Nenhum constituinte tinha previsto que um memorando de entendimento com um grupo de trabalho mandatado por organizações internacionais com um governo de Portugal poderia ser efectivamente superior ao texto da constituição, ainda por cima negociado mediante a ameaça, não da ocupação, mas da bancarrota.
Ir além da troika, aqui e agora, deveria ser tanto atacar a causa do endividamento, como evitar que a protecção se transforme de provisória num definitivo ocupante da nossa autonomia, como a invocação exógena de uma qualquer bela ordem que disfarce a impotência interna.
O Portugal de Abril, para cerca de um milhão de eleitores que não é de esquerda nem de direita e, manhosamente, vai votando no PS e no PSD, sempre significou crédito bonificado para a compra de uma casita, permitir que os filhos pudessem ser dôtores, dar uma volta saloia com o carrito, reforma garantida e hospital em condições em caso de azar. O que era bom ameaça acabar e o voto, do mesmo modo.
A vantagem de Abril são os muitos pedaços de que ele foi sendo feito. Foi ir-se fazendo no caminhar por caminhar. E se apenas restar a liberdade já é muito mais do que dantes. Pelo menos, é melhor.
O socialismo abrileiro, ou a social-democracia da mesma família, deu-nos adequados seguros sociais que permitiram democratizar a propriedade, ter seguros sociais que libertaram a pessoa da necessidade, mas também nos transformaram em servos da gleba hipotecária e feudatários dos ministérios da educação.
A incerteza da nova geopolítica do euro mandou extinguir autarquias e o ministro das ditas que, segundo a nova orgânica governamental não coincide com o ministro da administração pública, decidiu acabar com muitos chefes, mas sem dizer que vai fazer dos índios. Uma questão de heteronomia do estadão, onde há quem faça sermões de propaganda e quem ainda não saiba como vai administrar a reserva dos índios. Nem Frei Tomás o poderá pregar aos peixes.
Essa treta da lista de extinção de organismos, empresas estaduais e fundações isentas de imposto, porque obedece ao princípio dos vasos comunicantes, só ilusoriamente comprime o aparelho de poder. Ainda não começaram a discutir o essencial: a efectiva devolução de poderes às comunidades, à semelhança do que começaram a fazer nas zonas das IPSS, das escolas ditas privadas, e das misericórdias…
Para acabar com o monstro estadualista, o tal cão de guarda da propriedade, alimentado a impostos, importa fazer o mais difícil: devolver poderes e propriedades aos indivíduos, às famílias e aos outros grupos que são constituídos de baixo para cima, sem os confundirem com os grupos de pressão que se dizem sociedade civil, partidos ou sindicatos e que dizem representar a sociedade civil.
O actual monstro assenta na pior das opressões: a expropriação da propriedade que resulta do trabalho individual, através do imposto insaciável, estabelecido por uma máquina que não controla a evasão fiscal ou o processo de compra de poder. Tal como Mouzinho da Silveira libertou a terra das rendas feudais, o novo Mouzinho tem que libertar o indivíduo da falsa tutela dos novos contratadores, de empresas de regime às clientelas que apluadem os sucessivos vencedores das puganas eleitorais.
A única reforma que falta cumprir: a da primeira revolução do nosso século XIX, a revolução burguesa ou liberal, a dos direitos humanos. Por isso é que fomos fingindo que a ultrapassávamos, brincando às revoluções revolucionárias e contra-revolucionárias, umas para ir atrás de 1917, outras para a esmagarem, na senda de 1922. E com tretas nos algemámos.
“Português à solta” é a definição dada pelo poeta Manuel Bandeira ao verdadeiro brasileiro. Muitos a têm glosado, quando ela é clara: o português livre, porque longe do Estado Absolutista, como normalmente é o estado a que vamos chegando.
A maior parte dos actuais governantes da Europa é proveniente daqueles grupos que, a partir de meados do século XIX, emergiram como inimigos do demoliberalismo, isto é, ou são do socialismo, maioritariamente marxista, ou do cristianismo social. A paciência tolerante dos modelos resultantes das revoluções inglesa, norte-americana e as várias francesas é como água mole em pedra dura, como se vê com a lenta aglutinação a tal herança dialéctica de ex-comunistas e ex-fascistas.
Continuamos com sede de política, mesmo que alguns, raspado o verniz, mostrem o caceteirismo com que se drogam, entre fantasmas de direita e preconceitos de esquerda. Eu também sei, parafraseando Almada Negreiros, que que as frases que hão-de salvar a humanidade já estão todas escritas, mas como sou dos que sabem que nada sabem, apenas posso concluir que a humanidade continua por salvar.
Se eu tivesse uma solução para Portugal, fundava um partido, um movimento ou uma candidatura. Como não tenho, vou plantando árvores e escrevendo livros. Nos intervalos, vou dizendo o que penso e tentando viver conforme penso. Isto é, cumprindo uma missão que vai além de mim.
Há muita gente que de diz maltratada pelo tempo em que vai vivendo. Eu não tenho essa frustração. Só com divergências e convergências é que pode haver emergências, se, dos maus tratos, tivermos a superior raiva de não nos enraivecermos e soubermos crescer por dentro e para cima.
Estou a ver e a ouvir Seguro. É socialista e de esquerda e quer mais aparelho de Estado. Sou liberal e não sou de esquerda. Até quero mais comunidade, mesmo que seja com caridade e misericórdia. Admiro a autenticidade da esquerda, ainda que um pedacinho retro. Detesto a hipocrisia da pretensa esquerda-menos que nos quer enrolar. Mas não divido o mundo entre o Estado e o mercado. A liberdade pode rimar com igualdade, através da fraternidade.
“O aparelho de poder atingiu níveis de uma insuportável ocupação da democracia por forças políticas que não cumprem aquilo que prometem e que se sucedem sem respeito pela palavra dada” (parte de um texto que subscrevi com alguns amigos, liberais e socialistas, para um encontro de reflexão política).
“O crescente nível de incompetência, sem adequada responsabilização dos episódicos gestores políticos está a contribuir para um definhamento da própria comunidade política, porque sem indivíduos responsavelmente sustentáveis pela propriedade do trabalho, apenas se agravará a lei pré-política da submissão dos mais fracos por autocráticos e burocratizados agentes. As forças vivas não tardarão a ocupar o presente vazio da república pela ameaça ao mínimo existencial”.
Os dois pedaços de texto que aqui publiquei resultam de uma reflexão que faço com alguns amigos, mas que decidimos, de cada vez, passar a escrito. Se muitos começarem a dar voz a esta revolta, mesmo sem leninismo organizacional, a onda pode propagar-se através do adequado gesto do Zé Povinho, pilotando o seu próprio futuro. Já chega de falarem por nós. O pior das crises é sempre a indiferença. E basta fazer clique aqui no FB.
Espreitei o debate sobre a Madeira na SICN. Foi ruído a mais. Para chegar à conclusão que o mais bem educado foi o António Filipe do PCP. Logo, foi o mais ouvido.
O acordo, mesmo com desacordos, agora anunciado sobre a avaliação de docentes é uma boa notícia. O ministro e os sindicatos desempenharam bem suas missões. Hoje estamos melhor do que estávamos ontem.