenciais votantes chegaram atingir cerca de 70% da população adulta masculina, em 1884, descendo para 50% em 1895 (863 280), atingindo o mínimo de 693 424 em 1908, mas com 450 260 votantes.

A reforma de 1911, se foi mais generosa quantos aos recenseados, comparando-a com a legislação em vigor em 1910, mas não com a de 1895 ou de 1884, na prática, acabou por ter menos votantes que os de 1908 e até menos do que os eleitores de 1834. Contudo, logo se regressou ao modelo censitário, temendo-se o voto dos cavadores de enxada, e, em 1915, tanto os recenseados como os votantes estão abaixo dos mínimos da monarquia constitucional.

Mais grave é a comparação entre a República e o sidonismo, dado que em 1918, admitindo-se o voto dos analfabetos e dos oficiais e sargentos das forças armadas, se atingiu um colégio eleitoral de cerca de 900 000 pessoas, com cerca de meio milhão de votantes, isto é, duas vezes mais recenseados e votantes que as anteriores eleições republicanas. E a comparação continua a padecer de défice comparativo se a fizermos com a eleição para o Presidente da República da Ditadura Nacional em 1928, onde Carmona aumentou em cerca de um quarto de milhão de votos, os recebidos por Sidónio Pais. Isto é, o presidente da ditadura recebeu quase o dobro dos votos dos recebidos por todos os partidos concorrentes às eleições parlamentares de 1925.

Os próprios actos eleitorais da I República variaram entre a plebiscitação do quase partido único do sistema e a determinação do grau de adesão dos eleitores às respectivas dissidências, almeidistas e camachistas, dado que uma efectiva alternância aos democráticos, apenas começou a ser esboçada a partir de 1919, com a junção de evolucionistas e unionistas nos liberais, os tímidos vencedores do acto eleitoral de 1921, mas logo derrubados pelo golpe outubrista desse mesmo ano, marcado pelos acontecimentos da Noite Sangrenta.

Se a democracia fosse entendida como o mero reino da quantidade, mensurável pela participação formal dos votantes em actos eleitorais, teríamos de concluir que, entre nós, até 1974, a ditadura foi mais democrática que a democracia. De facto, os democratas republicanos do início do século, temem o voto dos analfabetos, tal como, antes, os monárquicos liberais receiam tanto o voto destes como o dos operários. Aliás, no último quartel do século XIX, o partido republicano defende o destaque para o voto das grandes cidades, enquanto os partidos monárquicos tendem a integrar as grandes cidades nos respectivos distritos, em defesa do voto rural, e até a defender o voto operário. Porque não há nenhum partido que não faça a sua contabilidade eleitoral, eis que Sidónio não teme nem o voto operário nem o voto rural e trata de ensaiar o primeiro grande diálogo directo com as massas, nisso se distinguindo dos ditadores clássicos e dos movimentos fascistas que irão surgir nos anos vinte.

Os clássicos republicanos, marcados pelo modelo do professor primário e do burguês da classe média baixa dos lojistas, farmacêuticos, barbeiros e outros veneráveis frequentadores dos comícios republicanos, onde doutores e médicos bem peroravam, acabam, assim, por perder em democraticidade face aos gestores do sistema monárquico liberal e aos posteriores arquitectos do populismo ditatorial.

De qualquer maneira, todos perdem comparativamente ao modelo democrático posterior a 1974. Perde especialmente o último colégio eleitoral do regime da Constituição de 1933, dado que, mesmo com o voto das mulheres, apenas atinge 1 800 000 recenseados em 1973, contra os 6 231 372 de 1975, apesar de, nesta data, ainda continuarmos a ter cerca de 30% de votos analfabetos.

Por outras palavras, só a partir das regras do jogo semeadas em 25 de Abril de 1974 e confirmadas em 25 de Novembro de 1975 é que a democracia volta a conciliar-se com o sufrágio universal, apesar de alguns vanguardistas hierarcas do processo revolucionário chegarem a proclamar que aquilo que o povo escolheu nada tinha a ver com aquilo que convinha ao mesmo povo. Isto é, muitos revolucionários, entre os quais alguns doutorados em direito, propõem a superação dos resultados eleitorais de 25 de Abril de 1975, invocando, em nome do socialismo revolucionário institucionalizado, aquilo que os dignitários republicanos tinham referido face ao voto do povo pé-descalço, cavador de enxada ou de roçadora ao ombro. O problema foi terem-no deixado votar…

Quem viveu o ambiente das eleições de 25 de Abril de 1975, com filas imensas de povo anónimo a caminho das urnas, a fim de manifestarem a sua auto-determinação pessoal e sentiu, assim, existencialmente a força mística, mas real, de uma comunidade a votar contra a violência de um poder que pretendia continuar a subversão a partir do aparelho de Estado, não pode deixar de proclamar que a democracia é, sobretudo, experiência, dado que nela importa mais o primum vivere do que o deinde philosophari.

 

 

1885

Da Conferência de Berlim aos pares electivos. Oliveira Martins adere aos progressistas

 

O poder é uma palavra vã e um fantasma movido na cena pelas oligarquias que se escondem nos bastidores (Oliveira Martins).

 

1886

 

Governo de José Luciano: quatro anos de velha raposa

Se fossemos a fazer política com gente honesta, ficávamos só com meia dúzia de pessoas; o meu Partido não é que me leva ao Poder – sou eu que levo o meu partido ao poder (José Luciano).

 

1887

 

Morte de Fontes, Esquerda Dinástica e Vida Nova

 

A abstenção eleitoral é cada vez mais importante pelo número e pela qualidade dos que se abstêm. Os costumes públicos descem, baixam a olhos vistos. O desalento e a indiferença invadem e vencem quase toda a gente… (Discurso de António Cândido, em 29 de Agosto, no Ateneu Comercial do Porto, anunciando o programa da Vida Nova)

 

Somos forçados a demolir, em vez de construir. É uma desgraça para um país fraco e atrasado como Portugal, porque isso implica a perda de uma energia que podia ser melhor empregada (Rodrigues de Freitas).

 

1888

Da publicação de Os Maias à emergência dos Vencidos da Vida

Parece que estamos num período análogo ao da dissolução do mundo romano, ao qual se deve seguir uma nova Idade Média. Quem sabe o que sairá dela, quando lhe soar a hora da sua Renascença? E talvez que só então valham e tenham utilidade de aplicação as doutrinas dos filósofos e publicistas de hoje. Foi assim que muitas ideias de Aristóteles e dos Estóicos só se vieram a realizar e a adquirir valor social no século XV e XVII! (Antero de Quental, em carta dirigida a Fernando Leal)

 

1889

Morte de D. Luís e república no Brasil

 

1890

Do Ultimatum ao falado governo extrapartidário

 

É necessário um sabre tendo ao lado um pensamento. Tu és capaz de ser o homem que pensa – mas onde está o homem que acutila? (Eça de Queiroz, em carta de 7 de Outubro, dirigida a Oliveira Martins).

 

1891

Do 31 de Janeiro à Rerum Novarum

 

A situação é um poço sem fundo, para onde me lanço de olhos abertos (Mariano de Carvalho que dizia ter planos financeiros para salvar o Estado).

 

Desde o 31 de Janeiro todo o programa republicano é Revolução (Lopes Oliveira).

 

Eu supunha que havia coisas que não se podiam vender… (José Falcão).

 

1892

 

A desilusão governamental de Oliveira Martins e a manha de Zé Dias

Em sociedades que chegaram à dissolução da nossa, e que, em tal estado, se vêem a braços com a economia em crise, as revoluções, para serem fecundas e não serem mortais, têm de partir de cima, porque os melhores foram sempre as minorias

Se a Monarquia nos puder salvar, que nos salve: o nosso alvo é o país, e não um sistema (José Falcão)

Suponho que a minha carreira política está finda (Mariano de Carvalho ao demitir-se de ministro da fazenda)

No campo monárquico, a situação é sempre a mesma. Não melhora, nem piora, porque também não pode piorar. O Dias Ferreira saiu-me um charlatão ignóbil… a monarquia está liquidada (Alves da Veiga em carta dirigida a João Chagas)

 

 

1893

 

Em sociedades que chegaram à dissolução da nossa, e que, em tal estado, se vêem a braços com a economia em crise, as revoluções, para serem fecundas e não serem mortais, têm de partir de cima (Oliveira Martins)

 

1910

Ao reunir-se para eleger o último directório do Partido Republicano Português, datada de 12 de Abril, reconhece que fazer vingar a causa do povo em Portugal é operar uma obra de prodígio. É por assim dizer- criar. O povo não está feito. É fazê-lo. Não é ressuscitá-lo. Ele nunca existiu. Na realidade, é dar-lhe nascimento e mostrá-lo à própria nação assombrada, como um homem novo e sem precedentes (João Chagas).

 

 

Alma Nacional Estamos em tempo de nacionalismo místico. Destaca-se a revista Alma Nacional, surgida em Fevereiro de 1910, sob a direcção de António José de Almeida. Aí se considera que há um povo, uma nação, uma pátria, prisioneiras da monarquia, do clericalismo, bem como dos maus partidos, com as suas coligações e o seu caciquismo. Os republicanos, fiéis ao espírito nacional, querem destruir o velho e construir o novo, utilizando para tanto o instrumento do partido republicano.

 

 

João Chagas reconhece que em Portugal já não há hoje interesses de género que possam associar monárquicos e republicanos. A pátria de uns já não é a pátria de outros (3 de Janeiro). D. Manuel subiu ao trono e a monarquia foi dos padres.

 

Pelo fundo das províncias, em todas as cidades e vilas afastadas, há um povo que, sem protestar ainda clamorosamente, murmura contra o desgoverno em que vivemos…Dispersas essas vontades, sem coesão essas forças, ficam impotentes contra o cepticismo profundo que lavra na capital…Debate-se contra a força da inércia, contra a resistência da intriga, contra a lepra da corrupção, que se insinua por todos os meios, pervertendo todas as boas vontades, e sorrindo céptica e alvarmente perante qualquer movimento de coragem e dedicação patriótica (Oliveira Martins, no lançamento do programa de A Província).

 

1884

 

 

Alargamento do sufrágio, Cartilha do Povo e candidaturas católicas

Os progressistas têm praticado a censurável insídia de favonear com o seu silêncio e às vezes com o seu aplauso as diatribes do Século e as parlamentares do Arriaga. Sempre assim. Os mais avançados do liberalismo, os Passos, entraram no Porto fazendo cauda aos Póvoas, em 1846 ou 47. A atitude dos jornais liberais, mas oposicionistas, é a satisfação quando a corte é insultada em caricaturas. Girândolas de elogios à graça de Bordalo, a mais chata e desgraciosa fantasia (Camilo Castelo Branco).

No ano em que José Falcão publica a Cartilha do Povo, eis que nas eleições de Junho, os regeneradores fontistas, apoiados pelos constituintes, voltam a ser esmagadores, obtendo 73%, contra 21% dos progressistas. Há dois deputados republicanos por Lisboa, bem como sangrentos incidentes no Funchal.

Em Novembro começa a Conferência de Berlim que irá lançar a partilha de África pelas potências europeias. Neste ano chega a ser celebrado um tratado anglo-luso, que não chegou a ser ratificado, onde Londres reconhecia a Portugal direitos em toda a bacia do rio Congo

 

Aprovada nova lei eleitoral, com o apoio da oposição progressista (21 de Maio). Dissolução em 24 de Maio. Aumento do número de deputados para 169. 79 círculos uninominais no Continente. Alargamento do sufrágio. Abrangida cerca de 70% da população adulta. A lei vai vigorar durante uma década. Aumento do número de deputados. 151 eleitos em 100 círculos no continente e ilhas e 12 pelo ultramar; seis eleitos por acumulação de votos; atribuídos 22 lugares às minorias, apenas no continente. Sufrágio misto com círculos plurinominais de lista incompleta nos círculos com sede nas 21 capitais de distrito. Visa-se a passagem para o sistema proporcional. A outra metade dos deputados é eleita em círculos uninominais. 6 deputados por acumulação de votos (pelo menos 5 000 em todo o reino). Garantida assim a representação das minorias. Alargado o sufrágio a todos os que soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família (abrangida cerca de 70% da população adulta). A lei vigora durante cerca de uma década, permitindo aos governamentais cerca de uma centena de deputados.

 

Eleição nº 29 (29 de Junho) Vitória dos regeneradores fontistas com 110 deputados (73%). Há 8 deputados constituintes e 2 republicanos em Lisboa (Elias Garcia e Consiglieri Pedroso). Progressistas, depois de prévio acordo com os governamentais, conseguem 31 deputados (21%).

 

Houve uma acalmia competitiva, dado que os governamentais deixaram de pretender o esmagamento dos progresistas e nos finais de 1883 celebraram um acordo pré-eleitoral com os progressistas. O rotativismo, expressão inventada em 1900 por João Franco, atingiu o pleno, dado que nenhum dos grandes partidos admitiu a eliminação do principal concorrente.

 

 

 

Se os regimes políticos fossem coisas, coisas que se podem conquistar e manter uma vez alcançadas, talvez os homens deixassem de ser homens, talvez ultrapassassem aquilo que é viver, alcançando a homogeneidade pétrea daquela fixides a que Leibniz deu o nome de paz dos cemitérios.

 

Feliz, ou infelizmente, os homens e as coisas humanas, nascem, crescem, morrem e renascem, ou ressuscitam, sobretudo no campo do espírito

 

Assim, os regimes políticos, enquanto relações entre um aparelho de poder e um determinado sistema de valores.

 

Através da articulação dos poderes e da complexidade societária, são sujeitos a uma dinâmica que os leva a sucessivos ciclos, onde não há regressos, mas uma complexidade crescente, onde há convergências e divergências, apenas superáveis pela emergência do crescer para cima e do crescer para dentro.

 

Onde novas e velhas divergências e convergências nos fazem encadear passado, presente e futuro. Onde há passados que podem ser presentes. Presentes que vão morrendo. E, sobretudo, saudades de futuro.

 

E aqui estou, na escola que me deu ser cultural, vertebrando-me em pansamento, e a usar como mote as comemorações do centenário da república, para glosar o sinal que nos foi legado por José Falcão.

 

Eis o paradoxo, ao dizer que fui aluno de uma instituição, esta, quando ela tinha outro nome. Mas que era, ou talvez deva ser a mesma coisa. Apesar de os nomes não corresponderem à coisa nomeada.

 

Dei um título simbólico e, aparentemente, heterodoxo, à minha comunicação. Dizendo que, do patrono, ficou sobretudo a obsessão pelo povo, em forma de cartilha.

 

Mas o que verdadeiramente aqui me trouxe foi a emoção de poder exercitar a memória e de poder proclamar que escola secundária, ou liceu, rima mesmo com povo. Bem mais do que o efémero de uma revolta ou de uma revolução política. Porque a escola secundária, pré-universitária, de alta qualidade competitiva e de efectiva igualdade de oportunidades talvez constitua o mais eficaz dos factores democráticos de Portugal.

 

De qualquer comunidade que se assuma como política. E que adquira a dimensão mobilizadora de pátria.  Porque sem esse respeito pelos valores fundamentais da igualdade não podemos atingir a efectiva liberdade. Nem exercitarmos a comunhão das coisas que se amam e a que muito orgulhosamente subscrevo como fraternidade.

 

É por isso que no meu caso especialíssimo, porque todos os homens, enquanto indivisos, indivíduos, são seres que nunca se repetem, apesar de me assumir desde os bancos desta escola como da tribo azul e branca, emotivamente realista e racionalmente liberal, não posso deixar de sublinhar o legado mobilizadore de José Joaquim Pereira Falcãop.

 

Porque esse projecto por cumpriri que tem de continuar a ser a democracia, do povo, para o povo e pelo povo, isto é, de todos e cada um, para que cada um dê ao todo, de baixo para cima, a cidadania, para que o todo possa distribuir em nome do mérito e da justiça, para que subsidiariamente se corrija o movimento do individual e dos seus contratos.

 

É evidente que o povo nunca mandou. Isto é, nunca efectivamente houve democracia segundo os conceitos quantitativos de hoje. Nunca todos os que fazem parte de uma dada população foram cidadãos activos, todos os dias, enquanto participantes nas decisões do todo, sem o “apartheid” e o “fundamentalismo” da velha democracia ateniense.

 

É evidente que a Cartilha de 1884 foi um exagerado propagandismo, quando entrava em degenerescência a representação liberalona, onde o desviacionismo de uma representação parlamentar parecia ser mero clientelismo, evidanete corrupção e galopante devorismo. Estava destruída a autenticidade do vintismo, do primeiro cartismo, do setembrismo e do próprio armistício moral da primeira regeneração. A frustração da patuleia,. Os choques importados do republicanismo e do socialismo, geraram um saudável sebastianismo de certas elites que desafiavam a decadência e mantinham a esperança.

 

A revolta misturava-se com factores messiânicos que se tinham disseminado pelo corpo social. E essa temperatura elevada costuma acirrar fenómenos de vulgata, catecismo e forte propaganda. Assim sucedeu com a geração fundadora do republicanismo. Assim voltará a suceder, no século seguinte, com o anti-salazarismo.

 

A geração de Falcão teve a vantagem de não sofrer a erosão do poder, depois do falhanço do 31 de Janeiro de 1891. Nunca viu que o sonho acabou por ser ocupado por esse mecanismo de relojoaria chamado Afonso Costa. Sampaio Bruno e Basílio Teles acabaram no ostracismo.

 

Mas todos mantiveram aquela saudável radicalismo , segundo o qual, pensar é dizer não (Alain). Porque o essencial do homem ocidental é ser do contra (Unamuno). E a revolta é sempre mais autêntica do que a chamada revolução, enquanto cumprimento da cartilha do processo histórico, metido a martelo no guião da ideologia salvífica, enlata por revolucionários profissionais, intelectuais orgânicos e sargentos verbeteiros.

 

De qualquer maneira, foi graças a essa geração de engenheiros de sonhos que a nossa identidade acabou por ser refundada. E que Portugal, pela revolta, voltou a refundar-se no século XX. E será refundado no século XXI.

 

Porque povo pode traduzir-se por pátria e ninguém pode renunciar à mobilização, se mantivermos a fibra multissecular dos factores democráticos da formação de Portugal (Jaime Cortesão)