Não há mister audácia, nem inteligência, nem ciência – audácia porque o adversário não responde. Inteligência, porque o adversário não corrige. Ciência porque os únicos que podem corrigir estão sob um sigilo que lhes inibem a correcção.
E glosando Pope, assinala: os parvos entram onde os anjos temem entrar.
O segredo das democracias exige boas oposições para melhores governos. Só que, os adversários têm um lugar comum no diálogo, até para acordarem no que estão em desacordo. E não são acordos de governo nem acordos parlamentares, ou folclóricos acordos de regime. São coisas não escritas chamadas consenso nacional. Foi assim que refundámos a democracia. Os velhos pais-fundadores sabem.
Há uma saída facílima, um acordo entre Passos e Seguro, confirmando que eles não são meros feitores das forças vivas. Um acordo não escrito, evidentemente, mas sagrado, de palavra de honra, renunciando aos habituais métodos do clientelismo e da compra do poder. Eles sabem melhor do que nós. Até confio que queiram. Livrem-se dos intermediários! Retomem o primado da política.
A velha herança da hipocrisia é que permite as sucessivas faltas de autenticidade dos poderes estabelecidos. Preferimos estórias de teorias da conspiração e genealogias de notáveis, mas somos incapazes de identificação dos grupos de interesse e dos grupos de pressão. Dos que têm mais poderes que o próprio poder, mas que fogem sempre com o rabo à seringa nominativa, sobretudo para quem precisa de protecção.
A velha técnica do sofisma persiste no estadualismo sem dor. De meia dúzia dos nomeados, uns atacam os mais competentes e o nomeador apenas defende os mais competentes, nada dizendo da nebulosa dos escritórios de advogados ou dos que continuam a suprema missão da presidências das assembleias gerais e dos conselhos fiscais. Passam ambos ao lado, entre o contrismo e o clientelismo.
No debate parlamentar, estão a pôr muita água na fervura dos picaretas falantes. Devem saber muito bem o que amanhã serão as parangonas.
Estou vendo o que previ, no JN, como sendo “o primeiro debate entre dois gajos porreiros, dois jotas formados no regime da conversa democrática. Prevejo ‘passos seguros’, no sentido da dialéctica da palavra, sem pulsões temperamentais“.
Uma regra da experimentação, bem antiga: nas campanhas negras, depois dos golpes podem suceder-se os contragolpes.
Quem viveu o PREC, sabe perfeitamente que, em Portugal, quem desencadeou os golpes foi sempre derrotado pelos contragolpes da coligação negativa. Até na grande política europeia da história contemporânea.
Espero que o Primeiro-Ministro de Portugal tenha a autoridade democrática de vencer as corporações, as facções e as forças vivas à solta. Por acaso, até confio.
Espero que o Parlamento e as oposições compreendam o momento. E que todos nos defendam desta profunda brecha institucional e que a liberdade de imprensa e pensamento saiam incólumes.
Conclusão: que pena não haver mesmo jornalismo de investigação há muitos anos. Sempre foi melhor prevenir que remediar.
Se todos puxarem para baixo, fica tudo rasca. O pior dos défice é o da educação cívica. O processo de niilismo em curso que certa politiqueirice tem fomentado está a criar um ambiente susceptível de ser manipulado por um inesperado populismo que dois ou três controladores podem acelerar. Puxem para cima, por favor! Quem com ferro da demagogia mata, com o mesmo ferro pode morrer.
Acabo de ouvir na SICN três antigos altos dirigentes do PSD, do PS e do CDS, abordando de forma bem informada a questão das fugas de informação que põem em dúvida os nossos serviços de informação. Todos confirmaram que a dúvida já pertence ao pretérito, remoto e menos remoto. O ponto de não regresso já não admite pensos rápidos e já não chegam intervenções aparentemente cirúrgicas.
O principal do Estado, aqui e agora, é ser feitor da Troika. Ah! Ah!
O Estado, desde que Maquiavel inventou o nome, sempre esteve de acordo com a etimologia: uma forma substantivada (estado) derivada de um verbo (stare). Quando se tentar captar a coisa, ela foge-lhes por entre os dedos analíticos goza quem nem uma perdida
O melhor Estado do mundo ocidental, isto é, aquele que até pode ser império com o “free trade”, teve sempre uma pequena vantagem: nunca teve o conceito de Estado. Por cá, no manual de OPAN, ele sempre foi “a nação politicamente organizada”. Isto é, música celestial para o tradicional conto do vigário.
Não há governo do nosso último quarto de século que não tenha proclamado reduzir o Estado. Na prática, o aparelho deglutiu e discurso e cresceu até à custa de tal discurso. Seria conveniente notar que o Estado é um problema que só se resolve quando se tiver uma ideia dos Estados dentre do Estado e além do próprio Estado. Ele não é uma coisa, é uma relação e, consequentemente, uma ralação…
Dos piores gestores e dirigentes da administração pública que eu conheci, e conheço, estão alguns dos mais encartados reformadores das engenharias das pretensas reformas da coisa e que nisso vão mantendo emprego em regime de cogumelos venenosos. Os mais fracassados são os idiotas úteis que acreditam neles e os chamam para as engenhocas legiferantes.
Li a entrevista de Jorge Silva Carvalho ao DN. Li a resposta de Ricardo Costa à Lusa. É fácil de concluir que há aquilo que em estratégia se qualifica como “ponto de não regresso“. Prefiro a interpretação que o grande poeta António Manuel Couto Viana deu ao mote kaulzista do tema. Vai ser um jogo bem duro.