Jun 30

Debate parlamentar e outras farpas

Quando eu era menino e moço e passeava meus alvores profissionais como adjunto da governança, tive, um dia, que recolher opiniões das nossas associações patronais sobre a eventual criação de uma lei da concorrência que eliminasse uma das originalidades portuguesas no seio da OCDE, a de mantermos o único sistema de lucros excessivos…

O modelo vinha da I República, do imediato pós-guerra, dos tempos de luta contra o açambarcamento e da questão das subsistência, quando a principal tarefa dos ministérios da economia era o abastecimento, o tabelamento e o condicionamento. E os nossos empresários, os instalados, eram aqueles que mais temiam a liberdade. Estavam quase todos contra as portas abertas…

Além disso, habituados a décadas de convívio laxista com a polícia económica, já sabiam como era possível furar o esquema num modelo onde as excepções demonstráveis pelo são convívio com o controlador permitiam que o Estado os ajudasse a furar a lei da oferta e da procura…

Como se confirma pelo alarido dos patrões da comunicação social sobre a eventual privatização da RTP, os nossos capitalistas jogam pelo seguro da ditadura do “statu quo”. Querem uma economia privada, mas odeiam uma economia de mercado. E felizmente para a esquerda, tem essa de alguém ser liberal e mandar…

Aquilo que ontem pode ter espantado muitos papalvos do pretenso processo de liberalização em curso, já há muito que era anunciado em parangonas dos semanários do regime. Porque quem parte e reparte, ou é burro ou não percebe da arte desta nossa política lusitana onde dominam os conservadores do que está, em música celestial para os adoradores das vacas sagradas.

Nenhum dos nossos privados televisivos ou radiofónicos deixa de utilizar um bem totalmente público que é o sinal, sujeito apenas a regime de concessão e necessariamente fiscalizado pelo controleiro público de tal viação e trânsito. Basta cumprir os contratos vigentes, exigir-lhes contrapartidas e ter força para a aplicação de sanções, inclusive encerramentos temporários…

A discussão de privatização nada tem a ver com a velha luta contra o monopólio e, infelizmente, o canal que tem a legitimidade do título público e a legitimidade do respectivo exercício não conseguiu ser a BBC, isto é, em muitos casos, não se tornou num paradigma de pluralismo, não por culpa dos profissionais e respectiva criatividade, mas por tentação da nossa costela de inquisição e absolutismo…

O pluralismo à BBC conquista-se, menos por vontade dos parlamentos e dos governos, e mais por exigência de opiniões públicas educadas que não gostam de comer gato por lebre. E eu gostava muito de uma RTP pública que fosse BBC.

Hoje, a minha filhota mais velha faz anos. Anda emigrada, longe da terra, lá pela serra, num dos planaltos da Europa. Mas como sou pai babado, não resisto e, daqui, emito os meus parabéns que também são para mim. Já ontem lhe telefonei, fora do tempo de Lisboa, quando por lá chegava a meia noite, assim se confirmando como o próprio tempo é relativo e só o amor é absoluto.

Adoro ver os grupos de pressão com o periscópio de fora. É o melhor dos sintomas da transparência. Em russo diz-se “glasnot”. E que que nunca significou “prestroika”. Porque a mudança implica risco. E às vezes até faz cair o muro dos impérios. Mas só quando o povo efectivamente manda.

Magnífico preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/2011 sobre os governadores civis. Diz-se que ele “tendo tido um papel relevante no tempo da ditadura, enquanto tutela de um poder autárquico profundamente condicionado, os governadores civis foram sendo progressivamente esvaziados de atribuições ao longo do regime democrático instituído a partir de 25 de Abril de 1974″.

Infelizmente, não podemos dizer que havia poder autárquico antes do 25 de Abril. Em segundo lugar, eles continuaram a servir de extensão do poder central depois do 25 de Abril, servindo como correia de transmissão dos partidos que se instalaram nos governos provisórios e que, a partir de cima, distribuíram o novo poder partidário, repartindo os novos governadores civis…

Tal como a União Nacional foi instaurada como partido único a partir de uma resolução do conselho de ministros, também o poder democrático nasceu de cima para baixo, com os partidos dos governos provisórios repartindo os seus governadores civis e estes repartindo entre os partidos as suas comissões administrativas municipais. Só com as eleições é que veio a autarquia democrática.

Até houve um primeiro-ministro que um dia, em simples comunicação verbal ao país, disse que não iria cumprir a constituição na parte respeitante à regionalização e consequente substituição dos governadores civis, optando por esta herança de Rodrigo da Fonseca, Costa Cabral, Afonso Costa e Salazar. Chamava-se Aníbal, era do PSD e permitiu que o bicho, um quarto de hora antes de morrer sobrevivesse até hoje.

A parangona desta notícia não pode corresponder à realidade. Tenho a íntima certeza. O meu anti-socratismo militante não me leva a cair em tal leviandade. Não acredito que possa ter havido qualquer vislumbre de tentação de atentado contra o Estado de Direito, porque então duvidaria da viabilidade da própria democracia. Neste tempo de homens lúcidos, prefiro continuar ingénuo.

Porque acabei de escrever uma carta introdutória para uma antologia portuguesa sobre o anarquismo, também logo aceitei conferenciar a 7 de Julho no 1º CISEGUR, Congresso Internacional de Segurança Pública e Privada, na Faculdade de Direito de Lisboa, dia 7 de Julho, no painel “Segurança Financeira e Crise Internacional”. O Senhor Presidente da República vai solenemente encerrar o encontro.

Confirmado o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal. Ai do Pedro, se falhar mesmo a mudança. A medida da autenticidade do poder vai ser implacável. Não é um problema de fé na abstracção, mas de confiança pública de um povo em movimento.

Vou ouvir a Maria De Belém Roseira. Fala em nome do GPpS, ainda um pedacinho avariado, mas invoca a história de futuro: venham os estudos em que fundamentam vossas propostas, que depois decidiremos! As picadas ainda são muito metafísicas…

Não gosto do estilo Afonso Marchueta! Vou acabar outro trabalho e deixar a televisão em fundo ao longe. Prefiro outra música.

Lá vem Jerónimo! Deseja saúde para Pedro e os dele, mão não êxito no programa apresentado. Diz que não ouviu, do CDS e do PSD, durante a campanha, essa de cortarem metade no subsídio de Dezembro. Está a cumprir bem o seu dever!

Chega Louçã, diante do primo. Teoriza sobre o Estado-Glutão que previamente informou Bruxelas do que só agora revela em Lisboa, o pagamento de mais uma metade do BPN. Economista sofre!

PS congratula-se com o programa de governo em matéria de educação e ciência, reconhecendo o ritmo da continuidade.

Bancada do PSD continua a utilizar a retórica laudatória à Afonso Marchueta…

Estilo Passos no debate tem um sinal positivo e já esperado: não encara a coisa como um combate onde os que estão por cima tem de ganhar, desdramatizando, de forma centrista um modelo que não pode ser de jogo nem de mero diálogo de surdos. Convém que, da próxima, distribua o jogo e que as bancadas da coligação mudem de registo pacóvio. O PS já o compreendeu, até com Ricardo Rodrigues.

O pretexto dos estaleiros navais de Viana não foi casca de banana. Mas a resposta foi dramática. Não serve para ninguém se congratular, porque demonstra como, nesse caso, estamos todos a falhar!

O António Filipe, se fosse meu candidato autárquico, era capaz de ter a minha simpatia. Mistura moderação vocabular com objectivos de tradicional ruptura comunista, revelando crescente maturidade.

Agora vem o João Galamba. Mostra um alívio enorme em deixar de ser apoiante de governos e é capaz de se elevar muito mais como estrela oposicionista, porque este motivo rima bem mais com a respectiva natureza. Qualidade inegável.

E duas estreias de meus conhecidos: o Carlos Abreu Amorim a querer mudar o arquétipo, em estilo mais institucional, e o Adolfo Mesquita Nunes, outra estrela da blogosfera. O parlamento começa a ser espaço do velho combate de blogues. Louvo o crescimento.

O senhor deputado Duarte Marques… estou tramado! Deste só posso dizer bem. Mas a coisa não lhe correu mal, antes pelo contrário. Boa, Duarte! Desculpem lá a falta de imparcialidade…

Pronto. Já vi o que queria deste debate. As estreias e o novo estilo. Para mais do mesmo, já ouvi demais. Vou mudar de capítulo.

Volto, para fazer o jantar, religando a televisão. Hoje ainda tenho direito a bife. Sem ser de cavalo cansado. Reparo na retórica anticlímax do ministro das finanças que, apesar de o não parecer, é plena retórica. Anoto e vejo ainda como arrumou com doçura um ex-secretário de Estado de Sócrates. Sorriu. Vem agora Basílio Horta, bem mais calejado. Vamos ver a dialéctica.

Espreito os telegramas das agências. Reparo como o PS começa a reagir, depois das mensagens de Seguro e Assis. A retórica de Basílio já manifesta a mudança de sinal na torneira do principal partido da oposição. A oposição democrata-cristã vinda do PS parece ser mais eficaz que as anteriores deputadas do Humanismo e não sei que mais…

Vem agora Telmo Correia. Sublinho as duas invocações espirituais com que rendilhou o texto: do maçon Winston Churchill e do maçon Edmund Burke. Noto que são britânicos.

O argumento do ministro Gaspar sobre a dispensa de corte a quem apenas aufere do salário mínimo, em nome da justiça, quase é um hino a uma medida que estatisticamente seria mais “justa”: fazer com que dois terços dos pagadores de IRS passassem a auferir apenas do salário mínimo; e com que um terço dos pensionistas e reformados sofressem de idêntica restrição. Viva o “mix big brother”!

Não percebo como está muita gente espantada com esta do imposto extraodinário. Como é que poderia ter sido prometido, se ele é mesmo extraordinário? E nestas coisas de Estado, o estadistas da ética da responsabilidade, coisa exactamente contrária à ética da convicção, sempre assumiram aquela velha máxima segundo a qual o normal é haver anormais, onde quem paga é sempre o mesmo.

Os estadistas do “read my lips” são directamente proporcionais aos defensores da privatização dos canais públicos de televisão. Um belo princípio liberalizador, desde que não se diminuam as minhas receitas. É por isso que sou cada vez mais liberal nos princípios, nos métodos e nos fins. Nunca gostei do liberalismo a retalho dos que mal estão no poder metem a ideologia na gaveta. São iguais aos socialistas.

Ele que é santo homem lá das serras, o anjo do fragmento paradisíaco do Portugal velho caiu. Caiu o anjo, e ficou simplesmente o homem, homem como quase todos os outros, e com mais algumas vantagens que o comum dos homens. Os miguelistas chamaram-lhe liberal e acérrimo (excerto de um romance de Camilo que vou oferecer a um amigo deputado).

Estou português do século XIX no rumo em que o farol da civilização alumiava com mais clara luz. Disse que escolhia o seu humilde posto nas fileiras dos governamentais, porque é figadal inimigo da desordem, e convencido estava de que a ordem só podia mantê-la o poder executivo, e não só mantê-la, senão defendê-la para consolidar as posições, obtidas contra os cobiçosos delas (é do ano de 1866).

“Reflexionou sisudamente, e fez escola. Seguiram-se-lhe discípulos convictíssimos, que ainda agora pugnam por todos os governos, e por amor da ordem que está no poder executivo” (Camilo Castelo Branco, no romance A Queda de um Anjo, de 1866, aplicável directamente a um deputado de hoje)

 

Jun 30

Anarquia

 

 

Aos meus avós e primos anarquistas

Quoique très ami de l’ordre, je suis anarchiste.

Proudhon

 

por José Adelino Maltez

 

Anarquia vem do fr. anarchie e este, do grego anarchia. A palavra foi introduzida através das traduções latinas de Aristóteles. Em sentido etimológico, é o mesmo que ausência de chefe, porque, em grego, quer dizer an (privação de) mais arche (poder, ordem). Se a inicial teoria anarquista terá sido elaborada por Godwin, é Proudhon, em 1840, quem, primeiro, se qualifica como tal, pela defesa de uma anarquia positiva baseada no renascimento da vida local. Gera-se, a partir de então, um movimento social e político revolucionário que, durante a vigência da I Internacional, entre 1864 e 1872, rivaliza com o marxismo.

O movimento é particularmente assumido por autores russos. A ala de Bakunine defende a utilização da violência para a destruição do capitalismo e do Estado. A de Kropotkine opta por uma via de cooperação voluntária, assumindo um anarquismo comunalista, mutualista e solidarista, defensor de uma sociedade baseada na lei da solidariedade e da ajuda mútua, ou entreajuda, porque o homem tem predisposição natural para ela. Assim, considera que a comuna tem de ser proprietária de todos os meios de produção, em nome de uma política norteada por ideias morais, por aquilo que qualifica como o progresso moral da nossa raça. Como confessa, na Sibéria, perdi toda a fé na disciplina do Estado. Assume-se também contra o livre-cambismo, que terá dividido a humanidade em fábricas nacionais, cada uma com a sua especialidade, saudando a nova corrente que leva as nações civilizadas a ensaiar no seu interior todas as indústrias e a encontrar vantagens em fabricar tudo o que dantes recebiam dos restantes países. Insurge-se também contra o darwinismo, que tão marcantemente influenciou o marxismo russo, criticando especialmente a teoria da luta pela vida, apelando, em alternativa, à cooperação e ao auto-governo da solidariedade espontânea. Na sua obra é marcante a influência de Proudhon. Trata-se de um anarquismo que se volta fundamentalmente contra o centralismo tentando delinear uma espécie de anarco-comunalismo.

É evidente que não me considero anarquista, embora não rejeite a mestria de Proudhon, reconheça a importância do anarco-sindicalismo, particularmente vibrante durante a I República, nomeadamente com João Evangelista Campos Lima, Alexandre Vieira ou Manuel Joaquim de Sousa e não possa esquecer as coincidências afectivas que mantive com herdeiros do anarquismo místico, nomeadamente Agostinho da Silva.

Com efeito, não posso deixar de comungar com todos aqueles que, reagindo contra o absolutismo, tentaram, pela via consensualista, institucionalizar formas de controlo do poder, estabelecendo travões ao mecanismo autofágico do Leviathan soberanista. Porque no soberanismo absolutista, o poder supremo não só não admite o controlo fáctico, da divisão e separação de poderes, como o próprio controlo normativo, nomeadamente pela não admissão do conceito de abuso do poder, esse poder supremo que, em nome de um terrorismo da razão, foi a fonte primordial do próprio terrorismo de Estado.

Daí subscrever Alberto Camus e as fortes palavras que no próprio ano do meu nascimento, em O Homem Revoltado, deixou contra o idealismo alemão, em defesa do pensamento do meio-dia que é o espírito mediterrânico, onde a inteligência é irmã da vigorosa luz, a comuna contra o Estado, a sociedade concreta contra a sociedade absolutista, a liberdade reflectida contra a tirania racional e, finalmente, o individualismo altruísta contra a colonização das massas, em suma o equilíbrio contra o desequilíbrio. Porque, na ideologia alemã,  culminam vinte séculos de luta vã, em primeiro lugar, contra a natureza em nome de um deus histórico e em seguida em nome da história divinizada. Logo, insurge-se contra a ideia de revolução e defende a atitude da revolta, do homem que resiste à injustiça para melhorar a sorte dos seus semelhantes.

Por outras palavras, assumo a herança libertacionista e individualista da criatividade, de ser o homem a fazer a história, em vez de ser o processo histórico, ou a ideologia a fazer o homem, mesmo que o homem faça a história sem saber que história vai fazendo, como assinalava Alexis de Tocqueville.

Acresce que raramente se refere que a nossa herança anarquista restaura a palavra política mais autêntica, a de comundidade, fazendo-a rimar com liberdade. Porque as comunidades  têm forte poder normativo (símbolos, valores e sentimentos), embora pouco poder coercivo (meios de violência) e utilitário (activos económicos e capacidades técnicas e administrativas).

Por isso é que interessam menos os nomes e mais as coisas nomeadas, para quem gosta de recordar Alexandre Herculano de Carvalho Araújo (1810-1877), na véspera de morrer, em Fevereiro de 1877, numa carta dirigida a Joaquim Pedro de Oliveira Martins, quando se declarava um liberdadeiro impedernido no pecado, considerando que o socialista vê no indivíduo a cousa da sociedade; o liberal vê na sociedade a cousa do indivíduo. Fim para o socialista, ela não é para o liberal senão um meio, criação do indivíduo que a precedeu, que lhe estampou o seu selo…a liberdade limita-se apenas pela liberdade, o direito pelo direito, considerando-se entalado entre a tirania em nome do céu e a tirania em nome do algarismo e rejeitando a solução do socialismo chamada monopólio, preferindo contra os abusos da liberdade mandar patrulhar a região do crédito por dois agentes de polícia chamados da prisão celular e presídio d’África, porque esses banquistas daí são uma alcateia de tratantes e burlões e que o Governo quer o monopólio da coisa para uns amigos seus de Lisboa que vão tratando da vida.

A única maneira de superarmos o actual situacionismo está na emergência de uma alternativa que aposte numa nova atitude político-cultural e ao serviço da clássica procura dos valores do melhor regime e da boa sociedade, sem que se continue a entoar a ladainha da repristinação, dominada pelos reciclados homens de sucesso do neo-riquismo, essa imagem que leva os incautos a confundir o liberalismo com o negocismo de gente com fax para o off shore; e o pluralismo dos legítimos grupos de interesse e de pressão, com tráfego de influências. Não sou liberalista, sou liberdadeiro. Não sou libertário, sou libertacionista. Mesmo que me fique o excesso de uma doutrina imperfeita. Os novos-velhos clérigos da nossa intelligentzia e da nossa nomenklatura nunca passaram os olhos pela Filozofia de Príncipes, de Bento José Souza Farinha, publicada três anos antes de se desencadear a Revolução francesa. Jamais compreenderam Silvestre Pinheiro Ferreira. Não ouviram falar nos teóricos de The Federalist, traduzidos por José da Gama e Castro. Não registaram os discursos políticos de Luís Mousinho de Albuquerque. Não conhecem os aforismos de Alberto António de Morais Carvalho (1801-1878). Não sabem da silenciada tese doutoral de António Cândido Ribeiro da Costa (1850-1922), Princípios e Questões de Philosophia Política. Condições Scientificas do Direito de Suffragio, de 1878, por acaso a primeira dissertação da politologia contemporânea deste nosso país. Tendo apenas uma vaga referência sobre Luís Cabral de Moncada, não entendem a angústia do radical democrata antijacobino que foi Raul Proença. Por mim, prefiro seguir a velha lição liberal de Luís Mousinho de Albuquerque, para quem o princípio único de toda a Política é a Moral. Finanças, interesses materiais, formas de Governo, tudo é adventício, tudo é subordinado a esse princípio único. Tudo são entidades secundárias, tudo são acessórios do edifício da existência social. O valor fundamental é a independência portuguesa e o carácter nacional, importando servir o Estado…o Estado, a República…este dever todo moral, todo patriótico. Seguindo tal exemplo, importa ser excêntrico a todas as parcialidades, a todas as exclusões, a todas as intolerâncias, para poder ser concêntrico com a nação, para que a nação seja governada para a nação e pela nação. Quer ser governada no interesse de todos, e não no interesse de alguns; quer ser governada pela influência colectiva de todos, e não pela influência exclusiva de uma parcialidade; quer o concurso de todas as virtudes, de todos os talentos, de todas as probidades para presidir aos seus destinos, sem distinção de cores, sem exclusões partidárias. Por isso, há que assumir uma bandeira nacional, que seja excêntrica a todas as paixões, a todos os ódios, a todas as vinganças, em nome do desejo do povo que não aspira à governança, mas sim à felicidade. Por um governo representativo, não em nome, mas em realidade. Por um regime, verdadeiro e sincero, para que a nação seja governada com justiça, com verdade e com amor; porque mal dos povos que não são governados com amor, mal das nações que são regidas sem sinceridade. Podem as nações ter a faculdade de renascer pela reacção contra a força; mas da gangrena moral ninguém ressurge, não é essa gangrena uma das fermentações tumultuosas que transformam uns produtos em outros; é a fermentação pútrida, que destrói radicalmente o ser orgânico, que desagrega, que dispersa os átomos componentes.

 

 

José Adelino Maltez

 

Mas a primária e permanecente forma anarquista é a filosófica, como a do escritor russo Lev Tolstoi, invocando o pacifismo da lei do amor do Sermão da Montanha, contra o estadualismo, entendido como a violência organizada, semente donde brota o anarco-pacifismo de Gandhi, visando o estabelecimento de uma revolução não-violenta.