Primeiro, foram as falsificações estatísticas que nos deram o euro, as que nos lançaram no salto em frente, onde quem sabia, devia ou podia saber, dolosamente ocultou. Depois, foram os sucessivos adiamentos, à procura de um impossível federalismo sem dor. Agora, o perigo das cedências ao populismo, à xenofobia e até a um já não disfarçado racismo sociológico, face aos sulistas da mandriagem e de um lugar ao sol. A Europa em poder-ser continua a viver do equilíbrio entre o meio-dia e a meia-noite. Entre o velho mar interior que nos faz aceder a África e à Ásia. E a aurora boreal dos gelos eternos. Não passamos de uma quase península que é praia de partida para todo o mundo.
Daily Archives: 1 de Novembro de 2011
Hoje, 1 do 11 do 11
Divertem-me os lemas usados para o evento do G20 em Cannes:”novo mundo, novas ideias” e “a história escrita em Cannes”. Especialmente quando, por cá, se atingiu o máximo do capitalismo popular: por treze cêntimos apenas, qualquer pode ser banqueiro, tornando-se accionista do BCP. Nomeadamente, para apoiarmos a acção regeneradora de Joe Berardo, em defesa das artes…
Hoje, 1 do 11 do 11, algo mudou na história da Europa. Mesmo que Papandreou recue ou finja recuar. Tal como a Dinamarca e a Irlanda mudaram de sinal, em referendo, face à pressão da hierarquia das potências. Sem um novo edifício institucional, a Europa não consegue mais ocultar a reserva mental dos Estados que se sentem impotentes, neste processo do federalismo sem dor, mas com efectivas ameaças de falsa persuasão. Porque até já nem há legitimidade para o recurso à via militar, para a defesa dos interesses comuns do directório.
A democracia é incerta e dilatoriamente chata, como se demonstra pela ameaça referendária dos gregos. Mas ai da democracia se, com ela, fingirem implantar a certeza da ditadura das finanças, alienígenas. E ai dos Estados que, depois de pactuarem internacionalmente, invoquem a falta de legitimidade superveniente, por mero cálculo eleiçoeiro. É tão inadmissível como a imediata ameaça de Juncker: “se dizem não, vão para a imediata bancarrota”. Pensava que a Europa era feita de liberdades nacionais, mesmo sem plenitude de soberania
Governo grego, reunido de emergência. Nunca o poder funcional de Atenas gerou tanta incerteza à Europa e ao mundo. Não quiseram ouvir o povo, nem quando desceu à rua. E agora a partidocracia não quer comprometer-se com os cobradores do fraque. Os mesmos que nos pariram o memorando da troika. Não é um problema do texto, mas do contexto, o de não poderem suspender a democracia em nome da banca
O situacionismo dos velhos sistemas de controlo social deve preocupar-se, com a crescente desconfiança pública face aos agentes políticos. E que nada tem a ver com a anterior erosão do poder, quando findava os estados de graça das mudanças eleitorais. A quebra da fé pública é galopante e começa a não ser raridade a invocação da violência messiânica, em programas de transmissão em directo da opinião pública.
A vertigem grega começa a ensombrar-nos. E já não há manuais de comparativamente, do sincrónico e do diacrónico, que nos possam sustentar. Os tempos são mesmo novos, mas não do juízo final. Os planeamentistas do costume correm sérios riscos de despedimento por justa causa.
Primeiro, foram as falsificações estatísticas que nos deram o euro, as que nos lançaram no salto em frente, onde quem sabia, devia ou podia saber, dolosamente ocultou. Depois, foram os sucessivos adiamentos, à procura de um impossível federalismo sem dor. Agora, o perigo das cedências ao populismo, à xenofobia e até a um já não disfarçado racismo sociológico, face aos sulistas da mandriagem e de um lugar ao sol.
A Europa em poder-ser continua a viver do equilíbrio entre o meio-dia e a meia-noite. Entre o velho mar interior que nos faz aceder a África e à Ásia. E a aurora boreal dos gelos eternos. Não passamos de uma quase península que é praia de partida para todo o mundo.